"Sem Palavra - Racionais MCs"
Autores: Djalma Campos e Fran Oliveira
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Polêmicos? Pode ser. Radicais? Nem tanto. Racionais? Sim. A música de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, realmente, aponta para a racionalidade. Ao ouvi-la a viagem para o outro lado da “ponte” é inevitável. Em suas letras os guerreiros das zonas sul e norte da cidade de São Paulo fazem muito mais do que botar ritmo na poesia. O relato sobre si mesmos ou sobre fatos que, corriqueiramente, acontecem na periferia aparece com uma riqueza de detalhes capaz de deixar o mais talentoso roteirista de boca aberta. Crítico de si mesmo, Brown ora aparece contando sua própria história, ora se revela como um pregador com visão realista sobre o que acontece na sua e em todas as quebradas. Não, você não vai encontrar nas letras dos Racionais o remédio para todos os males. Para entender os Racionais é preciso ouvir com a alma e não com os ouvidos. Pare e preste atenção porque o papo é reto e a mensagem, mesmo que descrita por meio de parábolas, é direta e certeira como um míssil teleguiado.
Original Title
Livro "Sem Palavra - Racionais MCs" (17 páginas)
"Sem Palavra - Racionais MCs"
Autores: Djalma Campos e Fran Oliveira
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Polêmicos? Pode ser. Radicais? Nem tanto. Racionais? Sim. A música de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, realmente, aponta para a racionalidade. Ao ouvi-la a viagem para o outro lado da “ponte” é inevitável. Em suas letras os guerreiros das zonas sul e norte da cidade de São Paulo fazem muito mais do que botar ritmo na poesia. O relato sobre si mesmos ou sobre fatos que, corriqueiramente, acontecem na periferia aparece com uma riqueza de detalhes capaz de deixar o mais talentoso roteirista de boca aberta. Crítico de si mesmo, Brown ora aparece contando sua própria história, ora se revela como um pregador com visão realista sobre o que acontece na sua e em todas as quebradas. Não, você não vai encontrar nas letras dos Racionais o remédio para todos os males. Para entender os Racionais é preciso ouvir com a alma e não com os ouvidos. Pare e preste atenção porque o papo é reto e a mensagem, mesmo que descrita por meio de parábolas, é direta e certeira como um míssil teleguiado.
"Sem Palavra - Racionais MCs"
Autores: Djalma Campos e Fran Oliveira
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Polêmicos? Pode ser. Radicais? Nem tanto. Racionais? Sim. A música de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, realmente, aponta para a racionalidade. Ao ouvi-la a viagem para o outro lado da “ponte” é inevitável. Em suas letras os guerreiros das zonas sul e norte da cidade de São Paulo fazem muito mais do que botar ritmo na poesia. O relato sobre si mesmos ou sobre fatos que, corriqueiramente, acontecem na periferia aparece com uma riqueza de detalhes capaz de deixar o mais talentoso roteirista de boca aberta. Crítico de si mesmo, Brown ora aparece contando sua própria história, ora se revela como um pregador com visão realista sobre o que acontece na sua e em todas as quebradas. Não, você não vai encontrar nas letras dos Racionais o remédio para todos os males. Para entender os Racionais é preciso ouvir com a alma e não com os ouvidos. Pare e preste atenção porque o papo é reto e a mensagem, mesmo que descrita por meio de parábolas, é direta e certeira como um míssil teleguiado.
FOTOS GAL OPPIDO | KLAUS MITELDORF | KRIS KNACK RACI ONAI S SEM PAL AVRA s e m p a l a v r a TEXTO FRAN OLIVEIRA | DJALMA CAMPOS FOTOS GAL OPPIDO | KLAUS MITELDORF | KRIS KNACK RACI ONAI S SEM PAL AVRA A q u i n o , s A n g u e b o m! C i s t e m o q u e v o C s q u i s e r e m, e u C i s n o vA o t e r . . .
RACI ONAI S SEM PAL AVRA A q u i n o , s A n g u e b o m! C i s t e m o q u e v o C s q u i s e r e m, e u C i s n o vA o t e r . . .
