Professional Documents
Culture Documents
1
Publicado originalmente na Fit Revista n. 3 – Belo Horizonte, 2008
2
Pesquisador, criador teatral, arte-educador e gestor cultural.
www.luizcarlosgarrocho.redezero.org
3
Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada. 02/10/1996.
coletivos para a cena teatral. Uma das ferramentas utilizadas foi, precisamente,
a improvisação: no jogo livre das forças, não há mais lugar para a empáfia, a
exposição de truques de comunicação. Tais são alguns dos traços que irão definir
um teatro atravessado pela força do coletivo. Em síntese, a máquina de guerra
das poéticas teatrais terão no coletivo de artistas um grande impulso para a
renovação.
Não há dúvidas entre observadores e estudiosos que Belo Horizonte tem sido
terreno fértil para a proliferação do teatro de grupo. E alguns afirmam que isso
se deve ao fato de não haver a presença de uma televisão com seus estúdios de
produção de novelas etc. A cultura da grande mídia televisa valoriza e promove o
ator/atriz individualmente, forçando, desse modo, o campo das oportunidades a
esse filtro. Belo Horizonte, por não dispor dessa rede, teria valorizado o
associacionismo nos dois aspectos: o do teatro em grupo e o do teatro de grupo.
De todo jeito, lembro que André Carreras e Antônio Vargas4, para dar apenas um
exemplo, vêm se dedicando ao estudo do fenômeno teatro de grupo no Brasil,
procurando entender seus deslocamentos, suas trajetórias e inserções no campo
da cultura. Os estudiosos observam que o movimento surge perifericamente no
Brasil nos anos 60, aparecendo inicialmente como formação ideológica que
dialogava mais diretamente com o contexto político e que, a partir dos anos 80,
passa a trabalhar mais especificamente no contexto do próprio teatro, com
ênfase nas linguagens.
Voltando ao nosso contexto, pode-se dizer que o teatro de grupo tem construído,
de certo modo, um mercado que lhe seja próprio. Porém, falar de mercado é
falar, também, da formação de público. Anteriormente, ela era feita pela crítica.
Hoje, há fatores novos que modificam esse quadro.
Por tudo isso e por muito mais, Belo Horizonte tem sido um lugar privilegiado
para o surgimento e a continuidade dos grupos de teatro e, num sentido mais
amplo, de artes cênicas. É que os grupos tornam-se espaços onde os artistas
encontram abrigo, deixando de ficar a mercê do produtor de mercado que está
ligado, obviamente, ao que chamo de primeira modalidade de associacionismo5.
Os grupos e os territórios
Isso posto, entro numa análise micro-política (que não é menor que a macro-
política, até porque as minorias são numericamente superiores às maiorias). Os
pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997) dizem que estamos já e de
sempre, sobre a terra. Nesse plano que corre, a capacidade de invenção e
inovação estão do lado dos processos de desmaterialização (que fazem fugir o
território) e não de reterritorialização, para usar as ferramentas conceituais
desses pensadores. O problema é que você não tem uma coisa sem a outra: não
estamos diante de um novo binarismo, mas em vias de superá-lo. O truque está
em reterritorializar-se em processos desterritorializantes. A outra opção é
imperial: produzir e/ou capturar territórios (e necessariamente envolve a
separação, a distância, podendo exigir a destruição daqueles que ameaçam o
projeto de reterritorialização etc.).
Não são pessoas jurídicas, não são empresas, não respondem por essas vias: o
violinista sobe no telhado mas desce, que ele não é bobo, diz Hakim Bey (2001),
o anarquista ontológico. São máquinas de guerra que não querem ser capturadas
pelo modo territorial de funcionamento. E como atuam no mercado? Com o
objetivo de produzir zonas de autonomia, agenciam projetos sociais e políticos,
aliam-se a empreendedores criativos e audazes. Contribuem, além disso, para
novos mapeamentos da economia da cultura. Alguns grupos de teatro acabam por
se organizar como núcleos de treinamento e criação, adotando estilos mais
híbridos, disseminando práticas menos corporativas.
Cabe dizer, ainda, que a realidade da produção cultural contemporânea não mais
funciona somente em teclas, do tipo "mercado ou não mercado", mas sim em
planos no qual você tem "mercado" e "não mercado" ao mesmo tempo,
misturados. O próprio FIT é um exemplo disso: dá cobertura a espetáculos de
configuração densa, fabricados em territórios bem definidos, assim como
espetáculos de encenadores que reúnem os artistas formados nesses espaços e os
misturam de uma só vez, como também acolhe e promove ações que favorecem,
mesmo não sendo o seu foco principal, o campo do nomadismo, das trocas
efêmeras e da performance art. Aliás, o FIT teve o mérito de trazer a Belo
Horizonte o grupo Générik Vapeur, que é, tanto do ponto de vista temático
quanto do ponto de vista da ação poética, a própria máquina nômade de guerra,
modificando totalmente o conceito de teatro de rua.
Referências