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RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONJUGALIDADE E

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS
Rolf Madaleno1
www.rolfmadaleno.com.br
SUMÁRIO
1. A responsabilidade civil 2. Responsabilidade civil
subjetiva e objetiva 3. Pressupostos da responsabilidade
civil 3.a. Ação ou omissão 3.b. Relação de causalidade
3.c. Dano material e dano moral 4. Os graus de culpa 5.
Abuso do direito 6. A responsabilidade civil no direito de
família 7. Afastamento da culpa na ruptura do casamento
8. A natureza jurídica dos alimentos 9. Os alimentos
compensatórios 10. Diferenças entre obrigação de
alimentos e a pensão compensatória 11. Responsabilidade
objetiva no direito de família 12. Constituição de capital
13. Bibliografia

1. A responsabilidade civil

Todo cidadão tem o peculiar dever de ressarcir qualquer conduta sua consciente,
que tenha eventualmente vulnerado e imposto um dano a outro sujeito, quer esta
violação decorra de uma transgressão contratual, quer se trate de responsabilidade
aquiliana, quando ausente relação jurídica entre o autor do dano e a vítima do ilícito.
Por conseguinte, ao agir no plano dos fatos ou dos contratos, todo ser humano tem o
dever de abster-se de causar qualquer comportamento lesivo para com as demais
pessoas, sob pena de ser civilmente responsabilizado em comando ao sistema normativo
por quebra de dever de conduta contratual ou imposto pela lei.

O fundamento da responsabilidade extracontratual ou aquiliana está centrado na


culpa do agente causador do dano, identificado pelo artigo 186 do Código Civil
brasileiro ao estabelecer que, pratica ato ilícito quem, por ação ou omissão voluntária,
1
Advogado e Professor de Direito de Família na Graduação e Pós-Graduação na PUC/RS. Diretor
Nacional do IBDFAM. Mestre em Direito pela PUC/RS.
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral. A responsabilidade extracontratual não se restringe unicamente à
culpa, mas inclui também a conduta dolosa do agente, quando ele teve a intenção de
causar o dano, e embora pudesse prevê-lo e evitá-lo, assumiu o risco com seu agir. Não
é nada fácil identificar os elementos fáticos caracterizadores do agir. Caio Mário da
Silva Pereira2 colaciona seu conceito sobre a culpa dizendo se tratar de um erro de
conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem,
sem a intenção de prejudicar, e sem a consciência de que o seu comportamento poderia
causá-lo.

Tem sido de consenso doutrinário conceituar a culpa como um erro de conduta,


que termina por lesar o direito alheio, entretanto, exige como contrapeso um padrão de
conduta, porque nem todas as pessoas agem da mesma maneira. Também há consenso
de que as ações humanas não respondem a um único padrão, e que as reações pessoais
levam em conta uma série de fatores internos e externos a serem considerados na
avaliação subjetiva da conduta de um indivíduo.

Conta Marcelo Junqueira Calixto haver sido albergado pela doutrina um


conceito de conduta mais próxima a ser observada por um bom pai de família nas
circunstâncias do caso concreto, em atitudes próprias de um homem prudente,
cuidadoso, vigilante e pontual.3 Um profissional sério e diligente, que trata os assuntos
alheios como se fossem seus. Mas, deve ser rejeitada qualquer fórmula pré-concebida e
abstrata de um homem prudente, diante da sua complexa subjetividade, e, porque a
prudência varia em cada pessoa, conforme sua maior ou menor habilidade, coragem,
experiência ou inexperiência, inexistindo um padrão único ou um standard de bom pai
de família. Basta recordar que a própria conduta da vítima interfere no desenrolar dos
acontecimentos e, desse modo pode contribuir para a execução do evento danoso, de
sorte que a culpa precisa ser avaliada no seu contexto em concreto.

2
PEREIRA,Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 1998, p.69.
3
CALIXTO. Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil, estrutura e função, Rio de
Janeiro:Renovar, 2008, p.12-13.

2
E definitivamente não existe um padrão exclusivo de diligência e de
razoabilidade, observando Anderson Schreiber4 ser cada vez mais difícil, frente às
complexidades da vida, com a especialização das atividades humanas e com o avanço
da tecnologia pudesse o julgador, isolado em seu gabinete, estabelecer o cuidado médio
que deveria ser elaborado em uma empresa ou na conduta do homem para encontrar em
sua decisão a definição de um padrão de diligência. Vivenciamos o fenômeno da
fragmentação do modelo de conduta e precisamos nos socorrer de uma orientação
plural de procedimentos técnicos de proceder, e de recomendações de entidades
especializadas nas áreas de aferição dos fatos.5

Uma avaliação moderna do significado de ser um bom pai de família pode ser
encontrado em uma pessoa razoável, que leva em consideração os interesses de outras
pessoas ao seu redor, cujos direitos não podem ser lesados a qualquer preço, e por isso
agir com cuidado e perícia, preocupado com o direito alheio. Se for preciso usa métodos
alternativos para alcançar propósitos lícitos, muito embora, a maior proximidade entre
as pessoas em decorrência do afeto, da amizade ou do parentesco, pode implicar em um
relaxamento desses cuidados, pelo excesso de confiança que une essas pessoas.

Portanto, na apuração judicial da culpa do agente o magistrado levará em


consideração uma valoração objetiva, ponderando critérios e valores pessoais, frutos de
sua formação e experiência de vida, e irá considerar um juízo genérico que qualquer
homem médio deveria adotar como norma de conduta social, de uma pessoa sensata ou
técnica, para a hipótese de oferecer seus préstimos profissionais na execução de alguma
tarefa com responsabilidade contratual.

Para configurar o ato ilícito devem estar presentes: i) uma conduta dolosa ou
culposa ilícita; ii) a existência de um dano material ou moral; e iii) o nexo de
causalidade entre a conduta e o dano.

2. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva


4
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil, da erosão dos filtros da
reparação à diluição dos danos, São Paulo:Atlas, 2007, p.39.
5
SCHREIBER, Anderson. Ob. cit., p.41.

