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UM FINAL ABERTO
O final não é «normal» (o Escriba não obteve resposta a nível teórico...). Pelo
contrário, Jesus ofereceu-lhe um novo horizonte que representa um desafio, uma porta
de saída imprevisível e surpreendente para uma relação vivificante («Vai e faz tu
também o mesmo»). A ruptura do projecto inicial (encontrar uma resposta) é a condição
para aceder a um projecto maior (fazer-se «próximo» e praticar «a misericórdia»). Os
gestos do Samaritano que tira e entrega o que lhe pertencia (azeite, vinho, dinheiro...)
testemunham que é através da perda e da doação que se ganha a vida (cf. Mc 8,35).
O Escriba é colocado diante de uma alternativa. Não sabemos se permanecerá
fechado na sua prisão da legalidade, se «passará adiante» ou se, como o Samaritano,
procurará a vida eterna onde ela se encontra: naqueles que estão privados da vida.
Como no diálogo com o cego Bartimeu, Jesus perguntou-lhe: «O que queres que faça
por ti?», e ofereceu-lhe uma perspectiva e outro ponto de apoio diferente do seu eu: a
pessoa do outro.
O Escriba, cego, pensava que a noção de próximo se definia em relação a ele
mesmo e procurava saber qual era a fronteira entre os que eram o seu próximo e os que
não o eram. A óptica que Jesus lhe propõe é totalmente diferente: «Não te compete
decidir quem é o teu próximo; mas deves mostrar-te próximo de todo o ser humano
que se encontra em necessidade. O centro não és tu, é o outro para quem deves
voltar-te.»
Depois deste passeio contemplativo ao longo do texto evangélico, podemos dar
um passo em frente e perguntar a nós próprios para onde é que «nos conduzem» as suas
personagens, em que direcção parece quererem levar-nos.
Reflexão pessoal:
Leitura e meditação do texto: Levados pela mão: do samaritano e do
escriba
Responder a algumas perguntas que são propostas na reflexão, ou então
a estas que se seguem:
• De quem podes tu hoje ser próximo?
• Que transformação Jesus te propõe hoje?
LEVADOS PELA MÃO
O Samaritano surge nesta história como um homem de poucas palavras, por isso,
mais do que a escutá-lo, Jesus convida-nos a contemplar a cena, a acção, o gesto deste
homem. É um homem de acção concreta. Jesus mostra-nos alguém que não é o reflexo
daquilo que vivemos ou somos na nossa sociedade, mas alguém que nos manifesta o outro, o
que ainda não somos, a distância que nos separa da transfiguração – o caminho que devemos
ainda percorrer. Jesus coloca-nos diante do outro e permite-nos que acedamos ao
verdadeiro rosto do próximo. Permite-nos sair de nós mesmos, para dar as mãos ao outro e
gerar vida.
Comecemos por contemplar a cena como se lá estivéssemos presentes:
Em primeiro lugar, não somos poupados a tintas escuras! Houve um assalto de
bandidos, um homem saqueado, espancado e deixado quase morto! Nos nossos dias, ao nosso
lado, na TV, quantas vezes não tomamos conhecimento de cenas deste tipo? O que
pensamos? O que fazemos? O que deixamos por fazer?
Depois, dois transeuntes «qualificados», o sacerdote e o levita, passam por ali,
mas… passam ao lado, sem sequer ter remorsos de nada ter feito. É inevitável recordar o
banditismo do nosso mundo, as suas vítimas esquecidas à beira da exclusão, da indiferença
daqueles que passam, ou até de nós mesmos que passamos, atarefados com as nossas
coisas... com aquilo que achamos prioritário na nossa vida…
Será a vida que levamos, fechada em nós mesmos, a “vida eterna”? é essa a
vida que buscamos?
É aqui, quando a história se obstinava a fazer-nos crer que o mal representa a
última palavra das coisas e que a situação é fatalmente irremediável, que Jesus faz emergir
uma figura no horizonte, precedida por uma palavra curta que nos deixa em suspenso: «Mas
um samaritano...». Este “mas” pretende sublinhar o contraste que altera todo o rumo da
história.
