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campo do gozo
Antonio Quinet
Campo da Linguagem:
- anos 50 - A primazia do significante;
- anos 60 - Da coisa ao objeto.
Campo do gozo:
- anos 70 - Os discursos como laço social.
Estrutura
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???????????????????????????????????????????????????????? Especial
Permanente - Casa da Esperança
Período: 1998
Discurso e sintoma
Encontramos, nesse primeiro momento - e peço para não confundirem - o
termo "discurso". Lacan emprega, por diversas vezes, este termo, que não
terá o mesmo sentido de quando emprega depois. O discurso que usa aí é
absolutamente equivalente à fala. Algumas citações: ele diz, por exemplo na
pág. 268 dos Escritos, que "todo ato falho é um discurso bem sucedido".
Aqui o discurso é estruturado pelos ditos, é da ordem do enunciado que
passa numa enunciação. Isso é o discurso, essa conjunção do enunciado com
a enunciação, é uma fala. E a fala é absolutamente essencial de se distinguir
da escrita. E Lacan, também nesse primeiro momento, não distinguia
exatamente a função da escrita, coisa que vai desenvolver muito depois, nos
anos 70, principalmente a partir do seminário 20.
Poderíamos localizar um quarto momento no final dos anos 70 e poderíamos
chamar "Sintoma". Mas vou apenas indicar, não vou demarcar. Apesar de
continuar usando os discursos, ele inserirá algo novo dentro do Campo do
Gozo. Os discursos e o sintoma se encontram inseridos no Campo do Gozo.
Há aí esta distinção que pode-se fazer.
Na pág. 293 do "Escritos" Lacan diz: "Para liberar a fala do sujeito, nós o
introduzimos na linguagem de seu desejo, ou seja, na linguagem primeira,
na qual, para além do que ele nos diz dele, ele já nos fala sem saber e
principalmente, nos fala os símbolos do sintoma. E esse é o discurso do
sujeito, o falar através dos símbolos do sintoma, já que o sintoma também é
uma fala à espera de ser dita". O que será completamente distinto do que
chama aqui de discurso, que já define de cara: é o discurso sem palavras, o
discurso que não tem fala.
Campo
Muitas vezes vamos encontrar esse termo "campo" em Lacan. No Sem. 17,
além de Campo do Gozo ele falará de campo do saber. O que é campo? Três
acepções nos interessam para pensar o campo da linguagem e o campo do
gozo.
Primeiro, o campo como sinônimo de campo operatório, ou seja, a área
em que se pratica uma operação a qual, fora desse campo, é
completamente estéril. Em segundo lugar, o campo em matemática que é o
conjunto de valores que as variáveis de um sistema podem tomar. Então
implica nos valores que se dá a determinadas variáveis operatórias. Esse é o
campo em matemática. O primeiro campo é uma área onde a gente pratica
uma operação fora da qual ela não funciona e é isso que vamos tentar
delimitar e operar nesse seminário. Como operar dentro do campo do gozo.
E o campo em linguística, que significa o conjunto estruturado por noções,
sentidos ou determinadas palavras. Podemos dizer o campo conceitual.
Então, campo não é uma coisa completamente solta. Quando vamos
definir o campo do gozo, vamos definir uma área de operação, uma área
conceitual, onde vamos efetuar determinadas operações e é isso que Lacan
pretende fazer com a psicanálise. A psicanálise é uma operação no campo
do gozo.
Este é o segundo momento, nos anos 60, que denominei "Da coisa ao
objeto" que podemos também nomear como "A Introdução ao Real". Ele
começa com o seminário 7, "A Ética da Psicanálise", onde Lacan, de uma
certa forma, promove um outro retorno a Freud.
Esse segundo retorno a Freud ser's um segundo retorno a uma questão
deixada completamente em suspenso no texto "A Direção do Tratamento".
Lacan não possuía ainda condições de desenvolver essa questão, tinha que
desenvolver uma ética da psicanálise onde o desejo do analista esteja
pulsando, mas não desenvolve. Desenvolve o que da psicanálise é a sua
estratégia, a sua tática e a sua política e coloca imediatamente a ética, mas
sem desenvolvê-la.
São os termos bélicos que toma de Carlos Von Clauseuitz, a partir de
seu tratado que se chama "Sobre a Guerra", em que utilizará então a tática -
equivale à interpretação do analista -, a estratégia - é um manejo da
transferência - e a política - deve ser baseada na falta-a-ser. Referência de
Lacan na época, como era o falo, em que o sujeito é definido não pelo seu eu
mas pela falta, que é a definição do sujeito na época, como falta-a-ser.
