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O Teatro e as forças do coletivo1

Luiz Carlos Garrocho2

Teatro: máquina de muitos

O teatro é uma máquina de muitos (linguagens, artistas, técnicos e meios),


mesmo quando se trata de um trabalho solo. No entanto, há uma questão que
pode ser colocada: que forças instauram o plano coletivo nessa esfera de criação?
Discutimos, em parte, o fenômeno do teatro de grupo, que se distingue, então,
do teatro em grupo, apontando para suas mutações e zonas de vizinhança.

O plano coletivo e o agenciamento de suas forças inserem-se no contexto de


modernização do teatro. O pensador Bernard Dort (1977) situa esse fator como
sendo a questão da apresentação de um discurso cênico, o que não ocorria nas
sociedades tradicionais. Nas sociedades modernas, as cisões entre os homens,
classes e visões de mundo exigem que a cena não seja apenas o reflexo de um
mundo unificado, mas sim a expressão das fraturas.

O diretor assume o papel de unificar o discurso cênico: torná-lo não o reflexo de


uma vida social, mas sim dotá-lo de uma função social (e política também).
Realiza, de fato, uma mise-en-scène. Ou seja: coloca (um discurso) em cena.

Grotowski3 abordou essa modernização do teatro sobre a notação de duas ondas


de renovação do teatro. A primeira onda, surgida no início do século 20, é
definida por ele em três aspectos: a) o aparecimento do encenador, b) a
emergência do cenógrafo ocupando um lugar tão importante quanto aquele
anteriormente destinado ao dramaturgo e c) a nova arte do ator. A segunda onda
ocorrerá nos anos 50 e 60, com a explosão do palco como lugar separado da
platéia, da emergência e radicalização das linguagens, especialmente com o
aparecimento do discurso corporal, fazendo aparecer um novo teatro.

Toda essa renovação implica no fortalecimento e assentamento do coletivo no


teatro. Torna-se impossível compor um discurso cênico com uma máquina toda
compartimentada, na qual o ator-vedete manipulava a comunicação, como
ocorreu na sobrevida do teatro no Ocidente. A nova arte do ator, de que fala
Grotowski por exemplo, implicou, entre outras coisas, na importância dos

1
Publicado originalmente na Fit Revista n. 3 – Belo Horizonte, 2008
2
Pesquisador, criador teatral, arte-educador e gestor cultural.
www.luizcarlosgarrocho.redezero.org
3
Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada. 02/10/1996.
coletivos para a cena teatral. Uma das ferramentas utilizadas foi, precisamente,
a improvisação: no jogo livre das forças, não há mais lugar para a empáfia, a
exposição de truques de comunicação. Tais são alguns dos traços que irão definir
um teatro atravessado pela força do coletivo. Em síntese, a máquina de guerra
das poéticas teatrais terão no coletivo de artistas um grande impulso para a
renovação.

Belo Horizonte e o teatro de grupo

Não há dúvidas entre observadores e estudiosos que Belo Horizonte tem sido
terreno fértil para a proliferação do teatro de grupo. E alguns afirmam que isso
se deve ao fato de não haver a presença de uma televisão com seus estúdios de
produção de novelas etc. A cultura da grande mídia televisa valoriza e promove o
ator/atriz individualmente, forçando, desse modo, o campo das oportunidades a
esse filtro. Belo Horizonte, por não dispor dessa rede, teria valorizado o
associacionismo nos dois aspectos: o do teatro em grupo e o do teatro de grupo.

Nessas tentativas de explicar tais fenômenos, prefiro pensar as forças que os a os


grupos de teatro potencializam e convocam, em vez de ater aos nexos causais.
Até porque, pensando com Lyotard (2002), essas são grandes narrativas, com
pretensão à totalidade do sentido, das quais aprendemos a desconfiar, preferindo
as pequenas narrativas.

De todo jeito, lembro que André Carreras e Antônio Vargas4, para dar apenas um
exemplo, vêm se dedicando ao estudo do fenômeno teatro de grupo no Brasil,
procurando entender seus deslocamentos, suas trajetórias e inserções no campo
da cultura. Os estudiosos observam que o movimento surge perifericamente no
Brasil nos anos 60, aparecendo inicialmente como formação ideológica que
dialogava mais diretamente com o contexto político e que, a partir dos anos 80,
passa a trabalhar mais especificamente no contexto do próprio teatro, com
ênfase nas linguagens.

Os grupos modificaram o contexto cultural da cidade. O próprio Fit-BH é tanto


produto quanto causa dessa cultura cênica que tem nos coletivos seu veículo e
expressão.

