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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas


através de contrato com
Estado do Rio Grande do Sul
Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul
Escola de Saúde Pública
Coordenação de Ensino e Pesquisa
Centro de Referência para o Assessoramento e Educação em Redução de danos
Curso de Especialização em Saúde Mental Coletiva com ênfase na Atenção aos
Usuário de Álcool e outras Drogas
com financiamento do
Ministério da Saúde

Marcia Eliza Servio Lisboa

Mulheres em Situação de Prostituição e Substâncias Psicoativas: Uma


Relação de Trabalho?

Women Working in Prostitution and Psychoactive Substances: a Work


Relation?

Porto Alegre
Agosto de 2006
Marcia Eliza Servio Lisboa

Mulheres em Situação de Prostituição e Substâncias Psicoativas: Uma


Relação de Trabalho?

Women Working in Prostitution and Psychoactive Substances: a Work


Relation?

Monografia apresentada como


requisito parcial à obtenção do
título de especialista em Saúde
Mental Coletiva com ênfase na
Atenção aos Usuários de Álcool e
outras Drogas
Orientadora:
Rose Teresinha da Rocha Mayer

Porto Alegre
Agosto de 2006
Autorização para reprodução

Autorizo, exclusivamente para fins didáticos e/ou científicos, reproduções totais ou


parciais deste trabalho, por processos fotocopiadores, desde que seja indicada a fonte
bibliográfica

Assinaturas:

Data: agosto de 2006

Formulário de autoria e responsabilidade

Título do trabalho: Mulheres em Situação de Prostituição e Substâncias


Psicoativas: Uma Relação de Trabalho?

Nome: Márcia Eliza Servio Lisboa Email: marcia_lisboa@hotmail.com

A autora deste trabalho assegura que:

a) participou do trabalho de maneira a poder responsabilizar-se publicamente por ele;


b) revisou e aprovou a forma final do trabalho, liberando-o para publicação na ´Série
Monográfica´;
c) este trabalho ou qualquer outro substancialmente semelhante em conteúdo, não
foi publicado nem está sendo considerado para publicação sob qualquer forma,
sob sua autoria e conhecimento;
d) levou ao conhecimento da Instituição a qual está vinculada, a possibilidade de
publicação do trabalho;
e) está ciente de que a publicação deste trabalho está sujeita a aprovação pelo
Grupo de Pareceristas da ´Série Monográfica´.

Porto Alegre, Agosto de 2006

Curso de Especialização em Saúde Mental


Coletiva com ênfase na Atenção aos Usuário de Álcool e outras Drogas
2006
Agradecimentos:

Às mulheres da vida de quem tenho


recebido tantas lições de Vida.
Aos colegas de curso pela convivência
e compartilhamento de experiências.
A minha orientadora, pela permanente
disponibilidade à interlocução.
The Red Virgo

They call me the red Virgo


I dream of an eldorado, where can I go
Lonely rainbow lost in a too dark sky
Never thought I could have sold
My body and even my soul, I fell dizzy,
Lovely poppy searching for dignity

I could be your mother, your sister


You could be this son
For whom I did what I've done

I'm too far from my country


Left my home and my family
All for money, feel so dirty
Oh can you just help me

Help me, help me, help me not to see this,


Help me, help me, not anymore
Help me, help me, oh please
Hear me, hear me, hear me I say that,
All this is enought than I can bear

They call me the red Virgo


Didn't find my eldorado, freedom said no
Faded beauty dying of poverty

I could be your mother, your sister


You could be this son
For whom I did what I've done."

Louisa Bey, in "Blue Thoughts"


Resumo

Este trabalho aborda formas de relação estabelecidas entre mulheres em


situação de prostituição e substâncias psicoativas. Organizado sob os eixos sócio-
antropológico, adolescência, clínico e políticas de saúde no Brasil, fala do álcool e
outras substâncias como ferramentas de trabalho cotidiano das profissionais do
sexo.

Abstract

This work deals with relationship forms developed between women working
in prostitution and psychoactive substances. Organized around four viewpoints –
socio-anthropological, adolescence, clinical and health policies in Brazil – it deals
with alcohol and other substances as working tools in the daily life of sex
professionals.
Mulheres em Situação de Prostituição e Substâncias Psicoativas:
Uma Relação de Trabalho?

Sumário

Introdução …………………………………………………………………… …05

Capítulo I Aspectos sócio-antropológicos: Mulheres Profissionais


do Sexo e o uso/abuso de substâncias psicoativas ……………………….06

Capítulo II Adolescência, substâncias psicoativas e exploração sexual


………………………………………………………………………………… 16

Capítulo III : Mulheres Profissionais do Sexo e algumas interfaces com as


Políticas de Saúde Mental no campo do uso prejudicial de álcool e outras
drogas ………………………………………………………………………… …26

Capítulo IV Aspectos clínicos da interface entre mulheres em


situação de prostituição e o uso de substâncias psicoativas ………… ….. 31

Capítulo V (Re)Considerações Finais…………………..……………… ……38

Iconografia ……………………………………………………………… …..…49

Referências ………………………………………………………………………51
5

Introdução

Um paradoxo já muitas vezes explorado, a Introdução a um trabalho é


sempre escrita após sua conclusão, numa tentativa – sempre é o que me parece -
de mostrar ao leitor que, afinal, ao cabo de esforço comprobativo e argumentativo,
o autor ,enfim, conseguiu imprimir alguma ordem e sentido de razoabilidade à tese
que se propôs defender. Acredito que se pode usar como metáfora aos nossos
serviços de saúde, onde muitas vezes primeiro ´apagamos os incêndios´ da
maneira possível, e depois tentamos alinhavar essas práticas e dar-lhes ares de
teoria bem comportada.
São apresentados neste trabalho quatro capítulos seguindo os eixos: sócio-
antropológico, clínico, políticas de saúde pública e adolescência relacionados ao
tema central do trabalho que são as mulheres em situação de prostituição que
fazem uso de substâncias psicoativas.
O quinto capítulo centra-se essencialmente nos atravessamentos
presentes na relação entre mulheres profissionais do sexo e o álcool .
Adiante, algumas representações iconográficas - a um tempo antigas e
atuais – que remetem à relação de mulheres com o álcool.
6
Capitulo I

Aspectos sócio-antropológicos: Mulheres Profissionais do Sexo e o uso/abuso de

substâncias psicoativas

A dependência é uma besta, que dá cabo do desejo.


A liberdade é uma maluca, que sabe quanto vale um beijo.
Jorge Palma

Historicamente, os grupos sociais tem feito uso de diversas substâncias

psicoativas. Na verdade, os homens sempre tentaram modificar o humor, as

percepções e sensações por meio de substâncias psicoativas, com finalidades

religiosas ou culturais, curativas, relaxantes ou simplesmente recreacionais

(BUCHER, 1995). Para alegrar-se, comemorar ou consolar-se. Essas vão desde

produtos de origem natural até aqueles produzidos através de processos químicos

intencionais, em laboratório, que proporcionam efeitos percebidos ou não como

agradáveis, pelo SNC - sistema nervoso central. Tais efeitos resultam em

alterações na mente, corpo e no comportamento.

La psicofarmacología ejemplifica hoy el más irreductible conflicto entre la


bendición y la maldición. Desde el lado de la bendición no solo hay
innumerables usos terapéuticos y lúdicos – todo lo relativo a la necesidad
humana de euforia o buen ánimo .(...) Por el lado de la maldición está (...)
el riesgo individual de intoxicaciones agudas y crónicas. (...) En
consecuencia, la misma cosa promete un salto hacia adelante y un paso
atrás en la condición humana (ESCOHOTADO, 2005 p.15).

O recurso às drogas, inicialmente de cunho religioso ou médico,

disseminou-se com o homem nas suas migrações, marginalizando-se ou

tornando-se culturalmente aceitável, até mesmo banal. Numa perspectiva histórica


7
podemos dizer que a droga tornou-se um problema de saúde pública a partir da

metade do século XIX (BERGERET, 1991).

Na cultura ocidental contemporânea, os meios de comunicação difundem a

idéia de que o prazer, o alívio e a satisfação dos desejos devem ser obtidos por

meio do consumo. Essa busca de prazer não está ligada somente ao consumo de

drogas ilícitas, pela curiosidade em experimentar algo que é proibido, por

exemplo, mas também ao uso de bebidas alcóolicas, tabaco, ao sexo, culto ao

corpo e consumo de roupas.

Na atualidade, convivemos com um crescimento significativo do consumo de

substâncias psicoativas que acontece em idades cada vez mais precoces. Há o

desenvolvimento de substâncias novas e vias de administração alternativas de

produtos já conhecidos, com incremento nos efeitos e aumento no potencial de

desenvolvimento de dependência. As razões para este crescimento de consumo

são várias, alívio da ansiedade frente às frustrações e pressões do modelo social

que hoje predomina, essencialmente competitivo e consumista, ou mesmo uma

maneira de fugir à sensação de impotência em levar de forma adequada as

questões pessoais, ou simplesmente alívio e entorpecimento voluntário das

sensações físicas como fome, dor, frio e abandono

Segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde - (1974) os principais

motivos para experimentação de substâncias psicoativas são:


8
* satisfação de curiosidade a respeito dos efeitos das drogas;

* necessidade de participação em um grupo social;

* expressão de independência;

* ter experiências agradáveis, novas e emocionantes;

* melhora da “criatividade”;

* favorecer uma sensação de relaxamento;

* fugir de sensações / vivências desagradáveis.

