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ANO II
Índice
L CIENCIA E RELIGIAO
Píg.
II. DOGMÁTICA
IV. MORAL
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
1. Os dados do problema
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devem ao matemático francés Blaise Pascal, autor de um rudi-
mentar dispositivo désse género desde 1642.
O principio ai aplicado é relativamente simples : em vez
de contar servindo-se dos dedos, o homem pode contar recor-
rendo aos dentes de rodas de urna ou mais engrenagens. A
primeira tarefa do operador há de ser a de traduzir em furos
feitos em fichas próprias os dados numéricos do problema
(a posigáo de cada furo corresponde a determinado valor
matemático). As fichas perfuradas sao introduzidas na cha
mada «máquina calculadora». O operador entáo determina o
trajeto a ser executado pelo aparelho, ou seja, as diversas e
sucessivas operagóes que levam á solugáo do problema ? todo
o trámite do raciocinio e o programa do trabalho sao assim
de antemáo impostes á máquina. Feito isto, o manipulador,
apertando um botáo, desencadeia um processo eletrónico...;
sem demora lhe vém os resultados sob a forma de fichas per
furadas que sao «decifradas» por dispositivos especiáis (tam-
bém automáticos) e traduzidas em linguagem clara, ou seja,
em números.
Os resultados obtidos sao fidedignos, sujeitos a insignifi
cante probabilidade de erros. A máquina IBM («International
Business Machine») 704, por exemplo, é capaz de efetuar em
um segundo 40.000 adigóes ou 4.000 multiplicac.5es ou ainda
9.000 divisóes. O rendimento do calculador artificial é cem
vézes maior do que o do cerebro humano; a unidade de tempo,
para o robot, é o microssegundo ou o milionésimo de segundo.
Os trabalhos que, por exemplo, o astrónomo Le Verrier no
século passado executou durante seis meses para deduzir a
existencia do planeta Netuno, poderiam ser hoje realizados á
máquina em menos de um minuto.
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fim, as cifras fináis ficarn gravadas no robot, que as mani-
festa ao operador. — Pois bem; ésse dispositivo de «memoria»
consiste em se manter dentro de um circuito elétrico fechado
um determinado sinal oriundo de uma combinacáo de impul
sos (trata-se de um «circuito oscilante», no qual certo sinal
gira e regira, como produto da transformagáo de impulso elé
trico em impulso ultra-sonoro, e vice-versa).
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claro que se esvanece o conceito de um Deus pessoal e trans
cendente ou, simplesmente, a idéia de Deus.
2. A resposta a dúvida
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u'a máquina capaz de sofrer o exercicio de tais e tais leis quando
posta em tais e tais circunstancias, e deixa que as leis desencadeiem
seus efeitos sobre o aparelho; os diversos elementos déste entram em
acáo e produzem um resultado certo, porque certas sao as leis que
o operador aplicou. Em todo ésse processo a máquina em absoluto nao
raciocinou, apenas executou leis íisicas; quem raciocinou, foi o
seu fabricante e manipulador humano, íoi também o Autor Supremo
da Natureza, o Criador, que deu tais e tais leis ao elementos.
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entre o todo e suas partes, entre os meios e o respectivo fim ;
supóe também a faculdade de refletir sobre experiencias feitas
e dessa reflexáo deduzir certas normas. Ora isto só é possível
se se faz abstragáo das notas contingentes que afetam os
seres materiais (dimensóes, extensáo, peso, etc.) para apreen-
der o que em cada um é essencial, universal, independente
de tais e tais características. A faculdade, porém, de apreender
o essencial e universal supóe um sujeito de agáo emancipado,
também ele, das notas contingentes e concretas que definem
a materia ; supóe, em outros termos, um sujeito náo-material,
ou seja, espiritual. Com razáo ensina o adagio : «O agir se-
gue-se ao ser» ou «O modo de agir de cada um é condicionado
pelo seu respectivo modo de ser». Donde qualquer atividade
que transcenda a materia supóe um sujeito que também a
transcenda, ou que seja espiritual.
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para outros valores que nao os da producáo meramente ma
terial. Nao queira o homem, na civilizagáo dos autómatos,
materializar-se ou rebaixar-se ao nivel da mera materia, pois
a materia por si nao pode subir ao nivel do homem e cancelar
a dignidade déste. Com outras palavras: nao se deixe o homem
ayassalar em nossos dias pela sede de produzir bens transito
rios, com detrimento para os bens perenes da inteligencia e
da vontade. Se os povos nao tomarem cuidado, a máquina
poderá dominar a vida dos cidadáos, tornando-os escravos da
materia ; isto, porém, por culpa do homem, nao por exigencia
da natureza ou da reta ordem das coisas.
n. DOGMÁTICA
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Advertencia preliminar: o Espirito ou Sópro (ruach, em hebrai
co) de Javé, no Antigo Testamento, significa geralmente a fórca
de Deus a suscitar vida e obras dignas do Altissimo através da
historia sagrada. Como se entende, os israelitas, nao tendo conheci-
mento do dogma da Ssma. Trindade, aínda nao concebiam o Espirito
como Pessoa Divina.
