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BARCELONA
2009
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å. O inconsciente de Freud......................................... ..................... ...............................8
å.å. Inconsciente e linguagem em freudianos ................................................................. 9
å.å.å. A interpretação freudiana das afasias................................................................... 9
å.å.2. p p: a coisa, segundo Freud ................................... .................... ...............åå
å.2. A linguística de Freud...................................... .......................................................åå
å.2.å. Os sonhos e a sua interpretação: a formação mais autêntica do
inconsciente...................................................................................................................åå
å.2.2. A psicopatologia da vida quotidiana: investigação no âmbito linguística............å2
å.2.3. Os chistes: formações mentais sociais...................................... .........................å3
å.3. Inconsciente e linguagem segundo Lacan........................ .....................................å
å.3.å. O retorno da psicanálise à sua origem: pelo caminho da linguagem.................å
å.3.2. A linguística em Lacan....................................................... .................................å
å.3.3. Significante: constitut ivo do inconsciente e linguagem materializada ................å
å. . Língua, fala e linguagem .................................... ....................................................å
å.. O inconsciente e os seus mecanismos psicanalíticos e linguísticos.....................å8
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2.å. A dimensão simbólica do sintoma...................... ........................................ ............22
2.å.å. O sintoma e a figura paterna ............................................. ................................. .2
2.å.2. Metáfora paterna................................ ................................................................ .2
2.å.3. Declínio do pai: do moderno ao contemporâneo............................. ...................2
2.2. A dimensão real do sintoma........................................... ........................................29
2.2.å. A passagem d o nome-do-pai aos nomes-do-pai........................... .....................32
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3.å. Os sintomas actuais.............................................. ........................................... ......3
3.å.å. Os sintomas actuais como ³sintomas-gozo´....................... ................................3
3.å.2. A linguagem e os novos sintomas............................... ...................................... ..38
3.å.3. O último ensinamento de Lacan e o s novos sintomas............... ...................... ...39
3.å. . Os sintomas actuais: entre a linguagem e a alíngua, entre o simbólico e o
real............................................................................................................................ ..... 2
3.å.. O inconsciente real e os novos sintomas........... ................................................. 3
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± afirma que é tanto é possível
constatar as relações mais estreitas entre as duas disciplinas, como também os
desconhecimentos recíproco s de cada uma das áreas. Assim, cada capítulo da
dissertação deverá implicar uma discussão de diversos conceitos, tanto da linguística,
como da psicanálise.
Para abordar as questões relacionadas com est a interessante, embora
complexa e pretensiosa relação, investigaremos a estrutura de linguagem do
inconsciente segundo Freud e Lacan, mais precisamente quando este último, no seu
encontro com a Linguística e com Ferdinand de Saussure, defende que o inconsciente
é estruturado como uma linguagem, dando especial atenção a esta forma de
linguagem e à sua relação com as formações sintomáticas actuais.
Esta questão surge uma inquietação clínica, na medida em que, actualmente, o
diagnóstico, ao invés de orientar na direcção da cura, é cada vez mais difícil de
classificar, constituindo-se um desafio conduzir um qualquer tratamento clínico que
não responde às metamorfoses típicas da noção de sintoma, extrapolando os limites
da escuta clínica das estruturas, levando-nos a equacionar sobre uma nova forma de
praticar a clínica.
Os novos sintomas, por assim dizer, não têm a mesma configuração dos de
algumas décadas atrás, quando o paciente se queixava exaustivamente do seu
sofrimento ao analista, o qual supunha possuir todo o saber sobre o seu sintoma. Os
novos sintomas são ora muito silenciosos, ora muito falantes, mas nada demandam,
nada querem saber, eles simplesmente se apresentam, recusam o inconsciente, como
nos diz Lacan no seminário da
(200). As palavras do analista
dirigidas a estes sujeitos não têm ecos, não provocam associações, desvalorizando as
formações do inconsciente como os lapsos, os actos falhos, os relatos de sonhos , etc.
É como se o rasto que nos conduz à construção do inconsciente do sujeito
contemporâneo se estivessse a desvanecer. Há uma ³forclusão tecnocientífica da
subjectividade´, como chamou Ana Maria Figueiró (2003 ). A sessão de análise,
transforma-se, então, numa ³batalha´ exaustiva.
E daí surgem as questões: como trabalhar com um inconsciente que não se
manifesta? Como não deixar desvanecer o rasto que nos conduziria a ele? Se o
inconsciente é estruturado como uma linguagem, segundo Lacan, que linguagem é
essa que se apresenta nos novos sintomas? Esta é a questão que se pretende
investigar.
Facilmente observamos, não só na clínica, como também no nosso dia-a-dia e
na sociedade, que este é o mal -estar da nossa cultura. Observamos que se tratam de
sintomas que resistem a manifestar-se no discurso analítico, no discurso em geral,
comprometendo inclusive os laços sociais. Possuirão os sintomas uma linguagem sem
discurso que conduz, consequentemente, os sujeitos a procurarem respostas para os
seus sofrimentos quotidianos, tais como a obesidade, as compras compulsivas, a
depressão, o insucesso escolar, a violência, a fobia social, as drogas, os
relacionamentos monogâmicos, respostas essas encaradas como soluções actuais
para a angústia?
Para Lacan, a angústia é o único afecto do qual o sujeito não pode fugir, pois
ela surge para sinalizar que vai sempre haver a verdade da falta. E para colmatar de
imediato esse afecto, o sujeito , actualmente, procura soluções assintomáticas,
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Posteriormente aos seus estudos sobre afasias, Freud inicia outro tipo de
investigações, todos eles fundamentando a estrutura de linguagem do inconsciente,
pois todos os caminhos das suas pesquisas entram no campo da linguagem, como
forma de explicar o que falta ou falha no inconsciente.
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Raymond de Saussure, f ilho de Ferdinand de Saussure, durante os seus
estudos, faz a seguinte observação: ³O Sr. Freud, em Psicopatologia da vida
quotidiana, apresenta alguns casos de lapsos, que ele tenta explicar psicologicamente.