Novos espaços & mercados outros

Estou falando de um tipo de produção em artes cênicas, que modifica a relação


entre processo e produto e que desencadeia que chamo de forças do coletivo.
No teatro dito "comercial" – e aqui não vai nenhum julgamento de valor, do tipo
4
André Carreras é diretor do grupo teatral Experiência Subterrânea, professor do
Mestrado em Teatro da UDESC e pesquisador do CNPq. Antônio Vargas é professor do
Mestrado em Teatro da UDESc e diretor geral do Centro de Artes da UDESC. O projeto
de pesquisa vem sendo desenvolvido na . Conferir no site da Cia Paulista de Teatro o
artigo “Um projeto de pesquisa para o teatro de grupo”:
http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=104
é melhor ou pior – há a fabricação prévia de um produto segundo padrões
definidos pelo mercado de entretenimento e mesmo das artes consolidadas.

Não podemos cair na ingenuidade de acreditar que a pesquisa de linhagens e a


experimentação está fora do mercado: ela aponta, antes, para o que chamo de
mercados outros, para definir um espaço de mostra, de troca, de circulação com
características diversas e que abrigam experiências singulares, como é o caso dos
espetáculos em espaços alternativos, no site specific, nas intervenções cênicas e
outras modalidades de criação. Lembro, de passagem, a teleconferência de
Richard Schechner na 6a edição do Encontro Mundial de Artes Cênicas (ECUM),
versando justamente sobre o papel das vanguardas num mundo globalizado.
Schechner entende que os espaços (mercados) da criação cênica estão ocupados
pelas obras-processos de maior radicalidade e experimentação.

Voltando ao nosso contexto, pode-se dizer que o teatro de grupo tem construído,
de certo modo, um mercado que lhe seja próprio. Porém, falar de mercado é
falar, também, da formação de público. Anteriormente, ela era feita pela crítica.
Hoje, há fatores novos que modificam esse quadro.

A formação de público pode ser definida em dois modos: a) a de contato massivo


(aquela em que proporciona oportunidades de levar a pessoa ao teatro) e b) a de
formação crítica, que é mais perene, por criar espaços existenciais e plataformas
de atualização em artes cênicas. Neste último caso a pessoa respira teatro. Tem
a ver com as chaves de percepção e entendimento num mundo novo e admirável.
E essa pessoa acaba contribuindo, com sua adesão crítica, para a qualificação
desse mercado.

Belo Horizonte possui uma grande variedade de espaços de formação em artes


cênicas, que proliferam conhecimentos que concernem, em sua parte mais
significativa, às experiências estéticas deflagradas pelos coletivos de artes
cênicas: cursos técnicos, com duração que chega a três anos, cursos acadêmicos
com mestrado e doutorado, cursos de especialização, além daqueles das cidades
próximas, como Ouro Preto. Deve ser lembrada, ainda, a formação produzida
pelos próprios grupos teatrais. Zap-18, Caixa Clara, Espaço Ação do Zikzira
Teatro Físico e Galpão Cine Horto são alguns dos exemplos de grupos que criam
espaços de difusão e formação.

Acrescente-se a esse caldo de cultura os festivais, encontros e espaços de difusão


de obras, processos e procedimentos, como o Encontro Mundial de Artes Cênicas,
o Festival Mundial de Circo, o Festival Internacional de Teatro de Bonecos, o
Fórum Internacional de Dança, o projeto Verão Arte Contemporânea, o programa
Arte Expandida dos Teatros Municipais, o projeto Teatro.com da Fundação Clóvis
Salgado etc. Tudo isso gera uma cultura cênica em constante fermentação.

Em síntese, em Belo Horizonte são formados, continuamente, jovens artistas com


desejo de informação que tornam-se, muitas vezes e simultaneamente, público e
criadores. Isso contribui para o surgimento do que chamo de mercado outro. São
mercados emergentes, complexos, que envolvem a justaposição de áreas de
propriedades de direitos artísticos e intelectuais, de indústrias criativas, de
movimentos estéticos e ativistas e de movimentação cultural. Um exemplo disso
é o projeto Verão Arte Contemporânea, que já na sua Segunda edição, mistura
eventos com bilheteria e de apropriação estética, nas quais público e criadores
alternam-se e muitas vezes se misturam.