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Antes de sua volta ao Pai, Jesús, confirmando as predi-
góes do Antigo Testamento, prometeu enviar a todos os fiéis
o Espirito Santo, o qual se tornaría o Advógado ou Consolador
(= Paráclito) e o Mestre interior de cada um (cf. Jo 7, 37-39;
14,16s. 26 ; Le 24,49 ; At 1,4). Pelo Espirito e no Espirito de
Deus é que haviam de viver os discípulos de Cristo (cf. 1
Cor 12,3).
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zara muitos recém-convertidos, os quais, porém, nao haviara
recebido o Espirito Santo (donde se poderia deduzir que o
diácono nao tinha a faculdade de O conferir). Enviaram entáo
áquela regiáo Pedro e Joáo, os quais, orando e impondo as
máos, comunicaram o Espirito Santo aos fiéis. Aconteceu,
porém, que Simáo Mago, tendo presenciado o acontecimento,
quis comprar do Apostólo Pedro o poder de dar o Espirito ;
ora Sao Pedro nao Ihe respondeu que nao se efetuava comu
nicagáo do Espirito, nem que esta era independente de algum
rito, mas simplesmente que o poder solicitado nao podia ser
adquirido a dinheiro.
b) At 19,1-7. Em Éfeso Sao Paulo encontrou um grupo
de doze discípulos, aos quais perguntou se já haviam rece
bido o Espirito Santo. Ao saber, porém, que só tinham sido
batizados no batismo de Joáo, completou-lhes a catequese e
mandou-os batizar em nome de Cristo ; a seguir, por impo
sigáo das máos, comunicou-lhes o Espirito Santo.
Estes dois episodios sugerem algumas conclusóes : 1) a
comunicagáo do Espirito por meio de preces e imposigáo das
máos é rito diferente do batismo, podendo éste ser adminis
trado sem aquela; 2) o ministro do batismo nem sempre está
habilitado a proceder a imposigáo das máos ; esta parece
reservada aos chefes da comunidade ; 3) muito pouco plausível
serja admitir que a comunicagáo do Espirito Santo tenha sido,
por instituigáo dos homens, associada á imposigáo das máos
(criatura alguma poderia fazer que tal efeito sobrenatural
dependesse de urna cerimónia natural); é de supor, portanto,
que Cristo mesmo haja instituido o rito comunicador do Es
pirito Santo, rito verdadeiramente sacramental.
c) Hebr 6,1-6. O autor sagrado propóe-se recordar aos
leitores os artigos fundamentáis referentes a Cristo, ou seja,
as verdades que eram ensinadas aos catecúmenos logo que
entravam no seu currículo cristáo (cf. 5,11-14). Seis sao ésses
artigos, que o Apostólo agrupa em tres pares :
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no livro dos Atos (ce. 8 e 19), de mais a mais que em Hebr 6
é enumerado dentro da mesma serie que ocorre em At 2,38s:
penitencia, fé, batismo, imposigáo das máos (cf. pág. 103
déste fascículo).
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interpretagáo a respeito. O fato é que do séc. III em diante
os escritores (Tertuliano, em 200 aproximadamente; Hipó
lito Romano, em 220...) atestam a prática da ungáo. Pois
bem; tenha estado em vigor entre os Apostólos ou nao, esta
era sugerida por textos da S. Escritura mesma que apresen-
tam o Espirito Santo como o Bálsamo, e a comunicagáo do
Espirito como a ungáo com que sao agraciados o Redentor
e os remidos (daí os nomes de Cristo = Uungido, e cristaos.. .).
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determinar primeiramente o auténtico sentido da passagem do
S. Evangelho; a seguir, teceremos algumas consideragóes so
bre o culto externo e seu valor.
1. A mensagem de Jo 4, 21-24
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ávidas de remover toda contradigáo entre profissáo de fé e
conduta de vida ; o culto visível nao acompanhado de ánimo
interior vem a ser a caricatura da oracño ; esta só é autentica
se se procura cumprir a admoestagáo de S. Agostinho : «Ir-
máos caríssimos, o que cantamos com urna só voz, procure
mos penetrá-lo com coragáo puro e facamo-lo passar para
a nossa vida».
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Todavía objetar-se-á que Deus, transcendente e perfeito,
nao precisa das homenagens sensíveis do homem. — É certo
que Ele as poderia dispensar por completo. Sabemos, porém,
por revelagáo positiva do proprio Senhor no Antigo e no
Novo Testamento, que Ele quer ser reconhecido por todas
as faculdades de que a natureza racional dispóe, pois também
os sentidos e o corpo sao criaturas de Deus ; encerram em
si um filete da sabedoria do Altissimo e, ésse filete, éles o
tém que exprimir táo lúcidamente quanto possível, aínda que
isto se faca no plano da materia mesma (o corpo e a materia
em geral se tornam como que transparentes ou dotados de
palavras quando utilizados pelo espirito do homem...).
3. Para ilustrar a maneira como se háo de fundir culto externo
e culto interno na vida do cristao, vém a propósito algumas passagens
de Sao Paulo :
a) 1 Cor 5,6-8: «Nao está bem a vossa jactancia. Nao sabéis
que um pouco de íermento faz levantar toda a massa? Aíastai o
velho fermento para serdes massa nova, porquanto sois ázimos.
Pois Cristo, a nossa Páscoa, já foi imolada. Assim celebremos a
íesta nao com o velho fermento, nem com o fermento da malicia e
da perversidade, mas com os ázimos da pureza e da verdade».