Parece-me que esse seria um novo campo de investigação para a linguística´.
(Raymond De Saussure Arrivè, å999).
Freud faz a primeira referência a um acto falhado numa carta que escreve a
fliess, em å898, utilizando o termo alemão ³fehlleistung´ ± ³operação falhada´ ,conceito
este que não existia no campo da Psicologia. Na sua 9 carta a Fliess, Freud afirma:
³finalmente compreendi uma coisinha de que suspeitava há muito tempo, o modo
como um nome às vezes nos escapa e em seu lugar nos ocorre um substituto
completamente errado´. (Freud, å98 ).
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& é o título do primeiro capítulo da obra
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. Numa revista de neurologia, em å898, Freud realiza
análises psicológicas aos casos frequentes de esquecimento temporário de nomes
próprios, baseando-se em exemplos da sua auto-observação. O autor defendia que
em consequência da ansiedade de se tentar recuperar um nome esquecido, outros
nomes surgem na consciência, impondo -se de forma pertinente, ainda que a falha seja
reconhecida de imediato. Trata -se de um processo de deslocamento que ocorre
quando se tenta recordar o que foi esquecido. Freud levanta a seguinte hipótese: ³é
que esse deslocamento não está entregue a uma escolha psíquica arbitrária, mas
segue vias previsíveis que obedecem a leis.´ (Freud, å98). O mestre, aqui,
estabelece, novamente, a relação entre a linguagem e o inconsciente, suspeitando
que o nome que emergia à consciência estaria, de alguma forma, relacionado com o
nome esquecido.
Um dos exemplos mais destacados por Freud acabou por da r origem à
publicação de um artigo seu, em å989. Trata -se de uma situação em que ele se tenta
recordar do nome do artista ! , mas apenas lhe vinham à consciência os
nomes de outros dois artistas, '
e '
. Partindo daqui, Freud empre ende
uma investigação com o objectivo de perceber a associação/ligação existente entre o
nome esquecido e os nomes substitutos, concluindo que o esquecimento do nome se
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Foi por influência de alguns professores seus que Freud se dedicou ao estudo
dos chistes, dando origem à obra |
, em
å90. Um dos primeiros exemplos que Freud destaca é o de uma personagem do
poeta Heinrich Heine, de origens bastante humildes, que se vangloria por ter sido
tratado pelo grande barão Rothschild como um Senhor: bastante ³familionariamente´.
Em relação a este termo, Freud refere: ³Aqui, a palavra veículo desse chiste parece, a
princípio, estar erradamente construída, ser algo ininteligível, incompreensível,
enigmático´. (FREUD, å99).
A utilização deste termo provoca confusão mas, em simultâneo tem um efeito
esclarecedor e cómico. Segundo um dos professore s de Freud, Lipps (å898), ³ o
primeiro estágio do esclarecimento, ou seja, que a palavra desconcertante signifique
isto ou aquilo é seguido de um segundo estágio, no qual percebemos que a palavra
sem sentido que nos havia confundido, nos mostra então o sent ido verdadeiro, essa
descoberta de que a palavra sem sentido, conforme o uso linguístico normal é a
responsável por todo o processo, essa solução do problema no nada, é apenas esse
segundo esclarecimento que produz o efeito cómico. ´ (Freud, å99).
Freud questiona-se: ³Em que consiste, pois, a técnica desse chiste do
µfamilionariamente¶? O que acontece ao pensamento, como expresso, por exemplo, na
nossa versão, de modo a torná-lo um chiste que nos faz rir entusiasticamente?´.
(å99).
Freud começa a trabal har na relação entre o chiste e o inconsciente,
abordando a forma como o processo decorre, e referindo que a formação do chiste
pode ser descrita como uma condensação e uma consequente formação de um
substituto. No exemplo em questão, o substituto forma -se através da produção de uma
palavra composta, ³familionar´, a qual é, por si só, incompreensível, porém
perfeitamente compreendida no seu contexto e provida de sentido, constituindo -se no
motor do efeito cómico do chiste.
Freud conclui que o processo de fo rmação dos chistes manifesta algumas
semelhanças com a ³produção onírica´, levando -o a estabelecer uma relação entre os
chistes e o inconsciente, tal como estabeleceu um relação entre os sonhos e o
inconsciente: ³Constatamos que as características e efeito s dos chistes ligam-se a
certas formas de expressão ou métodos técnicos, entre os quais os mais
surpreendentes são a condensação, o deslocamento e a representação indirecta.
Processos, entretanto, que levam aos mesmos resultados foram por nós reconhecidos
como peculiaridades da elaboração onírica. (Freud , å99).
Ao contrário do sonho, o chiste consiste numa função mental social que visa a
obtenção de prazer, assumindo um carácter inteligível: ³Está, portanto, preso à
condição da inteligibilidade; pode utili zar apenas a possível distorção do inconsciente,
através da condensação e deslocamento, até ao ponto em que possa ser reconstruído
pela compreensão de uma terceira pessoa´. (Freud, å99 ).
Aqui, mais uma vez, entramos no campo da linguística. Segundo Arrivè, a obra
de Freud sobre os chistes ³é uma verdadeira linguística freudiana, atenta a todos os
aspectos da linguagem´. (Arrivè, å999 ).
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Lacan discorda por completo desta ideia e para se contrapor a ela, retorna a
Freud e aos fundamentos da psicanálise freudiana, a qual considera o sujeito como
ser falante, sendo a fala e a palavra, a única via e o único instrumento,
respectivamente, capazes de permitir o acesso ao inconsciente. Estes fundamentos
inviabilizam quaisquer pressupostos biológicos e neurológicos, pois para o psicanalista
francês, não há uma relação entre o cérebro e o inconsciente, mas sim entre este e a
linguagem, como já vi mos.