Esqueci-me de uma coisa fundamental no conceito de estrutura para
Lacan, que a questão do sujeito me lembrou. Quando Lacan pega a
psicanálise nos anos 50 e faz aquela primeira pergunta que se encontra no
texto "A Direção do Tratamento": "afinal de contas, quem analisa hoje?
Quem analisa hoje é o ego, é o eu". Os analistas da época diziam que o
analista age com o seu ser e quem é o ser do analista na época? É o ego.
Lacan vai mostrar que não, que o analista dirige a análise sim, mas é a partir
da falta, da falta-a-ser ou da falta de ser e é isso que está no âmago da
política da psicanálise. E a ética? Não desenvolve nenhuma ética a partir da
falta, não desenvolve nenhuma ética a partir da lógica fálica. E começa a
desenvolvê-la seminário "A Ética da Psicanálise" a partir do conceito da
coisa.
É fundamental acrescentarem que o conceito de estrutura de Lacan inclui o
sujeito. A própria definição de significante de Saussure que Lacan toma - o
significante é a imagem acústica do signo linguístico - se define pela sua
localização em relação aos outros significantes. Mas isto são apenas
propriedades dos significantes, como existem outras. O significante é
definido como aquilo que representa um sujeito para outro significante.
Posso dizer, imediatamente, que não é a mesma definição de significante
pois nos anos 70, o significante é aparelho do gozo e Lacan vai radicalizar no
seminário 20 dizendo: o significante é a causa do gozo.
Voltando: nos anos 60, Lacan pára de cumprir a sua tarefa de definir o que é
ética da psicanálise e fará um retorno a Freud através disso que é quase um
hápax que se encontra na obra freudiana, este famoso "das ding" que é o
irrepresentável. Se antes já tinha mostrado que há um furo na estrutura, ou
que nem tudo é significante na estrutura, não havia um interesse de Lacan
em tentar cingir o que é esse não todo.
A partir dos anos 60, desenvolverá o que é esse não todo, isso que
descompleta a estrutura do significante. Ele pega a partir dessa coisa que
Freud fala no projeto, essa coisa que nos provoca e que se encontra nos
objetos de desejo e que a gente não consegue dizer exatamente o que é.
Como Freud vai dizer, escapa a todas as qualidades que se podem
enumerar, essa coisa que atrai e que é da ordem do inominável,
irrepresentável e indescritível e que faz parte da estrutura subjetiva, faz
parte do campo do desejo, do campo da erótica do sujeito. Esse conceito da
coisa, que não só Freud começa a dizer, se encontra no outro desejado, no
objeto de desejo, mas também se encontra no sintoma.
Freud tem uma referência muito precisa quando fala do sintoma no projeto,
mostrando que o símbolo se substituiu à coisa, mostrando que essa coisa
que está no Outro, também se encontra no sintoma. Lacan vai tentar cingir a
coisa através da perversão e da sublimação, através do seminário 7.
Encontra também um outro quase hápax, na obra de Platão, o agalma,
aquilo que faz atrair Alcebíades em Sócrates. E vemos, no seminário da
transferência, de nº 9, sobre a identificação, que aborda um pouco em
suspenso essa elaboração. Retoma-a no seminário 10, 11, 12 e 13, direto, a
conceitualização do objeto a . Começa de uma forma bem precisa, no
seminário da angústia, como o objeto privilegiado da angústia e
encontraremos no seminário 11, já publicado e que é praticamente dedicado
ao objeto a .
Lacan utiliza no seminário 11, o conceito de demanda e desejo, mas já
encontraremos toda uma direção do tratamento em relação ao objeto a,
começando a ser definido como real. O que se encontra antes dos anos 60
como objeto a ainda não tem um "status" exatamente de real. É a partir dos
anos 60 que se dedica à conceitualização do objeto a nos seminários 12 e
13, percurso fundamental para Lacan chegar aos discursos.
O que encontramos quando ele conceitualiza finalmente o objeto a? É
possível definir uma ética e definir aquilo que é específico do analista na
direção de uma análise, trata-se do ato analítico. É a partir então deste
objeto a, que ele definirá o desejo do analista, o ato analítico propriamente
falando e que será possível propor o passe e uma escola. Não se encontram
grandes mudanças em relação às estruturas subjetivas, mas o que é central
é a questão da fantasia que, se não é um conceito que serve para diferenciar
as estruturas subjetivas, é um conceito fundamental na direção do
tratamento e no final da análise e na posição do analista.
