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Porto Alegre
Agosto de 2006
Marcia Eliza Servio Lisboa
Porto Alegre
Agosto de 2006
Autorização para reprodução
Assinaturas:
Abstract
This work deals with relationship forms developed between women working
in prostitution and psychoactive substances. Organized around four viewpoints –
socio-anthropological, adolescence, clinical and health policies in Brazil – it deals
with alcohol and other substances as working tools in the daily life of sex
professionals.
Mulheres em Situação de Prostituição e Substâncias Psicoativas:
Uma Relação de Trabalho?
Sumário
Referências ………………………………………………………………………51
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Introdução
substâncias psicoativas
idéia de que o prazer, o alívio e a satisfação dos desejos devem ser obtidos por
meio do consumo. Essa busca de prazer não está ligada somente ao consumo de
* expressão de independência;
* melhora da “criatividade”;
contato com a droga e seus efeitos, temos que pensar no que leva então as
* saúde deficiente
por parte de menores, e outras tantas variáveis que se situam dentro das
ilícitas (KEHL, 1990). A fragilidade dos direitos de cidadania são fatores que
vulnerabilidade às drogas.
das instituições de saúde, dos setores religiosos, enfim. Por outro lado, também a
pela Bolsa de Emprego do Governo. Foi informada na altura que tal trabalho seria
em um bordel, onde deveria prestar serviços sexuais. Como não aceitou, perdeu o
subsídio desemprego.
que não acham que a prostituição seja um ofício possível para si e que certamente
Inês Fontinha:
de, mesmo que nem sempre as mulheres se declarem usuárias, as drogas lícitas
sua necessidade constante e urgente pela droga, cometem furtos junto a colegas,
notícia
dos filhos, e :
Ou ainda
(CORREA,1994).
ver-se alijado deste entorno social. Tal afastamento poderá implicar em imensas
psicoativas.
Capítulo II
momento ótimo da vida, onde tudo seria permitido, potencialmente viável e todos
de seus pares, não deseja ser estrangeiro a eles. Os modelos de relação que se
educação formal e acesso a bens materiais por vias lícitas (celulares modernos,
psicoativas cumprem uma função social cuja importância poderá ser aumentada
país, tendo ainda adicionadas uma boa dose de descaso ou falta de interesse
Sandra Mara Peruzzo, nome que ela revela lhe ter sido conferido ao nascer em
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Rolândia, no ano de 1962 e sob o signo de Gêmeos) uma reprodução muito
para quem trabalha em saúde pública, tendo ou não vinculação específica com
E esta questão precisa ser resolvida logo, pois eles estão todos aí,
simples guerreiros sem fardas que andam pelas ruas à procura de ajuda.
Não encontrando nada, a primeira vida a sua frente será sua medalha,
medalha esta que não lhe dará direito a homenagens ou troféus no futuro,
mas sim, somente mais um dia de vida nessa luta presente em que nos
encontramos. Ás vezes matar, para poder sobreviver por mais alguns dia
(HERZER,1982,p. 172-173).
Dentre tantas outras vozes jovens que nos foram dadas a ouvir através da
mídia no último terço do séc XX, Christiane F. terá sido talvez das mais
isolamento no conjunto residencial urbano em que foram residir após sair de uma
zona rural, onde ficaram suas referências infantis. Christiane vivencia a interação
social com jovens da sua idade, que como ela dispunham de tempo e poucas
drogas leves, sempre despercebida pelos pais, vai aos poucos idealizando os
jovens que fazem uso de heroína, até finalmente experimentar a droga e também
era capaz de controlar o uso, que ela não era e nem seria como os outros, até
perceber a si mesma como dependente que faria qualquer coisa para manter a
dose diária de heroína, já não mais por prazer, mas para não sofrer. Aqui não
voltam à prostituição para sustentar uma dependência que custa caro demais para
voluntariamente. O que talvez seja ainda mais penoso. Como nossas crianças,
especialmente nos grandes centros urbanos mas não apenas, que para sustentar
justificativos para conseguir lidar com a situação de prostituição são muito atuais.
Isto nos leva a pensar que, se de um lado não há mudanças significativas nos
familiares e atuais:
educação de uma criança, a conhecida frase: ´onde foi que errei ? ´, sempre
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presentes nas falas de mães e pais dos jovens que são ´descobertos´ como
diz:
adolescente por uso de substãncia psicoativa, também não temos talvez ainda as
Penso que o apelo massivo e constante que a midia faz, consoante com os
definidos de moda e beleza dificilmente alcançáveis pela maior parte dos mortais,
(possíveis) usuários.
