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CALÚNIA

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15.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

No art. 138 do Código Penal está o tipo: “caluniar alguém, imputando-lhe


falsamente fato definido como crime”. A pena é detenção de seis meses a dois anos, e
multa. Há calúnia também quando alguém, conhecendo a falsidade, propala ou divulga a
imputação (§ 1º). Punível, igualmente, a calúnia contra os mortos (§ 2º).

Protege-se, com essas normas, a honra objetiva da pessoa, inclusive morta, sua
reputação, o conceito que as outras pessoas têm sobre a vítima.

Sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo é somente a pessoa humana, porque somente o ser humano é capaz
de cometer fatos definidos como crime, daí que é impossível a calúnia contra pessoas
jurídicas, que, no sistema brasileiro, não podem ser sujeitos ativos de crimes. A vítima deve
ser uma pessoa certa, determinada.

Grande parte da doutrina entende impossível que o sujeito passivo seja um menor
de 18 anos ou um inimputável, com o argumento de que, não podendo ele cometer crimes,
não pode ser caluniado. Para os adeptos da teoria bipartida do crime, entretanto, ambos
podem cometer crimes, logo podem ser caluniados.

Penso que, independentemente de se considerar que o crime é um fato típico, ilícito


e culpável, e que os inimputáveis não cometem crimes, podem esses, contudo, ser vítimas
de calúnia, porque o tipo do art. 138 não se refere a crime, mas a fato definido como crime.
A calúnia não é a imputação a alguém da prática de um crime, mas a atribuição de um fato
típico.
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Assim, mesmo aquele que não pode cometer crime, por sua inimputabilidade, pode,
entretanto, praticar fatos definidos como crime, e se alguém atribuir-lhe, falsamente, a
prática de um acontecimento que encontra correspondência em norma penal
incriminadora terá cometido calúnia.

A vítima não precisa ser uma pessoa honorabilíssima, imaculada, porque toda e
qualquer pessoa tem sua honra própria, inclusive os criminosos, as prostitutas ou pessoas
de má fama. Alguma honra eles têm e essa é protegida.

Na calúnia contra os mortos, são sujeitos passivos seus parentes e amigos. A calúnia
contra si mesmo não existe, mas constitui crime a auto-acusação falsa (art. 341, CP).

15.2 TIPICIDADE

O caput traz o tipo básico. Os §§ 1º e 2º contêm normas de extensão típica. O § 3º


dispõe sobre a exceção da verdade. O art. 141 descreve causas de aumento de pena.

15.2.1 Formas típicas

São três as figuras típicas: imputar falsamente fato definido como crime; propalar
ou divulgar a imputação que sabe ser falsa, e caluniar a pessoa morta.

15.2.1.1 Conduta

Os núcleos dos tipos são: imputar fato definido como crime a alguém ou à pessoa
morta, divulgar ou propalar a imputação.

Imputar é atribuir a alguém a prática do fato típico. É afirmar que a vítima praticou
tal comportamento proibido. Propalar é relatar por meio da linguagem oral e divulgar é
fazê-lo por qualquer outro meio.

A conduta se exterioriza através de palavra oral ou escrita, de gestos ou qualquer


outro meio simbólico, desenhos, fotografias, gráficos, esquemas etc.

15.2.1.2 Elementos objetivos e normativos

O agente deve imputar a alguém a prática de um fato definido como crime. Deve ser
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um fato determinado, certo, exato, preciso, específico. Não é indispensável que, na


imputação, estejam descritas todas as circunstâncias que envolveram o acontecimento,
mas apenas que ele possa ser perfeitamente compreendido. O fato deve ser um daqueles
definidos em lei como crime em uma norma penal incriminadora em vigor, não podendo
ser uma contravenção penal. Não há calúnia quando o sujeito afirma que a vítima é
bandido, ladrão, estuprador, pois nessas afirmações não há descrição de qualquer fato,
mas de uma qualidade, o que poderá constituir o crime de injúria. Se a imputação é de fato
ofensivo, mas não típico de crime, poderá haver difamação.