Neste sentido, Lacan trabalha arduamente no sentido de, através da linguística,
trazer a psicanálise de volta ao seu campo de actuação original ± o da linguagem ± do
qual os analistas pós -freudianos se tinham afastado. Esta postura polémica de Lacan,
sem margens para ambiguidades, foi fundamental e determinante no posicionamento
da psicanálise até aos nossos dias e todo o seu trabalho se baseou nos pressupostos
analíticos de Freud e nos fundamentos linguísticos de Saussure, criando, assim, uma
nova teoria, a do inconsciente estruturado como uma linguagem.
Na defesa desta sua hipótese, e abordando a perspectiva freudiana do sonho,
onde ocorrem dois tipos de mecanismos ± a condensação e o deslocamento ± Lacan
retoma estes dois conceitos, equiparando -os a outros dois de carácter linguístico ± a
metáfora e a metonímia: ³São basicamente estes os elementos que Lacan utilizará
para fundar, bem como para apoiar, a analogia estabelecida entre o funcionamento
dos processos inconscientes e o funcionamento de certos aspectos da linguagem´.
(Dor, å992).
Em å90, Lacan afirma o que viria a ser posteriormente publicado em |
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: ³É preciso, sobre o inconsciente, entrar no essencial da experiência freudiana.
O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para constituir o
sujeito. O inconsciente não é uma espécie que defina na realidade psíquica o círculo
daquilo que não tem o atributo ou a virtude da consciência.´ (Lacan, å998).
Mais tarde, em å9 , no Seminário åå, o mestre francês afirma: ³O
inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o
precederam, mesmo as que o acompanhavam, mesm o as que o cercam ainda´.
(Lacan, å98).
Lacan, nesta altura, defende que o inconsciente é o discurso do Outro (o Outro
do próprio sujei to, que lhe escapa à consciência). Ao introduzir este termo, o autor
pretende demonstrar a dimensão simbólica do sujeito, o Outro da linguagem, o Outro
externo ao sujeito, mas que é sempre deveras determinante para este e que pré -existe
a ele. ³As necessidades do ser humano são nele completamente transformadas pelo
facto de que fala, pelo fa cto de que dirige demandas ao Outro.´ (Miller, å98 ).
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No decorrer do seu longo e dedicado trabalho, Lacan diz: ³A linguística é o
meio pelo qual a psicanálise se poderia prender à ciência´. O autor afirmou ainda:
³Uma oportunidade, contudo, que se oferece para nós, no que diz respeito ao
inconsciente, é que a ciência da qual ele depende é certamente a linguística, primeiro
facto de estrutura. Digamos que ele é estruturado porque é feito como uma linguagem,
que ele se desdobra nos efeitos de linguagem.´ (Lacan Coutinho, 2002 ).
Muitas vezes o sujeito utiliza a linguagem, falando sem saber o que dizem as
suas palavras, assumindo a linguagem um carácter subjectivo: ³Este algo totalmente
diferente institui -se fundamentalmente como o inconsciente que escapa ao sujeito
falante, porque dele está c onstitutivamente separado´. (Dor, å992 ). Esta é a dimensão
simbólica do sujeito, o qual é tr aduzido pela linguagem enquanto condição do
inconsciente.
Segundo Nóbrega (2002 ), os trabalhos que estabelecem uma aproximação
entre Saussure e Lacan apontam para as diferenças e semelhanças entre o
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sujeito, que não é da ordem da linguística, mas que Saussure em vários momentos do
CLG nos permite pensar nessa categoria quando usa o termo espírito em vários
capítulos, a saber: O valor linguístico, Relações sintagmáticas e relações associativas,
Mecanismo da língua, entre outros.
É no capítulo sobre a que Saussure fala do arbitrário
absoluto e do arbitrário relativo. Ele refere que apenas uma parte dos signos é
absolutamente arbitrária. Noutras partes ocorre um fenómeno que permite reconhecer
pontos no arbitrário sem o suprimir. E afirma: ³o signo pode s er relativamente
motivado.´ Neste sentido, ele dá o seguinte exemplo: ³Assim, vinte é imotivado, mas
dezanove não o é no mesmo grau, porque evoca os termos dos quais se compõe e
outros que lhe são associados, por exemplo, dez, nove, vinte e nove, dezoito, setenta,
etc.; tomados separadamente, dez e nove estão nas mesmas condições que vinte,
mas dezanove apresenta um caso de motivação relativa. ´ (Saussure, s/d).
Saussure vai defender que a noção do relativamente motivado implica dois
fenómenos: em primeiro lugar, a análise do termo dado, ou seja, uma relação
sintagmática e, em segundo, a evocação de um ou vários termos, ou seja, uma
relação associativa. Conclui ainda que, mesmo nos casos mais favoráveis, a
motivação nunca é absoluta, conclusão essa que nos permite pensar no movimento do
inconsciente como um fenómeno, como diz Saussure, que reconhece algo no
arbitrário sem o suprimir.
A arbitrariedade de que se fala no âmbito do signo linguístico de Saussure
refere-se ao laço que une o significante e o significado, não sendo este mecanismo da
ordem do natural. Desta forma, podemos afirmar que na língua só há diferenças. Este
é o princípio fundamental da linguística saussuriana. No seu Curso de linguística geral,
(s/d), Saussure afirma que a linguagem não é constituída essencialmente por nomes
dados às coisas e que também ela não é uma nomenclatura. O signo linguístico não é
constituído pela união de u ma coisa a um nome, mas sim pela união de um conceito a
uma imagem acústica. Se quiséssemos estabelecer uma relação fixa entre o objecto e
o signo, a linguagem transformar -se-ia num mero sistema de sinais, como acontece no
mundo animal.
Para concluir este capítulo, devemos concordar com Lacan quando ele afirma
que não pretende elaborar uma teoria do conhecimento, mas defende que as coisas
do mundo humano são coisas de um mundo estruturado em palavras e que a
linguagem, os processos simbólicos , governam tudo. O facto de o homem estar
integrado nos processos simbólicos de uma forma inacessível a qualquer outro animal,
não poderia ser resolvido em termos de psicologia, pois implica que tenhamos prim eiro
um conhecimento completo do que significa a ordem do simbólico.
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desenvolvidas por Lacan como sendo as leis dos significantes, através da sua leitura
de Saussure e Jakobson .
