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Não pode ser que alguém ame nessa proporção: não me cabe

nenhuma definição para o sentimento que sinto agora. É como se


juntasse todas as épocas – medieval, moderna, contemporânea – e
não encontrasse nenhum personagem que caracterize o que sinto por
esse homem. É um sentimento inexplicável, de perda e de dor, de
ganho e de alegria, de sucesso e de fracasso. É querer o tempo todo
como uma maldita parte do corpo: como um órgão indissociável que
me conduziria à felicidade suprema e ao declínio num só momento.
Rasga-me a garganta, suga-me os pulmões, seca-me os rins, fecha
meu estomago e meus olhos para a vida. Não sinto a fome, só a falta
da nutrição: não são de forma alguma a mesma coisa. Uma supre, a
outra nutre. Não tenho ambos – parece-me que esse sentimento
consome meu corpo e meus pensamentos, como um poder a um
homem.

Penso numa solução: a morte de ambos, talvez. Primeiro ele, por


minhas mãos, depois eu, por minhas mãos. É juntar corpo com corpo,
sintonia com sintonia, sangue com sangue, mas não como o tenho
feito nesses últimos tempos. É uma junção eterna: sem tempo, sem
relógio, sem domingos e feriados limitados por malditas segundas-
feiras que, a meu ver, merecem desprezo.

Quero o “para sempre”: minha cama quente todas as noites, meu


corpo suando junto ao dele, respiração ofegante, língua, tato, cheiro.
Mas não hoje e talvez amanhã ou semana que vem. Não a espera
incerta, não a insegurança que me aflige, que me consome e me
domina.

Suas mãos em meu corpo: sinônimo de prazer, de satisfação, de


sonho. Aquela maldita ânsia de querer continuar, de ter sede de vida
– uma vida com significado, não uma miséria, esperando do acaso
alguma sorte, todos os dias.

Suas pernas, formando um nó com as minhas. Ah, que sentimento de


conforto: um nó, uma aliança, uma algema que prende, que guarda
eternamente. Sua boca em meu pescoço, no canto dos meus lábios,
na minha nuca, nos meus olhos.

Minha vida, meu coração, minha alma: o sentido de minha existência.


O motivo de continuar, de estar aqui ainda, mesmo que não mais
mascarado pela faceta das histórias inventadas ou das teorias mal
feitas. Mesmo com o sentimento de estar só, de precisar de mais, de
saciar, de buscar muito mais que isso: é a esperança que me fixa a
este plano e me faz cada vez mais um ser que espera. Era minha
espera incerta, por Deus. Continua sendo agora, por ele, este homem.
Há diferença?

Não há crença, de minha parte, nos seres humanos: não haveria,


portanto, crença neste, só porque diferencia-se dos demais pelo
sentimento inumano que sinto por ele. Acredito na relação que meu
sentimento é capaz de enraizar, de fincar eternidade, de não ser um
homem temporal – humano, demasiadamente humano. Oh, isso não
pode acabar aqui, eu não quero acreditar nessa miséria, nessa
podridão. Mas, por outro lado, eu também o queria aqui comigo,
sempre. E isso não acontece. Porque a miséria haveria de ser mais
que miséria?

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