Mano Brown RACI ONAI S SEM PAL AVRA A revoluo cultural vem da periferia. Sessenta porcento dos jovens sem antecedentes criminais j sofreram violncia policial. H cada quatro pessoas mortas pela polcia trs so negras. Nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos so negros. H cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em So Paulo. Essas palavras so do rapper Primo Preto e servem de abertura para a terceira faixa do CD Sobrevivendo no Inferno, do grupo Racionais MCS. Mais do que uma denncia elas ilustram uma situao que j se tornou comum no s em So Paulo uma das maiores metrpoles do Brasil mas tambm no resto da nao. Os negros que estatisticamente, constituem a maioria da populao no pas ainda no alcanaram a to sonhada democracia racial. O rapper termina as frases enunciadas acima com a seguinte citao: Aqui quem fala Primo Preto, mais um sobrevivente!. Um grito de alerta e, ao mesmo tempo, de indignao com a forma que os negros brasileiros so tratados tanto pela polcia como pelo sistema. No Brasil, os policiais recebem orientao para considerar, sempre, o negro como um cidado em atitude suspeita. O grau de popularidade que os homens da lei tm na jovem comunidade negra brasileira revelado em frases como no confo na polcia raa do caralho, do rapper Mano Brown; ou no polmico refro homens fardados eu no sei no, insistem e fazer justia com as prpria mos, se julgam os tais, os donos da razo do grupo de rap pernambucano Faces do Subrbio, na cano Homens Fardados. Oprimida por um sistema que no soube conduzir democraticamente a questo da educao no pas, a juventude negra minoria nas salas de aulas das universidades brasileiras. Num pas em que 60% da populao e composta por negros esta situao se constitui num grande paradoxo, para no dizer vergonha nacional e descaso das autoridades da rea de ensino. Ao negro brasileiro fcou relegada a pobreza e a violncia dos bairros da periferia. Mas, como diz o ditado: Se te derem um limo faa uma limonada. A raa negra est se organizando. da periferia dos bairros mais pobres e violentos do Brasil que est nascendo uma revoluo cultural, baseada numa fora que s os oprimidos conseguem buscar ou descobrir. Atravs da msica, da dana e da arte elementos presentes na cultura hip hop , os manos vm dando seu recado de inconformismo com a atual democracia racial. Porque, afnal, ser um preto tipo A (negro digno, orgulhoso de sua raa) custa caro. papo direto e reto RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA Polmicos? Pode ser. Radicais? Nem tanto. Racionais? Sim. A msica de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, realmente, aponta para a racionalidade. Ao ouvi-la a viagem para o outro lado da ponte inevitvel. Em suas letras os guerreiros das zonas sul e norte da cidade de So Paulo fazem muito mais do que botar ritmo na poesia. O relato sobre si mesmos ou sobre fatos que, corriqueiramente, acontecem na periferia aparece com uma riqueza de detalhes capaz de deixar o mais talentoso roteirista de boca aberta. Crtico de si mesmo, Brown ora aparece contando sua prpria histria, ora se revela como um pregador com viso realista sobre o que acontece na sua e em todas as quebradas. No, voc no vai encontrar nas letras dos Racionais o remdio para todos os males. Para entender os Racionais preciso ouvir com a alma e no com os ouvidos. Pare e preste ateno porque o papo reto e a mensagem, mesmo que descrita por meio de parbolas, direta e certeira como um mssil teleguiado. Quatro manos em busca de um mesmo objetivo: dar cara e voz a todas as quebradas do Brasil por meio da trilha sonora do gueto: o rap! Ao contrrio de Os Cavaleiros do Apocalipse simbolicamente esses cavaleiros trouxeram para o mundo o domnio, a guerra, a peste e a fome os Racionais querem, com suas mensagens, amenizar os problemas que acontecem nas periferias. Recentemente, na msica A Carne de autoria de Seu Jorge, Marcelo Yuka e Wilson Cappellette , a cantora Elza Soares diz que a carne mais barata do mercado a carne negra. E onde ela encontrada? Nos guetos, nas quebradas, no lado de l dos muros... Mas ainda d tempo de mudar isso. Oua os Racionais. Refita com os Racionais. E o melhor disso tudo que voc no precisa concordar com eles. Mas, uma coisa certa, depois de ouvi-los o mundo vai lhe parecer um pouco... diferente! Nesta entrevista concedida aos