Por tudo isso e por muito mais, Belo Horizonte tem sido um lugar privilegiado
para o surgimento e a continuidade dos grupos de teatro e, num sentido mais
amplo, de artes cênicas. É que os grupos tornam-se espaços onde os artistas
encontram abrigo, deixando de ficar a mercê do produtor de mercado que está
ligado, obviamente, ao que chamo de primeira modalidade de associacionismo5.

Os grupos e os territórios

Como funciona o mercado na primeira modalidade de associacionismo, que é o


teatro em grupo? O artista fica esperando que um produtor e/ou diretor o
convide. Dou um exemplo bem distante: Thomas Richards (1995), que deu
continuidade ao trabalho de Grotowski, conta que antes de trabalhar no processo
Arte como veículo (uma radicalização da cultura cênica para além do espetáculo
mas que funciona como uma espécie de retroalimentação do mesmo) vivia
pulando de uma produção para a outra, tentando sempre entrar em contato com
um produtor ou diretor para que pudesse se colocar no mercado... Os grupos
modificam essa realidade. Criam um novo modo de produção. Eles reinventam o
teatro e o seu meio de vida.

O teatro de grupo é uma fonte de transmissão de conhecimentos e contribui,


como disse antes, para a força dos novos discursos cênicos. Veja que mesmo
diretores e encenadores que não possuem um grupo vez por outra encontram na
força dos grupos a potência para os seus discursos. Isso sem falar que os grupos
se organizam para a disputa de recursos, que desenvolvem uma ética da criação,
que enfrentam a questão dos espaços públicos, que podem criar modos
colaborativos de promoção da qualidade de vida nas grandes cidades
(recuperação de áreas degradadas com novos investimentos em sociabilidade).
Os grupos formam celeiros de criação, armazenando modos de transmissão,
criando uma massa de fermentação para novas idéias e novos procedimentos.
Não são apenas pessoas que se juntam por afinidades em torno de um modo de
ganhar dinheiro. Mais do que isso, elas se juntam para abrir processos
formativos.

Nesse aspecto, o grupo teatral tem uma função territorial importante: a


necessidade de produzir tanto a linguagem (espaço da criação cênica) quanto o
5
Talvez houvesse uma graduação entre produção comercial e teatro em grupo, sendo
este último, no caso, uma realidade menos comprometida com as conexões entre
estética, ética e potência coletiva. No entanto, não importa tanto uma categorização de
um possível real, mas sim a compreensão das forças que habitam cada modo de fazer
e criar.
treinamento dos atores. Por isso, posso dizer que um teatro de grupo tem sempre
um segredo. Essa é a sua força. E é desse modo, reinventando os corpos, que a
máquina de guerra do teatro de grupo pode funcionar na perspectiva de
modernização do teatro que falei antes a partir de Grotowski. Isso porque o ator,
diferentemente do bailarino, não está já imerso num campo de treinamento. O
ator/atriz foi desterritorializado quando o teatro separou-se da dança no
ocidente. Alguns dos teatros de grupo está juntando isso ao seu modo, no espaço
de cada experiência viva. Entretanto, a dança, por sua vez, está deixando o
território do treinamento: este a condiciona por demais. A dança
contemporânea, por exemplo, questiona o corpo pré-formatado pelos
treinamentos. Está indo fundo na questão: o que pode um corpo. Ninguém pode
pré-dizer. A dança contemporânea não busca um treinamento único. E o teatro
de grupo? Há experiências que contemplam um treinamento em e como criação.
Que estão dialogando com o campo desterritorializado da dança contemporânea.
Misturas interessantes estão ocorrendo...

Isso posto, entro numa análise micro-política (que não é menor que a macro-
política, até porque as minorias são numericamente superiores às maiorias). Os
pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997) dizem que estamos já e de
sempre, sobre a terra. Nesse plano que corre, a capacidade de invenção e
inovação estão do lado dos processos de desmaterialização (que fazem fugir o
território) e não de reterritorialização, para usar as ferramentas conceituais
desses pensadores. O problema é que você não tem uma coisa sem a outra: não
estamos diante de um novo binarismo, mas em vias de superá-lo. O truque está
em reterritorializar-se em processos desterritorializantes. A outra opção é
imperial: produzir e/ou capturar territórios (e necessariamente envolve a
separação, a distância, podendo exigir a destruição daqueles que ameaçam o
projeto de reterritorialização etc.).