Evidencia-se a multiplicidade de fatores envolvidos na decisão de

experimentar alguma substância psicoativa, entretanto, para além deste primeiro

contato com a droga e seus efeitos, temos que pensar no que leva então as

pessoas a continuarem utitlizando tais substâncias.

Ainda segundo a Organização Mundial da Saúde (1981), os principais fatores

de risco para o consumo são:

* indivíduos sem adequadas informações sobre os efeitos das drogas;

* saúde deficiente

* insatisfação com sua qualidade de vida;

* personalidade deficientemente integrada;

* com facilidade de acesso às drogas.


9
Podemos então observar que alguns dos itens referidos são passíveis de

intervenção, ou seja, é possível informar sobre os possíveis efeitos nocivos do

uso/abuso de drogas, bem como restringir o acesso a algumas delas: controle

rigoroso sobre medicações, horários de funcionamento de bares, acesso ao álcool

por parte de menores, e outras tantas variáveis que se situam dentro das

possibilidades de intervenção imediata.

No Brasil, a precariedade do Estado de Direito que se tem instalado, com o

que antes era considerado ´marginal´ torna-se parte do sistema de funcionamento

do país, vinculada ao crescimento da miséria em vários aspectos do social. Tal

situação facilita grandemente a prevalência do uso/abuso de drogas lícitas e

ilícitas (KEHL, 1990). A fragilidade dos direitos de cidadania são fatores que

aumentam a ansiedade e o sentimento de impotência das pessoas frente ás

demandas de uma vida com qualidade, constituindo-se em fator de

vulnerabilidade às drogas.

No que tange ao consumo de substância psicoativas pelas mulheres

profissionais do sexo, somam-se outras variáveis.. Aos aspectos mais conhecidos

e discutidos de vulnerabilidade feminina, como a dominação masculina, salários

diferenciados, violências diversas – domésticas ou não -, juntam-se outros

específicos da atividade da prostituição. Risco de agressões em contatos com

desconhecidos, vulnerabilidade aumentada para contaminação por DST – doença

sexualmente transmissível, como a AIDS, mas não apenas.


10
A despeito da existência de Associações e Sindicatos de prostitutas em

todo o mundo, e no Brasil já existirem desde a década de 80 do século passado, o

sexo pago ou prestação de serviços sexuais mediante pagamento, não é

atividade isenta de polêmica. São registradas ocasionais tentativas de práticas

controladoras, moralizadoras e higienistas por parte da sociedade, dos governos,

das instituições de saúde, dos setores religiosos, enfim. Por outro lado, também a

legalização e a banalização deste chamado comércio sexual forçam situações

como as amplamente divulgadas no final de janeiro de 2005. Uma jovem

desempregada de Berlim, Alemanha, para continuar recebendo o subsídio de

desemprego do Estado alemão deveria aceitar o trabalho imposto, literalmente,

pela Bolsa de Emprego do Governo. Foi informada na altura que tal trabalho seria

em um bordel, onde deveria prestar serviços sexuais. Como não aceitou, perdeu o

subsídio desemprego.

O fato da lei alemã entender que o comércio sexual ou a indústria sexual

não é ilegal ou indesejável, faz com que os proprietários de bordéis tenham

acesso às listas de mulheres desempregadas, o que, vale assinalar, as coloca em

maior vulnerabilidade social e emocional pela excessiva exposição de sua

condição pessoal no momento. Assim colocam num impasse aquelas mulheres

que não acham que a prostituição seja um ofício possível para si e que certamente

não desejam perder o subsídio de desemprego. Isto tem gerado controvérsias e

discussões que passam do âmbito do desejo pessoal, ou das aspirações

específicas destas mulheres a uma banalização do que seja a exploração sexual.

Em consonância com a exploração instituída no conjunto das regras de trabalho


11
predominantes, que funcionam sob a lógica do capital. Neste contexto, nos diz

Inês Fontinha:

O meio prostitucional funciona como um mercado de oferta e de


procura: a mulher oferece o homem procura. Mas esta é a prática mais rara.
Na maioria dos casos (oito ou nove em cada dez) segundo observadores da
Europa, intervém uma terceira pessoa. (…) a prostituição não se reduz a um
acto individual de uma pessoa que aluga seu sexo por dinheiro, é uma
organização comercial com dimensões locais, nacionais e internacionais
onde existem três parceiros: a pessoa prostituída, proxenetas e clientes (…)
quem defende a criação de zonas vermelhas ou locais para prática da
protsituição, considerando-a um trabalho, não está consciente da carga
moralizante e da violência que a sua atitude sugere (CONTRASIDA, 2002, p.
19)

Retornando ao caso da desempregada alemã, pode-se dizer que se a

prestação de serviços sexuais obtém o caráter de trabalho formal, passa a ser

considerada uma atividade a que qualquer mulher deva aceder se estiver em

situação de desemprego ou vulnerabiliade, de acordo com a lei alemã em vigor.

Ou seja, o Estado coloca-se em papel de forçar à prostituição mulheres em

vulnerabilidade financeira e social, aumentando de forma importante as

possibilidades de que recorram ao uso ou abuso de alguma substãncia psicoativa

como formas de enfrentar tal situação de stress e pressão.

Estudos acerca da relação entre drogas e prostituição apontam para fato

de, mesmo que nem sempre as mulheres se declarem usuárias, as drogas lícitas

e ilícitas são uma constante no contexto da prostituição, embora havendo variação

entre tipos de substâncias utilizadas, modalidades e intensidade de uso.


12
As formas de relação com substâncias psicoativas, principalmente as

ilegais, podem ser determinantes na organização interna de um grupo de

profissionais do sexo, em que as usuárias de crack, por exemplo, visando atender

sua necessidade constante e urgente pela droga, cometem furtos junto a colegas,

clientes, cobram pelos programas valores inferiores às companheiras, gerando

disputas, tudo isto fazendo com que se vá constituindo um processo de exclusão

dentro de seu próprio grupo.(MARTIN,2003).

Quando está em questão o uso de drogas pelo cliente, há o risco da

agressão física, da submissão forçada.

Há entretanto, outras imagens. .Em 1923, o Correio Paulistano trazia a

notícia

Cocainômana contumaz, Edith Moniz é uma dessas venenosas e


fatais flores da orgia, que arrastam para o abismo da perdição e da morte
os rapazes incautos que tão facilmente se deixam levar na vertigem dos
pecados ´chics´ e das abominações elegantes…Horácio Martins devia
ser mais uma vítima da mulher demoníaca (RAGO, 1991 p. 204) .

De uma tacada é declarada imoral, drogada, assassina e demoníaca,

acumulando uma quantidade de estigmas sobre si.

Faz parte do jargão popular afirmar que a prostituição é a


profissão mais antiga do mundo. Esta afirmação, ainda que pareça
conferir um status ´positivo´ à prostituição e às pessoas que nela
trabalham, somente colabora para que as opiniões negativas e as visões
condenatórias sobre essa atividade se perpetuem. Neste ponto de vista,
a prostituição é apresentada como um ´mal necessário´, como uma
atividade condenada socialmente mas que, paradoxalmente, não pode
deixar de existir (FÁBREGAS-MARTINEZ, 2000 p. 9 ).
13
Consolidou-se entretanto, uma imagem associada, a da mãe que não cuida

dos filhos, e :

Contaminando os libertinos com suas doenças venéreas,


induziam a produção de filhos doentes e votados à mortalidade precoce.
Seduzindo os incautos com suas sensualidades depravadas, levavam a
miséria e a infelicidade a famílias inteiras (COSTA,1989 p. 265).

Associar prostituiçao com uso/abuso de drogas é um estereótipo.

A estereotipia é, de fato, uma parte integrante do estigma da


prostituta e tem hoje o mesmo objetivo que tinha no séc XIX – reforçar
e justificar a opressão exercida sobre as prostitutas, marcando-as
como anormais ou desvios à norma (ROBERTS,1996 p. 339).

É arriscado afirmar aprioristicamente que uma prostituta típica é usuária, de

forma abusiva ou não, de alguma droga.

A prostituição em si não é uma causa nem um efeito da droga


– na realidade o vício traz problemas à indústria do sexo tal como
acontece com a sociedade normal. A imagem da ´drogada prostituta´
é apenas mais uma forma de a sociedade tentar obscurecer as
verdades básicas acerca da prostituição – que são, como sempre,
económicas -, culpando as prostitutas dos seus próprios males
(ROBERTS,1996 p 340).

Ou ainda

Algumas prostitutas acrescentam que só conseguem trabalhar


quando estão sob efeito de drogas, enquanto outras recorrem a elas
porque ´precisam construir outra identidade´. Mas ainda assim, não
diríamos que a prostituição, em si, é uma causa ou um efeito da droga
(BARRA DA COSTA, 2001 p.181).