3
A responsabilidade era fundamentada exclusivamente na teoria da culpa, que,
presente, obrigava a reparar o dano pela responsabilidade subjetiva. Dentro desse
prisma, o dever de o agente reparar o dano só se configurava se tivesse agido com dolo
ou culpa. Ao lado da responsabilidade subjetiva surgiu a teoria da responsabilidade
objetiva, ou do risco, pela qual, todo o dano deve ser indenizado, independentemente da
culpa, bastando estar presente o elo do nexo causal. Por vezes, a culpa é presumida e
nesses casos há inversão do ônus da prova, devendo a vítima apenas demonstrar a ação
ou omissão do agente e o dano dela resultante, salvo que o demandado comprove a
culpa exclusiva da vítima ou a ocorrência de força maior. A teoria da responsabilidade
sem culpa proclama a reparação do dano por uma crescente necessidade de socialização
do direito, não importando se o agente agiu com acerto ou desacerto, pois acima dos
interesses individuais devem ser garantidos os interesses sociais. O ponto de partida da
socialização do direito está na denominada solidariedade social, cujo suporte fático é a
pessoa humana e a defesa de sua dignidade. Seu propósito é o de reduzir as
desigualdades sociais e o desequilíbrio existente na qualidade de vida das pessoas. Leva
em conta a vulnerabilidade da pessoa humana e a melhor tutela dos direitos da
personalidade quando surgir qualquer conflito entre uma situação jurídica material e um
direito existencial.6

Na teoria do risco a prova da culpa é totalmente prescindível, bastando


demonstrar o nexo causal entre a ação do agente e o dano, pois a noção de culpa é
substituída pela ideia de risco e o dano é reparado em razão da atividade realizada pelo
agente causador, por conta do benefício que extraí em seu proveito ao assumir uma
atividade de risco calculado. A culpa não é suficiente para abarcar todas as hipóteses de
responsabilidade e, embora o Código Civil brasileiro tenha adotado a teoria subjetiva da
responsabilidade civil, construída na idéia de ocorrência de culpa ou de dolo, o sistema
legal brasileiro também acolheu a teoria da responsabilidade objetiva em diversas
passagens do Diploma Civil, e em outras leis esparsas, como por exemplo, o risco
proveniente dos contratos de transporte. Portanto, a culpa isoladamente, não é suficiente

6
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana, uma leitura civil-constitucional dos danos
morais, Rio de Janeiro:Renovar, 2003, p.120.

4
para regular todos os casos de responsabilidade civil,7 e por isso não exclui uma
ampliação dos casos de dano indenizável que surgem com a teoria da responsabilidade
objetiva.

3. Pressupostos da responsabilidade civil

Quem por sua ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar


direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e ao
causar um dano deve repará-lo. Os pressupostos de caracterização da responsabilidade
civil são: a ação ou omissão; a culpa ou dolo do agente; o nexo causal e o dano sofrido
pela vítima.

3.a) ação ou omissão

A responsabilidade deriva de ato próprio, de ato de terceiro, como nas hipóteses


dos danos causados por filhos, tutelados ou curatelados, pelos empregados, prepostos,
hóspedes e agentes públicos, assim como o dano pode ser causado por coisas ou animais

3.b) relação de causalidade

O dever de reparar o dano depende da existência do nexo causal entre a conduta


do agente e o resultado danoso. Para que surja o dever de indenizar deve existir um elo,
uma relação de causa e efeito entre o dano sofrido pela vítima e a conduta ilícita do
agente, pois se a causa do dano não está relacionada com o comportamento do agente,
resta ausente a relação de causalidade e a obrigação de indenizar. Existe uma
pluralidade de teorias buscando explicar o nexo causal que deflagra o dever de
indenizar, sendo imprescindível demonstrar essa vinculação entre o ato e o resultado
danoso para efeito de responsabilidade civil, de sorte que o dano não existiria se não
fosse pelo ato doloso ou culposo do agente ao qual o ato é necessariamente atribuído. A
jurisprudência tem relativizado o nexo causal ao adotar suas mais diferentes teorias para
legitimar o ressarcimento dos danos sofridos pela vítima, criando a expansão do dano

7
GONÇALVES, Carlos Roberto. (Coord.) AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Comentários ao Código
Civil, São Paulo:Saraiva,v.11, 2003, p.30.

5
ressarcível8 e, no direito de família tem restringido sua incidência pelo temor na
banalização das relações de afeto.

3.c) dano material e dano moral

O dano a ser reparado pode ser material ou meramente moral, mas só o efetivo
prejuízo proveniente de ato ilícito do agente deve ser civilmente reparado, pois
nenhuma indenização poderá ser exigida, apesar da violação culposa ou dolosa de um
dever jurídico, se deste ato não houve qualquer prejuízo. O dano material é aquele que
afeta exclusivamente o patrimônio da vítima e representa o ressarcimento do bem
jurídico lesado e que pode ser quantificado economicamente, ao passo que o dano moral
ou imaterial, consolidado pelo artigo 5°, V e X da Carta da República, não tem como ser
economicamente mensurado e tem por objetivo ressarcir qualquer sofrimento ou
incômodo humano que não é causado por perda em pecúnia.9

4. Os graus de culpa

Embora o Código Civil não faça nenhuma distinção entre as medida de culpa
para efeito de reparação do dano, ela tem sido classificada em três diferentes graus:
grave, leve ou levíssima. A culpa grave revela um erro de conduta grosseiro e absoluta
falta de cautela, quase se aproximando do próprio dolo eventual, que acontece quando o
agente assume o risco de produzir o resultado danoso, ainda que não o deseje, Contudo,
na culpa grave, inexiste a intenção e tampouco o agente assume intencionalmente o
risco de produzir o dano, mas seu agir, no entanto, carece da percepção que qualquer
pessoa seria capaz de verificar, para evitar o dano. A culpa grave decorre da violação do
dever de diligência exigido de uma pessoa de média inteligência e seu grau de
negligência vai ao extremo da inconsequência, como no exemplo de um motorista
embriagado. Na culpa leve, o erro de conduta não seria cometido pelo ser humano
prudente e a culpa levíssima seria aquele desvio de conduta que nenhum diligente pai de
família causaria. Marcelo Junqueira Calixto exclui qualquer relevância à culpa graduada
como levíssima, pois se a falta de um mínimo de diligência já seria suficiente para gerar

8
SCHREIBER, Anderson. Ob. cit..,p.75.
9
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República, Rio de Janeiro:Renovar, 2004, v. I, p.335.

