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Democracia e Métodos Constitucionais de

Recrutamento da Magistratura no Brasil

Eduardo Meira Zauli

Resumo

Este artigo trata dos métodos constitucionais relacionando tal problemática à questão da res-
de recrutamento de juízes no Brasil sob o orde- ponsabilização e controle do Poder Judiciário em
namento das diversas constituições brasileiras, sociedades democráticas.

Palavras-chave

Democracia

Magistratura

Brasil

TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007 p. 52-81


As diferenças entre os tribunais resultam de três fatores
determinantes: as pessoas entre as quais são escolhidos
os seus componentes, a sua esfera de ação e o modo de
designação de seus componentes. Quanto às pessoas de
que são compostos, há que saber se elas são escolhidas
entre todos os cidadãos ou entre uma certa classe; quanto
à esfera de ação, deve-se indagar quantos tipos existem
de tribunais; quanto ao modo de designação, se seus
componentes são indicados por sorteio ou pelo voto.
Aristóteles (1997: 1300).

Os funcionários judiciais perderam aquela independência


aparente, que só servira para escamotear a sua submissão
a todos os sucessivos governos, aos quais haviam, um
a um, prestado e quebrado o juramento de fidelidade.
Como todos os demais funcionários públicos, daí por
diante eles deveriam ser eleitos, responsabilizáveis e
demissíveis.
Karl Marx (1983: 297).

1. Introdução

No âmbito das democracias contemporâneas, a problemática da ampliação do


controle normativo do Poder Judiciário vem colocando em questão o princípio
clássico da separação dos poderes e chamando a atenção para o exercício, por
parte de juízes, de um protagonismo político a partir de instituições públicas cujos
quadros são recrutados por meio de procedimentos distintos daqueles de que se
utilizam as democracias para a composição dos poderes Legislativo e Executivo
(Cittadino 2002; Santos et al. 1996).

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Sob uma determinada ótica esse protagonismo político, também designado

pelas expressões ativismo judicial e judicialização da política , vai de encontro ao
princípio da soberania popular exercida por meio da eleição dos representantes po-

pulares em que se assentam as democracias . Isso ocorre em função da emergência
de uma hermenêutica constitucional que, liberta dos grilhões da intenção original
do legislador constitucional, promove uma ruptura com uma hermenêutica tradi-
cional fundamentada em uma interpretação restritiva dos textos constitucionais.
Portanto, tem-se o campo aberto para a negação de um limite democrático-republi-
cano tradicional ao Poder Judiciário: o de intérprete fiel da intenção do legislador
constitucional legitimado pela eleição popular. Assim, interpretação judiciária das
leis e criatividade dos juízes deixam de ser consideradas como antitéticas. Em vez
disso, a interpretação judiciária do direito legislativo redunda na formulação de
um direito judicial que é expressão de uma crescente criatividade jurisprudencial

nas democracias contemporâneas (Cappelletti 1993) .


O fenômeno da judicialização da política envolve tanto a extensão das áreas de atuação do
Poder Judiciário, quanto a adoção de procedimentos de inspiração processual e de parâmetros
jurisprudenciais por parte de outros atores políticos (Vallinder 1994).

Ainda que a noção de judicialização da política possa conotar, pelo menos em alguns con-
textos, uma concepção dos papéis do Poder Judiciário fundada em um modelo liberal de
Estado marcado por um esquema de repartição de poderes há muito superado (Maciel e
Koerner 2002), e uma negatividade do protagonismo judicial nas democracias contempo-
râneas; não se pode perder de vista os aspectos positivos da judicialização da política para
os processos de aprofundamento da democracia em países como o Brasil (Eisemberg 2002;
Vianna e Burgos 2002).

Não se pode perder de vista que nos marcos do constitucionalismo democrático (Cittadino
2002) opera-se uma redefinição das relações entre os poderes do Estado e tem lugar uma
soberania complexa que mescla diferentes formas de representação popular na qual encontram
lugar de destaque as instituições judiciais. Nesse contexto, a hermenêutica constitucional
adequada a uma sociedade aberta é aquela que envolve uma pluralidade de atores que
participam da interpretação constitucional. “No processo de interpretação constitucional
estão potencialmente envolvidos todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos
os cidadãos e grupos, não sendo possível se estabelecer um elenco fechado ou fixado com
numerus causus de intérpretes da constituição” (Häberle 1997: 13). Assim, em vez de um viés
antidemocrático, o protagonismo do Poder Juciciário representa uma componente funda-
mental de um processo de interpretação constitucional que, fundado na Tópica, dá origem a
um método concretista de interpretação de uma constituição aberta definida pelos ideais de
abertura sistêmica e pluralidade social (Bonavides 2000). A partir da noção de judicialização
da política, Castro (1997) analisa uma amostra de ementas de acórdãos publicados no Diário
de Justiça da União, apresentando informações relevantes sobre o padrão de atuação do
Supremo Tribunal Federal no Brasil.

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Tal tendência é particularmente visível naqueles países que, no processo
histórico de construção de seus Poderes Judiciários, optaram por uma das varian-

tes da tradição norte-americana dos checks and balances . No modelo adotado
nos Estados Unidos, a magistratura desde cedo foi investida não só da função
de prestação jurisdicional tradicional na resolução de conflitos entre as partes,
como também de um poder político derivado de sua função de revisão judicial que
emerge de um contexto em que o Judiciário é reconhecido como um freio liberal

a eventuais “excessos” democrático- republicanos .
Ao longo do século XX muitos países irão incorporar às suas constituições a
função de controle constitucional das normas. Uma referência fundamental a esse
respeito é o livro de Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das
Leis no Direito Comparado, cuja edição em português é de (1984). Nessa obra,
Cappelletti dedica um capítulo especialmente para tratar de “alguns precedentes
históricos do controle judicial de constitucionalidade das leis”. Relativizando a
famosa tese de James Grant, segundo a qual a revisão judicial é uma contribuição

norte-americana à Ciência Política , Cappelletti menciona um precedente antigo
(a distinção ateniense entre nómos/lei e pséfisma/decreto e suas conseqüências
processuais); um precedente medieval (uma certa concepção de direito natural e
direito positivo e de suas relações); e dois precedentes modernos (a escola jusna-
turalista dos séculos XVII e XVIII e a doutrina de Edward Coke sobre a autoridade
do juiz como árbitro entre o rei e a nação na defesa da common law) do controle
jurisdicional das leis.
Por isso, diante do entusiasmo, de resto não injustificado, do jurista norte-
americano, orgulhoso da grande inovação trazida à ciência política pelo
sistema da judicial review, o homem prudente da velha Europa poderia
ser, talvez, tentado a repetir, ainda uma vez, o antigo céptico motejo,
sempre verdadeiro, se bem que sempre apenas parcialmente verdadei-
ro: nihil sub sole novi – nada de novo para o Velho Mundo!(Cappelletti
1984: 57).


Para uma visão acerca da contraposição entre as tradições norte-americana de checks and
balances e francesa de rígida separação dos poderes do Estado que inspiraram os processos
de construção do Judiciário moderno, ver Arantes (2004) e Cappelletti (1993).

Sobre a opinião e a natureza das decisões da Suprema Corte em Marbury v. Madison (1803)
e em Dred Scott v. Sandford (1857) enquanto momentos fundacionais do poder de revisão
judicial nos EUA veja-se Melo (2002).