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Assim S. Paulo, a propósito de um caso mesquinho ocorrido
entre os seus fiéis, desenvolvja uma profunda yisáo do que é o culto
cristáo. Éste compreende dois planos — o visível e o invisível —
inseparáveis um do outro, sendo o visível sinal do invisível. Sem
perder os seus tragos e símbolos sensíveis, a religiáo tem que ser
vivida tanto no santuario como fora do santuario, transformando e
renovando a conduta moral dos cristáos... É entáo que se tem o
culto auténtico, «em espirito e em verdade».
b) Flp 2,lCs: «Recebei com firmeza a palavra de vida para que
eu me possa gloriar, no dia de Jesús Cristo, de nao ter corrido
em váo nem trabalhado á toa. E, se o meu sangue tiver que ser
derramado como libacáo s6bre o sacrificio e o servico (leitourgi»)
da vossa fé, alegrar-me-ei e congratular-me-ei com todos vos».
Supondo os ritos da liturgia sagrada, o Apostólo neste texto
mostra como éles se prosseguem e desabrocham na conduta cotidiana
dos fiéis.
Ele compara, sim, a vida normal dos cristáos, com todos os seus
atos, grandes e pequeños, a um sacrificio da liturgia, a uma fungáo
de culto perene, pela qual a alma exprime sua adoracáo e seu amor
a Deus (a mesma idéia alias, ocorre em Roma 12,1; «Oferecei vossos
corpos como hostia viva, santa, agradável a Deus...*). O ministro
désse ato de culto é o Apostólo, que, por sua obra missionária, susci-
tou a vida crista entre os filipenses. Tal é o aspecto que a existencia
cotidiana toma aos olhos de1 S. Paulo. — Eis, porém, que o Apostólo
prevé a possibilidade de morrer vítima da perseguigáo á fé... Com
pleta entáo a imagem. comparando o seu sangue de mártir ao vinho
das libacSes ou das ofertas que costumavam acompanhar os holo
caustos e os sacrificios pacíficos no Antigo Testamento (cf. Núm 15,
5-10; 28,7). Assim a sua morte será a consumacáo do tributo de
louvor e adoragáo a Deus iniciado no rito sagrado ou na liturgia
do santuario.
É nestes termos que o Apostólo entende a correlagao entre o
visível e o invisível no culto de Deus. Veja-se outrossim Rom 1,9;
Flp 4,18.
Após estas explanagdes de caráter bíblico, passamos a breve
reflexáo sobre
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salvagáo (note-se a propósito o que S. Paulo dizía aos pagaos
em At 14,16s). Ora em certas ocasióes essa consciéncia parece
exaltar-se, suscitando solenes celebragóes religiosas, em que
o homem julga encontrar-se mais vivamente com a Divindade;
nessas .eelebragóes se exprime a convicgáo que o orante tem,
de estar realmente em contato com Deus, experimentando
como que um antegózo da salvacáo definitiva. Por isto, em
geral o homem primitivo estima as solenidades religiosas
como dom de Deus ou como sorriso benévolo da Divindade ;
nao é lícito, por conseguinte, promové-las em qualquer época
e em qualquer lugar, segundo o bel-prazer dos devotos; há
tempos sagrados e há lugares sagrados, porque é a Divindade
quem, direta ou indiretamente, toma a iniciativa de indicar
as circunstancias em que Ela se quer comunicar aos homens.
Daí a importancia que a religiáo sempre atribuiu ao calendario;
é éste que assinala os encontros com Deus.
Tais consideragóes se aplicam também ao culto cristáo,
desde que isentas de qualquer concepgáo grosseira ou supers
ticiosa que os pagaos Inés possam ter mesclado. É, sem dúvida,
no culto cristáo que se cumpre por excelencia a aspiragáo,
inata na alma humana, de se encontrar com Deus e de ante
gozar a posse da Divindade; o cristáo, e só o cristáo, tem
fundamento para dizer que Deus tomou a iniciativa de salvar
o homem e que o culto sagrado nada mais é do que a reafir-
magáo continua dessa iniciativa.
2. Eis, porém, que alguns autores, comparando o culto
cristáo com o pagáo, naquele apontam ritos que parecem
ocorrer igualmente na religiáo politeísta. É o que lhes sugere
a conclusáo de que o culto cristáo nao vem a ser senáo u'a
modalidade do culto pagáo ; o ritual da Igreja seria urna trai-
gáo infligida ao Evangelho — traigáo levada a efeito principal
mente no séc. IV, depois que Constantino Magno concedeu
plena liberdade á Igreja, facilitando o intercambio dos cris-
táos com o mundo pagáo.
Que dizer do problema ?