Os grupos de teatro constituem necessariamente um meio territorial, tanto no


seu movimento interno (criação e treinamento) quanto nas questões relativas ao
financiamento e negociações com as esferas públicas e macropolíticas
(representações políticas etc.). Isso porque estão, obviamente, lutando pelos
espaços de sobrevivência dos coletivos. Esse é um aspecto importante também:
disputar esferas de influência, discutir prioridades de fomento cultural etc.
Entretanto, a força dos coletivos em arte, deflagrados pelas experiências mais
radicais do século 20, que alimentaram os discursos cênicos mais inovadores, não
está na reterritorialização dura, mas sim nas reterritorializações que abrigam
processos desterritorializantes. Ou, seja, cabe decidir se os grupos desejam (e
conseguem) manter a porta aberta, ou se repetirão as estruturas corporativas
(modo de reterritorializar-se no Estado), apenas fazendo a troca de guarda!

O terceiro tipo de associacionismo: os núcleos e coletivos de criação

Devo falar, agora, do terceiro tipo de associacionismo. Trata-se do processo


dinâmico das trocas inter-grupais e do aparecimento de formações mais
nômades. A dança contemporânea tem se beneficiado muito, em Belo Horizonte,
desse aspecto. Um bailarino dança no seu grupo ou companhia e cria um trabalho
solo, para depois unir-se a outros, sem prejuízo para nenhuma das formações. É
diferente do mercado em que o produtor detém o poder de colocação, ou do
grupo fixo, avesso às relações mais promíscuas. Ao contrário, eles inventam
espaços alternativos, vão para os interstícios do sistema do mercado das artes. E
o que é mais interessante: conseguem público. Melhor: passam a criar público.
Compartilham segredos, mas suas formas são mutantes, habitando a pura
velocidade. Falo dos núcleos de criação, da emergência do campo da
performance art em Belo Horizonte, das cenas híbridas, que são procedimentos
altamente desterritorializantes e, ao mesmo tempo, conectivos (podem se ligar e
se desligar a outras formações, com muita rapidez). Eles já estão aí, na cidade.
Os núcleos de criação são mais nômades, mais moleculares. E mais perecíveis
também. Mas isso não os incomoda: mudam de figura, somem de um jeito e
reaparecem de outro. A coisa fica mais promíscua e mais universal. Surge a figura
dos coletivos de criação, que diferentemente da criação coletiva dos anos 60, as
individualidades não desaparecem, mas antes se afirmam num processo que pode
Ter o encenador como o responsável pela mise-en-scène, mas num contexto
colaborativo. Renato Cohen (1998) foi um dos que, na sua obra Working in
progress na cena contemporânea, conseguiu imprimir esse zeitgeist (espírito de
época) da criação.

Não são pessoas jurídicas, não são empresas, não respondem por essas vias: o
violinista sobe no telhado mas desce, que ele não é bobo, diz Hakim Bey (2001),
o anarquista ontológico. São máquinas de guerra que não querem ser capturadas
pelo modo territorial de funcionamento. E como atuam no mercado? Com o
objetivo de produzir zonas de autonomia, agenciam projetos sociais e políticos,
aliam-se a empreendedores criativos e audazes. Contribuem, além disso, para
novos mapeamentos da economia da cultura. Alguns grupos de teatro acabam por
se organizar como núcleos de treinamento e criação, adotando estilos mais
híbridos, disseminando práticas menos corporativas.

Assim como o primeiro associacionismo era um teatro em grupo, o segundo tipo


que é o teatro de grupo começa a sofrer mutações que levam ao terceiro tipo,
aos coletivos. O termo tem a ver com o revide comunista para um mundo no qual
o capitalismo tornou-se hegemônico. Os coletivos surgem, além disso, em
contraponto aos grupos e companhias que se tornaram empresas estáveis e têm
seus compromissos de mercado, de público cativo etc. Não se opõem a eles,
apenas inventam outras saídas. Podem usar as bases territoriais desses grupos
para se protegerem ou se lançarem. E muitos grupos de teatro patrocinam ações
nesse sentido, renovando, desse modo, sua ação e suas próprias energias. Vários
artistas cênicos transitam entre uns e outros. A cena contemporânea, portanto,
apresenta uma mapa mais complexo, no qual novas formas de subjetividade são
inventadas.
A questão que atravessa e desafia os coletivos nômades, ao meu ver, é mais a
da esfera das competências. Ou seja, se conseguem produzir estados mentais,
numa alusão à chamada eficácia simbólica da antropologia, já que a acumulação
capitalista não lhes interessa. Quando o discurso ideológico ou o mesmo o
conceito está muito à frente, competências e habilidades técnicas podem diluir-
se totalmente. As máquinas de guerra das poéticas de experimentação, criações
híbridas e processuais, mesmo que operando em planos que diferem os estoques
clássicos da arte, tem que se haver também com a questão das habilidades. O
garoto que invadiu o campo num dos jogos da copra do mundo e foi perseguido
pela polícia executou sua ação a tempo de levantar a camisa e ser filmado e
fotografado com o escrito “no war”. Isso é um exemplo de eficácia, no caso do
ativismo político, que se mistura e se confunde com o evento espetacular.