Lacan definirá, por exemplo, o final de análise: é necessário o sujeito ir
para além da fantasia, atravessar a fantasia para chegar a este objeto a, que
começa a definir. Encontramos então uma nova definição da estrutura. Ele
diz na resenha do seminário - não me lembro bem se "A Lógica da Fantasia"
ou "O Ato Analítico" - que a definição da estrutura é tal em que o objeto é
ativo e o sujeito é subvertido. A definição da estrutura é a partir da atividade
do objeto e da subversão do sujeito.
Uma definição da estrutura que os matemas e os discursos nos deram,
permite escrever a estrutura dessa forma, onde o objeto é ativo e o sujeito é
subvertido. Enquanto a definição da estrutura pode se definir a partir daquilo
que vem furar a estrutura que é um significante do outro barrado.
Então, muda tudo mas não exclui o anterior. Por exemplo, a questão do
final de análise não se trata mais da passagem do ser ou não ser para o ter
ou não ter, apesar de que é uma passagem essencial. Além disso, trata-se
de atravessar a fantasia que sustenta a existência do Outro. A fantasia do
sujeito é a resposta principal que o sujeito dá ao que o Outro quer de mim.
Aqui, o que o Outro quer aparece, o sujeito mostra o cartaz, o "affiche" da
sua fantasia, como um "procura-se". Essa é a fantasia do sujeito para além
da qual ele deve ir. Então vemos que há também uma transformação na
questão do final de análise.
Um Outro que é sustentado pela fantasia, esse Outro que víamos que
era equivalente à linguagem, não é mais apenas à linguagem. Nos anos 50 a
concepção do Outro como lugar do código e também lugar do desejo. Lacan
diz: "se o desejo está no lugar do Outro, a coisa está do lado do gozo". É uma
concepção que podemos colocar nos anos 60. Trata-se aí do Outro do desejo,
do Outro que existe enquanto desejo. E a fantasia é aquilo que vem
sustentar a existência do Outro. Vamos também encontrar essa concepção
no seminário 17 uma outra definição da fantasia, mas a fantasia é sempre
ligada a sustentar a existência do Outro. É por isso que o atravessamento da
fantasia necessariamente conduz a que o sujeito se dê conta de que o Outro
não existe, e que a sua fantasia é que o sustentava.
"das ding"
Da onde Lacan parte da obra freudiana para fazer o que poderíamos talvez
chamar de o terceiro retorno a Freud? A cada vez que Lacan propõe algo
novo, vai em sua fonte freudiana e traz algo absolutamente inédito. Parte,
basicamente, do conceito de repetição, do "Para Além do Princípio do
Prazer". É nesse seminário onde mais desenvolve o conceito de gozo.
Lacan então avança o que vai chamar "os discursos e o campo do gozo" e
irá, pouco a pouco, articulando o que é esse campo do gozo, estruturado
como um campo operatório, estruturado por aparelhos. Os aparelhos que
vão dar conta desse campo são os discursos sobre os quais falaremos.
O que é importante de nos darmos conta é que se não tivesse feito esse
percurso da conceitualização do objeto a não teria chegado na questão dos
discursos. O que são os discursos? Ele definirá os discursos como laço social.
Então é uma retomada de Freud a partir do laço social.
Podemos dizer que ele faz o retorno a Freud a partir do "Mal Estar na
Civilização". O nome desse seminário é "O Avesso da Psicanálise" e qual é o
avesso da psicanálise? É o discurso do mestre, o discurso da civilização. A
psicanálise vem como o avesso da civilização. Ele tenta tomar a psicanálise
pelo seu avesso, pela civilização. E o retorno que faz a Freud é a partir do
"Mal Estar na Civilização". Neste texto o que constitui, para Freud, o maior
sofrimento humano? Poderíamos pensar que seria o sintoma, pois havia
desenvolvido a obra inteira falando sobre o sintoma, a angústia, a castracão.
Mas ele diz, nesse texto maravilhoso, que a causa do maior sofrimento para
o ser humano é a relacão com os outros. Não há nada pior que os outros.
Todos já conhecem na própria pele, em qualquer instituição isso aparece de
uma forma gritante, mas também em qualquer casamento, qualquer relação
de amizade, em tudo.
Nisso consiste o maior sofrimento do homem. Podemos dizer que é a partir
disso que Lacan retomará a psicanálise, mas não só a psicanálise. Lacan
pretende - não era pouco ambicioso - dar conta da civilização também, dar
conta de como é estruturada a cultura e aonde se insere a psicanálise nisso.