Resolve-se sem dificuldade, desde que se levem em consi-
deragáo os seguintes pontos :
a) houve precipitagáo, por parte de certos autores, ao
apontarem analogías entre formas de culto cristáo e formas
pagas ; teses outrora afirmadas já nao tém voga em nossos
dias (assim pretensas afinidades entre o Cristianismo e o hele
nismo deixaram de ser apregoadas depois que melhor se
conheceu a espiritualidade judaica do inicio da era crista, prin
cipalmente depois que se descobriram em 1947 os manuscritos
do Mar Morto) ;
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b) mesmo que haja real analogía entre certas cerimó-
nias cristas e outras pagas (é o que se dá talvez no caso das
procissóes, das ladaínhas, dos ósculos, das reverencias, etc.),
essa analogía nao significa dependencia essencial do Cristia
nismo em relacáo ao paganismo ; apenas manifesta que a
alma humana em todos os individuos obedece as mesmas
tendencias fundamentáis ; de fato as cerimónias apontadas
nao sao mais do que símbolos a que todo homem espontánea
mente recorre ; nao se derivam diretamente nem da Revela-
Cáo crista nem da superstigáo paga, mas do senso religioso
inato na natureza humana. — No séc. IV a autoridade da
Igreja permitiu fóssem adotadas no culto oficial cristáo tais
expressóes naturais da alma religiosa já usuais entre os pa
gaos ; permitiu-o, porque em si elas nao implicam profissáo
de erros religiosos ; assim como eram praticadas em espirito
politeísta, poderiam muito bem ser observadas dentro de um
quadro monoteísta muito puro, servindo entáo para realgar
a grandeza de Deus e o ardor da alma crista. Esta afirmasáo
é comprovada pelo fato de que a mesma autoridade da Igreja
rejeitou perentoriamente outras formas de culto, por serem
essencialmente expressóes de supersticáo, magia, idolatría
(assim certos banquetes sobre os túmulos dos mortos, algu-
mas dangas, o uso de objetos profiláticos, etc.).
3. A espontaneidade e o valor do culto externo podem ser
ótimamente ilustrados por notável episodio da historia moderna.
Augusto Comte (t 1857), o fundador do positivismo, tendia por
seus principios a rejeitar toda e qualquer forma de misticismo; por
conseguinte,... de religiáo e culto religioso. Tendo desenvolvido esta
sua tendencia primeiramente na escola de Saint-Simón, cedo resolveu
abandonar o mestre, porque éste lhe parecía prestes a restaurar
teorías místicas, «fabricando urna nova religiáo, u'a miserável parodia
do catolicismos» (cf. carta de Comte a Armand Marrast, de 7/1/1832).
Aos 6 de dezembro de 1828, Comte escrevia a Eichtal a respeito
do grupo de Saint-Simón:
«Nao tardaráo a se extinguir no ridiculo e no desprestigio.
Imagine que as suas cabegas se foram aos poucos exaltando a ponto
de pensarem agora em urna auténtica nova religiáo, em urna especie
de encarnacjio da Divindade em Saint-Simón. Enfim, só falta cfizerem
a Missa nova; e isto nao tardará, dado o ritmo que as coisas vao
tomando* (Littré 167).
Justamente para nao pactuar com essa volta á fé na Encarnagíio
de Deus (encarnagáo mal-entendida, no caso de Saint-Simón), Comte
se afastou de seus companheiros... Ora mais tarde o próprio fundador
do positivismo experimentou. por sua vez, a mesma evolugáo de
pensamento: muito mais ainda do que Saint-Simón, ele se tornou o
iniciador de nova religiáo — a da Humanidade —, em que templo
e cerimdnias rituais ocupam lugar de nao pouco relevo.
Assim escrevia E. Sémerie, discípulo ardoroso de Comte, diri-
gindo-se aos católicos:
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«Temos a fé que inspira as grandes coisas e a coragem que leva
a realizá-las. Aos perfumes dos vossos incensos e aos acordes dos
vossos cánticos, nos opomos as espléndidas íestas da Humanidade
na cidade santa da Revolucáo (Paris); ao culto de Deus, o culto
da mulher e dos grandes homens que íizeram de nos o que somos;
ao misticismo estreito do católico, a nobre atividade do cidadáo e o
patriotismo entusiasta dos republicanos de 1792. Convenceremos os
homens, persuadiremos as mulheres; nao está longe o dia em que
nos vossos templos abandonados entraremos quais mestres, ostentando
o estandarte da Humanidade triunfante» (Positivistes et catholiques
1870, pág. 135).
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1. Os dados do problema
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o processo de sexta-feira santa (o contato com o ambiente
pagáo os contaminaría, impossibilitando-lhes a celebragáo da
ceia noturna ; cf. Jo 18,28).
Acontece, porém, que algumas afirmagóes dos sinóticos
sugerem ulteriores reflexóes, constituindo um testemunho in-
direto em favor da cronología de Sao Joáo. Leve-se em conta,
por exemplo, que, conforme Mt, Me e Le, as diversas peri
pecias do processo de Jesús se devem ter efetuado em plena
solenidade de Páscoa (dia 15 de Nisá) ; ora tais ocupagóes
eram incompatíveis com a lei de repouso sabático que mar-
cava a grande data (cf. Éx 12,16 ; Lev 23,7). Era, sim, proi-
bido em tal ocasiáo carregar armas e encarcerar um réu
(cf. Mt 26,47) ; acender fogo como o acenderam em casa do
Sumo Sacerdote (cf. Le 22,55) ; caminhar do campo para a
cidade, como fez Simáo o Cireneu provávelmente após a sua
jornada de trabalho agrícola (cf. Me 15,21); carregar a cruz,
como Jesús teve que fazer; executar urna sentenga capital,
como fizeram os seus carrascos ; comprar u'a mortalha, como
a comprou José de Arimatéia (cf. Me 15,46) ; preparar aro
mas e bálsamos para ungir o corpo morto, como o empreen-
deram as santas mulheres (Le 23,56). Difícilmente, portante,
se admitirá que se tenha realizado no dia 15 de Nisá tudo
que os sinóticos referem ¿mediatamente em torno da conde-
nagáo e execugáo de Jesús. — Destas consideracóes conclui-se
que, segundo Mt, Me e Le, ao menos um grupo de judeus (os
que realizaram os atos ácima descritos) nao havia comido o
cordeiro pascoal na noite de quinta-feira, como Jesús fez, nem
estava celebrando a solenidade de Páscoa na sexta-feira. Ora
é justamente esta a perspectiva que se depreende do Evangelho
de Sao Joáo.