“En verdad, se puede decir que la confianza en los tribunales para hacer cumprir la Constitución
como norma superior a las leyes establecidas por la legislatura nacional es una contribuición
de las Americas a la ciencia política” (Grant 1963: 24).

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Ainda que inexistente em vários ordenamentos estatais, a adoção de mecanis-
mos de controle de constitucionalidade ou, naqueles casos em que ele já existia, o
seu fortalecimento, configuram uma tendência (Lijphart 2003).
Tendo como grande marco a Constituição austríaca de 1920, elaborada sob a
influência de Hans Kelsen, a introdução da revisão judicial no continente europeu por

ocasião das democratizações da 2ª e 3ª ondas foi acompanhada, em alguns países,
de um afastamento relativo do modelo norte-americano de controle difuso da cons-
titucionalidade, em direção ao controle concentrado exercido exclusivamente por

cortes constitucionais . Até mesmo a França, exemplo de país no qual a opção pelo
princípio da soberania popular impedia a adoção do controle de constitucionalidade
das leis, passou a adotar, por meio de um Conseil Constitutionnel a partir de 1974,
uma modalidade não jurisdicional, antes política, de controle de constitucionalidade.
No caso brasileiro, o modelo difuso adotado pela primeira Constituição republicana
(1891) será alterado na esteira do desenvolvimento de nosso constitucionalismo,

dando origem à modalidade híbrida de controle de constitucionalidade .
Ora, pari passu a criação e/ou extensão de mecanismos de controle de cons-
titucionalidade das leis e de ampliação dos poderes judiciários em vários sistemas
políticos, ganha destaque um tipo de preocupação que é central, particularmente
em sistemas democráticos, acerca dos métodos de seleção da magistratura. De fato,
os textos das epígrafes que abrem este artigo ilustram esse tipo de preocupação,
e é a partir de um contexto marcado pela expansão dos poderes do Judiciário nas
democracias contemporâneas que se propõe, neste artigo, o exame dos procedi-
mentos definidos nas diversas constituições brasileiras acerca do recrutamento
dos quadros da magistratura.
Feita essa opção metodológica, é certo que restarão muitas questões a serem
desvendadas acerca do perfil dos magistrados brasileiros, algo de que a Ciência


A propósito da definição, explicação e caracterização das ondas de democratização nos séculos
XIX e XX, ver Huntington (1994).

Os tribunais especiais ou cortes constitucionais, que no modelo de controle de constitucio-
nalidade concentrada exercem a função de contenção da vontade política majoritária, são
instituições que não fazem parte do Poder Judiciário. Enquanto órgãos políticos, há uma
maior politização dos processos de escolha de seus membros que exercerão mandatos por
tempo limitado, evitando-se os excessos de descentralização dos processos de revisão judicial
e de insulamento da magistratura.

No Brasil, sob o ordenamento da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal exerce,
segundo a técnica de jurisdição concentrada, o controle abstrato de constitucionalidade pela
via de ação. Quaisquer outros órgãos judicantes fazem-no segundo a técnica do controle difuso
de constitucionalidade, por meio da via de defesa ou de exceção.

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Política já vem se ocupando nos últimos anos. Contudo, se houve quem definisse
a democracia como um método de seleção de elites governantes (Schumpeter
1942), é importante saber como, ao longo de nosso processo de desenvolvimento
político, vêm sendo selecionados aqueles que constituem um segmento importante
de nossas elites.

2. Métodos de seleção de juízes nas constituições brasileiras

2.1 Brasil Império


Com a Proclamação da Independência em 1822 o Brasil surge enquanto Estado
soberano. Até então colônia (1500-1815) e vice-reinado (1815-1822) de Portugal,
durante os aproximadamente quatro séculos que medeiam a chegada de Pedro
Álvares Cabral e a Independência, o ordenamento jurídico vigente era aquele
proveniente da metrópole lusitana.
A Constituição de 1824, outorgada pelo imperador D. Pedro I, é o marco por
excelência que dá início à construção de um constitucionalismo propriamente
brasileiro. Na redação de seu artigo 10º deparamo-nos com a grande novidade
introduzida por nossa primeira Constituição, com relação às práticas constitucio-
nais da época: “Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do
Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder
Executivo, e o Poder Judicial” (Brasil 1824). Trata-se daquilo que veio a ser de-
signado Poder Moderador.
A inspiração intelectual imediata para a introdução de um quarto poder na
organização constitucional do Estado brasileiro veio de Benjamin Constant, ainda
que sob a forma de um poder supostamente neutro capaz de dirimir conflitos
entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para tanto, pressupunha
Constant um efetivo descolamento da figura do monarca (titular de um Poder
Neutro) com relação aos demais poderes e um comportamento arbitral que o
mantivesse eqüidistante dos interesses de grupos, transformando-o em magis-
trado imparcial.
Le pouvoir exécutif, le pouvoir législatif, et le pouvoir judiciaire, sont
trois ressorts qui doivent coopérer, chacun dans sa partie, au mouvement
général: mais quand ces ressorts dérangés se croisent, s’entrechoquent
et s’entravent, il faut une force qui les remette à leur place. Cette force
ne peut pas être dans l’um des ressorts, carelle lui servirait à détruire les
autres. Il faut qu’elle soit en dehors, qu’elle soit neutre, en quelque sorte,
pour que son action s’aplique nécessairement partout où il est nécessaire

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 57


qu’elle soit appliquée, et pour qu’elle soit préservatrice, réparatrice, sans
10
être hostile (Constant 1997: 324) .

A tradução constitucional brasileira do Poder Neutro proposto por Constant


assumiu a seguinte forma:
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Politica, e é
delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação,
e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a ma-
nutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes
Políticos. (Brasil 1824)

Naquilo que afeta mais de perto às funções judiciárias, o texto da Constituição


de 1824, ainda que afirme a existência de um Poder Judicial independente (Art.
151) admite em seus artigos 101 e 102 a suspensão e nomeação, respectivamente,
de magistrados. Ao tratar do Poder Judicial em seu Título 6º, a Constituição asse-
gura ao imperador a prerrogativa de suspender os juízes de Direito nos seguintes
termos:
Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra elles fei-
tas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação necessaria, e
ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão
remettidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da
Lei (Brasil 1824).

A estrutura do Poder Judicial contida no texto da Constituição de 1824 será


mantida ao longo de todo o período imperial (1822-1889), não obstante algumas
mudanças ocorram ora visando adequar o exercício da judicatura aos preceitos
contidos no texto constitucional vigente, ora em virtude das vicissitudes políticas
da época.
Assim, a Lei de 18 de setembro de 1828 regulou o funcionamento do Supremo
Tribunal de Justiça, instalado em 1829. A Lei de 22 de setembro de 1828 extin-

10
O poder executivo, o poder legislativo e o poder judiciário são três competências que devem
cooperar, cada uma em sua esfera, com o movimento geral: mas quando essas competên-
cias, desarranjadas, se cruzarem, entrechocarem-se e se travarem mutuamente, torna-se
necessária uma força que lhes remeta de volta a seu lugar. Esta força não poder residir em
nenhuma destas competências, pois serviria para destruir as outras. Ela deve ser externa a
todas as demais, neutra, para que sua ação seja aplicada necessariamente em toda a parte
onde é necessário que seja aplicada, e para que ela seja preservadora, reparadora, sem ser
hostil (tradução do autor).