6
a responsabilidade do agente, mostra-se totalmente irrelevante distinguir a culpa
subjetiva da responsabilidade objetiva,10 até por que, é sabido que o maior ou menor
grau de culpa não interfere no montante da indenização devida à vítima, que tem direito
ao integral ressarcimento do dano sofrido, embora o artigo 944 do Código Civil autorize
o juiz a reduzir equitativamente, a indenização se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano.11

5. Abuso do direito

Conforme prescreve o artigo 187 do Código Civil, também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. O abuso do direito
nasceu da prática jurisprudencial, com o intuito de reprimir os atos que, não obstante
praticados com estrita observação da lei, violam o seu espírito. 12 Trata-se de uma
conduta lícita, contudo o seu exercício se mostra abusivo e desconforme com a
finalidade da lei, por que de nada adianta ater-se à estrutura formal da lei se pela via
reflexa o agente desvia de seu fundamento axiológico, como corrente exemplo sucede
no desvio de finalidade pelo uso abusivo da personalidade jurídica, que deve ser
episodicamente desconsiderada quando o sócio ou a sociedade se desviam dos fins
sociais do contrato para fraudar direito de terceiro. A doutrina do abuso do direito
dispensa a existência de culpa e decorre do dever que todo cidadão tem de ressarcir o
dano que causa ao direito de outrem quando abusa de um direito. Observa Carlos
Roberto Gonçalves que o instituto do abuso do direito é destinado a reprimir o exercício
antisocial dos direitos subjetivos e, portanto, tem aplicação em todos os campos do
direito.13

No direito de família abusa do direito o cônjuge que extrapola em sua defesa


processual, valendo-se de subterfúgios para protelar o tempo de inadimplência de seu
dever alimentar e causar com essa atitude, dano moral e material do cônjuge credor dos
alimentos ao deixá-lo deliberadamente sem recursos para enfrentar suas despesas
10
CALIXTO, Marcelo Junqueira. Ob. cit., p. 116.
11
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob. cit., p.301.
12
TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit.,
p.341.
13
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob. cit., p.297.

7
ordinárias, perdendo, inclusive, sua moradia pela cobrança judicial do condomínio,
resultando na expropriação de sua moradia e na inclusão de seu nome no cadastro dos
serviços de proteção ao crédito. Sem esquecer toda a exposição e humilhação pública
sofridas pela intolerância dos demais condôminos do imóvel, tudo isso conjuminando
para que o consorte atingido em sua honra e dignidade pessoal, e que também sofreu
perdas materiais com o leilão de sua habitação, ingresse com processo de reparação dos
danos morais e materiais sofridos pelo abuso do direito de defesa do seu ex-cônjuge.

6. A responsabilidade civil no direito de família

O direito de família ainda não tem nenhuma simpatia para com a doutrina da
responsabilidade civil, e o Código Civil brasileiro mantém um conveniente silêncio
acerca da responsabilidade civil nas relações familiares. Como tem acontecido na
maioria das decisões judiciais, a reparação civil tem sido afastada das relações
familiares, especialmente no tocante ao dano moral. Importava realçar no tradicional
direito de família, a defesa da sua estabilidade e da hierarquia na sua estrutura, cujos
preceitos apontam na direção oposta aos princípios da responsabilidade civil.

O Código Civil teria remédios específicos para causas concretas de danos entre
familiares e boa parcela da doutrina argumenta que o rompimento dos casamentos pela
infração dos deveres conjugais deve ser apartado das regras de responsabilidade civil,
porque a legislação já prevê sanções próprias diante da culpa conjugal na falência do
matrimônio e a única consequência jurídica da quebra de algum dever nupcial é a sua
absorção como causa da separação judicial.14

Certamente, o afeto é a nota característica do direito de família e deve ser


encontrado em todas as modalidades de relacionamentos familiares, seja no casamento,
na união estável, e nas demais conexões entre pais e filhos. Esses vínculos representam
a exteriorização de cada um dos projetos de vida idealizados pelas pessoas que
constituem suas ligações baseadas no amor e no afeto. São realidades construindo os
nós afetivos com vocação de permanência, embora precisem aceitar eventuais fracassos
extinguindo vivências projetadas para uma existência vitalícia.

14
GUITIÁN, Alma Maria Rodríguez.Responsabilidad civil en el derecho de família:especial referencia
el âmbito de las relaciones paterno-filiales, Navarra:Thomson Reuters, 2009, p.25.

8
O casamento e a união estável não representam vínculos inquebrantáveis, e
embora o contexto sentimental que una duas pessoas tenha essa expectativa, essas
relações podem persistir por maior ou menor tempo, mas ninguém poderá considerá-las
permanentes, a ponto de não se sujeitarem à ruptura pelos mais variados motivos,
inclusive pelo adultério, que é um fato previsível, não se justificando qualquer
indenização, senão nos casos excepcionais de uma situação vexatória e de enorme
repercussão social, suficientemente escandalosa para ultrapassar os limites do
desgosto pessoal causado pela conduta do cônjuge adúltero.15

Na Alemanha, não foi admitida a indenização por dano moral (Schmerzensgeld)


pelo descumprimento do dever de fidelidade ou de qualquer obrigação do casamento, e
tampouco o terceiro que se intromete na vida conjugal pode ser acionado por dano
moral, pois não seria concebível que o cúmplice respondesse mais que o próprio
consorte.16 E, principalmente, porque o direito de divórcio alemão está sustentado no
princípio da ruptura conjugal, e se fosse permitido indenizar entre os cônjuges no
direito de família alemão, estaria sendo reintroduzido o princípio da culpa. No
direito alemão o dano moral só pode ser ressarcido em face de violação ao corpo,
saúde ou liberdade.17

Para os defensores da preservação da paz familiar não há espaço no direito de


família para a incidência de qualquer reparação pecuniária, tratando-se de um ramo
especial do direito privado, onde já existem penalidades próprias previstas em lei e
endereçadas aos responsáveis pelo fracasso conjugal, não havendo como enxergar
qualquer conduta irregular e qualquer ato ilícito capaz de ensejar a genérica
responsabilidade dos artigos 186 e 927 do Código Civil. O casamento e a união estável
dependem de afinidades sentimentais dos cônjuges ou companheiros e ambos os
15
Trecho do voto relatado pelo Des. Maia da Cunha na 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, na
Apelação Cível n°361.324.4/7, com o seguinte acórdão: “Dano moral. Adultério. Circunstância que, em si
mesma, salvo excepcionalidade inocorrente na hipótese, não acarreta dano moral indenizável. O
relacionamento extraconjugal é apenas a consequência de uma união cujos sentimentos iniciais não
perduraram no tempo, dando ensejo a que outros se sobrepusessem e levassem algum dos cônjuges ou
companheiros à relação afetiva com outras pessoas. Considerações e jurisprudência deste TJSP.
Improcedência da ação que se impõe. Recurso dos réus provido e prejudicado o da autora.”
16
GUITIÁN, Alma Maria Rodríguez. Ob. cit., p.29.
17
ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A reparação de danos morais por dissolução do vínculo conjugal
e por violação dos deveres pessoais entre cônjuges, São Paulo:RT, Revista de Jurisprudência da RT 802,
p.18/20.

9
institutos estão sujeitos ao término dos relacionamentos na prática cotidiana das
relações humanas,18 constituindo-se em uma temeridade para a harmonia familiar a
monetarização da quebra dos relacionamentos.