Ainda outra observagáo se reveste de importancia: Jesús
morreu na tarde de sexta-feira que, segundo os sinóticos, de-
veria ser o dia de Páscoa (15 de Nisá). Logo após o faleci-
mento do Mestre, José de Arimatéia se aprestou por sepultar
o cadáver, pois, quando baixasse o sol, entraría em vigor a
lei do rigoroso repouso sabático (cf. Me 15, 42-46 ; sabemos
que os judeus contavam os dias de ocaso a ocaso do sol, nao
de meia-noite a meia-noite). Do seu lado, as piedosas mulhe
res prepararan! os bálsamos para ungir o corpo de Jesús
morto, mas, tendo caído a noitinha, interromperam o traba
lho, aguardando que passasse o sábado (cf. Le 23,56). Ora
estes dizeres nao teriam cabimento se a sexta-feira em que
Jesús morreu era o dia de Páscoa, dia de repouso táo rigo
roso como o do próprio sábado ; porque se terá apressado
José de Arimatéia na tarde de sexta-feira se nesta já se pres-
— 116 —
crevia a abstengáo de todo trabalho ? — Déstes tragos de-
duz-se com razáo que José de Arimatéia e as santas mulheres
nao estavam celebrando Páscoa na sexta-feira em que Jesús
morreu ; esta sexta-feira, para éles, nao era o dia 15 de Nisá,
o que mais urna vez vai depór em favor da cronología joanéia.
Sao estes os elementos, assaz complexos e matizados, do
problema sobre o qual os estudiosos tém procurado projetar
algumá luz, como abaixo veremos.
2. As solugdes propostas
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Embora sustentassem ésse seu ponto de vista, os sadu
ceus faziam o possível para se acomodar ao costume dos fari-
seus concernente á data de oferta das primicias, desde que
isto nao implicasse grande derrogagáo aos seus principios.
Por isto nos anos em que a Páscoa (15 de Nisá) caía em
sexta-feira, transferiam-na para o sábado (16 de Nisá), cele
brando na sexta-feira a ceia pascoal, no sábado a Páscoa e
no dia seguinte (que vinha a ser o priméiro día da nova se
mana) a oblagáo das primicias no Templo (nesses anos, por-
tanto, os saduceus se adaptavam de certo modo aos fariseus).
Ora verifica-se que justamente no ano em que Jesús
ymorreu, Páscoa (15 de Nisá) caiu numa sexta-feira ; os fa
riseus a celebraram nesse dia mesmo, ao passo que os sadu
ceus a adiaram para o dia 16 de Nisá de modo a fazer a
oferta das primicias, de acordó com a norma dos fariseus,
no dia seguinte a Páscoa, que era igualmente o dia de sua
preferencia, isto é, o priméiro dia da semana. Eis o que ex
plica o duplo calendario pressuposto pelos Evangelhos : os
sinóticos assinalam os acontecimentos dentro do quadro da
cronologia dos fariseus, enquanto Sao Joáo pressupóe a com-
putagáo dos saduceus (sexta-feira 15 de Nisá : ceia pascoal
de urna parte do povo ; sábado 16 de Nisá : solenidade de
Páscoa).
Esta sentenga elucida sem dúvida, as divergencias verifi
cadas entre os Evangelistas. Pergunta-se, porém, se de fato
corresponde á realidade histórica ; há, sim, exegetas que nao
julgam plausível tenham os judeus tolerado a existencia de
dois calendarios na mesma cidade e no tocante a táo solene
festa como era Páscoa. A sentenga, por conseguinte, tem su
gerido certas reticencias e reservas.
c) Em vista disso, bons exegetas dáo preferencia ao
sistema «da antecipagáo», segundo o qual Jesús celebrou urna
auténtica ceia de Páscoa (como querem os sinóticos) aos 13
de Nisá (como insinúa Sao Joáo), ao passo que outros filhos
de Israel realizaram a ceia ritual aos 14 do mesmo.
Pergunta-se, porém : qual o motivo para que Jesús ante-
cipasse a refeigáo ritual ?