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guiu os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens,
determinando que suas antigas competências subsistentes fossem expedidas por
outras autoridades públicas. A Lei de 1º de outubro de 1828 afirmou o caráter
administrativo das câmaras municipais, impedindo-as de exercerem qualquer
jurisdição de natureza contenciosa.
Durante o período imperial, utilizaram-se no Brasil diferentes expedientes
relativos ao recrutamento dos quadros da magistratura nacional. Com relação
aos Juízes de Paz, a Constituição de 1824 estabelece o método eletivo de recru-
11
tamento :
Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconci-
liação, não se começará Processo algum.

Art. 162. Para este fim haverá Juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo
mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras.
Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei (Brasil 1824).

No que diz respeito à suspensão dos juízes de paz, fixou-se a regra de que o
Poder Moderador, de acordo com o artigo 154 da Constituição de 1824, só dispunha
de autoridade para suspender juízes de Direito.
Com relação aos juízes de primeira instância e os desembargadores membros
12
dos tribunais de Relação (segunda instância) , a regra era a de livre nomeação
pelo imperador, ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe de governo.
Com o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, que promoveu alterações e
adições ao texto original da Constituição de 1824, conferiu-se mais poderes às
Assembléias Provinciais que, entre outros aspectos, passaram a dispor de novas
competências relativas à magistratura:
Art. 11. Tambem compete ás Assembléas Legislativas Provinciaes:
[...]
§ 7º Decretar a suspensão, e ainda mesmo a demissão do Magistrado,
contra quem houver queixa de responsabilidade, sendo elle ouvido, e
dando-se–lhe lugar á defeza (Brasil 1834).

11
A propósito das características das eleições de juízes de paz durante o período imperial veja-
se Vieira (2002).
12
Durante o período imperial foram criados onze Tribunais de Relação. 1) A Relação da Corte; 2)
Salvador; 3) Recife; 4) São Luís do Maranhão; 5) Porto Alegre; 6) São Paulo; 7) Mato Grosso;
8) Ouro Preto; 9) Goiás; 10) Fortaleza e 11) Belém.

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Já em 1840, a Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 12 de maio, resta-
beleceu a prerrogativa do Poder Central de exercer um maior controle sobre a
atividade judicial. Assim, promoveu-se uma reinterpretação do artigo 11 do ato
Adicional de 1834 de maneira a impedir que os membros das Relações e dos
Tribunais Superiores fossem suspensos e/ou demitidos pelas Assembléias Legis-
lativas Provinciais.
Para o provimento das vagas abertas com a criação (1828) e posterior insta-
lação (1829) do Supremo Tribunal de Justiça, adotou-se o critério de antiguidade
para a promoção dos desembargadores membros dos Tribunais de Relação; admi-
tindo-se ainda, para efeito de sua primeira composição, o emprego de ministros
dos tribunais da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, extintos
13
pela Lei de 01 de outubro de 1828 . Caberia ao imperador indicar o presidente do
Tribunal, para um mandato de três anos.

2.2 Primeira República


Ainda que se observem continuidades com relação ao período anterior, com o
advento da República em 1889, a questão dos mecanismos de recrutamento da
magistratura foi objeto de reformulações consubstanciadas no texto de nossa
primeira Constituição republicana, a Constituição de 1891.
Em primeiro lugar, consoante a adoção do federalismo pela Assembléia
Constituinte de 1891, tem-se a introdução de um Poder Judiciário dual, com uma
Justiça Federal e uma Justiça Estadual. No âmbito federal foi criada uma nova
estrutura com as seguintes características:
Art. 55. O Poder Judiciario da União terá por orgãos um Supremo Tribunal
Federal, com séde na Capital da Republica, e tantos juizes e tribunaes fe-
deraes, distribuidos pelo paiz, quantos o Congresso crear (Brasil 1891).

Dentre as competências privativas do presidente da República, constavam a


de nomeação dos juízes federais, nos seguintes termos:

Art. 48. Compete privativamente ao Presidente da Republica:


[...]
11. Nomear os magistrados federaes, mediante proposta do Supremo
Tribunal;

13
O Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens, conjugados num único tribunal sob
a denominação de Meza do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens, foram criados
em 22 de abril de 1822.

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12. Nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os minis-
tros diplomaticos, sujeitando a nomeação à approvação do Senado.
Na ausencia do Congresso, designal-os-ha em commissão, até que o
Senado se pronuncie [...] (Brasil 1891).

Tendo como modelo a Constituição norte-americana de 1787, observa-se na


Constituição de 1891 uma reprodução do modelo de repartição dual de competências
por meio da técnica constitucional de enunciação dos poderes da União e de poderes
remanescentes aos Estados. Com efeito, prescreve o texto constitucional:
Art. 63. Cada Estado reger-se-ha pela Constituição e pelas leis que adop-
tar, respeitados os principios constitucionaes da União. [...]
Art. 65. E’ facultado aos Estados:
[...] 2º Em geral todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado
por clausula expressa ou implicitamente contida nas clausulas expressas
da Constituição (Brasil 1891).

Não obstante a inspiração constitucional norte-americana e a experiência de


eleição de juízes estaduais em grande parte dos Estados daquela federação, ainda
que a Constituição de 1891 o permitisse, não foi adotada, por nenhum dos Esta-
dos-membros no Brasil republicano, a forma eletiva de escolha de magistrados.
Desse modo, com relação aos Estados terminou por prevalecer a prerrogativa do
Chefe do Executivo, presidente de Estado, de nomear os respectivos juízes de 1ª
instância e desembargadores.

2.3 A Era Vargas


A partir dos anos 1930 tem-se novo experimento constitucional de organização
do Poder Judiciário no Brasil. Em um contexto em que as subunidades estaduais
vêem reduzida sua autonomia diante do poder central, a Constituição de 1934
introduziu a exigência de que a magistratura estadual de primeira instância fosse
recrutada com base na realização de concurso; exigência mantida no texto de todas
14
as constituições posteriores . Com relação aos desembargadores, membros das
Côrtes de Appellação, estabeleceu-se o acesso por antiguidade e por merecimento,
mantida a figura do juiz de paz eleito.

14
Nesse aspecto, até a Constituição de 1967 houve variação tão somente com relação à prer-
rogativa do governador de Estado de prover, através da nomeação dentre os aprovados
em concurso a partir de listas tríplices, os cargos de magistrados na primeira instância do
Judiciário estadual.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 61


Assim, em seu Título II, sobre a organização da Justiça dos Estados, do Dis-
tricto Federal e dos Territórios; prescrevia a Constituição de 1934 a investidura
nos primeiros graus por meio de concurso organizado pela Côrte de Appellação,
enquanto que a investidura nos graus superiores ocorreria por promoção basea-
da nos critérios de antiguidade e merecimento. O texto da Constituição de 1934
faculta aos Estados a manutenção da Justiça de Paz eletiva e o estabelecimento
de suas competências (Art. 104).
No tocante à Justiça Federal, a Constituição de 1934 apresenta importantes
novidades na trajetória do constitucionalismo brasileiro, com as justiças Elei-
toral e Militar aparecendo, pela primeira vez, como ramos específicos do Poder
Judiciário:
Art. 63. São orgãos do Poder Judiciario:
a) a Côrte Suprema;
b) os juizes e tribunaes federaes;
c) os juizes e tribunaes militares;
d) os juizes e tribunaes eleitoraes (Brasil 1934).