Então surge uma questão: como nos poderemos nós opor a um mundo que não
parece emitir outros sinais se não os de um frenesim possessivo, os de obsessão pelo
cuidado connosco mesmos e os de uma inconsciência satisfeita, enquanto o outro se
desmorona ao nosso lado em silêncio, muitas vezes, silenciado por nós?
Este pequeno “mas” quer revelar-nos uma teimosa esperança que Jesus tem em
nós, numa poderosa, embora aparentemente frágil, força de resistência a este não dar as
mãos, este não gerar de vida.
Já reparaste que, no meio de tantos sinais de morte, o Samaritano que entra em
cena sem possuir muitos recursos, não pertence a nenhum centro de poder que lhe garanta
prestígio ou influência?
É um estrangeiro, viaja só e tem consigo apenas o seu bornal e a sela da sua
montada, mas… dirige o seu olhar para o local da emboscada e, lá, o seu coração vibra ao
ritmo do outro. O Samaritano não passa sem olhar e sentir o sofrimento do outro. Mas não
se limita a isso. Ele aproxima-se do homem caído. Sente-se tocado por aquele homem
ferido e sabe que se sentiria perturbado se o abandonasse. Por isso, adia todos os seus
problemas, altera as suas prioridades, interrompe a sua viagem, faz emergir em si o melhor
da sua humanidade: eu pelo outro, para que seja eu com o outro. É um estrangeiro a quem
nenhum laço de parentesco nem de solidariedade étnica obrigava a ter de cuidar do outro
homem, mas que se deteve a cuidar dele.
Este Samaritano, o misericordioso e compassivo, é-nos apresentado como modelo,
como convite a sermos no meio do mundo um sinal que resiste à obsessão do poder pessoal,
a sermos uma presença que afirma o valor e a dignidade dos mais pequenos, empenhados em
manter uma relação confiante e não resignada com a realidade, capazes de descobrir
possíveis ocasiões de transformação e de imaginar recriando «o outro mundo possível».
Também nos tempos do Samaritano existia, como hoje, uma lógica dominante: «Se
parares para cuidar de um desconhecido meio-morto, expor-te-ás a perder os teus planos,
a tua tranquilidade, o teu tempo e o teu dinheiro». Mas, na sua acção revela-se, pelo
contrário, a lógica obstinada de Jesus: «Não meças, não calcules. Deixa que o amor te
exproprie! Haverão de ser os outros quem te restituirão a tua identidade, justamente
quando tiveres a sensação de que estarás a perder a tua vida», serás recompensado
com a “vida eterna”.
«Cuidou dele», assim lemos no texto. «Trata bem dele», dirá depois o Samaritano
ao estalajadeiro. São expressões de cariz feminino, que entram em conflito com a nossa
pressa e a nossa impaciência por obter resultados imediatos nas nossas vidas. Esta
dimensão humana de «cuidar de alguém» deve impregnar com o seu calor as nossas relações
comunitárias, fazer ruir as nossas defesas egoístas, estilhaçar aquela dureza que pode
tornar triste a nossa vivência e permitir-nos espalhar gestos de ternura, que geram vida.
Olhemos agora com atenção o homem meio-morto. Confortemo-nos pela certeza
de que alguém se colocou do lado da metade viva da sua pessoa e lhe restituiu a vida. Então,
com espanto, dêmo-nos conta de um aspecto: é justamente ele, o homem meio-morto, com a
sua impotência, que tem o poder de revelar ao Samaritano a sua capacidade de compaixão,
que o torna semelhante a Deus. Também este homem tem uma grande importância nesta
história.
Porventura não precisaremos também que o grande Samaritano, que é Jesus, se
torne nosso próximo, trate das nossas feridas e derrame sobre elas o azeite da sua
consolação e o vinho da sua força? Não terá porventura chegado já a hora de confiarmos
perdidamente em Deus que está a fazer algo de novo com a nossa pobreza e, até mesmo,
com a nossa perda, e aceitarmos ser na Igreja «portadores da marca de Jesus», uma
realidade débil, sempre frágil e nunca acabada?