Há calúnia quando o agente afirma que a vítima praticou coito anal com uma
determinada menor de 14 anos.

Para existir calúnia a imputação deve ser falsa, porque se verdadeira calúnia não
há. A imputação pode ser falsa porque o fato típico não aconteceu ou, se aconteceu, não foi
praticado pela vítima. A falsidade é, portanto, elemento normativo indispensável para a
caracterização do crime. Quando verdadeiro, o agente poderá prová-lo por meio da exceção
da verdade, excluindo-se, pois, a tipicidade do fato.

A imputação pode ser direta, explícita ou implícita, ou sub-reptícia. Pode ser


também reflexa. Direta quando o agente atribui clara e expressamente à vítima a prática do
fato típico de crime. Sem subterfúgios, profere a calúnia, sem qualquer sutileza. Noutras
ocasiões o agente pode valer-se de meias palavras, usando metáforas, fazendo indagações
que revelam a imputação à vítima. É reflexa a calúnia quando o agente, ao atribuir um fato
típico à vítima, atinge, por extensão, terceira pessoa, que, por isso, é também caluniada.
Atribuir a alguém a prática de corrupção passiva pode refletir na imputação de corrupção
ativa ao corruptor daquela. Imputar a receptação de um objeto furtado a alguém pode
significar a imputação de furto a terceiro.

15.2.1.3 Elementos subjetivos

A calúnia é crime doloso. O agente deve ter consciência e vontade de atribuir à


vítima a prática do fato típico, isto é, consciência de que tal imputação ofende a honra
alheia. Há dolo direto quando o agente sabe que a imputação é falsa, e eventual quando
não tem certeza da falsidade. Se tem dúvidas, e mesmo assim realiza a conduta está
assumindo o risco de realizar o tipo, lesionando a honra da vítima. É dolo de dano.

Quando o agente supõe ser verdadeira a imputação e por isso a atribui à vítima, terá
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agido sem dolo, e ainda que tenha errado por negligência não haverá crime, por atipicidade
do fato decorrente de erro de tipo.

Além do dolo, deve o sujeito atuar com o chamado animus diffamandi vel injuriandi,
que é a vontade de ofender a honra. Deve ter atuado com a seriedade que revela a intenção
inequívoca de ofender. É o ânimo de ofender, de tripudiar sobre a honra da vítima,
maculando-a e atingindo sua reputação.

Não haverá calúnia quando o agente, embora consciente da ofensividade das palavras
que profere, não tem a intenção de ofender, como nas hipóteses em que se limita a narrar
determinado acontecimento (animus narrandi), a defender a si ou a terceiro (animus
defendendi), ou ainda quando, por leviandade, tem apenas a intenção de divertir-se com a
vítima (animus jocandi).

Não comete o crime o promotor que denuncia a vítima, nem a testemunha que presta
depoimento no inquérito policial, em comissão parlamentar de inquérito, ou no processo
judicial, porque nessas situações o ânimo é o de esclarecer a verdade dos fatos. A não ser
quando, é óbvio, sabendo perfeitamente da falsidade da imputação mesmo assim o
promotor dá início à ação penal com o fim de dar início à instauração de inquérito ou de
processo contra a vítima ou a testemunha presta declarações falsas. Nestes casos poderá
haver o crime de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal) ou falso testemunho
(art. 342 do Código Penal).

15.2.1.4 Consumação e tentativa

Consuma-se a calúnia quando, realizada a conduta mediante a palavra escrita, oral,


gestual ou simbólica, outra pessoa, que não a vítima, toma conhecimento da imputação.

Na forma verbal, gestual ou simbólica é impossível a tentativa, porquanto ao proferir


a palavra, realizar o gesto ou expor o símbolo, de modo a que alguém ouça, veja ou
compreenda a imputação, a calúnia já terá se consumado.