O seminário 17 é o mal estar na civilização versão lacaniana, versão anos
70, motivada pela revolução dos estudantes de 68. Lacan tenta dar conta
daquilo que está acontecendo, que foi o grande questionamento ao mestre e
diagnosticou: vocês que estão derrubando todos os professores, todos os
que tem função didática, mas estão querendo é um mestre. Ele quase foi
escorraçado pelos estudantes ao mostrar que o movimento tinha a lavra do
discurso histérico pois o discurso histérico clama por um mestre.
Quanto se aborda o discurso histérico deve-se acostumar a não
menosprezar, porque histeria virou palavrão até em nosso meio. O discurso
histérico é o discurso por excelência do analisante, o discurso, a via
analisante é a histeria. Há algo aí de um caminho ao qual nos convoco de
revalorizar e de redefinir, por exemplo, esse laço social que é o discurso
histérico.
Voltando à questão da civilização. Lacan vai se propor analisar quais são os
laços que estruturam o Outro social e com isso rompe e acrescenta uma
outra noção de estrutura. Ele passa de estrutura para estruturas, no plural. E
chamará as estruturas discursivas que são os discursos. São as estruturas,
esses aparelhos de gozo que aparelham os sujeitos, os indivíduos. Lacan
define essas estruturas na pág. 11 do Sem. 17: "É um discurso sem
palavras". Não são só os ditos, mas é um mudança que faz dos ditos ao
dizer. É algo da ordem do dizer que está implicado não só nos ditos mas nos
atos de cada um. E podemos detectar a partir desse dizer qual é o discurso
que está funcionando naquele momento.
Ele diz na pág. 11 o seguinte: "O discurso instaura relações fundamentais,
mediante o instrumento da linguagem, no campo do gozo. Sem palavras na
verdade ele [o discurso] pode muito bem subsistir. Subsiste em certas
relações fundamentais. Estas, literalmente, não poderiam se manter sem a
linguagem." Se são estruturas sem fala, não significa que elas são sem a
lingu????????????????????????????????????????????????????????????????????
????????????????????????????????????????????????????????????inha proposta
nestes seminários é abordar a clínica do campo do gozo. Hoje, pensei em
fazer uma introdução, repetir alguns
conce???????????????????????????????????????????????????????????????????
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????????????????????????????????????????††††††††††††††††††????????????????
?????????????????????????????????????????? - acho isto uma indicação muito
precioso para avaliarmos os discursos - enunciados primordiais. É
interessante, então, sempre termos em mente - se esquecer, me lembrem -
nos perguntar qual o enunciado que se encontra aí. Porque não é evidente, é
algo a ser interpretado, é algo a ser detectado em cada discurso e na forma
como cada discurso apresenta, se manifesta, que também não é evidente.
Então, vemos aí uma passagem de separação entre fala e linguagem,
uma separação entre o dito e o dizer e uma introdução da linguagem no
campo do gozo. É isto que vai definir a estrutura, a linguagem no campo do
gozo, pois, diz Lacan, na pág. 74, não há discurso que não seja do gozo.
Apesar disto ficar escamoteado, temos que saber qual é o gozo implicado
em cada discurso.
Então, vemos um deslocamento do próprio sujeito da fala. Passamos
de um sujeito da fala para um sujeito do discurso que não necessariamente
fala. Mas é um sujeito implicado no gozo, o sujeito do laço social no qual a
psicanálise vai se inserir. Então, o que interessa no sujeito em questão, ele é
definido no laço social, no seu posicionamento em relação ao gozo.
Lacan diz nesse seminário que Freud está à altura de um discurso que
se mantém tão próximo quanto possível do gozo. Ele faz o campo
psicanalítico recobrir o campo sexual do ser humano e esse campo não é
dominado pelo um. E Lacan vai imediatamente definir o que chama de um.
Vamos ver daqui a pouco.