O si é pouco, mas ele não está isolado, ele está inserido numa
textura de relações mais complexas e mais móveis do que nunca. Ele está
sempre, jovem ou velho, homem ou mulher, rico ou pobre, situado em ´nós´
de circuitos de comunicação. É preferível dizer: situados em locais pelos
quais passam mensagens de natureza diversa. E ele nunca está, mesmo o
mais desfavorecido, destituído de poder sobre as mensagens que o
atravessam ao posicioná-lo, quer seja no lugar de destinador, quer no de
destinatário, quer no de referente (LYOTARD,1989, p. 41).
incompreensão por parte dos adolescentes, usuários de drogas ou não, fica difícil
das falas singulares. Seria o caso de dizer que o ideal seja o efetivo cumprimento
das diretrizes de eqüidade e integralidade preconizadas pela Lei que criou nosso
Capítulo III
Sistema Único de Saúde. O SUS assim considerado, pode ser entendido como a
país
pela lei. Variáveis sociais, econômicas e políticas são apenas alguns dos
atravessamentos que fazem com que às vezes os princípios do SUS não sejam
política que acontecia naquele momento no país. A experiência italiana não foi
nesta direção.
que viria a ser conhecido como a Lei da Reforma Psiquiátrica, aprovado doze
psiquiatria tradicional.
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A criação dos CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – como serviços
substãncias psicoativas.
então com os serviços de saúde mental que se constituíam nesta altura, sob a
As ações das ONGs junto aos profissionais do sexo, quer façam ou não
e contra-referência entre ONG e OG, e que haja uma luta por espaços novos e
usuários.
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Capítulo IV
psicoativas.
argumentos contra e a favor desta posição. Penso que as duas correntes não são
mutuamente excludentes, podem sim coexistir nos modos de pensar das mulheres
apenas aparente.
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força que detém a expressão -, parecem exercer este fascínio, no sentido que a
A questão do uso de drogas aparece tanto como elemento auxiliar para fugir
Cada forma de uso e/ou abuso de substâncias psicoativas está então a serviço do
mulheres que não fazem opção pela prostituição, mas que são forçadas a isto,
como nos casos de imigrantes ilegais que são atraídas para outros países com
possibilidades de retorno a seu local de origem. Então, para além das dificuldades
para anestesiar os afetos há que se considerar que as escolhas que faz são, em
E ainda :
A despeito das razões variadas que levam uma mulher a trilhar o caminho
seria compreensível, se não aceitável, que Geni usasse algum tipo de derivativo
químico para aliviar a pressão social e o mal estar por submeter-se forçadamente
pessoa.
nos diz:
Propondo outra leitura possível sobre mulheres que usam drogas, CHAGAS
(2003) nos fala da busca que realizam pela aprovação, segurança e estabilidade,
que encontrariam então, numa relação com a droga, através da aceitação passiva
da dependência:
que faz uso de substãncias psicoativas, acredito que a motivação que predomina
pela cerveja fica mais fácil suportar o cara”, ou “se bebo umas a mais fico só
ouvindo a música, daí nem ligo ao que o cara tá fazendo comigo, e ainda ganho
Sugerindo a idéia de que valem pouco por si mesmas, e que é esperado que
estejam sempre a serviço dos desejos e ordens destas figuras de autoridade, que
drogas.
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Capítulo V
(Re)Considerações Finais
a produção final da monografia. Se facilitou por um lado, dificultou por outro. No que
me diz respeito, embora nos quatro módulos anteriores tenha conseguido manter um
abordagens numa produção final e ainda em dizer de forma sucinta e clara sobre
fenômenos tão complexos como esses. Por esta razão apresentam-se aqui estes
saúde - SUS, nem sempre são fáceis de serem conciliados. Se é possível realizar
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revisão da literatura sem dar ao texto uma entonação pessoal, o mesmo não
acontece quando entram neste texto a transcrição das falas das pessoas que
Permanece a questão de que nem todas pessoas que se dedicam ao sexo comercial
atravessamentos possíveis, que são sutis e muitas vezes nos escapam em função do
aqui registradas, bem como as situações descritas, são parciais. Não dão conta das
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intricadas implicações sociais, psicológicas, educacionais, religiosas, econômicas,
boates, onde o registro de violência e abusos por parte dos clientes é diferenciado
familiares, pais, filhos. Ao longo de oito anos de trabalho com esta população, há
excelente adesão por parte das profissionais do sexo, desde o final de 2004 deixaram
de ser fornecidos pelo Ministério da Saúde, sem que tenham sido ditas as razões,
O recorte escolhido para este texto final foi o da relação das mulheres
utilização. Sempre que a escolha recai sobre um tema específico, é porque outros
ficarão alijados da discussão, isto não significa que sejam menos importantes ou
vivência de ambulatório, ocorre-me a frase que ouço com mais freqüência por parte
É ruim ter que beber tanto. Fico enjoada depois e haja chá de boldo. Mas
tem duas coisas boas: ganho mais se beber bastante e se fizer o cara
beber junto. E na hora H, a coisa rola mais fácil se eu estiver embalada.