Por meio escrito, porém, é aceitável a tentativa se, por exemplo, a carta enviada é
devolvida ou se extravia, não chegando, por essa razão, ao conhecimento de ninguém.
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15.2.2 Aumento de pena

São quatro as causas que impõem aumento de pena. Se o sujeito passivo for o
Presidente da República, chefe de governo estrangeiro ou funcionário público, em razão de
suas funções, se a calúnia tiver sido proferida na presença de várias pessoas, a pena será
aumentada de um terço (art. 141, I, II e III)ou se praticada contra pessoa maior de 60
(anos) ou portadora de deficiência (art. 141, IV, introduzido pela Lei nº 10.741/2003).

Se o agente age mediante paga ou promessa de recompensa, a pena será duplicada


(art. 141, parágrafo único).

Na primeira causa, a razão da maior apenação é a alta consideração que o Direito tem
em relação aos chefes de governo, brasileiro ou estrangeiro, porquanto são essas as pessoas
que representam a soberania das nações. A condição de chefe de governo depende da
legislação do país estrangeiro, assim o Presidente da República, Primeiro-Ministro, Rei,
Rainha ou qualquer outro título, desde que seja o seu titular o representante do Estado.

Se o sujeito passivo for funcionário público e a calúnia disser respeito ao exercício de


suas funções, maior será a reprovação. Se realizada na presença do funcionário ofendido,
poderá configurar o crime de desacato (art. 331 do Código Penal).

A pena será aumentada de um terço se a calúnia tiver sido cometida na presença de


várias pessoas, isto é, de, no mínimo, três pessoas, ou por meio que facilite sua divulgação.

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) acrescentou, ao art. 141, o inciso IV, para impor
a majoração da pena sempre que a vítima tiver mais de 60 anos ou for deficiente.

Se o agente estiver movido por paga ou promessa de recompensa, a pena será


duplicada. Essa motivação torpe exige maior reprimenda penal.

15.2.3 Exceção da verdade

A calúnia, viu-se, é a imputação falsa de um fato definido como crime. Falsa porque
não houve o fato ou porque o caluniado não é seu autor ou partícipe. Realizado o tipo de
calúnia, o sujeito passivo poderá propor a ação penal contra o agente, a fim de obter sua
condenação. Este poderá defender-se alegando e provando que a imputação é verdadeira.
Se for bem-sucedido nesse intento, será excluída a tipicidade do fato, por ser verdadeira a
imputação.

Essa reação do acusado da prática de calúnia denomina-se exceção da verdade, que


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nada mais é do que o instrumento processual defensivo de que dispõe para provar a
veracidade do fato imputado (art. 138, § 3º).

Não será, entretanto, possível argüir a exceção da verdade, ainda que verdadeira a
imputação, em três situações.

Se o fato típico é de um crime de ação penal de iniciativa privada e o caluniado não foi
condenado por sentença penal irrecorrível, não será admitida a exceção da verdade. Não
podia ser diferente. Nos crimes em que a ação penal é privativa do ofendido, somente este
pode dar início ao processo. É que a ordem jurídica a ele reservou esse direito de agir em
juízo. Se é assim, não pode terceira pessoa, o caluniador, promover, por meio da exceção da
verdade, a apuração do fato. Quando a vítima do crime imputado preferiu não ajuizar a
queixa é porque, tendo disponibilidade da ação e não a tendo manejado, acabou por
consentir na realização do fato, que, por isso, deve ser considerado lícito. Se o fato é lícito,
não é crime, logo a sua imputação é calúnia.

Se, porém, a ação penal privada foi proposta e houve sentença penal condenatória
irrecorrível, demonstrada estará a existência de crime, daí que o acusado de calúnia poderá
promover a exceção da verdade, juntando, para tanto, a certidão ou cópia da própria
sentença penal condenatória, com a demonstração de seu trânsito em julgado, livrando-se,
assim, da acusação de calúnia, porque terá imputado um fato verdadeiro.