Conforme Sérgio Gischkow Pereira, essa tendência de vislumbrar em tudo a


possibilidade de especular o dano moral está se tornando perigosa, por se pretender
monetarizar todas as relações sociais ao divinizar o lucro e sacralizar a moeda, em uma
competição desenfreada, e se assim continuar, restará ao ser humano buscar no seu
semelhante apenas uma fonte de renda.19

Eram os tempos da unidade familiar centrada em uma estrutura hierarquizada, e


controlada pelo domínio do marido, chefe e provedor da sociedade conjugal. Também
justificava a imunidade ressarcitória entre os esposos, o temor pelo perigo de
proliferação de demandas triviais e o aumento dos conflitos judiciais familiares,
desestabilizando a paz e a harmonia da família com ações sem nenhuma importância,
cuja serventia se reduziria para dar vazão a desgostos e contrariedades pessoais.

Porém, essa imunidade vai sendo reduzida diante da tendência do valor


conferido constitucionalmente aos direitos individuais das pessoas e do respeito à
autonomia de vontade nas relações conjugais e familiares. A visão atual do
desenvolvimento da personalidade e da autonomia do sujeito familiar, com realce para
valores como a igualdade dos cônjuges, e o da concepção do poder familiar, a outorgar
a função dual de pai e mãe, e os novos modelos de constituição familiar, trazem para o
direito familiarista os princípios do direito ao ressarcimento de danos.

Embora ainda presente no ordenamento jurídico brasileiro um princípio de


imunidade da responsabilidade civil nas relações familiares, é fato incontestável
que recentes decisões judiciais parecem estar rompendo essa imunidade da família,

18
Voto vencedor declarado pelo Desembargador Maia da Cunha na Apelação Cível n. 465.038-4/0, da 4ª
Câmara de Direito Privado do TJSP, j. 29.05.2008, com a seguinte ementa: “Dano moral. Adultério.
Circunstância que, em si mesma, salvo excepcionalidade. Inocorrente na hipótese, não acarreta dano
moral indenizável. O relacionamento extraconjugal é apenas a conseqüência de uma união cujos
sentimentos iniciais não perduraram no tempo, dando ensejo a que outros se sobrepujassem e levassem
algum dos cônjuges ou companheiros à relação afetiva com outras pessoas. Considerações e
jurisprudência deste TJSP. Improcedência da ação que se impõe. Recurso provido.”
19
PEREIRA, Sérgio Gischkow. Estudos de Direito de Família, Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004, p.82.

10
como fez o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, em declaração de voto vencido, na
Apelação Cível n. 361.324-4/7 da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP (aresto
reproduzido na nota de rodapé n.13, supra), ao reconhecer o direito de a esposa traída
pela infidelidade conjugal do marido ser ressarcida pelo dano moral que sofreu, não em
decorrência da perda do afeto, mas como resultado da conduta desleal do esposo e que
se constituiu em verdadeiro abuso do eventual direito que tinha de terminar seu
relacionamento.20

Essas mudanças surgem da independência e da igualdade alcançadas pelos


cônjuges, com a superação da visão de chefia da sociedade nupcial pelo homem que
deixou de ser o único provedor da família, observando Vitor Ugo Oltramari, não ser
demais observar que o pedido de dano moral precisa estar fundado em ato injusto
do outro parceiro, não se esgotando o direito na mera ruptura da sociedade
conjugal,21 e imposição das sanções próprias pela violação dos deveres matrimoniais,
mas também transitando pela via paralela oferecida pelo instituto da responsabilidade
civil.

É tal qual foi bem lembrado por Alma Maria Rodríguez Guitián, de que nem
sempre em nome da paz familiar se deve excluir a responsabilidade civil no âmbito
familiar, sendo forçoso discernir quais seriam os danos próprios das sanções previstas
no direito de família, e quais seriam as violações que vulneram a relação em família,
que devem ser objeto de ressarcimento, cujo grau de gravidade é capaz de romper o
equilíbrio dos vínculos em família e ferir direitos fundamentais do parente ou parceiro
vitimado.22 Pode até não ser indenizável o simples descumprimento de um dever
conjugal, e realmente a sua admissão poderia afetar a paz familiar, acarretando uma

20
Ao declarar seu voto vencido na Apelação Cível n. 361.324-4/7, j. em 27.03.2008, o Desembargador
Ênio Santarelli Zuliani redigiu a seguinte ementa: “Responsabilidade civil. Adultério do marido praticado
com mulher do relacionamento social da família e que motiva o abandono abrupto do lar, desestruturando
a vida da mulher abandonada, tanto no aspecto financeiro como na administração dos interesses comuns,
especialmente por testemunhar o filho mais novo ser tomado pelo vício das drogas. Ato ilícito que
ultrapassa os limites do Direito de Família e que provoca lesão a direitos da personalidade, justificando a
indenização por danos morais, admitida a solidariedade da amante, pela maneira maliciosa de agir. Não
provimento do recurso dos requeridos, com provimento, em parte, do recurso da autora, majorando o
quantum para R$20.000,00.”
21
OLTRAMARI, Vitor Ugo. O dano moral na ruptura da sociedade conjugal, Rio de Janeiro:Forense,
2005, p.142.
22
GUITIÁN, Alma Maria Rodríguez. Ob. cit., p.88-89.

11
indesejável multiplicação de pleitos judiciais, mas o fato de existir um dano em
concreto a causar séria lesão a direito fundamental de familiar, seja ele moral ou
patrimonial, não pode ser afastado da apreciação judicial e do ressarcimento
pecuniário, como sucede, por exemplo, com os danos à saúde, causados pela
infidelidade, com o risco do contágio por doenças venéreas ou pela AIDS; pelos danos à
integridade física e psíquica provocados pelos maus tratos durante a convivência; os
danos à honra, com os casos de infidelidade, muitas vezes noticiados na imprensa em
revistas de variedades e até em crônicas policiais; os danos à liberdade sexual, pelas
práticas pouco convencionais de um dos cônjuges ou companheiros; pelos danos à
integridade psíquica e à honra, causados pelo nascimento de filhos extramatrimoniais
registrados como se fossem conjugais.23

Danos morais e patrimoniais também são provocados pelos gastos


despendidos na investigação particular, para comprovar uma aventura ou relação
extraconjugal de concubinato, além do ressarcimento com os custos suportados
com a impugnação da paternidade, e com a manutenção de filho registrado pela
presunção do casamento como se fosse prole matrimonial.24

7. Afastamento da culpa na ruptura do casamento

Tendência irreversível do direito de família é a completa abolição das razões


causais nas demandas de separação judicial que deixam de pesquisar o descumprimento
dos deveres do casamento, para prevalecer o direito fundamental à felicidade com o
princípio da ruptura, que toma o lugar processual do superado princípio da culpa. Mas,
o fato de os cônjuges solicitarem a dissolução de sua sociedade afetiva sem alegarem
nenhuma causa, mas tão-só a mera vontade de romper a relação não significa ignorar os
casos patológicos de ruptura dos laços conjugais, quando um dos consortes não tem
nenhum escrúpulo maltratar e humilhar seu consorte, como, por exemplo, em uma
traição tornada pública de forma voluntária ou involuntária, mas debitada essa
divulgação aos atos vexatórios causados pelo cônjuge adúltero; ou naqueles episódios
de crônico e constrangedor alcoolismo, ou de envolvimento com drogas e a triste