Nao o terá feito a título pessoal ou particular, ou seja,
baseado na divina autoridade de que gozava sobre as insti-
tuigóes da-Antiga Lei (cf. Me 2,28), pois certamente com o
Senhor Jesús outros israelitas celebraram antecipadamente
a Páscoa (cf. Me 14,12 ; Le 22,7 : «era necessário imolar a
Páscoa»). Nem há fundamento para se admitir que Cristo
naja feito uso de privilegio concedido aos galileus, pois nao
se tem conhecimento de tal tipo de privilegio. Muito plausível,
— 118 —
ao contrario, é a seguinte hipótese: nos anos em que o dia 14
de Nisá caía numa sexta-feira, era lícito antecipar a imolagáo
do cordeiro pascoal para a quinta-feira dia 13, a fim de que
nao se violasse o repouso do sábado. Com efeito, dado b
grande número de cordeiros que se deviam matar (coisa que
sempre se fazia no Templo) e assar por ocasiáo da solenidade,
muitos israelitas corriam o risco de ter que executar trabalhos
manuais (levar o cordeiro do Templo para casa e assá-lo)
depois do por do sol de sexta-feira (já dentro do período de
repouso sabático); ora, a fim de evitar tal inconveniente, pro-
curava-se diminuir o servigo do dia 14 de Nisá, antecipando
parte do trabalho de imolagáo para o dia 13. Quanto ao con
sumo da vítima ou á celebracáo da ceia, poderia efetuar-se
tanto no dia 13 mesmo como a 14. Na base desta hipótese, dir-
-se-á que Jesús e seus discípulos fizeram uso da faculdade de
antecipar, ao passo que outros personagens envolvidos na his
toria da Paixáo preferiram nao antecipar.
Que dizer desta explicagáo ?
A praxe da antecipagáo, sobre a qual se baseia a teoría,
é fato suficientemente documentado. Flávio José (De bello
judaico 6, 9, 3 § 423), porém, sugere que, por volta do ano
de 60 d.C, nos casos focalizados ácima nao se antecipava
mais o dia, mas apenas a hora, da imolagáo ; donde a questáo:
será que no ano de 30 d.C. ainda estava em vigor a anteci-
pagáo do dia ? — Esta dúvida nao diminuí decisivamente as
probabilidades da solugáo assim proposta.
Resta agora notar que Sao Joáo, afastando-se dos sinó-
ticos na indicagáo das datas da Paixáo, nao o fez em váo,
mas, sim, em vista de mensagem profundamente teológica:
o quarto Evangelista fez coincidir cronológicamente a imola-
gáo de Cristo na cruz com a do cordeiro típico, simbólico no
Templo de Jerusalém... ; quería com isto significar que Cristo
se tornou para o género humano o verdadeiro Cordeiro Pas
coal, isto é, a vítima cujo sangue remiu os homens nao do
cativeiro egipcio, mas do cativeiro do pecado e do Príncipe
déste mundo. Para inculcar a tipología «cordeiro da Antiga
Lei — Cordeiro da Nova Leí (Cristo)», o Evangelista sublinha
ter-se cumprido por excelencia em Jesús aquela prescrigáo de
Moisés (que era também urna profecía) de nao se quebrar
osso algum do Cordeiro imolado (cf. Jo 19, 33-36 ; Éx 12, 46 ;
Núm 9,12). — Nesta divergencia de cronología de Sao Joáo
em relagáo aos sinóticos, evidencia-se bem como o quarto
Evangelista, sem deixar de narrar a realidade histórica, es-
creveu o «Evangelho espiritual», isto é, o Evangelho em que
os feitos se tornam transparentes...
— 119 —
3. Novas perspectivas ?
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detido pelos judeus; na quarta-íeira íicou preso em casa de Caiíaz,
enquanto os príncipes do povo deliberavam a respeito da sua sorte;
na quinta-feira, os judeus acusaram Jesús diante de Pilatos; por
fim foi pregado á cruz, onde soíreu seis horas de intenso martirio
(c. 21; ed. Ñau XIV 4-9).
A mesma «Didascalia» atribuí a Jesús os seguintes dizeres:
«Terga-feira á tarde comi a Páscoa convosco e á noite Me prenderán»».
«Na quarta-feira jejuareis em favor déles (os judeus), pois na
quarta-feira éles Me prenderam, visto que a noite subseqüente á
terga-feira já pertence á quarta-feira». «Na sexta-feira crucificaram-
-Me» (c. 21; ed. Ñau XIV 18-20).
S. Epifánio (t403), bispo de Salamina (Chipre), transmite a
seguinte concepgáo; na segunda-feira Judas recebeu o prego da traicáo;
na terca-feira, ao fim do día, os sacerdotes de Jerusalém e tajnbém
Jesús celebraram a Páscoa; na noite que entáo comecou. Jesús foi
preso, permanecendo a noite inteira em casa de Caifaz; na quarta-
-feira de manhá, foi entregue a Pilatos, que O deteve até o dia
seguinte; na quinta-feira Pilatos mandou Jesús para Herodes, que O
devolveu, íicando o Senhor mais urna noite no pretorio do governador
romano; na sexta-feira finalmente foi sentenciado, e á hora terceira
crucificado (fragmento de S. Epifánio, editado por Holl, em «Festgabe
fuer A. Jülicher» 1927. 160-164).
Nao nos interessam aqui os pormenores dessas noticias, mas
apenas a afirmacáo referente á ceia de terga-feira.
A nova teoría pretende fundar-se também no texto dos
S. Evangelhos, que supóe o quadro de alguns dias para o
desenvolvimento normal dos diversos episodios da Paixáo de
Jesús.