Também não se admitirá a exceção da verdade quando a calúnia tiver sido proferida
contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro. Ainda que verdadeira a
imputação, o caluniador não poderá promover a exceção da verdade, em razão da
qualidade das funções exercidas pelo caluniado, chefe de governo, nacional ou estrangeiro.

Penso que, em relação ao Presidente da República, a inadmissibilidade da exceção da


verdade refere-se apenas à imputação de fatos típicos que não tenham relação com o
exercício do cargo, em harmonia com o que determina o § 4º do art. 86 da Constituição
Federal, que assim estabelece: “o Presidente da República, na vigência de seu mandato,
não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Se,
entretanto, a imputação feita pelo agente constituir um crime de responsabilidade ou um
crime contra a administração, pelos quais o Presidente da República pode responder, nos
termos do que dispõem os arts. 85 e 86 da Carta Magna, o interesse público deve
prevalecer, admitindo-se, aí, e somente aí, a exceção da verdade.

O chefe de governo estrangeiro goza de imunidade diplomática que impede a aplicação


da lei penal brasileira, daí que é impossível, mesmo, a possibilidade da instauração do
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incidente penal destinado a provar que praticou o fato a ele atribuído.

Por último, é impossível tentar provar a verdade se o sujeito passivo da calúnia tiver
sido absolvido pela prática do fato imputado, com sentença penal transitada em julgado. Se
o Poder Judiciário já tiver se manifestado, em decisão definitiva, pela absolvição do
caluniado, por qualquer razão, inclusive por insuficiência de prova, existe a coisa julgada,
não sendo permitida a revisão contra o réu que poderia ocorrer caso a exceção da verdade
viesse a ser julgada procedente.

A exceção da verdade pode ser promovida a qualquer tempo, até mesmo após a
sentença condenatória de primeiro grau, desde que nas razões de apelação, e, submetida
ao contraditório, será julgada por sentença. Procedente, importará na absolvição do agente
da calúnia, pela atipicidade do fato. Improcedente a exceção da verdade, prosseguirá o
feito para julgar a prática da calúnia.

Quando o caluniado gozar de foro especial por prerrogativa de função e tiver sido
admitida exceção da verdade, esta, e somente esta, será julgada no foro especial. Julgada
procedente no foro especial, a ação penal pela calúnia será julgada prejudicada, devendo os
autos da exceção da verdade ser encaminhados ao Ministério Público, para promover a
ação penal contra o imputado. Julgada improcedente, os autos serão remetidos ao juízo de
origem, para prosseguir na ação penal pela calúnia.

15.2.4 Imunidade parlamentar

O caput do art. 53 da Constituição Federal consagra a chamada imunidade


parlamentar absoluta ou material assim: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 20-12-2001). Significa dizer que os parlamentares,
inclusive os estaduais, distritais e municipais, no âmbito do ente da federação, são imunes
à lei penal quando se tratar dos crimes de opinião, neles incluídas a calúnia, a difamação e a
injúria.

Para que possa exercer com independência e plena liberdade o mandato outorgado
pelo povo, necessita o parlamentar ficar fora do alcance da norma penal, podendo
expressar suas opiniões e palavras com total e ampla liberdade. Não fora assim ficaria
manietado, em vista da possibilidade de responder criminalmente pelo que dissesse.

Pode, por isso, denunciar, criticar, rebater, tecer comentários, informar, discutir toda
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e qualquer matéria, sem qualquer limitação. Se precisar imputar, a quem quer que seja,
fato definido como crime, ainda que não tenha certeza sobre sua veracidade, poderá fazê-
lo, porque aí prevalece o interesse público. Tudo isso, evidentemente, no exercício do
mandato e em razão dele.

Estão acobertadas pela imunidade todas as manifestações que o parlamentar externar


em razão de sua condição, ainda que feitas fora do recinto da casa legislativa. A imunidade,
portanto, não protege apenas a ação parlamentar relativa ao processo legislativo ou às
atividades previstas nos regimentos internos das casas de leis, mas também toda a
atividade política amplamente considerada.

