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O Brasil € hoje o maior pais de lingua portuguesa do mundo, com uma populagao que, na virada do milénio, girava em torno de 170 milhdes de habitantes. Mas o portugués, como todos sabem, nao nasceu no Brasil; ele foi implantado no continente sul-americano por efeito da colonizacao portuguesa, que comega, oficialmente, com o descobrimento da terra de Vera Cruz por Pedro Alvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Um dos objetivos deste livro é contar um pouco da hist6ria americana do portugués, mas para isso nao basta seguir a linha do tempo desde Cabral até hoje; é indispensdvel, ao contrério, voltar as origens. Quando comegou a lingua portuguesa? Essa pergunta poderia receber respostas muito exatas no século xix, quando as linguas eram encaradas pelos estudiosos como organismos que nascem, se desenvolvem, se reproduzem © morrem, a semelhanga do que acontece com os seres estudados pela biologia. Hoje sabemos que as linguas nao morrem (a nao ser quando desaparecem as populagdes que as usam — situagao pela qual passaram, infelizmente, algumas centenas de linguas indigenas faladas no Brasil & época do descobrimento); sendo entidades dindmicas, as linguas estio sempre mudando. Nao ha ruptura entre a lingua que os brasileiros falam hoje ea Hague falada em Portugal antes dos descobrimentos, assim como no ha ruptura entre o portugues lo tempo dos descobrimentos © 0 romance POrtUAUES, OU seja, A lingua romanica falada no norte de Portugal no final lo primeito milénio, O mesmo vale para o conjunto das linguas romanics 'M relagio ao latim. Assim, é com alguma arbitrarie wigens do portugues em torno do ano 1000. Na re leave Momento é a nagdo portuguesa, que a s le que situamos as ‘alidade, 0 que nasce a essa altura jA se exprime numa gua propria, distinta das demais linguas da peninsula ibérica Em suma, nio & possivel contar a historia do Portugués brasileiro lesconsicerando o periodo que va -gundo milénio até 1.500. Hauuoes clesse retorno no tempo ficarao claras no desenvolvimento deste Hmeiro capitulo e podem ser assim resumidas: * ft época dos descobrimentos, o portugues tinha caracterfsticas bem dlefiniclas, tanto em fonologia ¢ sintaxe, quanto em seu lexien Tinha sncontraco uma solueao propria para o problema de fixar uma Ortografia, e jd era a lingua de uma rica literatura. Tudo isso € o resultado de uma hist6ria intema e ce uma historia externa que nao pode ignoradas, Os linguistas falam de “historia interna” para relerit-se a mudancas ocorridas na propria estrutura da lingua (por Sxemplo, 0 desenvolvimento em portugués do tempo conhecelo Cer t0 80 subjuntivo”, desconhecido em outras linguas) ¢ de “historia externa” para referir-se a fatores no-linguisticos que lerim Peso na evolucto da lingua (por exemplo, a convivércia dle varios séculos entre 0 romance e o arabe, que explica o grande nilinero de palavras arabes presentes no léxico do portugués): * olhando para o passado, recuperamos a genealogia do Portugués, 4 comegar por seu antepa i : © latim. Voltar ao latim nao é um origem latina explica acteristicas do portugués, a comegar pela riqueza de suas ‘nto Nominais como verbais; além disso, voltar a lingua interior aos descobrimentos é a Gnica maneira de aquilatar até que Ponto © Portugués se enriqueceu, nao s6 no Brasil, mas nas novas lemmas a que foi levado (segao “A difusio do portugués através das conquistas ultramarinas”); * Por fim, olhar para a lingua anterior aos.descobrimentos thanuelinos C indispensavel para avaliar algumas hipéteses que procuram explicar idade do portugués brasileiro em face das outras variedades da mesma lingua: uma dessas hipoteses afirma que o 8 do Brasil (doravante pn) € mais arcaico do que o Portugués Suropeu (doravante ve); outras afirmam que ele traz catacteristicas Proprias da fala desta ou daquela regiao de Portugal. Nao seria Possivel compreender essas hipdteses sem ter uma icleia das fuses Pelas quais a lingua passou e sem acompanhar, ainda que Superficialmente, a expansio territorial do reino de Portugal e a Scupacao das tetras que ficam ao sul do Tejo. Un roueo oe wsronA © 15 : ataremos da por isso que, ao longo deste primeiro capitulo, trataremo: : ¢ i ibérica, com a chegada dos romanos, as historia cle Portugal e da peninsula ibériea, com a chegadla dos r ee invas6es germinicas, a ocupagao arabe, os movimentos de ae coe nda s tiveram na formacao do que chamamo squéncias que esses eventos tiveram na ° consequéncias qu oe eee “lingua portuguesa”. Num segundo momento, nos voltaremos fan atl levando em conta nao s6 0 papel do colonizador pees aes r 5 = ee ‘ populagdes