Para Freud, o sintoma nunca é simples; ele é sempre sobredeterminado, sendo
esse facto, para Lacan, somente concebível na estrutura da linguagem. A
sobredeterminação não é mais do que a sobredeterminação simbólica do significante,
ao nível do inconsciente, ou seja, é a articulação das cadeias significantes ao ser
decifrado o sintoma, isto é, ao fazer deslizar e desdobrar os significantes recalcad os
que a ele estão ligados. Nest a dimensão, o processo de análise é o processo de
deciframento da articulação significante, que ocorre no desdobramento e no
desenrolar das cadeias de associação de significan tes.
A associação livre, regra fundamental da psicanálise, faz -se pela via do
significante e não do significado. Para se chegar ao significado, o que importa é o
lugar do significante em relação a um outro significante. A psicanálise, então, opera
sobre o inconsciente, que dá prevalência ao significante. O significado não é mais do
que outro significante que, junto com o primeiro, retroactivamente, produz efeito de
sentido. Essa é a própria estrutura do significante. Na relação Så e S2, o sentido de
Så é fornecido por S2. É necessário sempre outro significante para rever o sentido do
anterior.
Desde o seu trabalho com a histeria, Freud encarou o sintoma como o efeito da
linguagem sobre o sujeito. , demonstrada no tratamento aplicado às
histéricas, mostra que o acontecimento traumático gerador do sintoma se modifica
quando nele se insurge a fala. Assim, sintoma e fala são homogéneos, ou seja,
partilham o mesmo campo: o da linguagem. Neste sentido, o sintoma seria a fala
aprisionada que, mesmo sendo libertada, não desaparece totalmente, havendo algo
nele que resiste, ou seja, um resto de satisfação que não pôde ser expressa, algo que
não pôde ser dito. Mais tarde, Lacan vai dizer que esse resto é da ordem do real,
impossível de ser dito.
O sintoma, como formação do inconsciente, estruturado como uma linguagem ,
segundo Lacan, acentua -lhe a condição humana, coloca o sujeito numa situação de
ruptura com o mundo animal. Lacan não reduz o sintoma ao campo simbólico, mas
afirma decididamente a supremacia da dimensão simbólica .
No seu retorno a Freud, Lacan tinha definido o sintoma como um constructo
originário de um signo mnémico da representação traumática, formado no inconsciente
ao interpretá-lo à sua maneira. O traumático acaba por ser o que se repete no
sintoma, para fazer surgir o significante da sua origem, significante este apenas
conhecido através de uma operação ao nível inconsciente, no discurso analítico.
Na conferência de Genebra sobre o Sintoma, em å9, Lacan afirma que
quando Freud realça que o sintoma tem um sentido, um sentido que se interpreta
correctamente, isso quer dizer que o sujeito re vela uma parte dele em função das suas
primeiras experiências, isto é, no facto de não poder falar sobre a sua realidade
sexual. E nesse momento ele cita o caso do ´pequeno Hans´ , quando este se dá conta
da própria erecção e vai encarná -la num objecto externo, num cavalo que vai e vem,
que dá coices e que é o melhor exemplo daquilo que ele tem que enfrentar, sem nada
entender, graças ao facto, diz ainda Lacan, de ele ter um certo tipo de pais. O sintoma
do pequeno Hans é a expressão, a significação, dessa recusa.
A recusa de Hans é o medo que ele tem dessa erecção que lhe acontece,
desenvolvendo assim uma fobia por cavalos. A fobia é o sintoma com o qual Hans
conseguiu traduzir a angústia perante o primeiro contacto com a erecção do seu pénis.
Hans não entende esse fenómeno devido aos pais que tem. Segundo Lacan, o
sintoma da criança pode representar a verdade do casal familiar. Esta é a primeira
versão do sintoma: o sintoma infantil está sempre relacionado com a verdade dos pais.
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O sintoma e a função paterna são conceitos fundamentais na teoria e na
prática psicanalítica de Freud e Lacan e destacam -se profundamente no percurso de
cada um deles, quer pelas suas mudanças de paradigma, quer pelas suas diversas
referências e também, principalmente , pelo facto de a teoria lacaniana ser permeável
ao cruzamento entre diferentes conceitos e épocas, cedendo às suas influências,
quando estas são pertinentes , mas também interpretando -a e aspirando a que a
Psicanálise vença.
O sintoma é um conceito freudiano ligado essencialmente à figura paterna,
absorvido do campo do Pai, ou seja, do campo do sentido. Surge como uma
mensagem dirigida ao lugar onde o Nome -do-Pai sustenta a relação impossível entre
o desejo e a lei.
É suposto que a psicanálise adquira a subjectividade própria de cada época.
Por este facto, é natural que assistamos a mudanças de conceitos entre a épo ca de
Freud e a de Lacan. Se observarmos com alguma atenção, podemos perceber que as
mudanças que têm ocorrido na clínica correlacionam -se com as mudanças na
subjectividade. E são estas mudanças que se manifestam nos novos sintomas, os
quais desconsideram por completo a figura paterna. Voltando atrás, o conceito
freudiano de sintoma está sempre ligado à figura paterna, ou seja, sintoma e pai são
metáforas.
Existe um dito romano citado por Freud, segundo o qual a figura paterna é
incerta e a figura materna é uma figura certa. Desta perspectiva, podemos considerar
o sintoma freudiano como o ³instrumento´ do qual o sujeito dispõe para lidar com a
incerteza do pai, sintoma esse que adquire as peculiaridades inerentes a cada
indivíduo.
O nascimento da psicanálise resulta precisamente da relação que Freud
estabelece, em å9å3, entre o sintoma histérico e a paternidade, aquando da
explicação por ele inventada acerca das o rigens do pai, registada na obra Ê
Ê . Essa invenção sobre a origem do pai resultou na co nsideração da figura paterna
como função simbólica. Segundo o mestre da psicanálise, o Pai começa com o
assassinato do pai, com a separação entre as dimensões real e simbólica, ou seja, a
função paterna apenas se revela através da negação da dimensão real do pai. Desta
forma, apenas através desta separação, negação, surge um vazio para ser preenchido
pela dimensão simbólica. A função simbólica do Pai permite interpretar a ausência da
dimensão real do pai, à qual Freud chamou de assassinato.
