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legado
há mais de trÊs anos, o Fotojornalista
maUricio de Paiva acomPanha as PesqUisas
de arqUeÓloGos qUe Percorrem a amaZÔnia em
bUsca da “terra Preta de índio”, manchas de
solo disPersas sob a Floresta, ricas em Fertilidade
e em FraGmentos do Passado. com sUas câmeras e
lentes, Paiva também ajUda a desvendar as
inÚmeras camadas de histÓrias da reGião
texto mÔnIca trIndade caneJo
Sítio HataHara,
município de
iranduba, am
sepultamentos em terra
preta são comuns, e
estudá-los ajuda a
compreender como
viviam os antigos
H
habitantes da região
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o estudo da terra preta é fundamental para se com- pesca, as viagens fluviais, a agricultura de subsistência
preender como surgiu e se estabeleceu a agricultura na e o consumo dos mesmos vegetais.
região. afinal, foi o aprendizado do plantar que permitiu como oásis de fertilidade no solo amazônico, estes
a grupos nômades que viviam do extrativismo se esta- locais são excelentes para a produção de diversas cul-
belecer por longos períodos em um só lugar à espera turas. isto atraiu os técnicos da embrapa, interessados
da colheita. saber a data da formação deste solo é res- em aproveitar seu potencial produtivo, sem depredação
ponder a idade da agricultura no local. “quem souber do patrimônio arqueológico. mas na maioria das vezes
esta resposta ganha o prêmio nobel de arqueologia na os atuais moradores se mantêm alheios a esta repeti-
amazônia!”, brinca o professor do museu de arqueo- ção incansável do passado. seu amâncio, por exemplo,
logia e etnologia da UsP – Universidade de são Paulo, morador próximo do sítio arqueológico de hatahara,
eduardo Góes neves. Por enquanto, o que se sabe é que no município de iranduba, am, vai entornando uma
esta data pode até passar dos quatro mil anos. curioso é dose domingueira de cachaça enquanto solta a voz:
notar que, onde teve gente morando ontem, tem gente “Gostaria que me contassem a história das coisas, fica
morando hoje, e que muito do que era hábito destes tudo no mistério. nós não vivemos só no presente, nós
povos extintos ainda faz parte do cotidiano, como a vivemos do passado também”.
comunidade de
democracia, reServa
extrativiSta do rio
unini, am
Rios amazonas, negro,
solimões, Tapajós, Unini,
além dos inúmeros igarapés,
furos e paranás, ajudam no
transporte e na comunicação,
ligando a amazônia pelos
caminhos de água
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teixeira, agrônomo da embrapa, explica a Pedro Go- carregando seus frutos de canoa, pelo rio solimões.
mes dias, proprietário do terreno: “mamoeiro é planta era preciso sair cedinho, cedinho, noite ainda para
exigente, precisa de muito fósforo”. nutriente que não chegar em manaus a tempo de comercializá-los. hoje,
falta à terra preta. Portanto, não há necessidade de se já existe o ramal, a estrada que substitui o caminho
corrigir o solo com muita adubação, correndo-se o risco pelo rio. mas, bastam chegar as chuvas do inverno
de fazer o feitiço virar contra o feiticeiro. o produtor para ele ser interditado.
afirma que já percebeu que o uso de fertilizantes do
tipo nPK, por exemplo, que contêm fósforo, acaba sepultamentos
prejudicando a floração. em outras palavras, é como além de férteis e ricas em matéria orgânica, as ter-
se este campo já tivesse sido preparado para o plantio. ras pretas possuem ph próximo a neutro, o que ajuda
e foi, há milênios. na conservação de ossos, muitas vezes encontrados
“a solo fértil é muito. o que atrapalha a produção é dentro de exuberantes urnas funerárias de cerâmica.
a condição de comercialização na amazônia”, lembra em sítios arqueológicos, com elas é possível associar
Wenceslau. Pedro sabe bem do que ele está falan- fatores naturais – o próprio solo – a fatores cultu-
do. em sua memória, os muitos anos em que passou rais – fragmentos de cerâmicas, refugos orgânicos
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comunidade de FloreSta, am
Importante fonte de amido, fácil
de armazenar, a mandioca foi um
dos primeiros vegetais a ser
domesticado na amazônia. seu
cultivo milenar acompanha a
história do homem brasileiro
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