23
Idem, p.90.
24
Ibidem, p.91.

12
realidade da dependência química; sem esquecer os registros da violência física
doméstica e os covardes espancamentos de um cônjuge física e psicologicamente
vulnerável e, portanto, indefeso.25

Para essas ocorrências extravagantes o cônjuge, companheiro ou familiar


agredido e ofendido, tem todo o direito de se socorrer do instituto da responsabilidade
civil para ser ver ressarcido pelo dano moral ou material de que foi vítima. Mas, que
fique bem claro que nem a separação judicial é decorrência do descumprimento de
qualquer um dos deveres do casamento, e que tampouco o direito à indenização pelo
dano familiar é efeito do inadimplemento desses mesmos deveres conjugais, pois se a
Carta da República tutela valores humanos, como a honra, a saúde, a integridade física e
a psíquica, negar ou limitar o dano moral ou material no âmbito do direito de família,
apenas porque a legislação prevê outra cadeia de sanções, significaria entrar em franco
conflito e negar os direitos fundamentais de qualquer cidadão. Basta considerar que esse
mesmo cônjuge ou companheiro, física ou psicologicamente agredido poderia solicitar a
proteção penal, ou dela abdicar e só vindicar em juízo, o ressarcimento financeiro pelo
dano moral ou material sofrido, tudo porque na regulamentação legal existem outros
remédios jurídicos além daqueles previstos no direito de família e no direito penal.

Separação e dano são ações diferentes e respondem à pretensões distintas, pois


qualquer violação a dever nupcial vulnera e desestabiliza faticamente o casamento, que
roto e sem comunhão plena de vida, justifica pedir a separação judicial para terminar
oficialmente o casamento. E, ao decretar a separação ou o divórcio, o magistrado
remedia uma situação de conflito, mas não repara um dano surgido à raiz da lesão de
um direito fundamental. Seria inconcebível admitir que o direito não pudesse ressarcir
um dano por lesão a direito fundamental, apenas por se tratar o agressor de uma pessoa
próxima da vítima e a ela vinculada por duvidoso afeto ou incontestável parentesco.26

25
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O fim da culpa na separação judicial, uma perspectiva histórico-
jurídica, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.105.
26
“Separação judicial. Pretensão à reforma parcial da sentença, para que o autor-reconvindo seja
condenado ao pagamento de indenização por danos morais, bem como seja garantido o direito de postular
alimentos por via processual própria. Fidelidade recíproca que é um dos deveres de ambos os cônjuges,
podendo o adultério caracterizar a impossibilidade de comunhão de vida. Inteligência dos arts. 1.566, I e
1.573, I, do Código Civil. Adultério que configura a mais grave das faltas, por ofender a moral do
cônjuge, bem como o regime monogâmico, colocando em risco a legitimidade dos filhos. Adultério
demonstrado, inclusive com o nascimento de uma filha de relacionamento extraconjugal. Conduta

13
A prática do ato ilícito que fere de morte direito fundamental do cônjuge ou
familiar admite e impõe o ressarcimento do dano material, ou a compensação do agravo
moral e, embora a separação judicial ou o divórcio e por sua vez, a indenização
material ou moral tratem de pedidos independentes, nada impede sejam
postulados e cumulados em uma única demanda.

A tendência judicial tem sido no sentido de reconhecer uma dimensão


constitucional aos gravames causados nas relações de família, conjugando os deveres
matrimoniais com os direitos fundamentais da Carta da República. Prevalecem os
direitos individuais das pessoas em família e não prosseguem as sanções ordinárias para
a quebra dos deveres conjugais. Mas, de outra parte, inclina-se o direito civil em
ampliar a reparação dos prejuízos extrapatrimoniais, como corolário lógico da
valorização dos direitos de personalidade na defesa dos direitos individuais da pessoa.27

8. A natureza jurídica dos alimentos

O direito alimentar carrega diferentes características que destoam das outras


obrigações civis, diante de sua especial função de ser vinculado à vida do alimentando e
por atuar em uma faixa de valor superior, indispensável e indisponível para a
sobrevivência do ser humano. Essa sua especial natureza decorre do propósito de
assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regramento diferenciado,
pois os alimentos cobrem as necessidades vitais do alimentando e sua satisfação não
pode admitir postergações.28

Os alimentos sobrevêm de uma pluralidade de parâmetros, e um deles é o ato


ilícito, muito embora não exista nenhuma divisão do direito em setores ou em
repartições, seu estudo deve ser visto como uma unidade do ordenamento jurídico, sem
nenhuma fragmentação legal, por se tratar de uma disciplina afeta ao direito alimentar,

desonrosa e insuportabilidade do convívio que restaram patentes. Separação do casal por culpa do autor-
reconvindo corretamente decretada. Caracterização de dano moral indenizável. Comportamento do autor-
reconvindo que se revelou reprovável, ocasionando à ré-reconvinte sofrimento e humilhação, com
repercussão na esfera moral. Indenização fixada em R$ 45.000,00. Alimentos. Possibilidade de requerê-
los em ação própria, demonstrando necessidade. Recurso provido.” (Apelação Cível n. 539.390.4/9 da 4ª
Câmara de Direito Privado do TJSP, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy).
27
LEONARDO, Teresa Marin García de. Remédios indemnizatorios en el ambito de las relaciones
conyugales, In Daños em el derecho de família, Navarra; Thomson Aranzadi, n.17, 2006, p.159.
28
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, 3ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2009, p.634-635.

14
onde devem ser aproveitados todos seus princípios e propósitos para beneficio do
destinatário dos alimentos.

Passagem histórica do direito alimentar brasileiro considerou que, ao lado da sua


função de subsistência, a pensão alimentícia também guardava um viés indenizatório,
tanto que o cônjuge culpado pela separação perdia o direito alimentar mesmo sendo
financeiramente dependente do consorte inocente. Memoráveis lições acerca da
natureza indenizatória da pensão alimentícia são registradas na obra de Tito Fulgêncio,
com suporte no artigo 159 do Código Civil de 1916, aduzindo ser aquele dispositivo a
fonte do caráter indenizatório do direito alimentar, exclusivamente abonado à mulher
inocente e pobre, a título de reparação do prejuízo causado pela conduta do marido e
causa do desquite, que a privou dos recursos que o casamento lhe autorizava a contar
para viver. 29

Também é clássica a lição de João Claudino de Oliveira e Cruz 30 sobre a


natureza jurídica da pensão alimentícia, ao lhe conferir um caráter misto de alimentos e
de indenização, para a compensação do prejuízo sofrido com o rompimento do
matrimônio, não se tratando, portanto, de um prolongamento do dever de socorro entre
os cônjuges, mas de uma obrigação de reparar as consequências de um ato ilícito
ocasionado pela ruptura culposa do matrimônio.