Ciclicamente, ao longo da história, busca-se o controle da atividade das


profissionais do sexo
14

. No final do século XIX, o Brasil já empunhava bandeiras


saneadoras, higienistas que visavam combater e controlar não apenas
as doenças, mas as doenças e sujeiras eram associadas então aos
vícios, entre eles o uso/abuso de drogas. Era necessário então
estabelecer formas de controle, delimitando espaços excludentes que
permitissem a identificação das atividades ali permitidas ou não
(RAGO, 1997, p. 164).

A imagem da mulher prostituta foi sendo construída como a de alguém

deliberadamente dedicada à vadiagem, intimamente associada a todas formas de

vícios, jogo e bebidas, progressivamente excluída da normalidade social

(CORREA,1994).

Conseqüentemente, tornou-se naturalizada a idéia de que é normal que

profissionais do sexo sejam pessoas que usem/abusem de todo tipo de substância

psicoativa. As razões particulares de cada pessoa, em seu contexto e momento

específico, que porventura expliquem este uso/abuso, podem então ser

enfeixadas num mesmo rótulo de normalidade, consolidando e de certa forma

legitimando a exclusão desta população.

Cada época e ambiente social estabelecem suas categorias e rotinas de

normalidade, e quem não conseguir se enquadrar nestas expectativas poderá

ver-se alijado deste entorno social. Tal afastamento poderá implicar em imensas

dificuldades de afirmação dos direitos de cidadania, já que poderá ser entendido

como alguém indigno de usufruir benefícios e serviços destinados aos normais, os

que seguem as normas, dignos, portanto, de serem chamados cidadãos. Na

tentativa de se proteger do sentimento de exclusão, muitas mulheres profissionais


15
do sexo podem isolar-se, abrindo mão - exatamente - de lutar pelo espaço que

lhes cabe e a que têm direito.

Recomenda-se ao indivíduo que se veja como um ser humano completo


como qualquer outro, alguém que, na pior das hipóteses, é excluído daquilo
que, em última análise, é apenas uma área da vida social. Ele não é um tipo
ou uma categoria, mas um ser humano (GOFFMAN,1988 p. 126).

Os caminhos que levam uma mulher às práticas de prostituição são tantos

e tão variados quanto as possíveis causas de seu uso/abuso de substâncias

psicoativas.

A questão que se coloca como significativa é a possibilidade de acesso –

facilitado, rápido e continuado - a serviços de saúde e assistência qualificados,

cotidianamente desafiados em seus enquadres institucionais, limitados que são

por normas e regras, para que contemplem integralmente a pluralidade das

demandas destas mulheres.


16

Capítulo II

Adolescência, substâncias psicoativas e exploração sexual

A adolescência como a compreendemos na atualidade, apresenta-se

investida de idealizações que valorizam a beleza, vigor físico, sentido de aventura

e disponibilidade para experimentações. Estas idealizações são alimentadas pelos

adultos, numa tentativa de apreender o que tem sido considerado atualmente

momento ótimo da vida, onde tudo seria permitido, potencialmente viável e todos

caminhos abertos a múltiplas possibilidades.

O que caracteriza o que chamamos adolescência,


independentemente da idade, é a indecisão. Não uma indecisão qualquer,
mas uma indecisão que se encontra na beira de se decidir. É um estado de
indecisão de iminente decisão, não é um estado pacífico, é um estado de
instabilidade visível, perceptível, não é um estado de status quo, não é um
estado de tranqüilidade e equilíbrio; pelo contrário, é um estado turbulento,
pela iminência da decisão (JERUSALINSKY, 2004, p.55).

O adolescente ao mesmo tempo que tenta se mostrar em destaque diante

de seus pares, não deseja ser estrangeiro a eles. Os modelos de relação que se

vão constituindo entre o grupo de adolescentes poderão passar, em algum

momento, pela experimentação de substâncias psicoativas. Compartilhar um

garrafão de vinho barato com o grupo, derrubar um engradado de cerveja, fumar

um baseado passado em roda, podem significar a forma com que expressam e

consolidam os laços da turma. Estes modos de interação aplicam-se tanto a


17
adolescentes em situação de risco social, ou situação de rua, quanto aos que

pertencem a classes sociais mais privilegiadas no aspecto económico, com

educação formal e acesso a bens materiais por vias lícitas (celulares modernos,

ténis e roupas de marca…).

Neste contexto, a experimentação, uso ou abuso de substâncias

psicoativas cumprem uma função social cuja importância poderá ser aumentada

de acordo com as características e entorno dos adolescentes envolvidos. O salto

do uso recreativo e social para a dependência poderá acontecer ou não.

A associação entre consumo de substâncias psicoativas e exploração

sexual apresenta-se sob diferentes formas, variando de acordo com o contexto em

que acontece. O tráfico de pessoas, sejam crianças ou mulheres destinadas à

redes de prostituição e ao tráfico de drogas e armas obedecem a padrões

similares, variando de acordo com as demandas de mercado .

Da população brasileira, 32,2% encontra-se na faixa dos 5 aos 19 anos,


constituindo pouco menos de 17 milhões de crianças (5 a 9 anos) e pouco
mais 35 milhões de adolescentes (10 a 19 anos). Esse contingente de mais
de 52 milhões de crianças e adolescentes deverá crescer nos próximos
anos. O uso de drogas, lícitas e ilícitas, se inicia na adolescência e começo
da idade adulta. As crianças e os adolescentes são, assim, os principais
alvos tanto das indústrias tabaqueira e alcooleira e do trafico de drogas
ilegais como dos programas de prevenção e assistência.(www.aids.gov.br
acesso 15.12.2005)

A heterogeneidade social do Brasil, aliada às dimensões continentais do

país, tendo ainda adicionadas uma boa dose de descaso ou falta de interesse

por parte do Estado em priorizar efetivamente a melhoria das condições de vida


18
de crianças e jovens alimentam as condições propícias para exploração desta

população, seja em trabalho escravo nas lavouras, no trabalho sexual ou como

empregados no tráfico de drogas. Nesta trajetória não é de surpreender que

muitos jovens, crianças e adolescentes, tornem-se dependentes de substâncias

psicoativas e valorizem muito pouco a sua própria vida e a dos outros.

Mário Lorenzi(1987) sinaliza os pontos de contato entre os grandes

projetos desenvolvimentistas (Tucuruvi, Carajás, Itaipu) e o tráfico de drogas e

pessoas, nomeadamente crianças e adolescentes destinados à prostituição. O

jornalista Gilberto Dimenstein(1993) também realizou diversos trabalhos de

campo a respeito dos modos de existir de crianças e adolescentes em situação

de risco e mostra, como Lorenzi, a notória associação entre exploração sexual

de jovens e uso de drogas.

Na rota do tráfico, a virgem vale mais e é disputada até mesmo em


leilões. (…) As meninas são embebedadas e depois entregues aos homens.
A maioria das prostitutas desta rota, são meninas. E por um motivo
simples: aos dezoito anos, a prostituta nessa região está acabada, corroída
por doenças. É preciso mão-de-obra nova. Os garimpeiros costumam
chamar a mulher de mais de dezoito anos de ´galinha´, e as de menos de
´franguinhas´. (…) há uma frase corrente entre os homens desejosos de
franguinhas: ´Passou dos 15 quilos, está bom.( DIMENSTEIN, 1993 p. 21 ).

Visto de outro ângulo ainda, o uso de álcool associado com o abuso de

jovens, como relata Dimenstein numa situação ocorrida no Acre:

´Ele embebedou o cacique. E depois disse que daria mais uma


garrafa se pudesse dormir com duas meninas da tribo. O cacique
concordou´. Na língua jaminauá, Raiaou confessa estar preso à cachaça
introduzida pelos marreteiros. Certa vez, um deles pediu para dormir com
sua filha em troca de doze garrafas. Negócio feito. O ex-cacique só não
19
gostou quando pediram sua mulher. ´Aí eu disse, me respeita seu filho da
puta´. (DIMENSTEIN, 1993, p.85)

A população adolescente assim exposta, apresenta uma aumentada

vulnerabilidade para adquirir doenças de transmissão sexual e sangüínea, incorrer

em transgressões delituosas (furtos, agressões, atos de vandalismo) e, de alguma

forma, ver interrompido ou prejudicado seu desenvolvimento pleno em direção à

vida adulta e suas responsabilidades..

No nosso meio, o consumo de substâncias psicoativas por crianças


e adolescentes vem sendo monitorado pelo Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas, ligado à Escola Paulista de
Medicina, de São Paulo (CEBRID), pela realização, desde 1987, de
levantamentos sistemáticos do uso de drogas por estudantes de primeiro e
segundo graus e meninos de rua

Um levantamento, realizado em 1997, mostrou, entre outras coisas, que, em


nosso país, entre crianças e adolescentes escolarizados,:

• a iniciação no uso de drogas se dá muito cedo: 51,2 % dos estudantes


pesquisados já tinham usado álcool antes dos 12 anos de idade; 11,0%,
tabaco; 7,8%, solventes; 2,0%, ansiolíticos e 1,8%, anfetamínicos;
• álcool e tabaco são usados rotineiramente por, respectivamente, 15,0% e
6,2% dos escolares; as outras drogas consumidas com essa mesma
freqüência são: solventes (1,3%), maconha (1,1%), ansiolíticos e
anfetamínicos (0,7% cada) e cocaína (0,4%);
• é crescente a tendência de uso freqüente de maconha (em dez das cidades
estudadas), de cocaína e de álcool (em seis cidades, cada);
• é crescente a tendência de uso pesado de maconha e álcool (dez
cidades).(www.aids.gov.br acesso 15.12.2005)

Ainda referindo trabalho de Dimenstein(1990):

(…) os menores infratores são abastecidos apenas com a violência,


são excluídos de qualquer possibilidade de ingresso no mercado de
20
trabalho, mantendo em atividade a ciranda. O crime passa a ser a única
forma de subsistência e a agressividade a resposta natural e previsível nos
contatos sociais. Neste ciclo vicioso há mais uma agravante :a imensa
maioria dos meninos e meninas de rua entregam-se às drogas,
particularmente à cola de sapateiro. Passam o dia cheirando cola, o que,
além de aliviar a fome, reduz a tensão. O vício os coloca ainda mais distante
da chance de ingressar na escola ou obter um emprego (DIMENSTEIN,
1990,p. 28).