Nesta fala específica, que é a mais freqüentemente ouvida, fica claro que o uso
do álcool não é exatamente opcional. Mesmo sendo ruim, tem contrapartidas, traz
Hora H. É coerente dizer que temos então, nesta situação, o uso do álcool como
A dissociação aparece sob outras formas, como podemos ver no que referem
essas mulheres, por exemplo quando falam da razão por que fazem questão do uso
praticam em seu trabalho, e na relação mesma que mantém com este trabalho. Cabe
desta situação, é que tal posicionamento, tão firme em relação aos programas, não é
simbólico que atua de forma favorável à prevenção com os clientes, não funciona
substãncia.
evidencia nas falas destas mulheres. Os projetos de vida atém-se na maioria das
vezes a alguns meses à frente do hoje. Durante uma entrevista, ouvi de uma mulher
que estava com dois meses de aluguel em atraso e também devia o salário da
pessoa que cuidava de seus dois filhos em outra cidade. Também dizia estar
a soma paga por aquela miscelânea. O valor era cerca de quinze por cento das
dívidas que já acumulara…e ela havia pago à vista por aqueles enfeites. Quando
sinalizei para a relação dos valores a resposta foi: “eu precisava comprar isto, tinha
que sentir que podia comprar alguma coisa bonita para mim, não tem a ver com o
dinheiro que estou devendo pelo aluguel”. Ora, esta é uma fala que aparece sob
roupagens variadas, mas com igual significado: o agora é o que importa. Quanto mais
rápido melhor, sempre em movimento, um momento de cada vez, são frases que
Anos e meses não são mais referências temporais para quem vive
do sexo. Os donos da noite escolheram o período de vinte e quatro horas
para administrar seus negócios. Novas prostitutas são aceitas ou vão
embora todos os dias, estoques de bebidas são repostos e pagamentos são
feitos diariamente, inclusive os do aluguel. Se for preciso baixar as portas às
pressas, nada interfirirá (BORTOLETO, 2003, p.140).
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do sexo que fazem uso de substâncias psicoativas, e que utilizam a rede básica e
adoção da estratégia da redução de danos em seu sentido mais amplo, por exemplo,
pragmáticas:
não profissionais do sexo. E com isto abrem-se espaços para escutar efetivamente
prejudicial tais substâncias. Ou, se tal lhes for impossível, que o profissional de saúde
consiga aceitar e lidar com este fato de forma a atender, da melhor forma, outras
contágio pelo HIV, atualmente seu alcance é muito mais abrangente, estando – em
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meu entendimento - a serviço da Promoção da Saúde, aceitando e tentando lidar
possível. O que não quer dizer que seja a mais fácil, ao contrário. As tentações, ou
atendida. Ou seja, é possível que uma mulher profissional do sexo que faça uso de
álcool, seja para angariar comissão maior, facilitar o acesso ao cliente, melhorar seu
próprio nível de tolerância à situação de fazer os programas, enfim, alguém que use o
serviço de saúde encontre acolhimento com discurso que proponha abstinência pura
relação com esta substância. Portanto, é importante que a visão de si mesma que
esta mulher apresentar seja acolhida e compreendida nos serviços de saúde e /ou
assistência que buscar. Que possa ser vista e ouvida não sob um rótulo prévio de
prostituta, usuária de drogas, sem conserto; mas com uma escuta que contemple a
momento.
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Representações Iconográficas da relação mulheres & álcool
Referências cap I
Referências cap II
Referências cap IV
BUARQUE DE HOLLANDA, F – Geni e o Zepelin - Ed. Cara Nova Editora Musical Ltda, São
Paulo, 1977
CHAGAS, S.S. – A mulher Toxicómana – In REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALITICA DE
PORTO ALEGRE nº 24. Porto Alegre, 2003
CHOISY, M – Psicoanalisis de La Prostitucion – Ed. Hormé. Buenos Aires, 1967
DIMENSTEIN, G - Meninas da Noite – Ed. Ática,8ª Ed, São Paulo, 1993
LA VANGUARDIA - <http://www.lavanguardia.es/web/20060413/51243832504.html> acesso
12.04.2006
LE POULICHET, S. – Corpo Estranho In REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALITICA DE
PORTO ALEGRE nº26. Porto Alegre, 2004
LIBORIO, R e CASTRO, B – A opção pela prostituição: uma escolha voluntária? In CIENCIAS
SOCIAIS UNISINOS, Vol.40,n 165. São Leopoldo:Unisinos, 2004
PHILIPPON, O. – L´Esclavage de la Femme dans le monde contemporain ou La Prostitution
sans masque – Ed. Pierre Téqui, Paris, 1954
Referências Cap V