Nessa toada também andou Mário Moacyr Porto, ao dizer ter “a firme convicção
de que a dívida de alimentos de que cuida o art.19 da Lei 6.515, de 26.12.77, é, na
verdade, uma indenização por ato ilícito, que se cumpre sob a forma de pensão
alimentar. Uma reparação pecuniária pela dissolução prematura e reprovável da
sociedade conjugal, por culpa de um dos cônjuges.”31

9. Os alimentos compensatórios

O Código Civil brasileiro regulamenta no inciso III, do artigo 1.566, o dever


conjugal da mútua assistência, pelo qual os esposos se devem reciprocamente alimentos
29
FULGÊNCIO, Tito. Do desquite, São Paulo:Livraria Academica, Saraiva & Comp.Editores, 1923,
p.161.
30
CRUZ, João Claudino de Oliveira. Dos alimentos no direito de família, 2ª ed., Rio de Janeiro:Forense,
1961, p.194-195.
31
PORTO, Mário Moacyr. Temas de responsabilidade civil, São Paulo: RT, 1989, p.65-66.

15
na constância da sociedade conjugal ou na constância da união estável, conforme artigo
1.724 do mesmo Diploma Civil. Advindo a separação do par conjugal ou convivencial,
os alimentos encontram uma nova denominação institucional no artigo 1.694 do Código
Civil, proporcionando o suprimento das necessidades de subsistência do ex-cônjuge ou
convivente na proporção, inclusive, do padrão social do credor dos alimentos.

A expressão alimentos não tem idêntico significado quando avaliada na


constância do relacionamento afetivo, quando confrontada com sua vocação alimentar
sobrevindo a separação do casal. Assim posto, a mútua assistência é ônus do
matrimônio e da própria união estável, ao lado dos demais deveres de fidelidade,
convivência e respeito recíproco. É o socorro mútuo que os cônjuges e conviventes
devem respeitar e se ajudar reciprocamente, atuando sempre no interesse da família, que
segue unida e solidária. São cargas do matrimônio e subsistem enquanto não existe
qualquer crise conjugal, convivendo ao lado de outros deveres espirituais que os
esposos também têm entre si.

No entanto, quando o casamento entre em crise, o sustento dos consortes já não


mais se dá através do matrimônio e dos chamados encargos conjugais, cedendo lugar
para a obrigação de prestar alimentos do artigo 1.694 do Código Civil, em favor do
cônjuge ou companheiro necessitado.32

Normas diferentes regulamentam os alimentos da mútua assistência em relação


aos alimentos da obrigação, pois com a separação do casal desaparece a comunidade de
vida e se extinguem os efeitos pessoais do casamento, ou da união estável, e no lugar do
mútuo socorro surge uma possível obrigação de alimentos. 33

De outra parte, com o enfrentamento judicial da separação oficial do casal pode


o direito dar margem à pensão alimentícia do artigo 1.694 do Código Civil, ou aos
alimentos denominados de compensatórios, que tem por escopo manter o equilíbrio
econômico-financeiro presente ao tempo da ruptura do matrimônio, ou como escrevia
Tito Fulgêncio em 1923, quiçá, plantando a primeira semente da responsabilidade civil

32
MOZO, Fernando Moreno. Cargas del matrimonio y alimentos, Granada:Editorial Comares, 2008,
p.43.
33
Idem. Ob. cit., p.45.

16
objetiva nos alimentos compensatórios, quando identificou na pensão alimentícia o
meio de reparar o prejuízo sofrido pela esposa privada, com a separação, dos recursos
do casamento que contava para viver.34

Com a pensão alimentícia o credor atende sua subsistência e satisfaz suas


necessidades de sobrevivência, as quais podem se restringir aos alimentos naturais e,
portanto, aqueles puramente indispensáveis para a manutenção do alimentando, como
podem agregar o estilo de vida do destinatário dos alimentos, tendo em conta o padrão
social experimentado pelos cônjuges.

A pensão compensatória resulta claramente diferenciada da habitual


pensão alimentícia, porque põe em xeque o patrimônio e os ingressos financeiros de
ambos os cônjuges, tendo os alimentos compensatórios o propósito específico de
evitar o estabelecimento de um desequilíbrio econômico entre os consortes. Os
alimentos compensatórios estão à margem de qualquer questionamento causal da
separação, ou do divórcio dos cônjuges e da dissolução da união estável, e
ingressam unicamente as circunstâncias pessoais da vida matrimonial ou afetiva, na qual
importa apurar a situação econômica enfrentada com o advento da separação e se um
dos consortes ficou em uma situação econômica e financeira desfavorável em
relação à vida que levava durante o matrimônio, os alimentos compensatórios
corrigem essa distorção e restabelecem o equilíbrio material.

O artigo 270 do Código Civil francês prevê a pensão compensatória para


compensar as diferenças verificadas no modo de vida dos cônjuges depois de rompido o
matrimônio, podendo ser fixada por acordo dos nubentes ou por decisão judicial e sua
principal distinção da pensão alimentícia reside no seu caráter definitivo, por que não
pode ser revista em razão da modificação dos recursos do devedor ou do credor e os
critérios fáticos para o seu arbitramento.

O Código Civil espanhol regula os alimentos compensatórios no artigo 97 e


ordena que o juiz, na sentença, na falta de acordo do casal, determinará o montante dos
alimentos compensatórios levando em conta uma sequência de circunstâncias que sob
forma alguma irão influenciar no direito aos alimentos compensatórios, mas unicamente
34
FULGÊNCIO, Tito. Ob. e .p.cit.

17
na sua quantificação, consistindo-se das seguintes variantes: 1ª) Os acordos a que
chegaram os cônjuges; 2ª) A idade e o estado de saúde; 3ª) A qualificação profissional e
as probabilidades de acesso a um emprego; 4ª) A dedicação passada e futura à família;
5ª) A colaboração com seu trabalho e as atividades mercantis, industriais ou
profissionais do outro cônjuge; 6ª) A duração do casamento e da convivência conjugal;
7ª) A eventual perda de um direito de pensão; 8ª) A riqueza e os meios econômicos e as
necessidades de um e do outro cônjuge; 9ª) Qualquer outra circunstância relevante.