A despeito de podermos contabilizar hoje algumas mudanças no cenário

social, político e econômico e nos sistemas de assistência social e de educação

ocorridas nos últimos anos, penso que alguns trechos selecionados do

depoimento de uma jovem brasileira, publicado há um quarto de século, que fazia

uso abusivo de álcool e outras drogas, mostra-se atual e pertinente:

Nasci em uma cidade no interior, Rolândia,PR, no dia 10 de


Junho de 1962,sob o signo de Gémeos. Mataram meu pai a tiros …dentro
de um bar que ele possuía. Não me recordo de meu pai, a única lembrança
que trago dele é a imagem de uma cena que sempre me recordo… Eu e
minha irmã, em cima de duas cadeiras, ajoelhadas, olhando o corpo de meu
pai em seu caixão. Minha mãe era uma mulher vulgar. Nem minha e nem de
minha irmã; nem de João, Pedro ou José. De todos, ao mesmo tempo
sozinha. Aos 14 anos bebia a noite toda, a começar pela cerveja. (…)eu
gostara muito do efeito ( do álcool),sentira-me feliz; naquele mundo não
havia tristeza, não havia ódio, era como uma viagem a um mundo perdido.
Não sabia então que nos caminhos que levavam àquele mundo perdido, eu
iria me perder cada vez mais, e com menos possibilidade de retorno
(HERZER, 1982,p.27 a 39).

A história de Herzer, uma menina que durante a adolescência foi

progressivamente envolvendo-se num caminho sem volta com as drogas e com

intermináveis passagens pela FEBEM, culminou em suicídio aos vinte anos.

Não é difícil enxergar na resumida apresentação da história de Herzer (ou

Sandra Mara Peruzzo, nome que ela revela lhe ter sido conferido ao nascer em
21
Rolândia, no ano de 1962 e sob o signo de Gêmeos) uma reprodução muito

similar às que encontramos. São relatadas diariamente na mídia, estão presentes

nas nossas relações cotidianas, sejam sociais ou profissionais, nomeadamente

para quem trabalha em saúde pública, tendo ou não vinculação específica com

saúde mental ou população adolescente.

O tempo vai passando, olhos vão se tapando à luz do sol, corpos


estendidos inertes e frios numa rua escura, tiro varando o pequeno corpo
humano, fome atacando no estômago vazio da mente solitária, frio
arreapiando braços que se aquecem no sangue quente durante um
assassinato.

E me perguntam as pessoas se o problema do menor tem solução; e


do meu ponto de conhecimento eu respondo: “Tem!” Mas antes precisamos
resolver entre nós uma única questão: Quem está disposto a entender,
perdoar e estender a sua mão a um menor?

E esta questão precisa ser resolvida logo, pois eles estão todos aí,
simples guerreiros sem fardas que andam pelas ruas à procura de ajuda.
Não encontrando nada, a primeira vida a sua frente será sua medalha,
medalha esta que não lhe dará direito a homenagens ou troféus no futuro,
mas sim, somente mais um dia de vida nessa luta presente em que nos
encontramos. Ás vezes matar, para poder sobreviver por mais alguns dia
(HERZER,1982,p. 172-173).

A complexidade da trama social que constitui o ambiente do adolescente na

contemporaneidade carrega em seu bojo questões que parecem seguidamente

presentes no processo de ser adolescente: a solidão, os questionamentos e

demandas que nem sempre encontram respostas satisfatórias.

Dentre tantas outras vozes jovens que nos foram dadas a ouvir através da

mídia no último terço do séc XX, Christiane F. terá sido talvez das mais

conhecidas e divulgadas. Diferentemente de Herzer, Christiane era parte de uma


22
família normal para os padrões em que vivia. Pai e mãe trabalhando em tempo

integral e uma irmã menor, vivenciando um progressivo sentimento de abandono e

isolamento no conjunto residencial urbano em que foram residir após sair de uma

zona rural, onde ficaram suas referências infantis. Christiane vivencia a interação

social com jovens da sua idade, que como ela dispunham de tempo e poucas

opções em que empregá-lo. Passando por momentos de experimentação de

drogas leves, sempre despercebida pelos pais, vai aos poucos idealizando os

jovens que fazem uso de heroína, até finalmente experimentar a droga e também

um sentimento de pertença grupal que será determinante em suas condutas e

escolhas futuras. Os relatos de Christiane deixam claro a convicção inicial de que

era capaz de controlar o uso, que ela não era e nem seria como os outros, até

perceber a si mesma como dependente que faria qualquer coisa para manter a

dose diária de heroína, já não mais por prazer, mas para não sofrer. Aqui não

falamos de tráfico de crianças visando exploração sexual, mas de jovens que se

voltam à prostituição para sustentar uma dependência que custa caro demais para

suas possibilidades financeiras. Ainda é exploração sexual de crianças e

adolescentes, certamente, mas uma exploração a que se entregam

voluntariamente. O que talvez seja ainda mais penoso. Como nossas crianças,

especialmente nos grandes centros urbanos mas não apenas, que para sustentar

o custoso consumo de crack também se dedicam à prostituição.

Estão presentes na fala de Christiane elementos como a primeira

confrontação com a mãe, divórcio dos pais, o progressivo desligamento dos

vínculos familiares e afetivos anteriores ao uso abusivo da droga, as novas


23
relações e laços que se estabelecem, tendo a heroína como elemento central.

Encontra-se também em seu discurso as mudanças de argumentos auto-

justificativos para conseguir lidar com a situação de prostituição são muito atuais.

Isto nos leva a pensar que, se de um lado não há mudanças significativas nos

processos psicológicos de enfrentamento por parte dos usuários de há quarenta

anos atrás. De outra parte, as situações sociais, educacionais, de modo de vida

adolescente descritas por Christiane, também permanecem sem muitas

alterações. Mesmo se transferirmos o cenário da Berlim dos anos 70 para o

contexto atual próximo a nós.

Comunicação pobre, truncada e desinteresse familiar são alguns aspectos

que surgem com constância:

Dava pena, realmente. Minha irmã e eu nos sentíamos demais na


sala. Quando dizíamos que íamos dar uma volta, ninguém protestava. Klaus,
pelo menos, parecia contente de nos ver sair. Por isto saíamos cada vez
mais freqüentemente e ficávamos lá fora, tanto tempo quanto fosse possível
(HERMANN, 1983, p.35).

Se ouvimos o relato da mãe de Christiane, também suas palavras soam

familiares e atuais:

Como pude não perceber o que estava acontecendo com


Christiane? Por diversas vezes fiz esta pergunta a mim mesma. A resposta é
simples, mas tive que conversar com vários pais para suportá-la: eu não
queria reconhecer que minha filha tinha se tornado uma viciada. É simples.
Enquanto pude, fechei os olhos para não enxergar (HERMANN, 1983,p.50).

Sentimentos de culpa, de haver fracassado enquanto responsável pela

educação de uma criança, a conhecida frase: ´onde foi que errei ? ´, sempre
24
presentes nas falas de mães e pais dos jovens que são ´descobertos´ como

usuários de alguma substância psicoativa, seja uso recreativo ou pesado, seja

droga permitida ou ilícita. A mãe de Christiane também levanta outra questão, a da

responsabilização, quando a filha é condenada por porte e consumo de heroína,

diz:

Não é justo condenar jovens como Christiane por toxicomania


.Christiane não fez mal a ninguém. Ela se autodestruiu. Quem pode julgá-la?
Além do mais, que eu saiba, nenhuma prisão curou um toxicómano
(HERMANN, 1983, p. 235).

Se não temos hoje, na nossa legislação a hipótese de condenar um

adolescente por uso de substãncia psicoativa, também não temos talvez ainda as

mais adequadas formas de lidar com situações como as citadas.

Penso que o apelo massivo e constante que a midia faz, consoante com os

´desígnios sociais´, proclamando ideais consumistas, estabelecendo padrões

definidos de moda e beleza dificilmente alcançáveis pela maior parte dos mortais,

colaboram grandemente para que surja e se instale, principalmente nos jovens,

sentimentos de inadequação e insatisfação agudos que julgam poder controlar ou

amenizar com ajuda externa de alguma droga.