Cabe dizer, ainda, que a realidade da produção cultural contemporânea não mais
funciona somente em teclas, do tipo "mercado ou não mercado", mas sim em
planos no qual você tem "mercado" e "não mercado" ao mesmo tempo,
misturados. O próprio FIT é um exemplo disso: dá cobertura a espetáculos de
configuração densa, fabricados em territórios bem definidos, assim como
espetáculos de encenadores que reúnem os artistas formados nesses espaços e os
misturam de uma só vez, como também acolhe e promove ações que favorecem,
mesmo não sendo o seu foco principal, o campo do nomadismo, das trocas
efêmeras e da performance art. Aliás, o FIT teve o mérito de trazer a Belo
Horizonte o grupo Générik Vapeur, que é, tanto do ponto de vista temático
quanto do ponto de vista da ação poética, a própria máquina nômade de guerra,
modificando totalmente o conceito de teatro de rua.

A interdependência de planos que se tocam

Pergunta-se pelas vantagens e desvantagens do teatro de grupo. Penso que as


desvantagens poderiam contar com aquilo que se opõe, aparentemente, à ação
coletiva, como a promoção individual, o trabalho solo etc. A outra opção seria o
teatro empresarial, que funciona com base na contratação de talentos
(principalmente da televisão), visando retorno de investimento mais rápido.
Nesse caso, não há como favorecer a maturação das linguagens e das forças
coletivas. Não há tempo para a pesquisa, experimentação e estabelecimento de
um processo formativo. O ator fica mesmo sem contato com aquilo que o
alimenta para além do espetáculo ou do resultado. Diz Grotowski
(SCHECHNERand WOLFORD, 1997) que o ator se torna uma pessoa sem rumo, sem
chão, à mercê de forças alheias, sem conexão com uma fonte de transmissão
cultural e artística. Porém, é fato que muitos artistas saem dos grupos e se
lançam nesse mercado. Pensam no dinheiro ou no sucesso etc. E aqui não vai
nenhum julgamento. São escolhas.

Fora das oposições excludentes (entre teatro de grupo e teatro em grupo, ou


entre teatro de pesquisa e teatro comercial), observo que muitos dos que atuam
isoladamente, mas com a busca de uma linguagem, em trabalhos solos, vieram
dos grupos ou por eles passaram, ou ainda contribuem para o incremento de
idéias e procedimentos dos grupos e coletivos. Há pesquisadores individuais que
participam de muitos grupos e núcleos, na forma de consultores ou mesmo
assumindo a direção cênica. Penso que está na hora de ver a interdependência
desses planos.

Os coletivos de arte não são capturáveis facilmente em categorizações. Apontam


para o porvir e renovam, continuamente, suas potências. Deleuze (2005) fala nas
forças da matilha (que estão simultaneamente no centro e na periferia, não
opondo indivíduo e grupo, mas diferindo da noção de massa, que visa à
uniformidade) e Antônio Negri e Michael Hardt (2005) em multidão.

Referências

COHEN, Renato. Working in progress na cena contemporânea. São Paulo:


Perspectiva,1998.
BEY, Hakin. TAZ: Zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad, 2001
DELEUZE. Gilles. Derrames: entre el capitalismo y la esquizofrenia. Tradução e
notas da Equipe Editorial Cactus. Buenos Aires: Editorial Cactus, 2005.
_____________. e GUATTARI. Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.
4. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997
DORT, Bernard. O Teatro e Sua Realidade. SP: Ed. Perspectiva, 1977
SCHECHNER, Richard and WOLFORD, Lisa (edited by). The Grotowski Sourcebook.
London and New York: Routledge, 1997.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. RJ: Editora José Olympio,
2002.
NEGRI, Antonio e HARDT, Michael. Multidão – guerra e democracia na era do
império. SP: Editora Record, 2005.
SCHECHNER, Richard and WOLFORD, Lisa (edited by). The Grotowski Sourcebook.
London and New York: Routledge, 1997
RICHARDS, Thomas. At work with Grotowski on physical actions. Preface and
essay Fron the theatre company to art as vehicle, by Jerzy Gotowski. New York:
Routledge, 1995.

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