São situações meramente enunciativas, podendo casos igualmente análogos


influenciar na determinação dos alimentos compensatórios, que tem, portanto, dois
pressupostos, sendo um deles objetivo, que reconhece o direito aos alimentos
compensatórios por uma mera operação aritmética, apurada em razão do desequilíbrio
econômico, e como requisito subjetivo cada um dos questionamentos enunciados pelo
direito espanhol, que servirão de parâmetro para o julgador montar um verdadeiro
quebra-cabeça e ter uma visão global da situação mantida pelos cônjuges durante a
convivência e assim quantificar os alimentos compensatórios.

Na ponderação desses dados destinados a justificar o arbitramento da pensão


compensatória diante da ruptura do casamento, também será necessário considerar a
situação econômico-financeira de cada cônjuge ao início do relacionamento, e bem
assim, sopesar o que cada um já possuía, perdeu ou deixou de produzir em função do
relacionamento, para que a celebração das núpcias, em razão dos alimentos
compensatórios não se confunda com um seguro de vida.35

Pela análise de cada uma dessas circunstâncias próprias da vida conjugal o juiz
formará uma ideia muito precisa do nível de vida do cônjuge durante o matrimônio e
poderá concluir se a separação ou o divórcio o deixou em uma situação visivelmente
desvantajosa em relação ao seu consorte, e em comparação com o modo de vida
experimentado durante o casamento.36

A finalidade da pensão compensatória não é a de cobrir as necessidades de


subsistência do credor, como acontece com a pensão alimentícia, regulamentada pelo

35
Idem, ob. cit., p.65.
36
GONZÁLEZ, Maria Paz Sánchez. Ob. cit. p.57.

18
artigo 1.694 do Código Civil e sim corrigir o desequilíbrio existente no momento da
separação, quando o juiz compara o status econômico de ambos os cônjuges e o
empobrecimento de um deles em razão da dissolução da sociedade conjugal, podendo a
pensão compensatória consistir em uma prestação única, por determinados meses
ou alguns anos, e pode abarcar valores mensais e sem prévio termo final.

Os alimentos compensatórios não são estranhos ao direito brasileiro, como pode


ser visto em antigo aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado pela 5ª
Câmara Cível, sob o n. 588071712, em 04 de abril de 1989, sendo relator o Des. Sergio
Pilla da Silva e compondo o colegiado os desembargadores Alfredo Guilherme Englert
e Ruy Rosado de Aguiar Júnior, que, à unanimidade, reconheceram a peculiar natureza
compensatória da pensão em prol da mulher, tendo em conta que o vultoso patrimônio
rentável tocou ao varão e ele pretendia revisar judicialmente o valor dos alimentos
porque enfrentava uma crise financeira e a alimentanda havia se formado em curso
superior.37

Alimentos compensatórios também foram admitidos pela juíza de direito Ana


Maria Gonçalves Louzada, titular da 3ª Vara de Família de Brasília, no Distrito Federal,
na ação de alimentos compensatórios n.2008.01.1.150839-4, onde os alimentos
compensatórios foram fixados no valor liminar de 250 salários mínimos mensais em
favor da alimentanda, que se viu prejudicada diante do desequilíbrio econômico
enfrentado com a separação do casal.38 O despacho foi reapreciado em 10 de junho de
2009, pela 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios,
no agravo de instrumento n.20080020195721, interposto pela própria credora dos
alimentos compensatórios que desejava majorá-los. Entretanto, o tribunal negou
provimento ao recurso por entender que o valor fixado, somado aos rendimentos

37
“Alimentos. Ação revisional. Peculiar natureza compensatória da pensão em prol da mulher,
considerando que o vultoso patrimônio rentável tocou ao varão. Ação improcedente. Sentença
confirmada.” (RJTJRGS n.146, p.220, publicada em junho de 1991).
38
Em uma passagem do despacho proferido pela juíza Ana Maria Gonçalves Louzada ela destacou que a
alimentanda estava “acostumada ao luxo que o marido lhe proporcionava, acrescido ao fato de que com
ele manteve envolvimento afetivo por quase três décadas, dele advindo quatro filhos, é razoável seja
mantida em seu nível de vida, eis que hoje se vê alijada de usufruir a enormidade de bens que possuem.”

19
mensais da agravante lhe conferia um elevadíssimo padrão de vida e o valor se mostrava
ajustado para uma cognição judicial ainda sumária.39

10. Diferenças entre obrigação de alimentos e a pensão compensatória

Enquanto a pensão alimentícia está destinada a cobrir as necessidades vitais do


credor de alimentos, inclusive para atender a condição social do alimentando,
constituindo-se em uma verba indispensável para o sustento, habitação, vestuário e
assistência médica do destinatário dos alimentos, sendo proporcional aos recursos da
pessoa obrigada e às necessidades do reclamante (CC, § 1°, art. 1.694), em sentido
oposto, nos alimentos compensatórios a quantia será determinada em razão do
desequilíbrio econômico que sofre um dos cônjuges ou conviventes com a ruptura do
vínculo afetivo e sua finalidade não é a de subsistência, mas a de restaurar, com critério
de igualdade, o equilíbrio financeiro vigente entre os consortes ou companheiros,40 por
ocasião da separação. Não se trata de indenizar nenhuma violação do dever conjugal de
mútua assistência, ou de sancionar a quem rompe a coabitação, mas sim, de situar a
desfeita convivência a um background familiar da união rompida e compensar o
parceiro economicamente prejudicado.

Embora, entre os dois institutos se intercalem algumas características específicas


do direito alimentar, a pensão compensatória está fundamentada na solidariedade
familiar, pela qual devem os cônjuges se manter em prol do consórcio que um dia
estabeleceram e evitar que o cônjuge menos favorecido financeiramente possa ver
agravada a situação econômica desfrutada durante o casamento e a pensão
compensatória justamente restaura esse status desfrutado durante as núpcias.

Os alimentos compensatórios tampouco são uma decorrência natural ou um


efeito automático da ruptura das núpcias, pois a sua fixação será ocasional, dependendo
da concreta situação dos esposos, e dos pressupostos fáticos que conduzam à apuração

39
Eis a íntegra da emente do acórdão n. 361.793(AI n.20080020195721), da 6ª Turma Cível do TJDFT,
relator o Des. Jair Soares, julgado em 10.06.2009: “Alimentos compensatórios. Manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro. Alimentos compensatórios são pagos por um cônjuge ao outro, por ocasião da
ruptura do vínculo conjugal. Servem para amenizar o desequilíbrio econômico, no padrão de vida de um
dos cônjuges, por ocasião do fim do casamento. Fixados em valor razoável, não reclamam elevação.
Agravo não provido.”
40
MOZO, Fernando Moreno. Ob. cit., p.51.

20
de um efetivo desequilíbrio econômico-financeiro de um cônjuge em oposição ao outro.
Embora a desigualdade já existisse antes mesmo da ruptura do casamento, essa
disparidade era preenchida pelo dever mútuo de socorro presente na constância do
matrimônio.

