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A Política Externa Brasileira e os Interesses Nacionais

Maria Regina Soares de Lima


Disponível em: http://www.nuso.org/upload/opinion/Soares%20de%20Lima.php.
Acesso em: 28 de agosto 2008

Interesse nacional é um termo polissêmico, tantas são as


suas definições quantos são os intérpretes da política externa.
Quando pouco numerosos estes intérpretes e existe relativo
consenso com respeito aos objetivos da política externa, a
definição do «interesse nacional» é quase senso comum, inexiste
contestação pública ao seu significado. Ao contrário, quando se
observam diferenças no interior daquela comunidade, o conteúdo
deste interesse passa a ser objeto de debate público.
No passado, a política externa brasileira experimentou
situação peculiar: relativo consenso com relação a seus objetivos
e quase monopólio de sua formulação pelo Ministério das
Relações Exteriores. As razões aventadas para dar contas destas
características são várias: baixo apelo eleitoral das decisões de
política externa; país continental com cultura política
excessivamente voltada para dentro; forte conteúdo
desenvolvimentista da política externa e estreita vinculação ao
modelo de inserção internacional do país, com base na
substituição de importações, economia relativamente fechada e
coordenada pelo Estado. Como conseqüência, as principais forças
políticas e sócio-econômicas delegaram ao Executivo, em
particular ao Itamaraty, a responsabilidade pela condução da
política externa. As resultantes foram o sentido pragmático das
orientações da política externa e o consenso com relação à meta
da diversificação das relações exteriores entendida como antídoto
a eventuais dependências com relação aos países mais fortes. Em
alguns poucos momentos do pós-guerra, esta direção foi
interrompida, quando predominaram governos excessivamente
ideológicos em sua orientação doméstica e internacional.
Nos anos 90, o termo «interesse nacional» foi banido do
léxico político, em função da hegemonia ideológica e da prática
neo-liberais em que o conceito de nacional é sinônimo de estatal
e, portanto, anátema à predominância dos mercados e dos
interesses privados. Com a crise do modelo desenvolvimentista, a
abertura comercial e a erosão fiscal do Estado, os interesses
brasileiros passaram a ser definidos a partir de uma ótica de fora
para dentro em que o principal componente era a credibilidade
internacional do país frente às agências de rating e aos
investidores internacionais.
Por que, no presente, o termo «interesse nacional» voltou ao
debate político no Brasil? Por um lado, porque a crise dos 90 e a
mudança do paradigma de inserção internacional eliminaram o
principal referencial a partir do qual se organizava a política
externa até então. Por outro, porque o molde neoliberal, que
servira de legitimação àquelas reformas, também entrou em
colapso seja pelas conseqüências domésticas nefastas resultantes
de sua implementação, seja em função de sua superação e da
articulação de um capitalismo coordenado pelo Estado em
praticamente todos os países do Sul, em particular os países
intermédios.
É neste contexto que o PT chega ao poder, com o governo
Lula, para por em prática uma política externa de corte mais
assertivo, em muito semelhante ao legado autonomista do
passado. Ademais, as profundas transformações na inserção
internacional do país conjugadas à democratização política
colocaram a política externa no centro do debate interno, uma
vez que as principais forças políticas e sócio-econômicas
passaram a disputar os conteúdos da política externa e, por
conseqüência, o significado dos verdadeiros «interesses
nacionais».
A política externa do atual governo, por delegação das forças
políticas e sociais que o elegeram, é movida pelos seguintes
objetivos na implementação dos interesses nacionais brasileiros:
integração regional, identidade de país do Sul, consolidação
democrática e inclusão social. O primeiro deriva da consciência
de que nas presentes condições é do interesse de longo prazo do
país uma ampla, geral e irrestrita cooperação na América do Sul.
Fortalecer a identidade Sul do Brasil é crucial para impulsionar a
multipolaridade e a desconcentração do poder mundial, condições
estruturais necessárias à sobrevivência política dos países
médios. Finalmente a consolidação da democracia é condição
necessária para qualquer aspiração de protagonismo no cenário
internacional, assim como a inclusão social como instrumento de
eliminação da pobreza e redução da desigualdade social. Outros
intérpretes, com sustentação política distinta, podem ter outras
definições do interesse nacional.
*Professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (IUPERJ) e Coordenadora do Observatório Político Sul-
Americano (OPSA).

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