Com relação ao recrutamento dos juízes federais, a Constituição de 1934


manteve a tradição de nomeação pelo presidente da República:
Art. 74. Os Ministros da Côrte Suprema serão nomeados pelo Presiden-
te da Republica, com aprovação do Senado Federal, dentre brasileiros
natos de notavel saber juridico e reputação illibada, alistados eleitores,
não devendo ter, salvo os magistrados, menos de 35, nem mais de 65
annos de idade.[...]

Art. 80. Os juizes federaes serão nomeados dentre brasileiros natos de


reconhecido saber jurídico e reputação illibada, alistados eleitores, e que
não tenham menos de 30, nem mais de 60 annos de idade, dispensado
este limite aos que forem magistrados.
Paragrapho unico. A nomeação será feita pelo Presidente da Repu-
blica dentre cinco cidadãos com os requisitos acima exigidos, e indi-
cados, na fórma da lei, e por escrutinio secreto pela Côrte Suprema
(Brasil 1934).

Outra inovação significativa da Constituição de 1934 foi a instituição da re-


presentação classista eleita por empregados e empregadores, relativamente aos
Tribunais do Trabalho e às Comissões de Conciliação, de caráter administrativo.
Assim, a Constituição determinava em seu artigo 122:

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Art. 122. Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas
pela legislação social, fica instituida a Justiça do Trabalho, á qual não se
applica o disposto no Capítulo IV do Título I.
Paragrapho unico. A constituição dos Tribunaes do Trabalho e das Com-
missões de Conciliação obedecerá sempre ao principio da eleição de seus
membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e
metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação
do Governo, escolhido dentre pessoas de experiencia e notoria capacidade
moral e intellectual (Brasil 1934).

A Constituição de 1937, expressão constitucional do período do Estado Novo


(1937-1945), elimina da estrutura do Poder Judiciário brasileiro a Justiça Federal:
Art. 90. São órgãos do Poder Judiciario:
a) o Supremo Tribunal Federal;
b) os juizes e tribunaes dos Estados, do Districto Federal e dos Terri-
tórios;
c) os juizes e tribunaes militares . (Brasil 1937).

Com relação ao recrutamento dos juízes e desembargadores dos Estados, do


Distrito Federal e dos Territórios, foi mantido o concurso como forma de ingresso
na magistratura de primeira instância (Art. 103a). Para provimento das vagas nos
Tribunais de Apelação manteve-se a promoção por antiguidade e merecimento
(Art. 103b). O caráter eletivo da Justiça de Paz foi preservado (Art. 104).
A propósito do órgão de cúpula do Poder Judiciário, manteve-se a regra da
nomeação pelo presidente da República. Agora com aprovação, não do Senado
15
Federal, mas do Conselho Federal :
Art. 98. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados
pelo Presidente da Republica, com approvação do Conselho Federal,
dentre brasileiros natos de notavel saber juridico e reputação ilibada,
não devendo ter menos de trinta e cinco, nem mais de cincoenta e oito
annos de idade (Brasil 1937).

Sob o ordenamento da Constituição de 1937 reorganizou-se a Justiça do Traba-


lho, ainda parte do Poder Executivo, sendo mantidos os procedimentos da eleição

15
Em substituição ao Senado, o Conselho Federal era composto por um representante de cada
Estado, eleito pelas Assembléias Legislativas; e por outros dez membros nomeados pelo
Presidente da República. Todos com um mandato de seis anos.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 63


dos classistas, representantes de empregados e empregadores e da nomeação dos
presidentes e suplentes das Juntas do Trabalho pelo presidente da República.

2.4 República Populista


A Constituição de 1946 consagrou um novo ordenamento do Poder Judiciário,
tendo como principal inovação a incorporação dos juízes e tribunais do trabalho
como órgãos do Poder Judiciário.
Art. 94. O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos:
I – Supremo Tribunal Federal;
II – Tribunal Federal de Recursos;
III – Juízes e tribunais militares;
IV – Juízes e tribunais eleitorais;
V – Juízes e tribunais do trabalho (Brasil 1946).

Sob o ordenamento dessa Constituição foi instituído, pela primeira vez no


âmbito federal, o recrutamento de juízes substitutos com base na aprovação pré-
via em concurso. Ainda na vigência da Constituição de 1946 a Justiça Federal foi
recriada através da Lei N. 5.010 – de 30 de maio de 1966.
Art. 19º. Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente da República,
dentre os nomes indicados, em lista quíntupla, pelo Supremo Tribunal
Federal.[...]

Art. 20. O provimento do cargo de Juiz Federal Substituto far-se-à me-


diante concurso público, de provas e títulos realizado na sede da Seção
onde ocorrer a vaga, ou, a critério do Conselho de Justiça Federal, em
outra sede de Seção da mesma Região (Brasil 1966).

Para as demais instâncias do Poder Judiciário da União, foram definidas regras


de recrutamento diferenciadas. Quanto ao Supremo Tribunal Federal (Art. 99) e
ao Tribunal Federal de Recursos (Art. 103), manteve-se o critério da nomeação
pelo presidente da República depois da aprovação pelo Senado Federal.
Em se tratando dos juízes e tribunais militares, o texto constitucional previu
a edição de lei tratando do número e forma de escolha dos juízes militares (Art.
106). Com a publicação do Ato Institucional Nº2, em 1965, estabeleceu-se que
os membros do Superior Tribunal Militar fossem nomeados pelo presidente da
República (Brasil 1965: Art. 7º).
Com relação à Justiça Eleitoral, os procedimentos de escolha dos membros
do Tribunal Superior Eleitoral envolviam a participação do Supremo Tribunal

64 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


Federal, do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal de Justiça do Distrito Fe-
deral e do presidente da República (Brasil 1946: Art. 110). Para a composição dos
Tribunais Regionais Eleitorais definiu-se a participação do respectivo Tribunal
de Justiça e do presidente da República (Brasil 1946: Art. 112). Quanto às juntas
eleitorais, seus membros seriam nomeados pelo presidente do respectivo Tribunal
Regional Eleitoral, depois de aprovação por parte de seus desembargadores (Brasil
1946: Art. 116).
Nos termos da Constituição de 1946, mantidas a eleição dos classistas por
empregadores e empregados, e a nomeação pelo presidente da República, a Jus-
tiça do Trabalho afirma-se como novo ramo do Poder Judiciário, com a seguinte
configuração:
Art.122. Os órgãos da justiça do trabalho são os seguintes:
I – Tribunal Superior do Trabalho;
II – Tribunais Regionais do Trabalho;
III – Juntas ou juízes de conciliação e julgamento.
[...]
§ 5º A constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e
condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho serão reguladas
por lei, ficando assegurada a paridade de representação de empregados
e empregadores (Brasil 1946).