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Sexta-feira: segundo interrogatorio diante de Pilatos (Le 23,13;
Jo 18,28);
ílagelacáo (Jo 19,1-3; Me 15,15; Mt 27,26);
condenado de Jesús (Jo 19,4-16; Me 15,15; Mt 27,26; Le 23,25);
crucifixao (Me 15,25);
morte do Senhor á hora nona ou ás tres horas da tarde (Me 15,34;
Mt 27,46).
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as numeravam como nos, a partir da meia-noite, enquanto
os orientáis procediam do nascer do sol. — Nesta hipótese,
conforme o quarto Evangelho, Jesús teria sido condenado de
madrugada («por volta das seis horas»); a sessáo judiciária
teria entáo comecado pelas 5 hs. da madrugada; e finalmente
o Senhor haveria sido crucificado as 9 hs. da manhá (Sao
Marcos terá entendido a hora terceira no sentido dos orientáis,
admitindo portante que a primeira hora comecava as nossas
6 hs. da manhá).
Contudo a esta explicacáo se objeta o seguinte : a) o
quarto Evangelista, em seu livro, segué sempre a computagáo
de horas oriental, e jamáis a romana; cf. 1,39; 4.6.52; 11,9;
b) é de todo inverossímil admitir tenham os romanos reali
zado processos judiciários de madrugada; ha mesmo documen
tos a atestar que nao o faziam por principio (cf. Macrobio,
Saturnalia 1,3; Séneca, De ira 2,7).
2) Outros exegetas supóem corrupcáo do texto sagrado:
alguns códices do Evangelho de Sao Joáo trazem, sim, em
19,14 a variante «terceira (hora)» em vez de «sexta»; a
grafía originaria T (gama = 3) teria sido transformada por
descuido dos copistas em F (digama = 6). — Atendendo-se
a tal variante do texto sagrado, ter-se-ia sem grande dificuldade
a desejada concordia de Jo com Me.
Verifica-se, porém, que a mencionada variante, do ponto
de vista da critica do texto, carece de autoridade; os melhores
e mais antigos códices dáo a ler «sexta». A mudanca parece
ter sido introduzida nos manuscritos a fim de eliminar o
problema suscitado pelo texto original.
3) Resta a terceira solugáo, que é comumente aceita:
Sao Joáo e Sao Marcos dividiam o dia segundo criterios diver
sos; Sao Joáo o distribuía em 12 horas a partir do nascer do
sol (cf. 1,39; 4,52; 11,9), ao passo que Sao Marcos distinguia
apenas quarto partes do dia: a manhá, das nossas 6 hs. as 9
(cf. Me 15,1); a hora terceira, das nossas 9 hs. ao meio-dia
(cf. 15,25); a sexta hora, do meio-dia as nossas 3 hs. da tarde
(15,33); a nona hora, das nossas 3 as 6 hs. da tarde (cf. 15,34);
Sao Marcos terá assim aplicado ao dia a divisáo em quatro
partes que os romanos aplicavam á noite (cf. Me 13,35).
Suposto isto, dir-se-á que o segundo Evangelista de modo
vago assinalou para a crucifixáo de Jesús o intervalo que vai
das 9 as 12 hs. da manhá, tendo em vista o fim déste período;
Sao Joáo resolveu (de acordó com suas tendencias) indicar
em particular o momento da condenagáo, que teve lugar
ñas proximidades do meio-dia, naturalmente antes da cruci
fixáo. Na verdade, nem um nem outro dos dois Evangelistas
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se preocupou com precisáo cronológica no caso; em conseqüén-
cia, nao será licito ao leitor moderno atribuir sentido rigoroso
as suas indicagoes, aumentando indevidamente as proporgóes de
duas noticias que careciam de importancia para os Evange
listas.
IV. MORAL
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A esta prece como respondeu o Senhor? — Sem dúvida, de
maneira desconcertante:
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Após a vinda do Salvador, deve-se mesmo dizer que é
necessário á criatura sofrer, e sofrer em uniáo com Cristo;
nao há, para o homem, grandeza possíyel sem o quinháó da
dor. E porque? Porque é mister mortificar o «velho homem»
existente em cada individuo, para que a vida do Cristo derra
mada ñas almas pelo batismo se vá desenvolvendo; ora isto
requer naturalmente renuncia e penitencia. Por isto Deus
nao prometeu, de modo algum, isentar do sofrimento aqueles
que O amam; nao prometeu recompensas terrestres em troca
do servico fiel que os seus devotos Lhe prestem. Ao contrario,
a Revelacáo nos assegura que todo programa de santificagáo
incluí inevitavelmente dilaceragáo intima, dilaceragáo desig
nada pelo nome muito expressivo de «purificacáo».
Há dois tipos de purificagáo :
a) a purificacáo dita «ativa» é aquela que o cristáo empre-
ende por iniciativa própria (prevenida e sustentada, sem dúvida,
pela graga de Deus), visando remover os obstáculos á plena
uniáo com Deus (os pecados, os vicios, as paixóes desregradas,
os movimentos imperfeitos da natureza, etc.). Essa tarefa é
obrigatória para todos os cristáos, de acordó com a índole e o
temperamento de cada um.
