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TEORIA DA PENA
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O direito de punir – o ius puniendi – não pode ser exercido manu militari,
unilateralmente, pelo Estado, por força do princípio constitucional do due process of
law, inserto no art. 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”, e também daquele outro, da presunção da
inocência, do inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.
O Estado, tão logo tem notícia da prática de um fato definido como crime – por
meio do Delegado de Polícia e de seus agentes –, deve, em regra, iniciar o trabalho
investigatório destinado a apurar a materialidade do fato – onde foi, como foi, por que
foi – e o responsável ou responsáveis por ele – quem foi, quem colaborou – para
permitir ao Promotor de Justiça a dedução da pretensão de punir o autor do fato
considerado crime.
O promotor de justiça pede ao juiz que aplique a pena cominada ao crime que
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles
considera ter sido cometido. O acusado pede que não lhe seja aplicada pena alguma, ou
que se lhe aplique pena menor ou mais branda que a postulada pelo acusador.
Dirá que não houve o crime e, por isso, não haverá a pena. Se menor ou
inimputável, receberá uma medida socioeducativa, do juízo especializado da infância e
da juventude, ou uma medida de segurança, respectivamente.
Nessa situação, o juiz, verificando ter havido o crime, deverá impor ao acusado a
sanção penal, observando rigorosamente a lei.
A pena surge como necessária reação de defesa dos interesses dos indivíduos, e,
mais tarde, também, do grupo, do clã, da tribo, que precisavam ser protegidos de
ataques.
Quando o agressor não pertencia ao grupo, à tribo, a resposta penal era, nos
primórdios, a vingança de sangue – sua morte. Essa pena também vai ser, com o passar
dos tempos, substituída por pena menos drástica, geralmente a escravização do
ofensor.
1 LYRA, Roberto. Comentários ao código penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 2, p. 13.
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Uma nova espécie de pena – a de prisão por tempo determinado – torna-se a mais
grave entre todas. Se hoje a achamos violenta, constituiu, sem dúvida, um avanço em
relação tanto à pena capital quanto à de duração perpétua.
Na história do Brasil “até 1530, a justiça penal era o arbítrio dos capitães. Martim
Afonso trouxe carta branca do governo português para processar e julgar
inapelavelmente, aplicando a pena de morte”2.
No século XIX, há pouco mais de 150 anos, a gente brasileira convivia com as
seguintes penas: morte, com ou sem crueldade, inclusive pelo fogo, até o condenado
tornar-se pó para que não fosse possível sepultar-lhe, açoites, degredo, perpétuo ou
temporário, para a África ou para a Índia, mutilação das mãos e da língua, e
queimaduras de partes do corpo.
Art. 39. Esta pena, depois que se tiver tornado irrevogável a sentença, será executada
no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se fará na véspera de domingo, dia-
santo ou de festa nacional.
Art. 40. O réu, com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas mais
públicas até a forca, acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver, com o seu
escrivão, e da força militar que se requisitar. Ao acompanhamento precederá o porteiro,
lendo em voz alta a sentença que se for executar.
Art. 41. O juiz criminal, que acompanhar, presidirá à execução até que se ultime; e o
escrivão passará a certidão de todo esse ato, à qual se juntará o processo respectivo.
Art. 42. Os corpos dos enforcados serão entregues aos seus parentes ou amigos, se os
pedirem aos juízes que presidirem à execução; mas não poderão enterrá-los com
pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano.
Art. 43. Na mulher prenhe não se executará a pena de morte, nem mesmo ela será
julgada em caso de a merecer, senão, quarenta dias depois do parto.”
“Diz-se comumente que, desde Pedro II, já estava abolida de fato a pena de
morte. Ora, a declaração da maioridade é de 1840 e só depois do sacrifício do
fazendeiro Mota Coqueiro, de Macaé (HEITOR LIRA fala em 1856 e COSTA E SILVA em
1885), aquele imperador resolvera emendar a mão. Os escravos continuaram a ser
caçados, e, em pena de morte de fato, sem forma nem figura de juízo, mas de lenta
crueldade, importavam os suplícios contra os negros.”3
CLAUS ROXIN indaga: “com base em que pressupostos se justifica que o grupo de
homens associados no Estado prive de liberdade algum dos seus membros ou
intervenha de outro modo, conformando a sua vida?”6
6 Sentidos e limites da pena estatal. In: Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p.
15.