indligenas, dos escravos africanos e do proprio ie ; ! i i" é iro’ que forjaram o que conhecemos hoje como pas ee | a erfamos deixar de apresentar, ainda qu : Nao poderfamos deixar ag a situagao dos outros paises lus6fonos e daqueles que as ae a situagao dos ° : 4 portuguesa, mostrando a diversidade ¢ 0 alc aut re ingu: = a 4 i issitudes hist6ricas ¢ is europeu e, por vicissit em um pequeno pais eur : i au descritas em tom €pico, é hoje a oitava lingua mais falada no As origens latinas do portugués Todos sabem que 0 portugués deriva do latim, a lingua da civilizacao : onais, jue teve como centro Roma antiga, € floresceu, para usar as datas tradicionais, q 7oMo C ie d ; ntre a fundagao da propria cidade por R6mulo (753 a.C.) e a deposigao do Prop: timo imperador, R61 Augtistolo (476 d.C.). A origem latina do portugués a (476 dC.) ig u or, Romulo : i foi cantada em vi des poetas, com Ges € Olavo Bilac a a srandes , como Cami i ‘erso por gt Para a maioria das pessoas, a palavra /atim faz pensar numa das tantas atérias que se estudav: 10s atras na esc é 1 entao na matérias qu udavam alguns anos atras ‘ola mca on ‘ gua que foi usac s ela Igreja Catélica até o Concilio Vaticano i cultos pela Igreja Catdli 0 Col lingua que foi usada nos cul (1962-1965). Nesses dois contextos, ainda eram estudados, respectivamente, o latim literdrio e o latim eclesidstico. Mas a variedade de latim que deu origem S Mas a vi k io tim eclesias i ao portugués (e as outras linguas romAnicas — ver o quadro a seguir) nao foi nem o latim literari latim da Igreja, mas sim uma terceira variedade, a io, nem o latim it onhecida como latim vulgar. Uma boa maneira de explicar em uma so palavra « que foi o latim ve iste em dizer que ele foi um verndculo. © que foi o latim vulgar cons: i A palavra verndculo caracteriza um modo de aprender as lingu i a A : : o aprendizado que se da, por assimilagao espontanea € incons: ee biente em que as sao criadas. A vernaculo opée-se tudo aquilo que lo ambiente em q\ pessoas €transmitido através da escola. Para exemplificar com fatos conhecidos, basta a 1c 0 leitor brasile! ene rmas verbais como eu fareie eu fizera, o 10 eu fa’ fizera, 1 q 01 iro pr i em construg6es como fa-lo-ei, dir-lhe-ia, tu ofizesteou Ninguém lho negaria. cK cdes, fa-lo-ei, dir-lh : Ib a parte da populacao brasileira que 2 ece chegou a elas pela escola, A d a que as conhece chegot opulagao brasil ; provavelmente através da leitura de textos literarios bastante antigos, pois no Brasil de hoje é quase nula a chance de que essas formas ou construcdes sejam 16 + © pomTuauts OA anvre usadas de maneira espontiines, Ao contedrio, qualquer erlanga assimila formas como eu vou fazer, eu tinha felto, eu vou fazer isso, eu diria isso para ele, ninguém negaria issoa eleinteragindo com os adultos diret: interferéncia da escola. Podemos resumir tudo isso dizencdo que somente as ultimas f nente, isto, sem formas so verndculas, ao passo que as primeiras no As origens remotas do portugués Ao dizer que o portugués deriva do latim, estabelecemos, indiretamente, suas origens linguisticas mais remotas: o latim foi um ramo do italico, que é por sua vez uma das ‘Subdivis6es do indo-europeu ocidental. Outras subdivisées do indo-europeu ocidental foram 0 grego, 0 celta (do qual derivou o galés), o protogermanico (do qual derivaram ‘o alemao, 0 inglés) e o balto-eslavo. Além do indo-europeu ocidental, existiu um indo- europeu oriental, que teve como descendentes o sanscrito e 0 hitita. O quadro abaixo 6 © que poderiamos chamar de “Arvore genealégica” do portugués. Ele nos permite identificar as principais relagdes de parentesco que o portugués mantém com outras linguas (essas relag6es referem-se as vezes a linguas mortas, isto é, linguas que nao tém mais falantes nativos, identificadas pelo simbolo ‘’): Portugués, Galego, Castelhano, Cataléo, Occitano, Francés, Rético ou Reto-romance, Italiano, Sardo, ‘fDalmatico, Romeno (tltalico) —, (tLatim) (tCéltico) Galés, Irlandés, Bretéo, Gaélico, Gaulés Albanés (tHitita) Indo-europeu| (7Grego antigo) Grego moderno: Baltico (Antigo Prussiano) Leto, Lituano Balto-eslavo ‘Ocidental: Tcheco, Esiovaco, Polonés etc. Oriental: Russo, Usraniano, Bielorusso ete. L_ Esiavo Meridional: Builgaro, Maced6nio, Serbo-croata, Esloveno etc. [— Oriental: (tGético) Germénico Nordico: Islandés, Noruegués, Sueco, Dinamarqués, Faroés ‘Ocidental: Alemao, Inglés, Flamengo, Holandés, Africaner Arménio -— Ianico: Persa ete, Indo-irdnico [—— Noroeste: Panjabi ete. LL Indo-ariano Leste e sudoeste: Guarajati etc. Centro: (tSanserito), Hind |___ Leste: Bengali etc. (tTocarioy

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