Na verdade, porém, a natureza humana é fraca; dir-se-ia
mesmo: covarde. Ninguém é capaz de discernir exatamente
nos recónditos de sua alma as numerosas tendencias desorde
nadas que ai tém raizes e que chegam a contaminar até mesmo
a prática de atos virtuosos. E, mesmo que visse tudo que néle
há de impuro, o homem por si nao teria a coragem devida
para mortificar-se na medida necessária á perfeita uniáo com
Deus : «As cruzes que nos fazemos ou que nos inventamos, sao
sempre em certo grau suaves, porque nelas entra algo de
nosso...», diz Sao Francisco de Sales (ed. d'Amecy, t. XXI
150). Por isto o Senhor mesmo intervém diretamente (e tem
que intervir) na obra de santificagáo do homem, enviando-lhe
o que se chama
b) a purificaeao passiva. Esta consiste em cruzes e pro-
vagóes que o amor paterno de Deus coloca no caminho da
alma, a fim de que nos dias desta vida ela se possa mais e mais
emancipar de toda tendencia desregrada, desapegar-se de si
e de todos os bens criados para se familiarizar com Deus e,
desta forma, tornar-se apta a ver o Criador face a face logo
após a morte. O normal, para o cristáo, é fazer o seu purga
torio na térra antes do desenlace final, de modo a poder passar
diretamente do regime da fé vigente neste mundo para o da
contemplagáo, que constituí a bem-aventuranga celeste. O
diferimento do premio eterno após a morte, a fim de que a
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alma ainda se purifique fora do corpo, nao é etapa ordinaria
(embora talvez a maioria das almas a percorra) no desenvol-
vimento de urna vida crista. Sendo assim, em vista de propor
cionar á criatura o seu purgatorio na térra, a Providencia
costuma distribuir quatro tipos de instrumentos de purificaeáo:
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resignagáo cabisbaixa», mas há de ser abracado com ánimo
pronto, consciente do dom de Deus, para que ele possa pro-
duzir a plenitude de seus beneficios:
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acompanhada de cáibras... Venceu, porém, todos estes males com
ánimo sempre íorte. Por fim, morreu atirado a urna fogueira, donde
íoi transportado para o Olimpo, recebendo em recompensa de tudo
o dom da imortalidade!
Está claro que nao interessa á espiritualidade crista o que essa
historia contém de fantasista. O que importa é apenas a concepcáo,
ai ricamente expressa, de que o homem se torna grande e heroico
justamente pelo sofrimento.
2. A felicidade do pecador
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
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Regra no convento, praticando com fervor a oragáo e a
penitencia. Em 1482, já professo e sacerdote foi enviado a
pregar em Florenga, centro de fasto humanista e também
de licenciosidade moral; do alto do pulpito nao poupou seus
ouvintes; sem sucesso, porém. Após breve ausencia, voltou
em 1490 para Florenga, onde retomou a pregagáo, certo de
haver sido agraciado por urna visáo em que Deus o exortava
a trabalhar pela reforma dos costumes, á semelhanga dos
profetas do Antigo Testamento. Dessa vez logrou pleno éxito:
nao havia igreja que comportasse a multidáo de seus ouvintes;
milhares de pessoas as enchiam com horas de antecedencia,
aguardando o aparecimento de um fradezinho de rosto pálido,
testa enrugada, nariz aquilino, olhar penetrante e inflamado,
que, ao falar, parecía realmente um profeta severo e incisivo
do Antigo Testamento (haja vista a figura de Amos, por
exemplo).
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de ordem: «Fazer loucuras por amor de Cristo». As esposas reconhe-
cia-se o direito de entrar no convento sem licenca do respectivo
marido; os íilhos que denunciassem os pais por alguma culpa moral,
eram felicitados...
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A Senhoria de Florenga, movida de animosidade contra o acusa
do, quis julgá-lo diretamente, a reyelia do Papa Alexandre VI,
que desejava fósse Savonaroia enviado para Roma; apenas dois
legados pontificios obtiveram licenga para assistir ao julga-
mento. O processo terminou com a condenagáo do «profeta»,
que aos 23 de maio de 1498 foi executado pela fórca com seus
aois companheiros de infortunio; os cadáveres foram queimados
e as cinzas atiradas ao rio Arno, para que os admiradores
nao tentassem recolher «reliquias».
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concorrido para a reabilitagáo e a exaltagáo da figura de Savonarola
(muito significativo por sua sentenga favorável é o longo artigo de
R Ridolfi, na «Enciclopedia Cattolica». Cittá del Vaticano X 1953,
1986-1996).
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lícito aos santos insubordinar-se, arrogando a si a autondade que
Deus nao lhes conferiu. O Senhor distribuí livremente os seus dons,
sem que tenhamos o direito de exigir íaca de todo membro da
hierarauia um santo. Justamente a grande tentagáo que ameaga os
ascetas de todos os tempos é a de nao perceberem a veracidade
déstes principios; o santo que, por.se julgar santo, queira dirigir,
passando por cima da autoridade, perde imediatamente tdda a sua
santidade; destrói-se. Eis o grande paradoxo: a santidade para se
conservar, tem que tender a se ocultar; mais do que qualquer outro
homem, o' santo deve viver da fé.
r.
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CORRESPONDENCIA MIÚDA
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K. K. (Rio de Janeiro) :
M. BARRETO (Bebedouro) :
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
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