Quanto à Justiça Estadual, foi mantida a exigência de concurso e assegurada


ao governador de Estado a prerrogativa de nomeação, com base em lista tríplice,
dos juízes de primeira instância. As vagas nos tribunais de justiça seriam pre-
enchidas por meio de promoção por antiguidade e merecimento. Com relação à
Justiça de Paz, o caráter eletivo deixou de constar do texto constitucional (Brasil
1946: Art. 124).

2.5 Autoritarismo Militar


Sob a vigência da Constituição de 1967 não se alteraram significativamente os
procedimentos constitucionais anteriores para o recrutamento da magistratura
brasileira. Com relação ao Supremo Tribunal Federal, foi mantida a nomeação
pelo presidente da República, depois da aprovação do Senado Federal (Brasil
1967: Art. 113, com redação dada pelo Ato Institucional nº 6, de 1969). Para a
composição do Tribunal Federal de Recursos fixou-se que seus treze ministros
seriam nomeados pelo presidente da República, observando-se que oito seriam
recrutados dentre magistrados e cinco dentre advogados e membros do Ministério
Público (Brasil 1967: Art. 116). Manteve-se o instituto do concurso público para

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 65


efeito do recrutamento dos juízes federais de primeira instância (Brasil 1967: Art.
118). No que tange à Justiça Militar, foi mantida a nomeação pelo presidente da
República, com a aprovação do Senado Federal (Brasil 1967: Art. 121).
Com relação à Justiça Eleitoral, tem-se um Tribunal Superior Eleitoral com-
posto por dois juízes, eleitos dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal;
dois juízes, eleitos dentre os membros do Tribunal Federal de Recursos da Capital
da União; um juiz eleito dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal; e por dois advogados nomeados pelo presidente da República,
dentre os nomes indicados pelo Supremo Tribunal Federal (Brasil 1967: Art. 124).
Os Tribunais Regionais Eleitorais seriam compostos por dois juízes eleitos dentre
os desembargadores do Tribunal de Justiça; dois juízes, eleitos dentre juízes de
Direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; e por dois dentre seis cidadãos de
notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça,
nomeados pelo presidente da República (Brasil 1967: Art. 126).
Já a Justiça do Trabalho recebeu o seguinte tratamento no texto da Constitui-
ção de 1967: um Tribunal Superior do Trabalho composto por onze juízes togados e
vitalícios, nomeados pelo presidente da República, depois da aprovação do Senado
Federal (sete dentre magistrados da Justiça do Trabalho, dois dentre advogados,
e dois dentre os membros do Ministério Público do Trabalho); e por seis juízes
classistas e temporários eleitos, com representação paritária de empregadores e
de trabalhadores, nomeados pelo presidente da República. Os Tribunais Regionais
do Trabalho seriam compostos por dois terços de juízes togados vitalícios e um
terço de juízes classistas temporários, assegurando-se, dentre os juízes togados, a
participação de advogados e membros do Ministério Público da Justiça do Traba-
lho, nas mesmas proporções estabelecidas para efeito da composição do Tribunal
Superior do Trabalho (Brasil 1967: Art. 133).
A propósito da Justiça dos Estados, prescreve-se, para efeito do recrutamen-
to dos juízes de primeira instância, a realização de concurso de provas e títulos
realizado pelo Tribunal de Justiça, com participação do Conselho Secional da
Ordem dos Advogados do Brasil. O governador de Estado mantém a prerrogativa,
sempre que possível, da nomeação a partir de lista tríplice. O acesso aos tribunais
de segunda instância ocorre por meio dos critérios de antiguidade e merecimento,
alternadamente. Também nessa Constituição não se configura o caráter eletivo da
Justiça de Paz no âmbito estadual (Brasil 1967: Art. 136).

2.6 Nova República


Finalmente, com a Constituição de 1988 tem-se a introdução da atual estrutura
do Poder Judiciário no Brasil:

66 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I – o Supremo Tribunal Federal;
16
IA – o Conselho Nacional de Justiça ;
II – o Superior Tribunal de Justiça;
III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI – os Tribunais e Juízes Militares;
VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios
(Brasil 1988).

Com relação aos juízes de primeira instância, tanto estaduais quanto federais,
as Disposições gerais do Capítulo III do Título IV (Da Organização dos Poderes)
estabelecem o ingresso na carreira por meio de concurso público. O aspecto
inovador mais importante a esse respeito é a exigência de que, para efeito das
nomeações, seja observada a ordem de classificação nos respectivos concursos.
A promoção por antiguidade e merecimento também foi disciplinada no mesmo
artigo constitucional, regulando-se o acesso aos tribunais de segundo grau.
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,
disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes
princípios:
I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através
de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem
dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, obedecendo-se, nas
nomeações, à ordem de classificação;
II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigui-
dade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas
ou cinco alternadas em lista de merecimento;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respec-
tiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade
desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

16
O Conselho Nacional de Justiça foi introduzido no ordenamento constitucional brasileiro pela
Emenda Constitucional 45/2004. Tal emenda introduziu ainda importantes modificações no
art. 93 da Constituição com relação aos temas da formação e da promoção de magistrados no
Brasil: estabelecimento da previsão de cursos de preparação, aperfeiçoamento e promoção de
magistrados e de novos critérios de aferição de merecimento para efeito de promoção.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 67


c) aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no
exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos
reconhecidos de aperfeiçoamento;
d) na apuração da antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz
mais antigo pelo voto de dois terços de seus membros, conforme proce-
dimento próprio, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;
III – o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e
merecimento, alternadamente, apurados na última entrância ou, onde
houver, no Tribunal de Alçada, quando se tratar de promoção para
o Tribunal de Justiça, de acordo com o inciso II e a classe de origem
(Brasil 1988).

Quanto à prerrogativa do presidente da República de nomear magistrados,


esta foi mantida em se tratando da totalidade dos membros do Supremo Tribunal
Federal (Art. 101); do Superior Tribunal de Justiça (Art. 104); dos Tribunais Regio-
nais Federais (Art. 107); do Tribunal Superior do Trabalho (Art. 111) e do Superior
Tribunal Militar (Art. 123). Em todos esses casos, é necessária a aprovação prévia
pelo Senado Federal. O presidente da República nomeia, ainda, sem manifestação
do Senado Federal, a totalidade dos membros dos Tribunais Regionais do Trabalho
(Art. 115) e dois dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (Art. 119).
Note-se que o grau de liberdade do presidente da República na nomeação
de magistrados varia em função de uma série de dispositivos constitucionais que
limitam sua discricionariedade. Naqueles casos em que é necessária a aprovação
do Senado Federal, entra em ação um componente do tipo check and balances
típico dos sistemas políticos que incorporam a separação e controle mútuo entre
os diferentes ramos do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário).
O espectro da ação presidencial é limitado também por requisitos vários que
devem, conforme o cargo, ser atendidos. Assim, limitações de idade; exigência de
notável saber jurídico; reputação ilibada; idoneidade moral; reserva de vagas para
advogados, membros do Ministério Público e das Forças Armadas; atendimento
dos critérios de promoção por antiguidade e merecimento; e listas elaboradas
por Tribunais Superiores são constrangimentos que interferem na liberdade de
escolha presidencial.
Volta a figurar no texto constitucional a figura do juiz de paz eleito.
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
[...] II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo
voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e compe-

68 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


tência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou
em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer
atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras pre-
17
vistas na legislação (Brasil 1988) .