As comunidades terapêuticas, os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),

e outros serviços de saúde, educação e assistência social tentam dar conta da

complexidade da situação que envolve o uso abusivo ou não de substâncias

psicoativas pelos adolescentes. Acredito que uma reavaliação dos modos de


25
comunicação e dos métodos de atenção que vêm sendo praticados em tais

serviços seria um valioso acréscimo ás estratégias de prevenção e cuidados aos

(possíveis) usuários.

O si é pouco, mas ele não está isolado, ele está inserido numa
textura de relações mais complexas e mais móveis do que nunca. Ele está
sempre, jovem ou velho, homem ou mulher, rico ou pobre, situado em ´nós´
de circuitos de comunicação. É preferível dizer: situados em locais pelos
quais passam mensagens de natureza diversa. E ele nunca está, mesmo o
mais desfavorecido, destituído de poder sobre as mensagens que o
atravessam ao posicioná-lo, quer seja no lugar de destinador, quer no de
destinatário, quer no de referente (LYOTARD,1989, p. 41).

Se não se conseguir acessar os sentimentos essenciais de solidão e

incompreensão por parte dos adolescentes, usuários de drogas ou não, fica difícil

pensar em prevenção. É possível que mudanças no discurso e formato de

abordagem dos serviços destinados aos adolescentes sejam positivas, no sentido

de que sejam obtidos formas adequadas de intervenção. Mudanças que

contemplem justamente a diversidade das demandas e promova o acolhimento

das falas singulares. Seria o caso de dizer que o ideal seja o efetivo cumprimento

das diretrizes de eqüidade e integralidade preconizadas pela Lei que criou nosso

Sistema Único de Saúde.


26

Capítulo III

Mulheres Profissionais do Sexo e algumas interfaces com as Políticas de


Saúde Mental no campo do uso prejudicial de álcool e outras drogas

As mudanças das políticas públicas de saúde, embora lentas, têm ocorrido

no Brasil no sentido que é expressamente declarado o direito à universalidade,

eqüidade e integralidade do atendimento, pela lei 8080/90 que institui o SUS-

Sistema Único de Saúde. O SUS assim considerado, pode ser entendido como a

proposição mais democrática e abrangente de atendimento já sistematizada no

país

Na prática, entretanto, nem sempre os fatos se dão conforme o preconizado

pela lei. Variáveis sociais, econômicas e políticas são apenas alguns dos

atravessamentos que fazem com que às vezes os princípios do SUS não sejam

contemplados, como na questão da eqüidade, por exemplo.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil, fortemente inspirada na Reforma Italiana

tomou impulso decisivo na década de 80, caminhando junto com a abertura

política que acontecia naquele momento no país. A experiência italiana não foi

certamente a única fonte da qual bebeu a Reforma Psiquiátrica no Brasil, mas

representou, sem dúvida, um marco decisivo. O reconhecimento da função social

da psiquiatria, bem como o entendimento de que o conceito de cura podia ser

mais complexo do que se supunha, contribuiu também para o surgimento da


27
Redução de Danos, como estratégia do possível no que dizia respeito aos

usuários de substãncias psicoativas enquanto população merecedora de

cuidados dentro do que preconiza o SUS.

Neste contexto transformador, vale citar a Conferência de Caracas (1990),

que produziu a Declaração de Caracas, onde é reconhecido o direito de todo

usuário de serviço de saúde mental e indica com veemência a necessidade dos

países signatários – o Brasil entre eles - de adequarem legislação e serviços

nesta direção.

No Brasil discute-se à época o projeto de lei do deputado Paulo Delgado,

que viria a ser conhecido como a Lei da Reforma Psiquiátrica, aprovado doze

anos mais tarde, em 2001 com alterações:

Nesse período, o texto sofreu inúmeras mudanças – que o amenizaram, é


verdade, mas que produziram, assim mesmo, uma lei progressista.
Embora não tenha o impulso extraordinário que o texto original significaria,
deve-se considerar que ela representa uma vitória importante, podendo
ser um dispositivo efetivo de transformação da assistência e da condição
do paciente psiquiátrico no paí. (TENORIO,2002 p. 129).

Entretanto, embora indicando um caminho geral, era necessário inventar

modos de operacionalizar as transformações propostas, cada local e situação

demandando soluções próprias, buscando superar os limites de ação da

psiquiatria tradicional.
28
A criação dos CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – como serviços

substitutivos em saúde mental, é uma tentativa de responder a esta demanda dos

portadores de sofrimento psíquico, dentro do enquadre proposto pelo SUS.

Houve um efetivo avanço nas políticas de saúde mental no Brasil em

relação a vinte anos atrás, Pedro Gabriel Delgado comentando as críticas à

legislação em saúde mental que se vem constituindo neste período, considera-as

relevantes. Destaca no entanto a importância dos CAPS, uma espécie de “lugar

geométrico de todas as influências”. Defende ainda o caráter integrador dos

CAPS no que tange a atenção a usuários de álcool e outras drogas, no sentido de

que se vão inserindo na rede, em direção ao que é preconizado nos princípios do

SUS . .( DELGADO, 2005).

Acho que a reforma psiquiátrica chegou a um ponto que é o de dar


conta de seu dever de casa e superar integralmente o atendimento
manicomial, colocando em seu lugar o atendimento por uma rede pública
inclusiva, eficaz e competente, realizada por profissionais qualificados e
por um processo de supervisão permanente .
(http://www.ensp.fiocruz.br/radis/38/capa.html acesso 15.12.2005)

O advento da epidemia da AIDS certamente deu destaque e visibilidade à

questão do uso/abuso de drogas, demandando um novo olhar e espaços de

atenção para a questão. Muito cedo tornou-se evidente a relação entre a

transmissão de HIV e a utilização de drogas injetáveis. A reação veio na forma do

surgimento dos programas, ou ações, de Redução de Danos, menos de dez anos

após o evento da AIDS. A complexidade das ações em Redução da Danos se foi


29
constituindo a partir das demandas que surgiram ao longo da caminhada dos

programas, no qual com freqüência surge a necessidade de locais de atendimento

para usuários que desejassem diminuir ou mesmo abster-se do uso de SPA –

substãncias psicoativas.

Os trabalhos em Redução de Danos inicialmente alavancados

principalmente em função do avanço da epidemia da AIDS, se foram entrelaçando

então com os serviços de saúde mental que se constituíam nesta altura, sob a

ótica de integralidade proposta pelo SUS.

Já neste momento também evidencia-se a maior vulnerabilidade da mulher


frente à epidemia de AIDS:

…há dificuldades do enfrentamento da epidemia de HIV/Aids no Brasil,


onde a relação de género é bastante desfavorável à mulher. Em uma
sociedade machista, na qual prazeres e riscos são controlados pelo
parceiro sexual do sexo masculino, as mulheres se colocam de maneira
inferiorizada no relacionamento a dois. Isto portanto acaba se traduzindo
no risco maior também das mulheres usuárias de drogas injetáveis para a
transmissão do HIV (BRASIL, 2001)

Quando a população feminina considerada exerce a atividade de

profissional do sexo, surgem outras variáveis de risco para o uso/abuso de SPA e

conseqüentemente, é aumentada sua vulnerabilidade frente ao HIV/Aids. O

próprio conceito de vulnerabilidade:

… proporciona um salto qualitativo para as propostas de prevenção da


AIDS, na medida em que desloca o foco das atenções do indivíduo e
propõe um olhar atento para o contexto sócio-cultural no qual o sujeito se
encontra sem, contudo,desconsiderá-lo (BRASIL, 2002, p.38)
30
É importante então que não se caia na armadilha de vitimização absoluta

dos profissionais do sexo, entendendo as responsabilidades a serem assumidas

em cada ação individual, mas sem esquecer que:

…Os segmentos sociais que apresentam o exercício das


sexualidades insubmissas, divergentes ou transgressoras sofrem
diferentes formas e níveis de discriminação social que lhes retiram o status
de cidadão pleno, condenando-os a uma categoria secundária no
ordenamento da sociedade. Dessa maneira, direitos garantidos a outros
segmentos lhes são negados, dificultando, freqüentemente, o acesso aos
sistemas formais de saúde, educação e proteção social, construídos sob
medida para acolher o modelo clássico da família nuclear e patriarcal
(BRASIL, 2002, p. 39).

Portanto, questões como acesso aos serviços de saúde e acolhimento são,

à partida, essenciais na garantia dos direitos de cidadania desta população.

Disponibilizar insumos de prevenção (preservativos, seringas descartáveis),

imunização contra hepatite B, ao mesmo tempo promovem contato e vínculo

com tais pessoas em vulnerabilidade, abrindo caminho para outras possíveis

ações em saúde, consoantes a seus desejos e demandas.

As ações das ONGs junto aos profissionais do sexo, quer façam ou não

uso/abuso de substâncias psicoativas, reforçam estas possibilidades de acesso e

vinculação aos serviços formais de saúde. Constituem elo importante da rede

de saúde que se deseja integral. É essencial que haja mecanismos de referência

e contra-referência entre ONG e OG, e que haja uma luta por espaços novos e

não disputas pelos espaços já constituídos no processo de educação, promoção e

atenção em saúde. O resultado será a melhor e mais completa cobertura aos

usuários.
31

Capítulo IV

Aspectos clínicos da interface entre mulheres em situação de


prostituição e uso de substâncias psicoativas

As formas de lidar com a atividade de profissional do sexo são tantas

quantas são as pessoas que a exercem. Neste trabalho falaremos apenas de

mulheres profissionais do sexo e algumas formas como fazem uso de substâncias

psicoativas. Para tanto serão considerados textos de referência e algumas falas

colhidas no trabalho cotidiano em Unidade Básica de Saúde com esta população.