Importa referir que o pai real é totalmente distinto do pai simbólico, imaginário,
o qual assume características terríveis, assustadoras. Esta função está relacionada,
sim, com a palavra. A utilização da palavra, por parte do pai, torna -se necessária para
justificar a preservação dessa função, agindo este, assim, como agente efectivo da
castração. Esta função está relacionada com a autoridade que consiste no direito ou
poder de fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões e agir. O termo deriva da
palavra autor e remet e para a função de dar garantia de valor , aos outros, naquilo que
faz. A função do pai é , então, a de proporcionar segurança ao sujeito, pois de outra
forma, o sujeito fica à deriva.
Freud vinculou o nascimento da psicanálise ao declínio das religiões. Ele
constatou que as neuroses se multiplicaram a partir desse declínio. ³A autoridade do
pai e o seu poder sugestivo revelam-se, assim, como a resposta das religiões perante
a inconsistência interna dos seres humanos´, diz Gorostiza (200 ). O lugar designado
como Nome-do-Pai na psicanálise é idêntico ao o cupado por Deus -Pai na religião.
Para Freud, o pai é o representante e agente da renúncia pulsional que a
cultura e a sociedade exigem . Consequentemente , concebeu a função paterna de um
modo homogéneo, no eixo da proibição do incesto e do auto-erotismo. Desta forma, a
figura paterna assumiu, na sua teoria, um carácter fortemente hostil.
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2(
Em å9, aquando do seu seminário intitulado, ³As formações do inconsciente´ Lacan
é questionado sobre os assuntos que pretendia abordar no decorrer desse ano de
estudos. Lacan respondeu que ³esperava abordar questões relativas à estrutura´.
âLacan, å999). É desta forma que ele dá início ao capítulo chamado
. Obviamente que, como ele próprio diz, as questões de estrutura referem-se
às formações do inconsciente. Ou seja, ele pretendia estudar os enganos da
linguagem que todas as pessoas cometem diária e involuntariamente , as quais têm já
um carácter tão banal que ninguém se questiona s obre isso.
A noção de estrutura é central na obra de Lacan , na medida em que ela é
constantemente referenciada à estrutura de linguagem. Seguir a estrutura é comprovar
os efeitos da linguagem, diz Lacan em å90, numa entrevista a uma rádio , da qual
resultou o texto * , incluído na sua obra |
+ Este texto refere-se
essencialmente à forma como esta estrutura se relaciona com o inconsciente, pois é
apenas através do acto de falar que o inconsciente se manifesta e nos permite ter
acesso a ele.
Como foi dito anteriormente, s e o sintoma e o pai são metáforas, ambos são
significantes que vêm no lugar de ou tros significantes. A metáfora , de acordo com Dor
(å989), está presente nos atropelos do discurso como uma figura de estilo fundada em
relações de similaridade, de substituição. Neste sentido, trata -se de um mecanismo de
linguagem que intervém ao longo do eixo sincrónico (sintagmático), ou seja, um dos
eixos da língua para Saussure. A metáfora consiste, basicamente, em designar
alguma coisa através do nome de uma outra coisa. No sentido pleno do termo , é
considerada como uma substituição significante.
Segundo Lacan, no seu seminário número cinco, Ô ,
datado de å9, a metáfora paterna, que diz respeito à função do pai, é
a forma complicada como cada pessoa a utiliza, ou seja, é a forma singular como cada
um lhe vai atribuir um significado . No fundo, a metáfora paterna tem uma função
estruturante, na medida em que é fundadora do sujeito psíquico como tal.
Importa destacar que foi igualmente em å9 que Lacan começou a escrever
-
, começou a abordar os assuntos ³linguísticos´, ou seja, Lacan iniciou
nessa época o seu trabalho com a linguística, o qual teve como consequência o
surgimento da metáfora paterna.
Lacan acaba por formalizar a metáfora paterna com Jackobson, com base na
sua releitura do mito edípico freudiano. O mito é algo que demonstra àqueles que o
ouvem que já foi dito anteriormente tudo o que se podia dizer a respeito e que, como
tal, é inútil passá-lo à escrita, pois isso não o tornaria original. Se, na origem, se
colocam ³pai´ e ³mãe´, então nomear estas funções significa explicar o começo de
todas as coisas. Este é talvez o primeiro modelo de uma determinada comunidade
expressar a sua originalidade. O mito é popular, todos o conhecem, qualquer um pode
contá-lo, transmiti-lo. O mito representa o povo.
Lacan diz que numa cidade desprovida de mitos, cada significante se
representa a si próprio. Ao trabalhar com os mitos freudianos, Lacan impõe-lhes, como
diz Miller ( Pérez, 200), a exigência de representar algo que deve ser interpretado.
Impõe, ³portanto, (a exigência) de extrair a estrutura, cujo revestimento são os mitos´
(Pérez, 200). Nesta leitura dos mitos freudianos, Pérez acrescenta ainda que se
observa bem a forma como Lacan é influenciado por Freud: extrai dos seus mitos
fundadores a essência da estrutura, que se traduz n aquilo que determina a metáfora
paterna.
Lacan refere que a função do pai é ser um significante substituto do primeiro
significante, o significante materno. Neste sentido, trata -se de ³um princípio de
separação´. Tal substituição significa que a ligação ao pai substitui a ligação com a
X
mãe, intervindo o prim eiro no desejo da segunda . É a partir desta substituição, da mãe
pelo pai como significante, que se produz a referida metáfora. ³O papel da metáfora
paterna, substituindo o desejo da mãe pelo Nome -do-Pai é, assim, o de permitir um
acesso aos discursos, mediante uma perda de gozo. Não se trata aí, em termos
lacanianos, de nada diferente daquilo que a castração, em term os freudianos opera´.
(Skriabine, 200 ).