Havendo relação entre a conduta do parlamentar e o interesse público que ele, em


tese, deve defender, sua liberdade de manifestação do pensamento é a mais ampla possível.

Não pode, entretanto, o parlamentar, no âmbito de sua vida privada caluniar uma
pessoa, como o vizinho com quem discute, a mulher com quem se desentende ou o árbitro
de futebol durante a partida em que seu time é derrotado. Aí não há imunidade
parlamentar, porque aí não há parlamentar, mas o cidadão comum, que, como tal,
responde pelo que tiver dito ou escrito.

Parlamentares estaduais e municipais, no âmbito de sua atuação, também gozam da


imunidade parlamentar.

A imunidade parlamentar coloca o parlamentar fora do alcance da norma


incriminadora, sequer podendo ser iniciada a ação penal. Discute-se, na doutrina, a
natureza jurídica da imunidade parlamentar material. Uma parte entende que se trata de
uma excludente do crime, outra que é uma causa pessoal de exclusão da pena, e há quem
diga tratar-se de incapacidade penal por razões políticas em relação aos delitos de opinião.
Penso que a imunidade parlamentar material é uma causa de exclusão da tipicidade do fato,
daí que, instaurado inquérito, deve ser trancado, ou, promovida a ação penal, deve ser
rejeitada a petição inicial.

15.3 ILICITUDE

Não há causa que exclua a ilicitude da calúnia. Impossível falar-se em legítima defesa
ou estado de necessidade. Há quem diga que o autor da ação penal, o representante do
Ministério Público e o querelante estariam agindo, respectivamente, no estrito
cumprimento do dever legal e no exercício regular de direito, quando descrevem, na peça
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vestibular, denúncia ou queixa, fato definido como crime.

Não é isso o que ocorre. Se imputam falsamente a alguém o fato descrito na petição
inicial, desconhecendo a falsidade, não realizam sequer fato típico por ausência de dolo,
ainda porque, ao fazê-lo, não agem com o fim de caluniar, mas de buscar a prestação
jurisdicional. Se conhecem a falsidade da imputação, entretanto, cometem fato típico e
ilícito, pois não estariam assim realizando um fim justificado pelo ordenamento jurídico.

As excludentes de ilicitude do art. 142 dizem respeito apenas aos crimes de difamação
e de injúria, e serão objeto de comentários adiante, onde se demonstra a impossibilidade
de sua aplicação aos crimes de calúnia.

15.4 AÇÃO PENAL

A ação penal, nos crimes contra a honra, é, em regra, de iniciativa privada,


procedendo-se mediante queixa do ofendido (art. 145, CP).

Se, entretanto, a calúnia tiver sido contra o Presidente da República ou chefe de


governo estrangeiro, a ação será de iniciativa pública, condicionada à requisição do
Ministro da Justiça. Quando a vítima for funcionário público em razão de suas funções, a
ação penal será pública condicionada à representação do ofendido (art. 145, parágrafo
único, CP).

Neste último caso, entretanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que há


legitimidade concorrente do Ministério Público com o próprio ofendido que poderá, ele
mesmo, promover a ação penal privada, oferecendo a queixa. Assim fundamentou a
decisão o Ministro Sepúlveda Pertence:

“Se a regra geral para a tutela penal da honra é ação privada, compreende-se, não
obstante, que, para desonerar dos seus custos e incômodos, o funcionário ofendido em
razão da função, o Estado, por ele provocado, assuma a iniciativa da repressão da
ofensa delituosa; o que não se compreende, porém, é que só por ser funcionário e ter
sido moralmente agredido em função do exercício de cargo público, o que não ilide
o dano à sua honorabilidade pessoal, o ofendido não a possa defender pessoalmente
em juízo como se propicia a qualquer outro cidadão, mas tenha de submeter
previamente a sua pretensão de demandar a punição do ofensor ao juízo do MP.
Por isso, a admissão da ação penal pública, quando se cuida de ofensa propter
officium, para conformar-se à Constituição (art. 5º, X), há de ser entendida como
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alternativa à disposição do ofendido, jamais como privação de seu direito de


queixa.(...) Conclusão pela legitimidade concorrente do MP ou do ofendido,
independentemente de as ofensas, desde que propter officium, ou a propositura da
conseqüente ação penal serem, ou não, contemporâneas ou posteriores à
investidura do ofendido.” 1

O STF, a respeito, a Súmula 714: “É concorrente a legitimidade do ofendido,


mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido,
para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de
suas funções”.