Mas o um em questão não é, de jeito nenhum, o um do amor. É um um
que vai se inscrever no campo sexual, no campo das pulsões. O que Lacan
vai mostrar nessa retomada de Freud e do campo pulsional é que o pulsional
está no campo dos discursos. O que não é novidade nenhuma. Freud, na
"Psicologia das Massas" já tinha mostrado como era o cimento dos laços
sociais. Inclusive, um Eros homossexual, um Eros que exclui o Outro sexo,
que exclui o hetero. Mas Lacan vai mostrar que não. Na teoria dos discursos
como laços sociais, ele faz um contraponto à psicologia das massas: aonde
Freud diz que o que faz o cimento das coletividades é a identificação como
uma sublimação do amor (me identifico com aquele que amo) - a teoria das
identificações em Freud é a partir de um Eros onde eu me espelho no outro,
onde eu sou o outro, aonde tem uma homossexualidade, uma
homogeneralização, uma homogeneidade. E Lacan vai mostrar que não. Que
há um ...cimento dos laços sociais: é o objeto a como esse elemento
heterogêneo, dos quatro elementos dos discursos (S1, S2, sujeito barrado e
objeto a) que compõe e estrutura esse campo do gozo. É por isso que eu
insisti muito sobre essa lógica de que é necessário Lacan chegar ao objeto a,
conceitualizá-lo como esse elemento absolutamente heterogêneo e radical,
em relação ao campo da linguagem, e consequentemente ao Ics.
Heterogêneo ao Ics, porque ele não tem representação no Ics, ele é
irrepresentável, não há nenhuma "vorstellung representanz" que venha
representá-lo. É o irrepresentável da pulsão, mas é isto que permite, o que
Lacan diz, no Seminário do Saber: o psicanalista é o objeto a que permite
"tetraedrar" os discursos. Esses quatro discursos que são um tetraedro. É o
objeto a que vai "tetraedrar" - ele inventa esse termo - esses quatro
discursos.
Isso significa que é o objeto a que estrutura o Outro social. Podemos
dizer que Lacan ao retomar o "Mal Estar na Civilização", vai pegar aquilo que
se encontra excluído da civilização e vai mostrar que é justamente aquilo
que se encontra excluído da civilização, esse rebotalho de gozo, que
estrutura toda a civilização e o campo humano como um campo do gozo, um
campo de prazer e um campo de mal estar.
Não sei se vocês conhecem aquela referência de Lacan, que se
encontra em nota de pé de página em "De Uma Questão Preliminar",
quando comenta o esquema R, e que vai se referir ao sujeito e ao objeto na
fantasia. (O esquema R é o esquema da realidade, estruturada pelo
simbólico, imaginário e real). Vai dizer que o campo da realidade só se
sustenta pela extração do objeto a e no entanto, dá à realidade o seu
enquadramento.
Quando que o objeto a não é extraído desse campo da realidade? Na
psicose. Vemos justamente o retorno à inclusão deste objeto a, como olhar e
voz. E o que temos como consequência disso? Que a realidade tende a se
esvair ou não tem o enquadramento e a delimitação que costuma ter no
caso da neurose e da perversão e que às vezes também é abalada no caso
da neurose, num momento de despersonalização do sujeito.
Então, essa não extração do objeto a tende a uma instabilidade da realidade,
assim como tende a uma desorganização dos discursos, que se dá também
no caso da psicose. Essa extração do objeto a do campo da linguagem é
necessária para a estruturação dos quatro discursos e a circulação do sujeito
nos quatro discursos. É assim que eu entendo o que Lacan fala que é o
objeto a que permite "tetraedrar" estes quatro discursos.
Então o objeto a aparece como esse objeto heterogêneo, separador do
campo do gozo e que, quando não é extraído, o campo do gozo deixa de ser
propriamente um campo e dentro dessa definição como campo da operação
estrutural. Estamos vendo como ele é estruturado pelos discursos como laço
social. E aí o gozo invade tudo, invade o corpo, fragmenta a realidade,
despersonaliza o sujeito, sonoriza a linguagem como aparece na voz,
escopiza o sujeito, que se torna um olhar e aparece na consistência de gozo
que ele na verdade tem. Mas, ao ser extraído pela operação da metáfora
paterna, se torna um objeto separador, separado, excluído da linguagem
mas também excluído da cultura.
Podemos reler o mal estar na civilização de Freud, para ver qual é este mal
estar? Como aparece este mal estar? Ele pinça este mal estar com o que vai
chamar de um sentimento de culpa que é uma variante da angústia do
sujeito diante do supereu. Como Freud fala neste texto, o sentimento de
culpa é porque a civilização exige a renúncia pulsional do sujeito e a pulsão
exige satisfação. Como é que isto se presentifica no sujeito? Sob a forma
desta instância paradoxal do supereu que exige a renúncia e ao mesmo
tempo a satisfação, já que o supereu é pulsional. Então, ele exige duas
coisas simultâneas e opostas, como o representante da civilização no sujeito.