A complexidade do fenômeno da prostituição exige que lancemos mão de

referenciais múltiplos que possam dar conta de nos fazer compreender os

variados aspectos desta atividade e sua interface com o uso de substâncias

psicoativas.

Autores citados por LIBORIO e CASTRO (2004) discutem a questão de ser

ou não voluntária a opção das mulheres pela via da prostituição, citando

argumentos contra e a favor desta posição. Penso que as duas correntes não são

mutuamente excludentes, podem sim coexistir nos modos de pensar das mulheres

que se dedicam a atividade do comércio sexual. Concordo com a posição de

LIBORIO e CASTRO (2004) no sentido de que o antagonismo destas posições é

apenas aparente.
32

Há um dito popular que afirma que tudo que é desconhecido torna-se

atraente. A prostituição, como As Drogas – mesmo em maiúsculas, a justificar a

força que detém a expressão -, parecem exercer este fascínio, no sentido que a

um tempo atraem e amedrontam, o que explica a dificuldade de abordar tais temas

sem emitir juízos de cunho moral.

A questão do uso de drogas aparece tanto como elemento auxiliar para fugir

da realidade entendida como intolerável em algum momento, como também pode

compor, juntamente com outras atividades, processos de auto-destruição pessoal.

Cada forma de uso e/ou abuso de substâncias psicoativas está então a serviço do

que estas mulheres compreendam como adequado às próprias necessidades em

detrminados momentos de vida.

CHOISY(1967) traz-nos uma perspectiva psicanalítica:

La prostitución comienza en el momento en que el proveedor de


placer sexual se convierte en vendedor. El dinero está muy vinculado a
toda classe de conflictos psíquicos. En nuestra civilización simboliza,
entre muchas otras cosas, la voluntad de poder y el consiguiente
sentimiento de culpa inconsciente, por haber tomado el lugar del padre.
Pero además de esta ambivalencia respecto al dinero, el asignar
un valor de mercado al orgasmo degrada al sexo. (...) En el mundo
occidental, la prostitución es doblemente tabú. La ansiedad anal por el
dinero es acrecentada por la incomodidad general asociada a lo erótico
(CHOISY,1967, p.7).

Penso que o aspecto de transgressão, de ser capaz de transgredir ao que é

socialmente convencionado, juntamente com um sentimento de auto-estima muito


33
fragilizado podem fazer parte das razões que levam a escolha pela prostituição e

pelo uso, abusivo ou não, de substâncias psicoativas. Ressalvadas aqui as

mulheres que não fazem opção pela prostituição, mas que são forçadas a isto,

como nos casos de imigrantes ilegais que são atraídas para outros países com

falsas promessas de empregos e ficam de repente sem passaporte, contatos ou

possibilidades de retorno a seu local de origem. Então, para além das dificuldades

sócio-econômicas que levam uma mulher a prostituir-se ou a usar alguma droga

para anestesiar os afetos há que se considerar que as escolhas que faz são, em

parte, direcionadas pela sua história de vida.

A toda persona el mundo se le aparece en la forma en que lo


moldea, de acuerdo com su estado interior, y ella actúa según su visión
privada de él. (...) De modo que se erige mecanismos especiales de
defensa para crear una distancia entre el yo y el objeto amoroso (CHOISY,
1967 ,p.34).

E ainda :

(…) la prostitución era un mecanismo de defensa. Servía a uma


cuádruple función. Negaba su temor básico del amor. Repetía, y al mismo
tempo compensaba, la indiferencia de su padre. Encubria su soledad. Era
una venganza contra la frustración paterna. (“La hija del orgulloso hombre
recibía dinero para abrirse de piernas ante cualquiera”) (...) Se puede tener
comercio sexual para humillar al compañero. La prostitución es un
matrimonio provisional entre un hombre y una mujer qu se aborrecen
(CHOISY,1967 ,p.40).

A despeito das razões variadas que levam uma mulher a trilhar o caminho

da prostituição, os resultados finais tendem a uma semelhança.

¿Es posible hablar de prostitución como de un trabajo voluntario o una libre


elección? ¿Es posible una sociedad que habla de igualdad y permite la
prostitución? Son preguntas que plantea la periodista y socióloga sueca
34
Louise Eek, cuya experiencia anterior como prostituta la hace conocedora
de un fenómeno que, afirma, tiene un impacto en toda la sociedad. "Se
establece la idea de que si una mujer es prostituible, todas lo son; sólo es
cuestión de precio", dice. "En Europa es fácil oponerse al tráfico, pero si se
habla de prostitución y libre elección, la gente se echa atrás; para mí son
sólo niveles dentro del mesmo infierno.
(http://www.lavanguardia.es/web/20060413/51243832504.html acesso
12.04.2006).

No discurso das mulheres em situação de prostituição surge repetida e

constantemente a questão da fragilidade da auto-estima e de que, afinal, a

prostituição é um caminho igual a outros tantos meios de sobreviver.. Num

discurso a um tempo conformado e desafiador.

Cuando la soledad y los flashback te atrapan es fácil volver. Si has sido


violada siendo virgen tienes una idea del sexo nada placentera, desligada
del sentimiento; te acusas, no importa cuánto ha pasado, y entras en la
industria donde tienes que hacer cosas que no habías imaginado. Hay
muchas con este trauma difícil de superar. Imaginan que la vida normal
será romántica y ante la decepción vuelven, no encajan. Necesitan ayuda,
una red nacional, una agenda a largo plazo para socializarla.”
Para Louise Eek, que ha publicado en su país Comprar o ser comprado;
libertad y poder en la industria del sexo, separar tráfico de prostitución es
sólo cuestión de enunciado. "Claro que dicen que lo hacen por voluntad; yo
habría dicho lo mismo, pero ¿qué esperabas? ¿que hablara del abuso que
sufrí, del abandono de mis padres, de la angustia? Dicen que no son
víctimas y que no necesitan servicios sociales porque quieren dignidad, y
discursean sobre la libre elección, pero es una ilusión, libertad en negativo,
pues esa situación es sólo mejor que lo conocido".
(http://www.lavanguardia.es/web/20060413/51243832504.html acesso
12.04.2006).

A interface entre o uso, abusivo ou não, de substâncias psicoativas com a

prostituição de mulheres, é obviamente tão complexa quanto se possa imaginar.

Passa pela possibilidade concreta de que, o uso de drogas, é capaz de diminuir o

impacto do enfrentamento de situações difíceis. Consideremos os sentimentos da


35
personagem Geni, narrados por seu criador, Chico Buarque de Hollanda (1977), na

música Geni e o Zepelim, parte integrante da peça Ópera do Malandro.

De tudo que é nego torto


Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante


Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni


Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
36
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela


Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos


Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni (BUARQUE DE HOLLANDA, 1977)
37
Todos elementos de rechaço, estigma social, repetição infindável do ciclo

usada e abandonada estão presentes nesta história, e ficamos a imaginar que

seria compreensível, se não aceitável, que Geni usasse algum tipo de derivativo

químico para aliviar a pressão social e o mal estar por submeter-se forçadamente

a uma situação desagradável que lhe trouxe tamanha sensação de asco.

Segundo LE POULICHET (2004), a droga pode representar a solução para

um sofrimento insuportável e defende então, a existência de variadas formas de

relação com as drogas, organizadas em função das diferenças psíquicas de cada

pessoa.

Citando alguns aspectos na clínica com usuários de droga, CHAGAS (2003)

nos diz:

A busca do calmante, na ilusão do paraíso que a droga


possibilita, denuncia que o ideal de consumo das sociedades modernas é
um acontecimento difícil de assimilar, produzindo, por vezes, traumas. Ao
mesmo tempo, a aventura da drogadição provocada pela fascinação da
manipulação do corpo pode ser uma tentativa de resolução da
problemática do consumismo (CHAGAS, 2003 p.79).

Propondo outra leitura possível sobre mulheres que usam drogas, CHAGAS

(2003) nos fala da busca que realizam pela aprovação, segurança e estabilidade,

que encontrariam então, numa relação com a droga, através da aceitação passiva

da dependência:

Na marginalização como possível lugar social, encontra a


moradia ou o lugar provedor e, sobretudo, a expressão da
impossibilidade de ser moderna. Encontra ainda o lugar da
´disponibilidade´ ao desejo do homem. É o que podemos observar,
também, em prisões femininas onde há um grande número de detentas,
que aí estão por questões de tráfico. O crime consistiu em assumir a
culpa e ser presa no lugar do marido – sendo muitas vezes esquecidas
38
na prisão – ou em levar droga a seu homem na cadeia (CHAGAS, 2003,
p. 84).

Entretanto, quando a interface avaliada é a da mulher profissional do sexo

que faz uso de substãncias psicoativas, acredito que a motivação que predomina

seja o da anestesia em relação aos enfrentamentos cotidianos impostos pela

situação de prostituição. Relatos colhidos de mulheres em conversas informais ou

em situação de aconselhamento, convergem em direção a frases como: “embalada

pela cerveja fica mais fácil suportar o cara”, ou “se bebo umas a mais fico só

ouvindo a música, daí nem ligo ao que o cara tá fazendo comigo, e ainda ganho

mais se ele gasta em bebida”.

