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Mas Luís de Camões não recorre apenas aos salmos, também a inclusão da
metonímia da Pedra, como símbolo cristológico e eclesial, faz uma
referência ao texto do Evangelho Segundo Mateus, proveniente com certeza
da leitura do Novo Testamento ainda segundo a Vulgata: «Tu és Petrus et
super hanc petram aedificabo ecclesiam meam.»
A rapsódia que acaba por ser Babel e Sião (mais conhecido no vernáculo
actual por Sobre os rios) contém um conjunto de fragmentos em que por
detrás dos mesmos os temas bíblicos assumem preponderância, tornando-
se evidentes numa leitura conhecedora.
Quanto ao célebre soneto atrás referido, Sete anos de pastor Jacob servia,
o vestígio bíblico do Livro do Génesis é notório. É público para aqueles que
conhecem bem o trajecto atribulado do filho menor de Isaque, a
importância de Jacob na história profética da promessa do nascimento de
uma grande nação e da história profética da Redenção. Todavia a estrutura
do soneto, sendo respeitadora da história, não deixa de apresentar na sua
arquitectura o hino ao amor, na brevidade do tempo, que Camões quis
sobretudo entoar:
«Começa de servir outros sete anos, / Dizendo: - Mais servira, se não fora /
Pêra tão longo amor tão curta a vida!»
De bagaceira e eito.
Este poema brasileiro, por assim dizer etnográfico, mas da cultura da língua
lusófona, é paradigmático da influência da Bíblia nos costumes, na vida
quotidiana e no culto divino.
para a INCM)
A verdade é que El-Rei D.Dinis, sem o poder saber, tentou salvar a liberdade
de se conhecer, popularmente, a Bíblia no nosso idioma galaico-português,
séculos antes da Reforma de Lutero. E fê-lo não poderemos saber bem se
de uma forma meramente literária ou, pelo contrário, de um modo
devocional. O plantador de naus a haver que Pessoa olha na Mensagem com
o distanciamento do passado histórico, com um olhar colocado no passado
mas projectado no futuro, iria ser em Portugal, entre 1279-1325, o
precursor dessa tarefa que é a tradução da Bíblia em português. Ao mandar
plantar o Pinhal de Leiria, que lhe daria o cognome de Lavrador, que mais
tarde terá proporcionado as madeiras para as caravelas dos
descobrimentos, logrou também D.Dinis plantar no Reino vinte capítulos do
Génesis, embora tanto quanto se sabe, a posteridade os não tenha
preservado, e a História de Portugal no capítulo das acções religiosas do rei-
poeta não dê relevo a tal empresa.
Mas, por outro lado, passaram, através dos historiadores da época, registos
de deturpações não só do Texto Sagrado, como dos seus conceitos
teológicos.
«Porque, assim como o filho de Deus, depois da morte que tomou por
salvar a humanal linhagem, mandou pelo mundo os seus apóstolos pregar o
Evangelho a toda a criatura…assim o mestre( de Avis), despois que se
dispôs a morrer, se cumprisse, por salvação da terra que seus avós
ganharam, mandou Num’Álvares e seus companheiros pregar pelo Reino o
evangelho português. O evangelho português, o qual era que todos
cressem e tivessem firme o papa Urbano ser o verdadeiro pastor da Igreja
fora de cuja obediência nenhum salvar-se podia (…)»
O mesmo não se pode afirmar de Camões, que parecia ter uma querela
medieval, catolicíssima, com a Reforma. Na sua espiritualidade ou
religiosidade detectável nas éclogas, como já vimos nas redondilhas, nos
sonetos e mormente nos Lusíadas, não há erasmismo nem luteranismo.
Existe, sim, o politicamente correcto de uma cedência ao contra-
reformismo.
Terá este aspecto fechado os olhos inquisitoriais para o episódio da Ilha dos
Amores?
Poderia ter influído mais, se tivesse havido muitos Erasmos (embora Erasmo
de Roterdão fosse autor de bagagem de esposas de reis e dos professores
da Universidade). O grande humanista holandês – embora salientando-se o
seu afastamento de Lutero – fez questão de afirmar a sua divergência
contra todos que entendiam que os iletrados não deveriam conhecer as
Escrituras Sagradas, segundo ele o ideal seria até que as pobres mulheres
pudessem ler o Evangelho e as epístolas paulinas.
Refiro-me, para finalizar não sendo exaustivo, a três Ruy Belo, Vergílio
Ferreira e José Saramago. Um poeta e dois romancistas. Permitam-me,
assim, três notas finais sobre ambos, no âmbito do recurso ao
conhecimento bíblico, à influência da Biblia sobre a ficcionalidade da
literatura de ambos. Todos interpelaram a Bíblia, de um modo ou de outro.
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Vergílio Ferreira
«-Cuidado com o que vais dizer. Reflecte um momento. Pede a Deus que te
ilumine.» - instava com o António a sua tutora, a beata D. Estefânia.
José Saramago
Lamentamos, a nosso ver, que a quase fidelidade aos factos, não seja
partilhada nos discursos, que são efabulados e, infelizmente, a maioria sem
canonicidade alguma.
«Clamou -Jesus- para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe,
porque ele -Deus- não sabe o que fez. Depois, foi morrendo no meio do
sonho.» -Pág.444
Factos revisitados, revistos e comentados pelo escritor, que parte para este
polémico romance a-histórico, curiosa e explicitamente, com a frase de
Pilatos Quod scripsi, scripsi (O que escrevi, escrevi), com uma bagagem
romanesca tautológica: começa com a crucificação, embora o elemento
fundamental da Remissão da Humanidade - o sangue - só apareça lá para a
página 18, e termina com uma inútil perda desse mesmo sangue.
Ruy Belo
Houve tempos já remotos na história da arte, nos quais esta foi repudiada,
por exemplo por Platão, porquanto, argumentava ele, «a arte é moralmente
condenável na medida em que atribui vícios a deuses e a heróis». Nota-se
na sua obra A República a preocupação pelas figuras simbólicas da religião,
no contexto mitológico, as divindades e os semi-deuses(os heróis).
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Bibliografia
Influência do erasmismo em Sá de Miranda, Boletim da FCG História e Antologia da LP, século XVI
Paraclesis, de Erasmo
(1) No CANTO III, estrofe 65, da versão que lançou o opróbrio sobre a Obra, o Poeta narra os
progressos das Campanhas contra os Mouros de D.Afonso Henriques e fala da subjugação de Palmela e
da « piscosa Cisimbra». Diz-se que por lá se juntar grande quantidade de piscos.