O representante de não tudo na civilização, graças a Deus, mas o que a
civilização tem de pior, que nos causa o mal estar. Não a cultura, as artes, a
organização que nos permite funcionar, que faz parte da cultura que vemos
que a articulação significante permite isto. Mas o supereu como a instância
que vem presentificar a civilização no sujeito, como se presentifica? Vigiando
o sujeito, o tempo todo, para ver se ele está agindo direito ou não está
agindo direito. E o que é agir direito? É satisfazendo a pulsão ou satisfazendo
os ideais? Está vigiando o sujeito, comparando-o a um ideal, como diz Freud,
que nunca vai alcançar e , por outro lado, como ele é pulsional com a mesma
força da pulsão, exige esse impossível que Lacan, nesse seminário, vai
mostrar. Não é à toa que foi nesse seminário que ele chegou à formulação do
supereu, que ficou famosíssima: "GOZA! Goza seu filho da puta!" Uma
obrigação de fazer justamente aquilo que ele mesmo o impede de fazer.
Uma lei louca.
E como é que ele se presentifica? Vigiando o sujeito, criticando tudo
que ele faz, o que vemos nessas duas funções do supereu que Freud
descrevera tão bem na "Introdução ao Narcisismo"? Ele não retoma nunca
mais aquela descrição brilhante que tem na introdução ao narcisismo,
quando descreve a instância crítica que é desvelada no delírio de
observação, na Paranóia. Aonde se vê o sujeito sendo vigiado pelo olhar do
Outro e criticado pelas vozes. E é isso que encontramos, estas duas funções
do supereu.
Pergunta (inaudível).
Quinet: Vou desenvolver isto. Foi apenas uma pincelada porque a
minha aposta é que está. Fora disso, mas talvez não o tempo todo. Talvez
tenha momentos que não esteja no campo do gozo, mas acho que a nossa
aposta como clínicos, como analistas, como terapeutas é que é possível que
o psicótico esteja dentro do campo do gozo e possa circular pelos discursos.
O oposto disso é o autismo. E o autismo total eu interpreto a ausência de
laço social. Só que o próprio Bleuler já diz que o autismo total não existe.
Talvez a gente possa repensar, com todas as nuances, a psicose, dentro
deste campo, como é que o psicótico circula, ou não circula, quando, em
determinados momentos. O que Lacan propõe com as estruturas do discurso
é algo extremamente dinâmico, em movimento, em circulação permanente.
Você pode estar circulando nos discursos o tempo todo.
A gente pode retomar isto. Podemos até dedicar um seminário inteiro
sobre isso, ou a cada momento que avançarmos a gente identificar como
fica a neurose e a psicose. Temos elementos para isso.
OBJETO A = SUPEREU
Então, o que vemos? Estas duas funções que Freud descreve tão bem,
a meu ver, neste texto da Introdução ao Narcisismo, que são as funções da
vigilância do supereu e a função de crítica do supereu, encontramos
exatamente essas funções no objeto a de Lacan: no olhar e na voz. O olhar e
a voz, como rebotalhos da civilização, são o objeto a por excelência, que não
tem representação no significante da demanda, são os objetos que
representam o desejo para o Outro - são chamados de desejo ao Outro, eu
traduzo "le désir a l'Autre" que é próprio do objeto escópico como desejo
para o Outro porque é algo que o sujeito identificado ao objeto a ele se dá a
ver para o Outro. É por isto que digo desejo para o Outro e desejo do Outro.
E encontramos aí, nesse seminário 17, a definição do objeto a não como
causa de desejo, mas como supereu. O objeto a é o supereu. Ele é o
rebotalho da civilização, que encontramos na fórmula que dá título ao
seminário, é o discurso do mestre, que estrutura a civilização. Temos aqui a
articulação significante da cultura e aquilo que vai ser conhecido ou excluído
da civilização que é aquilo que se presentifica no sujeito pela forma do
supereu, que é o olhar e a voz.
O que é o avesso do discurso do analista? Se vocês forem examinar, todos os
elementos se encontram sempre como oposto. Aquilo que está de um lado
está do outro, aquilo que está embaixo, está em cima, e assim por diante. É
exatamente o avesso mesmo, em todos os sentidos. Podemos falar bem
mais sobre isso da próxima vez. Achei que ia avançar muito mais do que
avancei.
Deixo para vocês um pouco esta questão, pois me parece ser uma questão
super atual, e os filmes americanos da última safra mostram isto de uma
maneira impressionante, como o olhar e a voz, como rebotalhos da
civilização, estão tomando um vulto cada vez maior, onde se entra em
qualquer ônibus e encontra "Sorria, você está sendo filmado!" O "Show de
Truman": até ele descobrir que desde que nasceu está sendo filmado. Vocês
vêem "Beleza Americana", é impressionante, o olhar está todo o tempo,
"Quero ser John Malcovich", aonde o sujeito se transforma em puro olhar. É
um filme interessantíssimo, aonde mostra que as pessoas são marionetes.