Assim, são repetidas as falas destas mulheres acerca do abandono

vivenciado na infância, juventude, bem como submissão a abusos continuados por

pais, irmãos e outras figuras masculinas inseridas em seu contexto próximo.

Sugerindo a idéia de que valem pouco por si mesmas, e que é esperado que

estejam sempre a serviço dos desejos e ordens destas figuras de autoridade, que

se vão reproduzindo e adquirindo a face de companheiros, clientes, numa

perpetuação do jugo a que muitas vezes só é possível escapar através do uso de

drogas.
39

Capítulo V

(Re)Considerações Finais

Os modos de estruturação desta especialização voltada a qualificar o

atendimento a usuários de álcool e outras drogas, implicou a realização de quatro

produções escritas ao longo do curso, contemplando os eixos: sócio-antropológico,

clínico, políticas de saúde pública e adolescência. A idéia, segundo foi dito já no

início, era que se fossem encaminhando e direcionando as reflexões, visando facilitar

a produção final da monografia. Se facilitou por um lado, dificultou por outro. No que

me diz respeito, embora nos quatro módulos anteriores tenha conseguido manter um

fio condutor bem claro, a saber: relação de mulheres em situação de prostituição

com uso de substãncias psicoativas.

Fica evidente a dificuldade no momento da necessária reunião dessas

abordagens numa produção final e ainda em dizer de forma sucinta e clara sobre

fenômenos tão complexos como esses. Por esta razão apresentam-se aqui estes

módulos construídos no decorrer da especialização como capítulos, não tendo sido

modificado seu conteúdo.

O trabalho de construção teórica e o que é realizado na ponta dos serviços de

saúde - SUS, nem sempre são fáceis de serem conciliados. Se é possível realizar
40
revisão da literatura sem dar ao texto uma entonação pessoal, o mesmo não

acontece quando entram neste texto a transcrição das falas das pessoas que

chegam a esses serviços, e que trazem em primeira mão e na primeira pessoa, os

relatos do que as aflige.

Já a princípio, as exigências de definição ou delimitação de termos utilizados.

O que é a prostituição na contemporaneidade? Como se pode comparar com o

conceito ´bíblico´? Na Idade Média? E no Brasil Colonial? E no período de formação

do atual Rio Grande do Sul?

Prostituição ainda continua significando a troca de serviços sexuais por

remuneração (dinheiro). O enquadre histórico-social entretanto alterou-se, bem como

as formas de ver as questões que envolvem a prostituição: aceitação, condenação,

vitimização das mulheres, enfim. As infinitas nuances e possibilidades combinatórias

entre estas variáveis não são passíveis de serem rotuladas ou organizadas em

categorias estanques, sob pena de não conseguirmos apreender sua complexidade.

Permanece a questão de que nem todas pessoas que se dedicam ao sexo comercial

ou comércio sexual são forçadas a isto, ou que não disponham de alternativas

razoáveis de sustento, as causas portanto, são as mais diversas.

Não são incomuns os anúncios de jovens universitárias que, para custear a

formação, trabalham como prostitutas ou as que o fazem para ter condições de

custear algum desejo que tenham:


41

La concepción materialista de la vida ( que hace de la comodidad y del lujo


sus fines primordiales, y de la ostentación el asiento de la personalidad
humana), las múltiplas tentaciones con que nuestra técnica la asedia, y el
alto precio que para su satisfación exige...convierten la existencia de
muchas jóvenes, de posición económica muy tolerable, en un moderno
suplicio de Tantalo: impedido de alcanzar los placeres que se le muestran, y
para cuya posesión sólo hay una llave: cierta soma de dinero
(RODRIGUEZ,1960, p.77).

Podemos, no entanto, dizer que hoje as mulheres que independente do motivo

inicial encontram-se em situação de prostituição e que acessam os serviços públicos

de saúde, compartilham de características como: baixa escolaridade, acesso limitado

a informações de todos os tipos, história de violência familiar pregressa e/ou atual,

vivência de abandono familiar e/ou conjugal. Entretanto, há muitos outros

atravessamentos possíveis, que são sutis e muitas vezes nos escapam em função do

ritmo do próprio ambulatório.

No que refere ao uso de drogas, também esbarramos na dificuldade em aplicar

de forma padronizada termos como uso, abuso ou dependência. A despeito das

classificações disponíveis e utilizadas no meio médico, ainda há controvérsias sobre

estes conceitos e comportamentos (usuário, abusador, dependente). Há que se

considerar quais relações se estabelecem entre o utilizador e a substância. Quando

juntados esses dois temas, a complexidade é potencializada, principalmente se a

variável condições sociais for adicionada a tal equação.

Esta breve contextualização é necessária para justificar que todas afirmações

aqui registradas, bem como as situações descritas, são parciais. Não dão conta das
42
intricadas implicações sociais, psicológicas, educacionais, religiosas, econômicas,

que atravessam a prática da prostituição e o uso de substâncias psicoativas.

Trabalho em atendimento ambulatorial, numa Unidade de Saúde que,

entretanto, não possui atendimento médico ou de enfermagem. Essencialmente a

mulheres profissionais do sexo que atuam no âmbito de casas fechadas, bares e

boates, onde o registro de violência e abusos por parte dos clientes é diferenciado

das situações de prostituição de rua. A prostituição de rua, neste caso, é

praticamente inexistente e sazonal, limitando-se a alguma atividade centrada ao redor

das agências bancárias e da rodoviária, em alguns poucos dias do mês,

correspondentes aos recebimentos de aposentadoria pelas pessoas que vêm receber

o rendimento. Essas mulheres surgem das mais variadas posições geográficas,

mantendo em sua maioria a condição itinerante e trabalhando longe de suas cidades

de origem, alegadamente para facilitar a ocultação de sua atividade para os

familiares, pais, filhos. Ao longo de oito anos de trabalho com esta população, há

registros de cerca de cento e oitenta mulheres que acessaram o serviço em busca de

aconselhamento, preservativos masculinos, femininos (que mesmo tendo tido

excelente adesão por parte das profissionais do sexo, desde o final de 2004 deixaram

de ser fornecidos pelo Ministério da Saúde, sem que tenham sido ditas as razões,

deixando em aberto uma grande demanda pelo insumo) e encaminhamentos para

exames e consultas médicas.

O recorte escolhido para este texto final foi o da relação das mulheres

profissionais do sexo com o álcool. Substância que alia aspectos socializantes,


43
facilitadora da aproximação num ritual já estabelecido, com um tipo de padrão de

reconhecimento e resposta; agindo como desinibidor num primeiro momento de

utilização. Sempre que a escolha recai sobre um tema específico, é porque outros

ficarão alijados da discussão, isto não significa que sejam menos importantes ou

significativos. A discussão, por sua vez, não se pretende exaustiva ou definitiva, é

mais uma provocação e um convite à reflexão.

Quando menciono a dificuldade em compatibilizar o discurso teórico e a

vivência de ambulatório, ocorre-me a frase que ouço com mais freqüência por parte

das mulheres profissionais do sexo, com variações mínimas:

É ruim ter que beber tanto. Fico enjoada depois e haja chá de boldo. Mas
tem duas coisas boas: ganho mais se beber bastante e se fizer o cara
beber junto. E na hora H, a coisa rola mais fácil se eu estiver embalada.

Nesta fala específica, que é a mais freqüentemente ouvida, fica claro que o uso

do álcool não é exatamente opcional. Mesmo sendo ruim, tem contrapartidas, traz

compensações: mais dinheiro e facilitação do enfrentamento da relação sexual, ou da

Hora H. É coerente dizer que temos então, nesta situação, o uso do álcool como

amortecedor afetivo. O efeito euforizante do álcool, num primeiro momento, está a

serviço da função dissociativa, que é predominante no trabalho de prostituição.

La historia vital de mis pacientes parecia escrita com papel carbónico:


miseria, migración, marginación social, cultura machista, madre soltera o
abandonada. La existencia propia estaba infiltrada de desesperanza. El
mundo interno de estas mujeres estaba desoladoramente devastado, la
imagen fragmentada de sí mismas semejaba el Guernica de Picasso. (... )
La mayoria habia adquirido un rechazo al sexo y un odio a los hombres. La
profesión propiamente dicha debía su existencia a la possibilidad de
dissociar...Reconocí (...)una disociación cuerpo-mente: las prostitutas des-
habitan su cuerpo durante el comercio sexual, lo vacián de significados, lo
44
transforman en un dimensión inanimada, refugiando su yo en un espacio
sideral, a años luz del miserable cuarto físico donde descarga su frustración
un hombre que se detesta y la detesta porque la necesita, y sólo la puede
poseer pagando (MATRAJT, 1997, p.69-70).

A dissociação aparece sob outras formas, como podemos ver no que referem

essas mulheres, por exemplo quando falam da razão por que fazem questão do uso

do preservativo nos programas:

Assim eu não pego doenças desses caras. E se o cara está com a


camisinha, ele não entra em mim de verdade. Ele não me toca lá dentro. Só
a camisinha encosta em mim lá dentro, ela fica entre eu e o cara.