No texto original promulgado em 1988 foi mantida a representação classista


paritária e eleita por empregadores e empregados na Justiça do Trabalho. Com
relação aos Tribunais Regionais do Trabalho, note-se a particularidade do envio
de lista tríplice aos tribunais, pelas diretorias das federações e dos sindicatos de
cada base territorial (Brasil 1988: Art. 115, inciso III). O instituto da representa-
ção classista na Justiça do Trabalho foi extinto pela Emenda Constitucional nº
24, de 15-09-99.
Pois bem, a indagação relativa aos métodos de seleção de juízes utilizados sob
os diferentes ordenamentos constitucionais brasileiros articula-se com a preocu-
pação fundamental em sistemas democráticos relativa à legitimidade do Poder
Judiciário. Especificamente, quais são os mecanismos de controle sobre o Poder
Judiciário disponíveis no âmbito do sistema político brasileiro? Fundamentalmen-
te, dependerá da existência ou não, do tipo, e da efetividade de tais mecanismos, a
possibilidade da garantia de que o Poder Judiciário opere em sintonia com certos
ideais democrático-republicanos dos quais o Judiciário é, volta e meia, acusado de
afastar-se. Em última instância, aquilo de que se trata é de promover condições
favoráveis para uma efetiva responsabilização da magistratura.

3. Responsabilização judicial e democracia

O protagonismo político do Poder Judiciário em muitas das democracias contem-


porâneas é fruto da superação daquela neutralização política do Judiciário típica do
modelo liberal de Estado. Aqui, entende-se por neutralização política do Judiciário
a situação em que se encontram juízes e tribunais sob uma ordem liberal na qual
há uma separação de poderes que reserva ao Judiciário tão somente a função de

17
Decorridos vinte anos desde a promulgação da Constituição de 1988, o cargo de juiz de paz
não vem sendo provido mediante a realização de eleição popular. Há casos de indicação do
juiz de paz por diretores de Fóruns e por secretários da Justiça estaduais. Em alguns Estados
a função sequer existe. Em maio de 2008 o Conselho Nacional de Justiça recomendou aos
Tribunais de Justiça a realização de eleições para a escolha de juízes de paz e a ampliação de
suas funções. Os Estados e o Distrito Federal têm um prazo de um ano para regulamentar o
assunto. Ver BRASIL 2008.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 69


poder retrospectivo e reativo voltado para a manutenção de uma legalidade criada
sob a predominância do Poder Legislativo (Ferraz Jr. 1994; Santos et al. 1996).
Recordem-se algumas passagens escritas por Montesquieu no célebre capítulo
XI D’o Espírito das Leis:
Porém, se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a
tal ponto, que nunca sejam mais do que um texto exato da lei. Se fossem
uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber preci-
samente os compromissos que nela são assumidos. [...] Dos três poderes
dos quais falamos, o de julgar é, de algum modo, nulo. [...] os juízes de
uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as
sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua
força nem seu rigor (Montesquieu 1979: 150-152).

Feita a opção por um tipo de Poder Judiciário distante do papel que lhe foi
reservado nos marcos da velha ordem liberal, a magistratura assume um novo
lugar no esforço promocional de direitos por parte de um Estado voltado, não
mais apenas para o provimento de segurança jurídica aos cidadãos, mas também
para a promoção do bem-estar social. Em vez de se ocuparem apenas de conflitos
de natureza individual, emerge uma postura pró-ativa na promoção de direitos
coletivos e difusos que transforma o Judiciário em objeto de controvérsia pública
que suscita as questões da legitimidade, da capacidade e da independência deste
ramo específico do Estado Moderno (Santos et al. 1996). É nesse contexto que o
tema do acesso à Justiça é revisto, passando a ser considerado fundamental em
um sistema jurídico preocupado não só em proclamar, mas também em garantir
os direitos de seus cidadãos:
Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os pro-
cedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia
essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao
acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do
indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. [...] À medida que
as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o
conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical.
A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada
vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas
necessariamente deixaram para trás a visão individualista de direitos [...]
O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais
dos governos, comunidades, associações e indivíduos. [...] Tornou-se lugar
comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para asse-

70 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


gurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos. Não é surpreendente,
portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular
atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado
armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de
consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito
ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que
a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos
para sua efetiva reivindicação (Cappelletti e Garth 1988: 9-12).

Em sua análise dos significados sociopolíticos dos tribunais nas sociedades


contemporâneas, Santos et al. (1996) aludem a três períodos no desenvolvimento
da função judicial: o período do Estado liberal, o período do Estado providência e
o período da crise do Estado providência. Ainda que tipificados com base na expe-
riência histórica dos países centrais, podem-se extrair de cada um desses períodos
elementos que nos permitem, por um lado iluminar certos aspectos da institucio-
nalidade do Poder Judiciário no Brasil; por outro lado problematizar a capacidade
do Judiciário brasileiro de desempenhar as funções que esse ramo do Estado
cumpriu em cada uma daquelas fases pelas quais a função jurisdicional passou nas
sociedades avançadas. Mais do que isso, a análise do Poder Judiciário brasileiro,
à luz das características de cada um daqueles períodos, sugere que nos deparamos
com uma agenda de problemas que envolvem uma combinação de questões com
as quais os países centrais, tipicamente, tiveram de lidar em momentos distintos
de seu desenvolvimento. Assim, questões representativas de cada um daqueles
momentos históricos da construção do Judiciário moderno como a independência
externa do Judiciário; a garantia de direitos difusos e coletivos; e o combate ao crime
organizado, dentre outras, permeiam tanto os diagnósticos críticos da situação do
Judiciário no Brasil, quanto o dia-a-dia de nossa magistratura.
Exatamente porque o controle político sobre a atividade judicial é algo dis-
putado por diferentes atores, a questão das formas de seleção dos quadros da
magistratura sempre se configurou como tema de grande relevância em cada
uma das etapas históricas da construção do Judiciário das sociedades modernas.
A propósito, observa-se ao longo do tempo que várias mudanças nos métodos de
seleção da magistratura foram adotadas no Brasil, configurando-se atualmente
um conjunto de regras de recrutamento de juízes que guarda relações com cada
um dos modelos descritos por Zaffaroni (1995).
Sob certo ponto de vista, a tematização da questão das formas de investidura
nos cargos de juiz no Brasil é parte integrante da importante e mais ampla pro-

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 71


blemática da responsabilização judicial da magistratura, objeto de reformas ins-
titucionais em muitas das democracias contemporâneas. Nessa ótica, poderíamos
perguntar-nos a respeito da convivência de diferentes métodos de recrutamento
da magistratura com variados mecanismos de responsabilização judicial em uma
democracia como a brasileira, fazendo eco a uma preocupação presente onde quer
que tenhamos regimes democráticos. E eis a razão para tanto:
Bem se pode dizer, em conclusão, que as responsabilidades (no sentido
de poderes) processuais e substanciais dos juízes expandiram-se extrema-
mente nas sociedades modernas. Por isso, é de todo natural que também
o correlativo problema da responsabilidade (no sentido de accountability,
ou seja, do dever de prestar contas), tenha se tornado particularmente
agudo, e sentido como tal bem além do número limitado dos “especia-
listas” (Cappelletti 1989: 23).