jornalistas Djalma Campos e Fran Oliveira no Green Express, casa de dana localizada no centro da cidade de So Paulo , as falas foram transcritas de acordo como cada um se expressou para manter a veracidade dos relatos. Em momento algum, isso no se revela como um desrespeito chamada lngua culta. So formas de falar e de se comunicar que acabam se transformando em dialeto da periferia. Mesmo porque periferia periferia em qualquer lugar! RACI ONAI S SEM PAL AVRA C omo voc analisam os casos de artistas do rap que esto cada vez mais prximos da grande mdia. Por outro lado, os Racionais seguem aparecendo em pouqussimos veculos de comunicao e concedendo rarssimas entrevistas... Mano Brown falta de f! falta de f! Eu resumo em trs palavras: falta de f. A, j era... Pode vir com ideologia do mundo inteiro que eu no acredito. falta de f. Eu acredito nos pretos. Acredito no que a gente pode fazer sem os caras. Com os caras, no acredito que nada vai ser igual. Ficar dividindo o dinheiro, o ambiente, dividindo o... Ih, mano... No cola! O que a gente fala no poder negro s pelo poder. poder negro com tica. poder de direito mesmo, de dominar. Poder... No como caras como o Belo, que um sujeito pardo e de periferia. [as pessoas] Dizem: rico, mas burro. Nis, no! A gente no precisa ser rico, mas burro nis no vamos ser. T ligado?! Aqui no, sangue bom! Cis tem o que vocs quiserem, eu cis no vo ter... Uma estatstica recente mostra que os homens vivem 8,5 anos a menos que as mulheres. E esta estatstica mostrou que So Paulo lidera os ndices de violncia, com a zona sul em destaque. Como voc, que se considera um sobrevivente, analisa isso? Mano Brown No morri, e no foi por falta de motivo. Acho que no tem lugar para todo mundo na zona sul, entendeu? uma peneira. No Capo Redondo [bairro da zona sul de So Paulo, onde Brown foi criado] tem muita gente. J ouvi gente que mora na zona sul falando que l tem gente demais. No tem lugar para todo mundo. As pessoas no agentam. RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA Na letra de uma msica de Nada Como um Dia Aps Outro Dia, voc diz que o mundo diferente da ponte pra c. Sugere que a zona sul faz parte de um outro mundo. Por que voc considera a zona sul de So Paulo um outro mundo? Mano Brown A zona sul um lugar frio. As pessoas no podem demonstrar emoo e nem sentimento por nada. No pode rir, no pode chorar. [as pessoas] Tentam ser mais discretas. L um lugar diferente. O ltimo lugar que o rap entrou foi na zona sul. Eles nem gostavam... A zona sul no gostava de rap! Por isso, os Racionais puxaram para o lado da zona sul no comeo, com msicas como Pnico na Zona Sul e tal, tal, tal. Foi o que ajudou. Mas era tudo fechado para o rap. Desde o comeo, as festas l parece que nunca pegaram. Para a gente fazer shows na zona sul demorou um tempo. A gente fez na zona norte, na zona leste, ABC... A zona sul foi o ltimo lugar que a gente fez show.
E foi a zona sul que moldou o Mano Brown que as pessoas conhecem hoje? Mano Brown Eu sou o que a zona sul . Os caras me conhecem. E quando a gente conheceu os caras, nis era diferente.
Voc v alguma soluo para melhorar o bairro do Capo Redondo? Bairros como Brasilndia e Cachoeirinha [na zona norte de SP] eram considerados bocas quentes anos atrs e hoje isso mudou. No so parasos de tranqilidade, mas so lugares mais calmos em relao ao que eram h 30 anos. J a zona sul, parece manter sempre altos nveis de violncia. Mano Brown Tranqilo estes lugares no so... Mas a zona sul parece que oferece mais oportunidade. No pra de crescer. L est cheio de shopping, esto asfaltando tudo, o metr est chegando l... Esto aparecendo mais oportunidades. E est indo mais gente para l. A zona norte parece no ter mais para onde crescer. T ligado?! L tem lugar para crescer. E a sul tem uma parte rica fudida. rica memo! Ela oferece oportunidade, mas tem mais gente do que oportunidade. Tanto em termo de crime como para quem quer trabalhar. Mas acho que l tem mais oportunidade de emprego do que pra c. Quem mora na zona norte tem que vir para o centro. De Santana para c, [a sada] [vir para] o centro. Da zona sul, para chegar ao centro uma caminhada. Tem muita rea para correr. Tem Vila Olmpia, tem Brooklin, tem Santo Amaro, Granja Julieta, tem as Marginais, tem a [avenida Luis Carlos] Berrini, Aeroporto... Tem uma p de quebrada de dinheiro.