Das frases auto-justificativas que ouço, esta sempre me parece a mais

representativa do distanciamento afetivo, isolamento e negação que estas mulheres

praticam em seu trabalho, e na relação mesma que mantém com este trabalho. Cabe

aqui abrir um parêntese para reforçar a importância de tal posicionamento em relação

ao uso consistente de preservativos com clientes, no que tange às ações de

prevenção em DST/HIV/AIDS que tanto preocupam a Saúde Pública. O grave senão

desta situação, é que tal posicionamento, tão firme em relação aos programas, não é

mantido quando se trata dos namorados/parceiros destas mulheres. Com estes, as

mulheres profissionais do sexo raramente fazem sexo protegido. O diferencial

simbólico que atua de forma favorável à prevenção com os clientes, não funciona

quando o assunto são os parceiros.

Neste contexto específico, tanto o preservativo quanto o álcool são

percebidos como isoladores que mantém separados a mulher e o cliente. O efeito

socializante ou desinibidor do álcool está na realidade a serviço desta necessária


45
dissociação que advém do embotamento causado pelas doses sucessivas da

substãncia.

A concepção de tempo diferenciada também é uma especificidade que se

evidencia nas falas destas mulheres. Os projetos de vida atém-se na maioria das

vezes a alguns meses à frente do hoje. Durante uma entrevista, ouvi de uma mulher

que estava com dois meses de aluguel em atraso e também devia o salário da

pessoa que cuidava de seus dois filhos em outra cidade. Também dizia estar

economizando para saldar todas as dívidas. Ato contínuo a tais declarações,

mostrou-me uma coleção de miniaturas de animais em vidro e resina, mencionando

a soma paga por aquela miscelânea. O valor era cerca de quinze por cento das

dívidas que já acumulara…e ela havia pago à vista por aqueles enfeites. Quando

sinalizei para a relação dos valores a resposta foi: “eu precisava comprar isto, tinha

que sentir que podia comprar alguma coisa bonita para mim, não tem a ver com o

dinheiro que estou devendo pelo aluguel”. Ora, esta é uma fala que aparece sob

roupagens variadas, mas com igual significado: o agora é o que importa. Quanto mais

rápido melhor, sempre em movimento, um momento de cada vez, são frases que

também sugerem o caminho da dissociação. Quanto mais rápido, menos contatos.

Mecanismo que está em sintonia com os movimentos acelerados da sociedade

contemporânea como um todo, e não só das profissionais do sexo em relação a sua

própria profissão ou ao uso de substãncias psicoativas.

Anos e meses não são mais referências temporais para quem vive
do sexo. Os donos da noite escolheram o período de vinte e quatro horas
para administrar seus negócios. Novas prostitutas são aceitas ou vão
embora todos os dias, estoques de bebidas são repostos e pagamentos são
feitos diariamente, inclusive os do aluguel. Se for preciso baixar as portas às
pressas, nada interfirirá (BORTOLETO, 2003, p.140).
46

Considero que a intervenção possível neste cenário de mulheres profissionais

do sexo que fazem uso de substâncias psicoativas, e que utilizam a rede básica e

outros serviços, passa exatamente pela qualificação de tais serviços de saúde. A

adoção da estratégia da redução de danos em seu sentido mais amplo, por exemplo,

já é uma tendência observada nas orientações publicadas pelo Ministério da Saúde:

A estratégia de redução de danos, como política oficial de prevenção


da infecção pelo HIV e das hepatites dirigida aos usuários de drogas
injetáveis, não visa apenas o objetivo imediato de interromper o uso de
drogas, mas de usá-las sem correr riscos de se infectar ou de transmitir o
vírus HIV.
Essa estratégia caracteriza-se pela execução de ações para a
prevenção das conseqüências danosas à saúde que decorram do uso de
drogas, sem necessariamente interferir na oferta ou no consumo. Os
princípios fundamentais que a orientam são o respeito à liberdade de
escolha e o reconhecimento do usuário de drogas como cidadão com os
mesmos direitos de um cidadão que não usa drogas, o que possibilita,
assim, incluí-lo no conjunto de respostas sociais e de saúde e, ao mesmo
tempo, reduzir as conseqüências prejudiciais para sua saúde e a das
pessoas que participam de sua rede social.
(…)Em relação ao trabalho preventivo com profissionais do sexo,
devemos incluir na nossa prática:
- caracterizar o padrão de consumo de substãncias psicoativas no
ambiente de trabalho das profissionais do sexo;
- conhecer os motivos do uso e os efeitos nocivos e indesejáveis das
diversas drogas usadas na cena de trabalho;
- criar um ambiente favorável para a discussão da associação entre
o uso de drogas e aids, contextualizada na realidade das profissionais do
sexo;
- auxiliar as profissionais do sexo na identificação dos riscos de
infecção quando sob o efeito de substãncias psicoativas na sua prática de
trabalho e na vida pessoal;
- refletir com as profissionais do sexo sobre outros possíveis efeitos
adversos do uso de drogas, como a associação com a violência, o
envolvimento com o tráfico e policiais corruptos, a perda de controle em
situações de risco (BRASIL,2002, p.128-130).

E, mais especificamente no que tange ao uso de álcool, sugere ações bem

pragmáticas:

O álcool lentifica o funcionamento do sistema nervoso e afeta nossa


capacidade de processar informações. A atenção e coordenação motora ficam
47
prejudicadas para reagir a situações. E a pessoa fica menos consciente para
julgar se faz sexo ou não e com menos condições para negociar o uso de
preservativos.
A adoção de algumas providências pode minimizar os efeitos
negativos da bebida:
- coma primeiro, assim o álcool é absorvido mais lentamente;
- dê um espaço entre as doses, se precisa de um copo na mão,
alterne o álcool com água, refrigerante ou suco;
- beba devagar, faça a dose durar:quanto mais rápido beber, mais
rápido ficará bêbado/a;
- descarte parte da bebida de forma discreta.
Estas estratégias deverão ser reforçadas, sobretudo, se as casas
impuserem como condição de trabalho para as profissionais do sexo o
consumo de bebidas alcóolicas, como acontece com freqüência (BRASIL,
2002, p.131).

Ora, estas orientações e manobras sugeridas no citado Manual do Ministério

da Saúde já constam, certamente, no elenco das práticas diárias destas mulheres. A

questão que se coloca na prática é o quanto a ingesta do álcool auxilia essas

mulheres profissionais do sexo no enfrentamento diário das situações de sua vida. O

que vejo de positivo quanto a tais publicações é que sugerem um reconhecimento

oficial ao fato de que os profissionais de saúde não detêm conhecimento e poder

totais sobre as práticas pessoais dos usuários de substâncias psicoativas, sejam ou

não profissionais do sexo. E com isto abrem-se espaços para escutar efetivamente

estas pessoas a respeito de suas possibilidades singulares de usar de forma menos

prejudicial tais substâncias. Ou, se tal lhes for impossível, que o profissional de saúde

consiga aceitar e lidar com este fato de forma a atender, da melhor forma, outras

possíveis situações clínicas já estabelecidas, sempre privilegiando a escuta do que,

afinal, esta mulher que busca o serviço está demandando.

Embora as estratégias de Redução de Danos se tenham organizado

inicialmente em função da epidemia da AIDS, com foco específico na prevenção ao

contágio pelo HIV, atualmente seu alcance é muito mais abrangente, estando – em
48
meu entendimento - a serviço da Promoção da Saúde, aceitando e tentando lidar

com as diversidades de forma mais abrangente possível. É realmente a estratégia do

possível. O que não quer dizer que seja a mais fácil, ao contrário. As tentações, ou

mesmo as facilidades institucionais para exercer o que Foucault (2002) denomina de

biopoder, determinam às vezes atitudes estereotipadas, rígidas, limitadoras por parte

dos profissionais de saúde, indo de encontro às demandas da população a ser

atendida. Ou seja, é possível que uma mulher profissional do sexo que faça uso de

álcool, seja para angariar comissão maior, facilitar o acesso ao cliente, melhorar seu

próprio nível de tolerância à situação de fazer os programas, enfim, alguém que use o

álcool como um tipo de ferramenta de trabalho em seu cotidiano, ao buscar um

serviço de saúde encontre acolhimento com discurso que proponha abstinência pura

e simplesmente, sem considerar as suas circunstâncias de vida e sua posição ou

relação com esta substância. Portanto, é importante que a visão de si mesma que

esta mulher apresentar seja acolhida e compreendida nos serviços de saúde e /ou

assistência que buscar. Que possa ser vista e ouvida não sob um rótulo prévio de

prostituta, usuária de drogas, sem conserto; mas com uma escuta que contemple a

possibilidade de compreensão efetiva da singularidade de sua demanda naquele

momento.
49
Representações Iconográficas da relação mulheres & álcool

Degas, Edgar – Absinto – 1876

Gauguin, Paul – Café – 1888

Van Mieris – Cena de Bordel – 1658


50

Vermeer, Johannes – Alcoviteira – 1656

Lautrec, Toulouse – Pó-de-arroz-1887

Lautrec, Toulouse –A Espera – 1888


51

Referências cap I

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