A esse respeito, e tendo como base a tipologia da responsabilidade judicial


proposta por Cappelletti (1989), verifica-se uma tendência nas democracias con-
temporâneas no sentido da contenção das prerrogativas de controle dos poderes
Legislativo e Executivo sobre a magistratura; ou seja, daquilo que Cappelletti
18
chama de responsabilização política dos juízes . Em linha com o que está ocor-
rendo noutras democracias, que vêm aprimorando seus mecanismos de defesa
da independência do Judiciário frente a certas injunções de natureza política, no
Brasil Legislativo e/ou Executivo são atores de destaque nos processos de nome-
ação dos membros dos tribunais federais e na promoção dos membros da magis-
tratura. Contudo, para além desses mecanismos de controle, resta tão somente a
competência do Senado Federal em processar e julgar os ministros do Supremo
Tribunal Federal e os membros do Conselho Nacional de Justiça, dentre outros,
nos crimes de responsabilidade (Brasil 1988: Art.52, II).
Quanto à responsabilização jurídica dos magistrados no exercício de suas
funções, não há qualquer relação entre as formas de seleção da magistratura e sua
responsabilização civil e penal. No Brasil, o Código de Processo Civil (Art. 133) e a Lei
Orgânica da Magistratura (Lei Complementar Nº 35, de 14 de março de 1979) em seu
Art. 49, tratam, especificamente, da responsabilização civil do juiz sempre que:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício, ou a requerimento das partes.

18
A excepcionalidade do uso do address inglês, do impeachment norte-americano e da richte-
ranklage (acusação do juiz) alemã confirmam tal tendência (Cappelletti, 1989).

72 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso
II somente depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao
magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido
dentro de 10 (dez) dias.

Não obstante a afirmação do princípio da responsabilidade civil objetiva da ad-


ministração pelos danos causados por seus servidores a terceiros, expressa no texto
constitucional, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa (Art. 37,
§ 6º) e permitindo que o Brasil seja situado na categoria dos sistemas jurídicos que
consagram a responsabilidade jurídica substitutiva exclusiva do Estado e a respon-
sabilidade restituitória, ressarcitória ou de regresso do juiz na esfera civil; a questão
da responsabilização judicial permanece controversa diante do entendimento de
que “a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não
ser nos casos expressamente declarados em lei” (Brasil 2004).
Com relação à responsabilização penal do magistrado por ato ou omissão
no exercício do cargo, valem para o juiz regras de procedimento especiais que,
ademais, são largamente utilizadas em um grande número de países. Do ponto de
vista substantivo, aplicam-se aos juízes as sanções penais previstas na legislação
e que alcançam igualmente a todos os servidores públicos. Fazendo eco a uma
outra tendência verificada no desenvolvimento dos modernos sistemas jurídicos,
Cappelletti afirma:
Tudo o que a independência e a imparcialidade reclamam é o uso pru-
dente, mas certamente não a total exclusão, das sanções penais contra
juízes, que não podem ocultar atrás da toga de magistrado crimes pelos
quais outros funcionários públicos estarão sujeitos a condenação (Ca-
ppelletti 1989: 62).

Já o exercício da responsabilização disciplinar da magistratura no Brasil foi


objeto de dispositivos institucionais visando evitar sua degeneração em responsa-
bilidade política. Assim, a exemplo de outros ordenamentos jurídicos, verifica-se
no Brasil a minimização do papel dos poderes Executivo e Legislativo nos proce-
19
dimentos disciplinares envolvendo os membros da magistratura ; um esforço de

19
Ainda que a Lei Complementar Nº 35, de 14 de março de 1979 estabeleça:“Art. 27. O proce-
dimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do tribunal, ou do
seu órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante
representação fundamental do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do
Conselho Federal ou Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 73


jurisdicionalização do processo disciplinar e a criação de um órgão especial autô-
nomo, o Conselho Nacional de Justiça, dotado de poder disciplinar. Entretanto, a
conseqüência de tais medidas foi um relativo insulamento da magistratura, no que
diz respeito a questões disciplinares, do restante do sistema estatal e da sociedade
em geral, em virtude de certa degeneração corporativa produzida pelo excesso de
preocupação em impedir que a responsabilização disciplinar redundasse em ame-
20
aças à independência do Judiciário . Nesse contexto, ao pretender-se equacionar
tal problema, a sugestão de Cappelletti é sumamente relevante:
A arma talvez mais frequentemente utilizada para combater essa de-
generação consiste em incluir membros “laicos” nos órgãos investidos
do poder disciplinar, mais uma vez na tentativa de encontrar razoável
equilíbrio entre o valor da independência e o de certo grau de união, que
em verdade nunca deveria faltar completamente, do judiciário com o resto
do body politic (Cappelletti 1989: 76).

Finalmente, no que tange àquilo que Cappelletti chama de responsabilização


social, tradicionalmente o ordenamento jurídico brasileiro vem mantendo distância
daquelas experiências, por exemplo da antiga União Soviética e de vários Estados
norte-americanos, em seus usos da eleição e da revogação populares de mandatos
judiciais. Como visto com base no exame do texto das várias constituições brasilei-
ras, com a exceção da Justiça de Paz e da representação classista de empregados
e empregadores, jamais houve no Brasil qualquer dispositivo constitucional san-
cionando a participação popular na seleção dos quadros da magistratura.
Resta, contudo, a possibilidade do aprofundamento da responsabilização dos
juízes perante o público em geral por meio de medidas voltadas para a publicida-
21
de do processo e das decisões judiciárias . Tal publicidade, sem dúvida alguma,
contribuiria para que avançássemos no sentido senão da eliminação, pelo menos
da minimização dos efeitos perversos da manutenção daquele poder invisível
cuja eliminação continua sendo um ideal longe de ser alcançado nas democracias
contemporâneas (Bobbio 1997).

20
A controversa criação do Conselho Nacional de Justiça, que é composto por quinze membros –
dos quais nove são magistrados, dois são membros do Ministério Público, dois são advogados,
e dois são cidadãos com notável saber jurídico – é parte de um esforço no sentido de estabe-
lecer uma interação mais dialógica entre o Judiciário e a sociedade em geral, proporcionando
mecanismos de controle social sobre a magistratura.
21
Tal desiderato envolve o aprimoramento de uma série de garantias institucionais que infor-
mam aquelas duas dimensões (contestação pública e direito de participação) dos sistemas
poliárquicos apontadas por Dahl (1997).

74 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


Não nos esqueçamos das palavras do velho magistrado, personagem do elogio
22
aos juízes escrito por Calamandrei :
O caráter secreto da câmara de conselho é a consagração institucional
do conformismo: o juiz pode pensar em segredo com a cabeça, contanto
que ninguém fique sabendo do lado de fora [...]. Esse cunho secreto pode
agradar ao juiz que gosta da vida sossegada e que prefere descarregar
sua responsabilidade pessoal atrás do biombo da decisão colegiada, mas
acaba agindo sobre seu caráter como uma droga estupefaciente. É um
exemplo típico de unanimidade de Estado, que salva as aparências à custa
das consciências (Calamandrei 2000: 282).