7 Op. cit. p. 22.
Teoria da Pena - 9
Várias teorias entendem que a pena tem uma natureza absoluta, é justa por si
mesma e seu fundamento é a existência do crime. A pena seria, assim, a necessária e
indispensável conseqüência jurídica da existência do crime.
Outra teoria apresenta a pena como uma necessidade estética que, por meio da
retribuição, estabelece a justiça no lugar da injustiça, que foi o crime. E outra teoria
absoluta procura demonstrar a pena como o meio – doloroso – para a purificação do
homem que praticou o crime.
A Lei nº 8.072/90, dos Crimes Hediondos, foi o grande exemplo de como não
atender aos interesses da sociedade. Penas maiores, com regime de cumprimento mais
severo, apenas aumentaram as populações dos presídios, com o incremento dos
problemas ali reinantes, agravação do já péssimo tratamento aos presos, maior crueldade
no cumprimento das penas, rebeliões, enfim, aumento da criminalidade nos presídios.
Por outro lado, não diminuiu o índice da criminalidade violenta. Ao contrário, dia a dia
pela imprensa, toma a Nação conhecimento de estatísticas reveladoras de aumento de
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Além disso, não se pode esquecer a crítica de CLAUS ROXIN, para quem nada
pode justificar a punição de um homem com a finalidade de intimidar os outros, sendo,
por isso, injusto punir alguém, para que outro não cometa um crime8.
Uma delas demonstra que o agente do crime ficará, para sempre ou por tempo
determinado, inofensivo e, experimentando a pena, terá conhecido as conseqüências do
crime.
Criticam-se, ainda, essas teorias, pois é certo que existem pessoas que cometem
um crime e que não voltam mais a cometer outros delitos, e para elas a pena não teria
nenhuma razão de ser. Deveriam tais delinqüentes ficar impunes? Óbvio que não, mas,
então, com que finalidade seriam punidos, se não precisam ser corrigidos, nem seria o
Para Franz von Liszt, a pena destina-se a alcançar vários fins: a ameaça da pena
exerce a função de intimidação geral sobre todos os membros da comunidade, impede
que o ofendido exerça a vingança, e melhora e equilibra o agente do crime. Teria, assim,
uma finalidade de prevenção geral e uma função ressocializadora.
Conquanto seja esta uma teoria que sintetiza as anteriores, com todas as críticas
a elas endereçadas, contra ela se reiteram as mesmas objeções.
Para MERKEL, a pena é justa retribuição que não exclui a idéia de seu fim, que é
manter no Estado as condições da vida social, destinando-se, pois, a proteger os
interesses dos indivíduos.
Pela idéia de justiça, o agente do crime deveria sofrer a pena, para expiar sua
falta, devendo haver proporção entre o crime e a pena. A doutrina da defesa social
procura demonstrar que a sociedade, atacada pelo agente do crime, deve defender-se,
impedindo, perpétua ou temporariamente, o indivíduo de voltar a agredi-la, ao mesmo
tempo em que intimida os outros.
De notar que esse fim está restringindo a construção dos tipos, somente
admissíveis quando for absolutamente necessário para a proteção dos bens jurídicos e
quando os outros ramos do Direito se mostrarem insuficientes ou incapazes de
proporcionar a necessária tutela.
numa fase superior; ou seja, tem de criar uma ordem que demonstre que, na
realidade, um direito penal só pode fortalecer a consciência jurídica da
generalidade no sentido da prevenção geral se ao mesmo tempo preservar a
individualidade de quem a ele está sujeito; que o que a sociedade faz pelo
delinqüente também é afinal o mais proveitoso para ela; e que só se pode
ajudar o criminoso a superar a sua inidoneidade moral se, a par da
consideração da sua debilidade e da sua necessidade de tratamento, não se
perder de vista a imagem da personalidade responsável para a qual ele
aponta.”9
“Segundo esta teoria, a função da pena não se dirige nem aos infratores
atuais nem aos potenciais. Ela se dirige sobretudo aos cidadãos fiéis à lei, aos
que supostamente manifestam uma tendência ‘espontânea’ a respeitá-la. Em
relação a estes, a previsão ou aplicação das penas não têm a função de
prevenir delitos (prevenção negativa), senão a de reforçar a validade das
normas (prevenção positiva): isto significa também restabelecer a ‘confiança
institucional’ no ordenamento, quebrada pela percepção do desvio. Um dos
principais representantes desta teoria define o fim da pena como o ‘exercitar
os cidadãos para a validade da norma’, fórmula esta que não se encontra
muito longe daquela proposta por Andenaes, que falava da ‘educação’ dos
cidadãos de acordo com as leis.”10
No Brasil, em vez das propostas derivadas desse direito penal simbólico, necessita-
se de um direito penal de intervenção mínima. Descriminalizar certos fatos,
despenalizar, limitar as penas privativas de liberdade apenas aos crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, construir outras modalidades de penas – restritivas
de direitos, de prestação de serviços, entre outras, que a criatividade deve indicar –,
evitar, enfim, o encarceramento de delinqüentes de menor ou ínfima periculosidade,
construir um direito penal essencialmente tutelar, fragmentário, voltado
exclusivamente para a proteção dos bens jurídicos.