Se tomarmos como exemplo o jogo do . descrito por Freud, podemos
dizer que este consiste na ilustração mais explícita da realização da metáfora do
Nome-do-Pai no processo de acesso ao simbólico por parte da criança, isto é, a
simbolização do objecto perdido (Skriabine, 200 ).
A esse respeito, Freud afirmou: ³Certo dia, fiz uma observação que con firmou o
meu ponto de vista. O menino tinha um carretel de madeira com um pedaço de cordão
amarrado em volta dele. Nunca lhe ocorrera puxá -lo pelo chão atrás de si, por
exemplo, e brincar com o carretel como se fosse um carro. O que o menino fazia era
segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá -lo por cima das cortinas
da sua caminha, de forma que aquele desaparecia por entre as mesmas, ao mesmo
tempo que proferia o seu expressivo µo-o-o-ó¶. Puxava o carretel para fora da cama
novamente, por meio do cordão, e saudava o seu reaparecimento com um alegre µda¶
(ali).´ (Freud, å9).
Desta forma, o jogo consistia no desaparecimento e retorno do objecto;
praticamente apenas se via o primeiro acto, que era incansavelmente repetido como
um jogo, embora não houvesse dúvida de que o maior prazer estava ligado ao
segundo acto. A interpretação do jogo não apresentava mais dificuldades. O jogo
estava relacionado com os resultados de ordem cultural obtidos pela criança, com a
renúncia pulsional que tinha realizado (renúncia à satisfação da pulsão) para poder
aceitar as ausências da sua mãe. Esta, por sua vez, encontrava uma reparação, por
assim dizer, encenando ela mesma, com os objectos que tinha ao seu alcance, o
mesmo processo de µdesaparecimento-retorno¶. Assim, há neste jogo um duplo
processo metafórico. O carretel é uma metáfora da mãe, bem como o jogo presença-
ausência. Através deste movimento lúdico, a criança controla a situação que a
angustia: para não se sentir abandonada pela mãe, ela abandona-a simbolicamente
nessa operação. O jogo do
. ilustra precisamente a expressão lacaniana
³substituição significante´. O acesso ao simbólico por parte da criança através da
linguagem é signo incontestável do controlo simbólico do objecto perdido. Face a isto,
podemos dizer que a criança conseguiu mobilizar o seu desejo de ter a mãe junto de
si, para objectos substitutivos dessa falta.
Ao dizermos ³Nome-do-Pai´, tal expressão implica, por si só, que não se trata
apenas do ³pai´, mas também do seu ³Nome´; que essa categoria se refere a um
significante que, como tal, nomeia, é ³nomeante´, diz Lacan, é o ³pai do nome´, o qual,
se existir para o sujeito enquanto significante, representa aquele que cumpre a funçã o
e não necessariamente o pai biológico. Para Lacan, a função do pai estabelece-se ao
nível do pai real como construção e efeito de linguagem . Não é o pai da realidade:
³pois a realidade é outra coisa ( ...) Até poderia ir um pouco mais longe, fazendo-vos
reparar que a noção do pai real é cientificamente insustentável. Só há um pai real, é o
espermatozóide e, até segunda ordem, ninguém jamais pensou dizer que é fil ho de tal
espermatozóide. (Lacan,å992 ).
Retomando a questão da metáfora paterna, Lacan destaca que a fórmula da
metáfora é decididamente a troca de uma palavra por outra. Ele insiste em dizer que a
metáfora não resulta de dois significantes igualmente actualizados, como na
metonímia, mas sim de dois significantes em que ³um substitui-se ao outro, tomando o
seu lugar na cadeia significante; e o significante escondido continua presente pela sua
ligação (metonímica) com o resto da cadeia´ (Lacan , å998).
Na retórica clássica, a metáfora e a metonímia ligavam-se ao pensamento
lógico, como duas figuras de linguagem, em que o orador, quase sempre o poeta, se
tornava senhor da significação produzida. Lacan não concordava com esta ideia . ³A
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+&+&#%#
A psicanálise surge, como foi referido anteriormente, como uma oposição ao
saber científico e ao seu poder silenciador , defendendo que há um saber na dimensão
do real que não fala. O termo real, juntamente com o termo simbólico e o termo
imaginário, é um dos nomes com os quais Lacan designou os três registos que
estruturam a subjectividade. Estes termos têm um lugar de destaque em todo o seu
ensinamento, a partir da década de setenta .
Lacan denomina o registo do imaginário como o lugar das identificações, o
lugar do Eu, dos fenómenos como o amor, o ódio e o lugar das relações duais. O
simbólico é o campo da linguagem, do significante; é o registo marcado pela ligação
do desejo com a falta e a lei. O real é aquilo que resiste à simbolização. ³Seremos
levados a definir o real como o impossível´. (Lacan, å98). Lacan afirma ainda a
respeito do real: ³é o mistério do corpo falante, é o mistério do inconsciente´. (Lacan ,
å98). A partir daqui, Lacan vai cada vez mais priorizar o registo do real.
No seguimento deste trabalho , destaca-se uma outra forma de considerar o
sintoma, desta feita como algo que não funciona. Segundo Lacan, é como função de
significante que o sintoma se enuncia, situando assim um efeito bem particular do
simbólico no real. Uma leitura que nos dá a indicação da dimensão de real que existe
no sintoma, pois segundo o psicanalista francês, o sintoma é o que muitas pessoas
têm de mais real.
A psicanálise, em consonância com a ciência , trata do real, mas de uma forma
diferente. A psicanálise trata o real a partir do sintoma, pois este representa o real de
cada sujeito.