4. Considerações finais

A questão dos mecanismos de recrutamento da magistratura é objeto de disputa nos


diferentes sistemas políticos. Quer estejamos diante de sistemas republicanos ou
monárquicos, presidencialistas ou parlamentaristas, democráticos ou autoritários,
diferentes atores políticos rivalizam em torno de quem, e de que maneira, partici-
23
pará das decisões relativas à seleção dos agentes públicos com poder judicante .
Entretanto, tal problemática adquire contornos específicos nas democracias con-
temporâneas em virtude da relevância política que vem sendo conferida ao Poder
Judiciário e das tensões decorrentes das relações entre um Judiciário dotado de
24
poderes políticos e as demais instituições democráticas .

22
A respeito da natureza do elogio de Calamandrei à função judiciária, veja-se a Introdução
escrita por Paolo Barile à edição brasileira do Elogio dei Giudici Scritto da un Avvocatto.
A propósito de um perfil mais amplo de Calamandrei, veja-se Bobbio (2007).
23
Para uma síntese de diferentes posições acerca da reforma do Poder Judiciário no Brasil,
veja-se Koerner (1999).
24
Arantes e Kerche (1999) apontam para o fato de que no Brasil o Poder Judiciário assume
papel de destaque em duas vertentes teóricas distintas de crítica aos limites derivados dos
contornos assumidos pela poliarquia brasileira. Para aquela vertente que critica o caráter
minimalista do conceito de poliarquia, o Poder Judiciário poderia desempenhar um papel
importante do ponto de vista da ampliação da cidadania civil por meio da promoção de
condições favoráveis à componente igualitária inerente a uma maior efetividade da lei em
países como o Brasil. De outro lado, certas críticas ao formato institucional assumido pela
poliarquia brasileira apontam o Poder Judiciário e a judicialização da política como fatores de
elevação dos custos de produção de decisões políticas com impacto negativo no desempenho
do sistema em termos de formulação e implementação de políticas.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 75


Em perspectiva comparada, Zaffaroni (1995) alude a três modelos de estru-
turação do Poder Judiciário; cada um com implicações importantes com relação
aos métodos de seleção da magistratura: 1) modelo judiciário empírico-primitivo;
2) modelo judiciário técnico-burocrático; e 3) modelo judiciário democrático
contemporâneo. Em sua visão, tais modelos seriam a expressão de momentos ou
fases evolutivas diferentes na trajetória dos diferentes sistemas políticos.
O que caracteriza o modelo judiciário empírico-primitivo quanto à dimensão
relativa ao recrutamento da magistratura é o instituto da nomeação. Nomeação
política quando o Executivo e/ou o Legislativo, ou o conjunto dos eleitores, sele-
cionam aqueles que serão recrutados; nomeação por cooptação quando os próprios
órgãos do Poder Judiciário recrutam seus membros; e nomeação mista quando
há alguma combinação das duas formas anteriores.
O modelo judiciário técnico-burocrático caracteriza-se pelo acesso á magis-
tratura a partir da realização de concurso público envolvendo o estabelecimento
de critérios objetivos e universais para a seleção de juízes.
Por sua vez, o modelo judiciário democrático contemporâneo baseia-se em
seleção meritocrática por meio de concurso público realizado com a participação
de uma pluralidade de atores (juízes, advogados, professores) visando ao apri-
moramento dos mecanismos seletivos e à minimização de vieses corporativos
indesejados.
Quatro das nossas constituições (1824, 1934, 1937 e 1988) estabeleceram o
critério eletivo para o provimento de vagas de juízes de paz. Com relação aos repre-
sentantes classistas junto à Justiça do Trabalho, todas as constituições brasileiras
depois de 1934 contiveram dispositivos relativos à sua eleição por empregadores
e empregados.
A Constituição de 1891 delegou aos Estados autonomia para legislar sobre a
forma de recrutamento de sua magistratura, prevalecendo nos Estados da fede-
ração brasileira a nomeação de juízes de primeira instância e desembargadores
pelos presidentes de Estado. A partir da Constituição de 1934, os juízes de primeira
instância estaduais passaram a ser recrutados por meio de concurso público; e os
desembargadores estaduais por meio da promoção de juízes de primeira instância
por antiguidade e merecimento.
As constituições brasileiras de 1891, 1934, 1937 e 1946 asseguravam ao pre-
sidente da República a prerrogativa de nomeação dos juízes federais mediante
proposta/indicação do órgão de cúpula do Poder Judiciário. A partir de 1946,
estabeleceu-se o critério do concurso público para o provimento das vagas de Juiz
Federal Substituto. O instituto do concurso foi mantido nas demais constituições
para ingresso na magistratura federal.

76 TEORIA E SOCIEDADE nº 15.2 – julho-dezembro de 2007


Nos termos da Constituição de 1988 tem-se, em se tratando dos tribunais
superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal
Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar), uma conjugação de competências
envolvendo, conforme o caso, a figura do presidente da República, o Senado
Federal, o Supremo Tribunal Federal, órgãos de representação de advogados e
membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios,
o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho. O presidente da
República nomeia, ainda, sem manifestação do Senado Federal, a totalidade dos
membros dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho
e dois dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral.
Com relação ao órgão de cúpula do Poder Judiciário, sob o ordenamento da
Constituição do Império as vagas no Supremo Tribunal de Justiça eram preen-
chidas por promoção dos membros dos Tribunais de Relação e, na sua primeira
composição, por ministros dos tribunais extintos pela lei que criou o novo órgão de
cúpula do Poder Judiciário no Brasil. Já no período republicano, a regra sempre foi
a nomeação pelo chefe do Executivo Federal, com a aprovação do Senado Federal
em todas as constituições republicanas, exceto a de 1937, que determinava que as
indicações presidenciais deveriam ser aprovadas pelo Conselho Federal.
Assim, o exame das formas de recrutamento da magistratura brasileira ao
longo do desenvolvimento de nosso constitucionalismo demonstra que, histori-
camente, utilizamo-nos de diferentes mecanismos de seleção dos ocupantes dos
cargos de juízes no Brasil. Com efeito, nas diferentes etapas de nosso processo de
desenvolvimento político os membros deste segmento específico das elites políticas
nacionais, a magistratura, foram selecionados mediante a participação de uma
gama variada de atores políticos, e por meio de procedimentos distintos.
Se a forma de seleção daqueles agentes públicos que se ocuparão das funções
judicantes é variável-chave na determinação da qualidade da administração da
Justiça, o aprimoramento dos diversos mecanismos de controle e, portanto,
responsabilização, política, jurídica (civil e penal), disciplinar e social sobre a
magistratura é um objetivo do qual não se pode declinar.

Democracia e Métodos Constitucionais de Recrutamento... – Eduardo Meira Zauli 77


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Abstract

This article discuss the constitutional methods question to the problem of responsibility and
of recruitment of judges in Brazil under the control over the Judiciary power in democratic
diferents brazilian’s constitutions, relating this societies.

Key words

democracy

magistracy

Brazil

Recebido em
julho de 2008

Aprovado em
outubro de 2008

Eduardo Meira Zauli


Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Professor do Departamento de

Ciência Política da UFMG e Coordenador do Curso de Especialização em Políticas Públicas da mesma

instituição.

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