Não estaremos, porventura, hoje na melhor das ocasiões para viver tudo isto
a plenos pulmões? Jesus desafia, tu tens a liberdade de resposta a Sua proposta!
Será difícil reagir concretamente a partir desta fé? É.
Mas, quando te convidaram a seguir Jesus Cristo com radicalidade, alguém te
garantiu que o futuro haveria de ser fácil?
Finalmente, chegamos à estalagem. Uma vez mais, o lugar caracteriza-se pelo
cuidado.
Dentro da estalagem, não importa se estamos na «primeira linha» ou se a nossa
ocupação é fazer sandálias para que outros possam caminhar ao encontro dos que precisam
de nós ou a prensar as azeitonas e a pisar as uvas para o azeite e o vinho que hão-de ser
derramados nas suas feridas. Outros sentirão a urgência de se dedicar a cuidar deste pla-
neta «meio-morto» e a defendê-lo dos seus predadores.
Também o estalajadeiro teve a oportunidade de empenho em gerar vida… a sua
tarefa foi a de cuidar do homem ferido como lhe pediu o Samaritano…
Cada um de nós tem algo a cumprir segundo a sua liberdade desafiada!
Em que personagem reflectes a tua pessoa?
- No homem meio-morto?
- No sacerdote ou no levita?
- No samaritano?
- No estalajadeiro?
Se o Escriba nos levasse pela mão, o que nos diria e para onde nos
conduziria?
O Escriba dir-nos-ia:
- Toda a minha vida andei em busca de conhecer a “vida eterna”. Por isso estudei
muito e sou agora detentor de muitos conhecimentos, mas falta-me algo que não consigo
alcançar. Falaram-me de um homem seguido por um grupo de discípulos que deixava atrás
de si uma marca de alegria e de liberdade, marca de vida plena. Quis conhecê-lo e
experimentá-lo.
- Jesus era esse homem. Respondeu-me de forma especial, não directamente mas
de forma a que eu o descobrisse por mim… como se fosse um jogo de pistas… Jesus não me
deu uma resposta clara, mas indicou-me o caminho e deu exemplos de acção concreta para
que eu consiga o que quero.
- Jesus começou a contar-me uma história que não tinha nada a ver com o que eu
tinha aprendido. Propôs-me como modelo de comportamento e de aprendizagem, para eu me
tornar próximo, um herege samaritano cismático!
- Esforcei-me por escapar, mas a mão daquele desconhecido tinha agarrado a
minha e levado para campo aberto, deixando numa encruzilhada, em que agora me encontro:
convida-me a que deixe para trás todos os caminhos frequentados e me aventure por outro
absolutamente desconhecido e repleto de incógnitas.
- A vida de que estou à procura, não está ligada a leis, tempos, ritos, edifícios ou
costumes, mas àquela palavra em que Jesus pôs toda a sua força no conto: a compaixão. A
ordem que me deu: «Vai e faz tu também o mesmo!», gravita sobre mim e, agora, debato-
me entre voltar ao mundo já conhecido das minhas certezas tiradas dos livros e entrar em
contacto com seres humanos de carne e osso, e descobrir que é junto das pessoas mais
destruídas que se aprende a vida eterna».
E, se tivéssemos a coragem de nos reconhecer, como num espelho, na
personagem do Escriba?
Deixa que a ordem «Vai e faz tu também o mesmo» te sacuda, como aconteceu
com o Escriba. Diante de ti estão abertas as grandes vias da adoração e da compaixão que
desembocam na «vida eterna».
Bem-aventurados será aquele que optar por percorrê-las.
Ficam estas questões finais, que nos sacode, de nós mesmos para o outro:
- De quem PODES TU ser próximo?
- Que TRANSFORMAÇÃO Jesus te propõe?
Dá também tu, uma resposta à proposta que te é colocada por esta parábola!
Responde na acção concreta e empenhada!
Escreve algumas frases, texto, fruto desta tua reflexão… o que sentes
neste momento, o que pensas, o que te corre na alma? Esta reflexão, poderás
partilhá-la mais tarde.