Há um cara que faz teatro de marionetes e faz de John Malconvich um
marionete dele. Mas o que é interessante é que as pessoas entram no portal
- é uma coisa meio cibernética - e vão entrando na cabeça do John
Malconvich e se transformam em um olhar do John Malconvich, um olhar que
é a manifestação do Outro, não do Outro da Linguagem, mas a manifestação
do gozo do Outro que vai estar ali reduzido a um objeto virtual,
circunstancial, acossando o sujeito.
Tem um livro que saiu, também muito interessante, que mostra isso
que se chama "Vida, um filme" . Ou seja, a vida, o cotidiano, está se
tornando um entretenimento. Existe atualmente um site na internet que
tem uma família cotidiana, sendo filmada o tempo todo. Eu não entrei, não
sei se vou entrar. O avanço da ciência dentro dos discursos dominantes da
civilização atual, proponho que a gente trabalhe um pouco isto da próxima
vez. Lacan pega da Grécia antiga até a época da passagem do discurso do
mestre ao discurso universitário. Nesse seminário ele diz que o discurso
dominante da nossa civilização é o discurso universitário, não é mais o
discurso do mestre. E em Televisão ele propõe o Discurso Capitalista. De
qualquer forma, o avanço da ciência junto com o discurso do capitalismo, ao
invés de estar melhorando o mal estar do sujeito, está ao contrário, atiçando
cada vez mais, produzindo cada vez mais objetos sob a forma do olhar e da
voz. A voz acho que vai ser da próxima década. O filme "Denise está
chamando" demonstra muito o autismo das nossas relações e a voz,
também, que já mostra que estamos vivendo, há algum tempo, na época do
Grande Irmão, que tinha no Admirável Mundo Novo um olho na casa de cada
um. Outra modalidade disso é a efetivação do panóptico que Foucault já
tinha denunciado como estruturando a nossa sociedade disciplinar.
Não sei se vocês sabem também, mas na Europa está sendo desenvolvido
uma modalidade de prisão, que é como se fosse uma prisão virtual, que a
pessoa ganha uma pulseira, que é um "chip", onde a pessoa está vigiada 24
hs. A tendência é acabarem as prisões e as pessoas serem vigiadas o tempo
todo por um "chip", para dar uma atualidade do nosso tema, e da produção
de como estes objetos estão sendo produzidos pela civilização.
2º seminário - 15/04/00
O DISCURSO DO MESTRE
S1 ( S2 S/ ( S1
( ( ( ( (
__S/ a a S2
( (
DU (educar) DA (analisar)
S2 ( a a ( S/
( ( ( ( (
S1 S/ S2 S1
Lugares:
Campo do sujeito: Campo do Outro:
agente Outro
verdade produção
DISCURSO DO MESTRE
Metonímia S ( S'
Lógica [a (b]
A dominante
O dominado
Discurso do Analista
3º seminário - 20/05/00
O DISCURSO CAPITALISTA
S1 ( S2 S/ ( S1
__( ( ( ( (
S/ a a S2
Discurso. Capitalista
( S/ S2 (
__ ( ( ( (
__ S1 a
DU (educar) DA (analisar)
S2 ( a a ( S/
( ( ( ( (
S1 S/ S2 S1
lugares:
Campo do Campo do
sujeito: Outro:
agente Outro
desejo
verdade produção
perda
Então, o lugar da perda é também equivalente ao que é produzido em cada
discurso. Isto fica evidenciado no próprio paradoxo do discurso do mestre.
Efetivamente, quanto mais leio o seminário do "Avesso", mais constato que é
realmente um seminário sobre o discurso do mestre. É também uma
tentativa de Lacan de passar da referência da família à referência da
estrutura significante de uma forma radical, onde veremos então a
passagem do pai para o S1. Vemos também a desqualificação,
possivelmente chocante para nós, que Lacan faz de conceitos freudianos,
principalmente do complexo de édipo, marcando essa passagem da
referência familiar, da família como um complexo, para a própria estrutura
significante, para a estrutura inconsciente propriamente dita.
Esse é um aspecto que não salientei na primeira aula, onde marquei
principalmente a passagem do campo do linguagem para o campo do gozo.
Mas também há essa passagem do pai ao um, que implicará numa outra, na
passagem da referência da família à radicalidade diferencial do significante,
como fundamento da estrutura subjetiva.