As penas devem ser iguais para todos, pobres e ricos, pretos e brancos, altos e
baixos, homens e mulheres, fortes e fracos, poderosos e humildes, exploradores e
explorados. A realidade não é esta. O crime é um fenônemo cujas causas também se
assentam nas desigualdades econômico-sociais. O agente do crime é, em regra, um
desajustado social, fruto das estruturas sociais perversas, negro, pobre, analfabeto,
nascido na favela, no morro, na periferia das cidades, muitas vezes de pai desconhecido
ou de mãe ignorante.
Não será possível jamais educar alguém, nem conscientizar quem quer que seja
da necessidade e importância de respeitar os bens jurídicos alheios, por meio da pena
de prisão. Em outras palavras, é impossível ensinar alguém a viver em liberdade,
privando-o dela.
13.4 CLASSIFICAÇÃO
Com relação ao bem jurídico que atingem, as penas são: capitais, as que
eliminam a vida; corporais ou aflitivas, as que ofendem a integridade física do condenado;
infamantes, as que atingem a honra; privativas ou restritivas de liberdade pessoal, as
que agridem a liberdade de locomoção ou de domicílio; restritivas de direitos, as que
importam na perda de função política ou na inabilitação para o exercício de cargo; e
pecuniárias, as que atacam o patrimônio do agente do crime.
Para sua execução, criou-se a célula individual, da qual o condenado não saía,
com o objetivo de que pela solidão pudesse meditar e alcançar o arrependimento, por
meio da leitura unicamente da Bíblia e de outros livros religiosos. Eram proibidas
quaisquer visitas e qualquer contato do condenado com quem quer que seja, inclusive
outros presos, até mesmo por correspondência, só podendo avistar-se com o religioso.
Este sistema, apesar de ter sido adotado em várias partes do mundo, é de todo
evidente, não podia tornar-se um modelo, dada sua rigidez e, como não poderia deixar
de ser, por não ter apresentado os frutos desejados por seus idealizadores: a redenção
do delinqüente.
“As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para
separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes.”
13.6 CONCLUSÃO
A sanção penal é indispensável, pois o crime vai continuar a existir, aliás, muito
provavelmente jamais será extirpado da face da Terra. Enquanto agressão grave ao bem
jurídico muito importante, deverá ser, sempre, objeto da preocupação e da repressão do
direito. Infelizmente, a única saída é a resposta penal, vale dizer, uma sanção mais
severa, mais drástica que a simples reparação civil.
bem assim das de caráter perpétuo, de banimento e de natureza cruel (art. 5º, XLVII),
impedindo o Congresso Nacional de deliberar sobre emenda constitucional que vise
incluir qualquer dessas penas no ordenamento jurídico-penal brasileiro (art. 60, § 4º,
IV, CF).
A pena privativa de liberdade – que é a sanção penal por excelência –, atualmente a base de
todos os sistemas punitivos conhecidos, está inexoravelmente falida.
Inegável que esse tempo é o do ocaso da pena de prisão. Essa falência não se
deve apenas ao descaso com que o poder público encara o problema, que, felizmente,
faz com que toda a sociedade tome consciência da realidade e possa avançar na
construção de alternativas democráticas. Mas, deve-se, principalmente, à sua própria
essência, desumana e violenta, e à impossibilidade de, com ela, alcançar qualquer
objetivo ético em relação aos condenados.