Através da histeria, causadora do nascimento da psicanálise, e do discurso
histérico, Freud pôde demonstrar que o sintoma tem um sentido, um sentido
inconsciente, ou seja, o sintoma diz alguma coisa, mesmo que o sujeito não se
aperceba disso. E não somente diz, como também serve a um fim de satisfação, uma
³satisfação real´, reconhecida p elo sujeito como um sofrimento. Os sintomas
pertencem à mesma ordem das formações do inconsciente, sendo, portanto,
decifráveis, e inscrevem-se na cadeia significante , permitindo uma interpretação dos
mesmos. Para além de decifrável, o sintoma é também um paradoxo onde o sujeito,
sem o saber, tem a sua satisfação sexual e também o seu sofrimento. Essa satisfação
real, reconhecida como sofrimento, é apontada por Lacan como a referência freudiana,
na teoria do sintoma, ao real traumático, que escapa à decifração do sintoma, pois o
mesmo não é somente manifesto e decifrável, ele tem um ³sentido profundo´.
(Vincens, å998).
Seguindo ainda Vincens, a interpretação de um sintoma implica sempre que se
perca o controlo sobre algo referente ao seu sentido. O acto obsessivo é uma prova
disso, o seu sentido escapa ao sujeito que se sente obrigado a realizar um a cto de
forma compulsiva. O sujeito queixa-se que esse acto não tem sentido para ele, é aí
que ele se divide e pode -se, então, iniciar um tratamento. Observemos: ³Freud, do
mesmo modo que para encontrar a significação dos sonhos começa pelo sonho
infantil, para o estudo da significação dos sintomas parte da neurose traumática. É q ue
nela pode-se ler de forma quase imediata a referência real ao sintoma, a sua
'
, que se reproduziria literalmente ao pé da letra no mesmo sentido do
sintoma. Na neurose traumática , o sentido e a significação do sintoma quase se
confundem.´ (Vincens, å998).
Na obra |
(å9å), Freud esclarece que:
³pelo caminho indirecto, pela via inconsciente e por antigas fixações, a libido
finalmente consegue achar sua saída até uma satisfação real ± embora seja uma
satisfação extremamente restrita e que mal se reconhece como tal´.
Com o objectivo de eliminar o recalcamento, a libido encontra as fixações
necessárias nas experiências do início da vida sexual, que, por ocorrerem numa época
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A partir do seminário XX, Lacan associa a fala ao gozo, quando afirma que o
ser, ao falar, goza. Mais tarde, Lacan diz que o sintoma é o modo como cada um goza
do inconsciente. Nesta perspectiva, o sintoma fica situado entre o simbólico e o real,
consistindo na ponte entre o inconsciente e o gozo.
É conhecida a complexidade em se delimitar, num sintoma, o que é da ordem
do significante e da ordem do gozo, pois a clínica demonstra -nos que não há uma
divisão clara entre ambos . Falar de sintoma é falar de um enunciado que é ,
simultaneamente, indizível. É a mensagem fundamental do sujeito, algo particular que
indica o seu modo de gozar.
Em ?% Lacan diz que ³o sintoma é real. É mesmo a única coisa
verdadeiramente real, é o que conserva um sentido no real. E é por esta razão que o
psicanalista pode intervir simbolicamente para o dissolver no real.´ (Lacan , å998).
Na clínica actual, deparamo-nos com dificuldades a que alguns autores
chamam de ³a clínica das suplências, onde a generalização do conceito de sintoma,
homólogo ao de forclusão generalizada, aproxima neuroses e psicoses, abrindo a
necessidade de construir uma nova clínica diferencial´. (Kruger, å998).
Um sintoma como gozo, na sua forma metonímica de se apresentar , faz
obstáculo à cura pela sua forma resistente e inerte de ser, pois não tem nada a dizer.
O gozo toma o valor ao que corresponde a parte do significado qu e não se realiza no
significante. Em !
(å998), Lacan diz que o sintoma é feito de
significação e fantasia, ou melhor, é uma articulação entre efeito significante e a
relação do sujeito com o gozo.
Nos sintomas actuais parece que até o próprio sintoma está for cluído. Este é o
grande desafio, lidar com estes fenómenos onde a tendência ao gozo tende a
eternizar-se, numa repetição interminável. É como se estes sintomas não fossem
sintomas no sentido analítico do termo, c omo se fossem constituídos para além do
sentido, sem relação metafórica com o conflito psíquico, manifestando resistência a
toda a interpretação. O sujeito fala sem implicação ou consequência alguma .
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·
é o sujeito do significante e este, por sua vez, representa um sujeito para outro
significante. O que o significante define é a sua diferença em relação a outro
significante, ³é a introdução da diferença enquanto tal, no campo, que permite extrair
da alíngua o que é do significante´. (Lacan , å98). O significante , insiste Lacan, é
signo de um sujeito e é nisso q ue ele se torna ser. E daí surge a questão central para
Lacan: O que é o cor po então? ³É ou não é saber do U m?´ (Lacan, å98). O saber do
Um, segundo este mestre, não é o do corpo, é o do significante Um, o do significante
mestre que estabelece a ligação do sujeito ao saber. No entanto, ainda segundo
Lacan, esse significante Um não é um significante qualquer, representa a ordem que
faz toda a cadeia subsistir, encarnando na alíngua aquilo que se manifesta indeciso
entre o fonema, a palavra, a frase e o pensamento.
0&å&<&
Jacques Alain Miller, genro de Lacan e responsável pela transcrição e
publicação dos seus seminários, foi o fundador da Associação Mundial de Psicanálise,
com sede em Paris. Essa instituição inclui diversas Escolas freudianas de orientação
lacaniana, em vários países. Todos os anos, Miller realiza um curso sobre um novo
seminário publicado de Lacan. O curso de 200 intitulou-se |$
* e aqui
ele faz muitas referências ao seminário 23, |
publicado em 200. Nest e
seminário, Lacan atribui uma ortografia nova à palavra sintoma que, segundo Miller, no
seu curso sobre o inconsciente real, não é mais uma formação do inconsciente, tendo
com este uma relação muito mais complexa e diferente.
O
, para Lacan, é o que há de mais singular em cada ser falante.
Neste sentido, podemos considerá-lo estruturado como alíngua, para não o deixar fora
da linguagem. Mais tarde, no seu seminário 2 ,
0 .# ainda não publicado,
mas citado por Miller nesse curso de 200, há uma outra inovação no seu último
ensinamento, quando refere que o inconsciente não é o que o sujeito tem mais de
singular, pois para o apreender ele teve necessidade de alojar o grande Outro. O
, nesta nova concepção, aloja-se no Um e Lacan define , neste seminário, o
UM pelo
, opondo este, como diz ainda Miller, ao inconsciente , ou seja, ele
introduz algo que vai para além do inconsciente.