Nas ações penais de iniciativa pública condicionada, é possível a suspensão condicional


do processo penal, nos termos do que dispõe o art. 89 da Lei nº 9.099/95.

15.5 PEDIDO DE EXPLICAÇÕES

Quando alguém se sentir caluniado poderá promover de imediato a ação penal contra
o ofensor, através do oferecimento da queixa. Nem sempre, entretanto, as afirmações feitas
pelo ofensor são claramente caluniosas, especialmente quando ele utiliza subterfúgios na
manifestação de seu pensamento.

Afirmações dúbias, de duplo sentido, podem ou não constituir calúnia por não se
evidenciar a intenção de ofender. Quando isso acontecer aquele que se julgar ofendido
poderá notificar o possível autor da ofensa para que, acerca delas, preste explicações em
juízo, conforme preconiza o art. 144 do Código Penal: “se, de referências, alusões ou
frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir
explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá
satisfatórias, responde pela ofensa”.

O pedido de explicações é uma notificação judicial, uma medida cautelar preparatória


da futura ação penal, cabendo ao juiz a quem é dirigida examinar apenas os requisitos para
sua admissibilidade. Só será admitida se houver necessidade de esclarecer situações, frases
ou expressões, escritas ou verbais caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou
ambigüidade. Não se presta a notificação para esclarecer a autoria da ofensa, tarefa a ser
realizada através da instauração de inquérito policial.

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Notificado o ofensor, poderá omitir-se, deixando de prestá-las – não podendo o juiz


obrigá-lo –, ou prestá-las, como bem lhe aprouver.

Com ou sem as explicações os autos da notificação serão entregues ao notificante que,


com eles, poderá promover a ação penal se entender configurada a prática da calúnia. Ao
juiz da ação penal, e não ao juiz da notificação, caberá apreciar as explicações prestadas ou
a recusa de prestá-las. Se as explicações demonstrarem a ausência de intenção de ofender,
o juiz deverá rejeitar a queixa. A simples recusa não significa que o ofensor reconheceu a
prática da calúnia, cabendo ao juiz do processo examinar o conjunto dos fatos, e somente
condenar quando ficar evidenciada a ofensa.

Se o ofensor goza de foro especial, neste será requerida a sua notificação.

O pedido de explicações não suspende, nem interrompe, o curso da decadência.

15.6 RETRATAÇÃO

O art. 143 contém uma causa de extinção da punibilidade: “o querelado que, antes da
sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena”.

Retratar-se quer dizer desdizer-se, voltar atrás no que foi dito. O ofensor retira as
ofensas, reconhecendo, assim, seu erro. Ao fazê-lo estará de certa forma reparando o dano
causado à vítima, por isso que, em razão da retratação, extingue-se o direito de punir.

A retratação deve ser cabal, plena, total, perfeita, capaz de desfazer qualquer dúvida
acerca da honorabilidade da vítima. Não é um simples pedido de desculpas, mas uma
confissão da injustiça e, portanto, da inveracidade da imputação feita. Não depende da
aceitação do ofendido, e pode ser feita no momento do interrogatório do querelado ou
através de petição, mas deve ocorrer, necessariamente, antes da publicação da sentença de
primeiro grau.

Só se admite a retratação nas ações de iniciativa privada, não cabível portanto nos
crimes contra a honra do Presidente da República, de chefe de governo estrangeiro ou de
funcionário público em razão de suas funções.

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