Muitas pessoas no Capo Redondo se orgulham pelo fato de voc ter crescido na regio. Se orgulham tambm por morarem perto de voc. E se orgulham mais ainda pelo fato de voc no ter mudado de l. Por que, mesmo com possibilidades fnanceiras, voc nunca saiu daquela regio? Sua famlia no quer abandonar a zona sul? Mano Brown Acho que eu no saberia viver em outro lugar. Para mim virou um barato assim... Eu no tinha nada na vida e hoje tenho isso comigo: o bairro, o rap... O Mano Brown, o cara, o rapper, foi formado junto com o Capo Redondo. Capo Redondo, Brown, Racionais... tudo misturado. Hoje, o que eu sou Capo Redondo, rap, Racionais, entendeu?! Os caras me olham e me vem com um jaco da zona oeste [no dia que concedeu a entrevista, Brown usava uma jaqueta de um time de futebol com as iniciais da zona oeste]. Agora h pouco me perguntaram: E a, , t com jaco da zona oeste? Isto sou eu. como se no pudesse usar o jaco da zona oeste. Os caras [da jaqueta usada por Brown] so padrinhos de um time que a gente tem l [no Capo] e eu uso a roupa. Se uso algo com o nome da zona oeste, os caras j perguntam: P, zona oeste? RACI ONAI S SEM PAL AVRA RACI ONAI S SEM PAL AVRA Entendeu? Como que eu vou mudar de l? Eu vou ser sempre um estrangeiro fora. Eu no vou ser bem aceito fora. E vo pensar: Se veio para c porque o baguio no t bom para ele l. E l [se eu mudar] vo falar: P, mano, e a frmula mgica. [Em referncia letra da msica Frmula Mgica da Paz.]
Em Jesus Chorou [faixa de Nada Como Um Dia Aps o Outro Dia] voc faz uma autocrtica e canta uma letra onde mostra o que imagina que as pessoas pensam a seu respeito. Como surgiu a idia de fazer esta msica? Mano Brown No imagino. As pessoas pensam isso mesmo, e no s do Mano Brown, mas do [Ice] Blue, do Edi Rock, e do Klber [KL Jay]. Mais do Blue e de mim. Com os caras [Edi e KL Jay], talvez a cobrana seja um pouco menor. Eu acho. Tem cobrana, mas os caras tm um outro jeito de ser, moram num bairro um pouco diferente do nosso [na zona norte de SP]. Eu e o Blue, a gente vive num lugar que o seguinte... muito cobrana, muita, muita, muita, muita... Eu sei que as pessoas pensam aquilo que est na letra da msica. Se voc sai de l, voc paga um preo. Por fcar, voc paga um preo. E isso o incomoda? Mano Brown No! Incomoda um dia. Dois dias, no. Quando fz a msica eu estava incomodado. Ice Blue Na verdade, a gente vive num lugar que a gente tem que ter cuidado com tudo o que a gente fala. No podemos falar a coisa por emoo. A gente no pode demonstrar sentimento. Mostrar sentimento mostrar fraqueza. O cara chega para voc e diz: T rindo por qu? T facinho?
[para Ice Blue] H pouco tempo, as pessoas o criticavam por voc andar pela periferia com motos importadas. Como voc recebia essas crticas? Ice Blue Eu penso assim... Na zona sul, hoje, todos os moleques de 14 e 15 anos, da [Vila] Fundo ou no Vaz de Lima... Bom, se voc perguntar qual o sonho deles, eles vo dizer que um Golf vermelho GTI e uma moto 500 cilindradas. Cada um na zona sul, cada cara, cada favelado, tem uma viagem. Eu queria ter uma 7 Galo. Era meu sonho. Eu via os ladro dos anos 80, e p... Todo mundo de 7 Galo. Quando tive a oportunidade de ter uma moto, eu comprei logo a top [de linha], a [moto] que era dos malandro. A moto que os caras andam. O fulano do morro de cima tem um RR. Eu estacionava minha moto, com chave no contato, e ia trocar uma idia com os caras. Eu sempre quero andar despreocupado. Muitos fcam com esta conversa [de inveja], mas continuei andando nos mesmos lugares, nas mesmas favelas. No mudou nada.
E tinha muita cobrana? Ice Blue Se tinha cobrana, no sei... A gente tem que ser frio para algumas coisas. A gente no pode abraar a idia e fcar se limitando por causa dos outros. Voc tem que ser voc. Hoje, eu vejo que existem necessidades muito mais importantes do que ter uma moto muito louca para andar. E quais so suas necessidades hoje? Ice Blue Tem vrias... Tem vrias coisas. Se voc chega no hospital Campo Limpo, voc olha para as condies do hospital e... Eu me machuquei um dia destes, e os caras me levaram ao hospital. Mas eles no ofereciam condies de fazer um curativo naquele lugar. A, voc comea a pensar: P, voc ser humano e no vale nada. Qualquer coisa te atinge. Vem uma pedra dali e p... Acabou voc!!! RACI ONAI S SEM PAL AVRA