Isto implicará também, e os discursos estão aí para isso, na
ultrapassagem da diferença entre o individual e o coletivo, já que os
discursos são pequenos instrumentos para analisarmos tanto o que se passa
na subjetividade quanto o que se passa no coletivo. É por isso que, ao partir
do discurso do mestre, como o discurso da civilização vemos em primeiro
lugar a dupla aplicação do discurso do mestre. Ele serve tanto para se referir
à civilização ou às instituições, ou à instituição - como o discurso da lei, o
discurso que coletiviza os humanos - como também o discurso condizente
com o inconsciente. Então, ao mesmo tempo, quando propõe essa clínica do
laço social trata-se realmente dos laços que estão estruturados pela
linguagem e que estão para além da fala, ou para aquém da fala. São laços
estruturados em torno dessa relação do agente com o seu Outro, ou seja,
daquele que faz agir o discurso - o dominante - com aquele a quem ele se
dirige - o dominado. Vimos da última vez que não é apenas o agente que
qualifica o discurso mas é principalmente aquele a quem ele se dirige.
O DOMINADO
DISCURSO UNIVERSITÁRIO
DISCURSO CAPITALISTA
DISCURSO UNIVERSITÁRIO:
contemporaneidade, burocracia, perversão, ciência
Ana Capanema: quem trabalha com ciência diz que tudo que descobrem faz
parte do mundo inteiro, pois eles doam; isto também é uma forma de fazer o
que você está abordando.
Quinet: como se o capital não estivesse incluído nisso. Um pequeno
parêntese sobre a questão da ciência e do saber, e da universalidade
suposta do saber, que na verdade não é distribuído, como se diz. Outro
exemplo, tem-se a questão dos transgênicos na agricultura e há um debate
sobre a soja, proibida de se fazer aqui mas que é feita em alguns países, e
inclusive está sendo pirateada e vendida no Brasil. E ainda, em um programa
de TV informaram que a Monsanto, uma enorme empresa norte-americana,
já possue espécies de plantas de todo o mundo e recebe 300 mudas todos
os dias para catalogar imediatamente. A planta é reduzida a um líquido,
colocada num tubo de ensaio e todas as suas características são
transcodificadas geneticamente e arquivadas no micro. Possuem florestas
tropicais que podem crescer a 40 graus abaixo de zero e fazem algodão que
já nasce colorido. É claro que dizem que tudo isso é um nome da
humanidade, em nome da ciência, mas significa que nos EUA, em condições
climáticas que eles mesmos podem determinar, qualquer coisa de qualquer
lugar do mundo, uma floresta amazônica, todas as coisas que tem aqui, eles
podem patentear todas as coisas e não vão precisar importar mais nada.
E temos também como produto disso, por mais que se vá objetivar o sujeito,
o homem - por isso Geralda que esse discurso pode ser dito humanista, a
ciência para o bem do homem - a virtude do discurso universitário situa-se
no fato de revela o que é produzido, é que o homem não se deixa objetalizar.
Tem-se, então, que toda tentativa de objetalizar e objetivar, e é por isso que
a clínica psiquiátrica se já não está em uma grande crise, está em vias de
fazê-lo, é que o sujeito não consegue, não deixa ser reduzido a uma máquina
neurológica, ele não deixa. E é interessante que isto está provocando o
desaparecimento da figura do psiquiatra.
Estive em SP e uns psiquiatras informaram-me sobre esta constatação,
porque nesse momento está-se tendo o especialista dos neuro-hormônios, o
especialista da genética, etc. Atualmente, existem médicos norte-
americanos que dão antecipadamente, na sala de espera, um questionário
para a pessoa responder com um "x". O médico recolhe o questionário e já
diagnostica no DSM, ou seja, é um passo para receita pela internet e o
desaparecimento completo da figura do psiquiatra. Ficarão apenas os
farmacêuticos dos laboratórios, os especialistas na genética e os
especialistas dos laboratórios.
A CIÊNCIA E O FENÔMENO RELIGIOSO
Então, por um lado podemos dizer que a civilização atual é dominada pela
ciência. Uma civilização científica e, podemos acrescentar,
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S/ S1
Discurso capitalista:
S/ S2
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S1 a
O "UM"
Traço unário
Discurso do Mestre:
S1 ( S2
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S/ a
___
"Einheit"
O GOZO
O GOZO E O "UM"
Psicose:
Traumatismo
S1 "verkaltung"
[repressão}
retenção
__
_
Neurose: "verdrangung"
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