No seminário |
no capítulo intitulado p
Lacan
afirma: ³É pelo fa cto de Freud ter verda deiramente feito uma descoberta que se pode
dizer que o real é a minha resposta sintomática´, acrescentando ainda: ³Digamos que
é pelo facto de Freud ter articulado o incon sciente que reajo a ele´. ( Lacan, 200).
Em 200å, no âmbito da comemoração dos å00 anos de Lacan, os seus
seguidores prepararam e divulgaram, em França, uma colectânea de textos, que
resultou no livro |
. No final deste livro, há um artigo intitulado ³
1
´, o qual Lacan inicia com as seguintes palavras:
³Quando o de um já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação),
só então temos a certeza de estar no inconsciente´. (Lacan, 2003 ).
Segundo Miller, a frase ³ 0 ´ pode ser distorcida no sentido de
significar que ³
# ´; no entanto, ele acrescenta que essa
proposição não é evidente, que precisa de ser trabalhada. O texto sobre o lapso foi
escrito logo depois do seminário | !
em å9.
Retornando a å9, nesta altura Lacan refere, em ³resposta ao comentário de
Jean Hypolite sobre a ( de Freud´ que, uma vez desprovido de toda a
manifestação simbólica, reaparece ³erraticamente´. Essas manifestações erráticas,
valorizadas na psicose, surgem já em Lacan no que ele chamou de ³real sem lei´, ou
seja, um real separado do simbólico e que o supera. Segundo Miller, o espaço de um
lapso refere-se a uma disjunção entre o inconsciente e a interpretação, afirmando que
··
há uma exclusão entre estas duas funções no que se refere ao inconsciente. Há uma
desconexão entre o significante do lapso e o significante da interpretação.
A intervenção psicanalítica é evidente no estabelecimento da transferência
como Så-S2, sendo Så o significante da transferência na sua ligação com S2, um
significante qualquer. Desta ligação, surge o sujeito suposto de saber, como
significado de determinado significante.
Quando Lacan coloca a questão do espaço de um lapso, o esquema Så-S2
muda de configuração, perdendo-se a ligação nele existente. O autor insiste que só se
tem certeza de que há inconsciente quando não surge essa referida ligação,
transferencial e isso muda tudo porque nega o inconsciente sob transferência.
A intervenção analítica, nes ta perspectiva, será realizada através da apreensão
dessa atenção no espaço de um lapso. E essa atenção, segundo Miller, condiciona a
associação. A associação livre, regra principal da psicanálise, apenas acontece se
houver um analista. O interveniente habilitado para fazer essa atenção funcionar é o
sujeito suposto saber, ou seja, a associação livre apenas acontece a partir da atenção
do analista, como se ele a ajudasse a emergir. Se assim acontecer, a associação livre
não é tão livre assim, ela liber ta uma verdade falhada, ou uma falsa verdade. Segundo
Lacan, não há verdade que , ao ser filtrada pela atenção, não minta. Neste sentido, o
protagonista não é mais o analista, mas sim o UM-sozinho.
Lacan, em å9, numa palestra nos Estados Unidos, afirmou que não estava
absolutamente comprovado que as palavras fossem o único material do inconsciente,
salientando que nunca teria dito que o mesmo fosse um conjunto de palavras. O que
ele quis dizer, nesse seu último ensinamento , era que existia alguma coisa q ue não
era um significante, mas que mesmo a ssim pertencia ao inconsciente, ou seja, aquilo
que ele acabou por denominar de objecto, objecto causa de desejo.
Esta nova forma de leitura do inconsciente, aparte do significante, muda a
definição de estrutura que, se antes era vista como somente organizada pelo
Simbólico, no último ensinamento de Lacan ela é entendida como um Simbólico
organizado por um Real.
Desta forma, a prática clínica desloca -se para a intervenção do analista com
base no intervalo da cadeia, ou seja, o que acontece entre Så e S2, o que acontece no
espaço de um lapso. A prática da psicanálise lacaniana , no seu primeiro tempo , tinha
como referência o retorno da articulação de Så e S2 , provocando um efeito de
verdade. O de um , do qual fala Lacan no livro | |
?
, retira
desse esquema o valor de Så sozinho, sem efeito de verdade; é o que acontece
quando não se atinge o sentido nem a interpretação, o Så fica desarticulado. Para
Lacan, a verdade depende da crença numa articulação. No seminário | !
(200), o psicanalista tenta afastar a psicanálise da crença na verdade, retirá-la dessa
posição.
Segundo Miller, a crença no verdadeiro é o que há de comum entre psicanálise
e religião, mas a verdade da psicanálise só tem uma palavra, o real. No 0 ,
Lacan defende que o verdadeiro está à deriva quando se trata do real.
Seguindo este raciocínio, podemos considerar que a estrutura do inconsciente,
no último Lacan, estaria no intervalo entre Så e S2? A prática analítica , neste sentido,
torna-se numa prática de atenção para uma leitura e não uma interpretação; trata -se
de um exercício de se ler o que está nesse intervalo. O inconsciente estaria
estruturado numa escrita existente nesse espaço de um laps o? Afinal, o que o
intervalo da cadeia impõe é da ordem do sem -sentido.
Assim, o desafio seria apreender esse sem -sentido e procurar fazer uma leitura
a partir daí, isto é, captar o real dessa língua, ou seja, captar a alíngua.
Na civilização actual, podemos constatar, retomando o pensamento de Miller
no seu texto
(200), referido anteriormente , quando o mesmo destacou a
existência de duas metáforas, a da agricultura pela indústria e a da natureza pelo real,
que poderia existir uma terceira metáfora, a da passagem da estrutura de linguagem
do inconsciente como simbólica, para uma outra estrutura com estatuto de real,
·A
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