A pensão compensatória não depende da prova da necessidade, porque o


cônjuge financeira e economicamente desfavorecido com a ruptura do
relacionamento pode ser credor dos alimentos mesmo tendo meios suficientes para
sua manutenção pessoal, pois o objeto posto em discussão é a perda da situação
econômica que desfrutava no casamento e que o outro continua usufruindo. Isso não
significa concluir que a pensão compensatória se propõe a igualar patrimônios e rendas,
pois seu papel é o de tentar ressarcir o prejuízo causado pelo desequilíbrio
econômico, compensando as perdas de oportunidades de produção só acenadas para um
dos esposos.

Além dessas diferenças a pensão alimentícia pode ser revista quando, depois de
fixada sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os
recebe (art.1.699 do CC), enquanto na pensão compensatória as alterações de fortuna do
devedor não justificam a mudança da quantia alimentar, dado à circunstância de os
alimentos compensatórios corrigirem o desequilíbrio existente no momento da
separação, só cabendo a sua redução ou extinção se aumentar a fortuna do credor ou se
diminuírem os recursos do prestador dos alimentos compensatórios.

Portanto, os alimentos compensatórios em nada se confundem com a pensão


alimentícia e sua origem remonta ao direito francês, quando aquele país, no ano de
1975, apagou a discussão da culpa para o estabelecimento da prestação alimentar
compensatória41e passou a considerar o desequilíbrio econômico de forma objetiva, com
total independência da culpa ou inocência do cônjuge credor de alimentos, consagrando
definitivamente, a irrelevância da culpa e a importância apenas da ruptura do
relacionamento, evitando qualquer dramatização causal nos conflitos conjugais. Com o
estabelecimento dos alimentos compensatórios o direito francês admitiu que o cônjuge

41
ALBERDI,Beatriz Saura. La pensión compensatória; critérios delimitadores de su importe y extensión,
Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p.32.

21
credor percebesse alimentos mesmo quando exercesse vínculos de trabalho, os quais
não supõem a privação do direito aos alimentos compensatórios pelo fato de o credor
dos alimentos ter uma fonte própria de proventos, posto que importa apurar se, com o
rompimento da relação, instalou-se uma visível disparidade na condição de vida de um
dos cônjuges em confronto com a do outro e, destarte, proteger o consorte mais débil
economicamente. Tampouco adianta afirmar que com a partilha dos bens os consortes
se mantêm economicamente equilibrados, se com o marido, por exemplo, ficaram os
bens rentáveis e com a pensão alimentícia a ex-esposa sequer consegue preservar sua
meação.

Outro fato rotineiro nas separações conjugais também ilustra a finalidade dos
alimentos compensatórios quando um juiz reduz o percentual da pensão alimentícia do
cônjuge porque, por exemplo, o pai ainda está ajudando financeiramente filhos maiores
e estudantes. Mas por qual razão a mãe desses mesmos filhos também não pode ajudá-
los financeiramente? E, as respostas são óbvias e cruéis, primeiro, porque ela não mais
desfruta como credora de pensão alimentícia, a cuja categoria foi alçada com a
separação oficial, do equilíbrio econômico e financeiro experimentado durante a
convivência conjugal e o pior de tudo, porque ainda vige na sociedade brasileira o
surrado preconceito da chefia masculina da sociedade familiar.

11. Responsabilidade objetiva no direito de família

O instituto da responsabilidade civil não é uma ciência jurídica estanque e nem


poderia ser, pois sua função é a de restabelecer o equilíbrio jurídico-econômico
anteriormente existente entre o agente e a vítima. 42 Como antes mencionado, a
responsabilidade tem diferentes origens, podendo ser contratual ou extracontratual. E
será subjetiva quando for necessária a prova da culpa ou do dolo, e objetiva quando
dispensada a prova do elemento culpa. Até pode existir a culpa, mas ela será irrelevante
para configurar o dever de indenizar na responsabilidade civil objetiva.

A responsabilidade civil objetiva surgiu com a revolução industrial, com o


progresso científico, e com a explosão demográfica ocorrida nos grandes centros
urbanos. Com essas mudanças vieram os automóveis, as indústrias e as máquinas,
42
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 8ª ed., São Paulo Atlas, 2009, p.13.

22
gerando toda sorte de acidentes; no trânsito os automóveis e os serviços de transporte;
nas fábricas os acidentes de trabalho com as máquinas industriais. Logo ficou patente
que a culpa como condição de ressarcir não mais explicava outras necessidades de
reparação civil diante de uma emergente necessidade de proteger uma nova categoria de
vítimas e, diante da luta desigual que passou a ser travada entre o poder e a vítima
desprovida de recursos.43 Seguir condicionando a indenização à prova da culpa se
mostrou injusto para as vítimas e sua cobrança como requisito ao dever de indenizar se
apresentou claramente insuficiente para fundamentar a responsabilidade civil, que
precisava ampliar seus horizontes doutrinários.

Frente a essas novas evidências fáticas de completo desequilíbrio, como refere


Alvino Lima, “era imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à
responsabilidade extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema dos danos, de
molde a se evitarem injustiças que a consciência jurídica e humana repudiavam.”44

Assim, foi preciso que o dano e sua reparação se desarticulassem da culpa,


emergindo a ideia de que a responsabilidade decorre do fato e não obrigatoriamente da
culpa. O fato, na pensão compensatória consiste na evidência de um manifesto
desequilíbrio material causado pelo agente.

O direito de família evoluiu bastante com a Carta da República de 1988, quando


foi oficialmente sufragado o princípio da intransigente proteção da paz doméstica, onde
nada podia abalar a estabilidade do casamento e da família conjugal, e não havia espaço
para o reconhecimento de qualquer reparação por danos materiais ou morais nas
relações de matrimônio.45 Na nova roupagem constitucional as relações familiares têm
como ponto de partida a dignidade humana e a solidariedade familiar, sem mandantes e
sem mandados, vale dizer, sem nenhuma hierarquia patriarcal para abafar os danos
materiais e afetivos causados geralmente pelo marido contra a mulher e filhos.

43
LIMA, Alvino. Culpa e risco, 2ª ed., São Paulo:RT, 1998, p.113.
44
Idem, ob. cit., p.114.
45
LAGE, Juliana de Sousa Gomes. “Responsabilidade civil nas relações conjugais”, In Manual de
Direito das famílias e das sucessões, (Coord.) TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo
Pereira Leite, Del Rey/Mandamentos: Belo Horizonte, 2008, p.488.

23
Dentro dessa visão, Juliana de Sousa Gomes Lages defende a ampliação de
proteção à autonomia privada nas relações de família para o abrigo da dignidade da
pessoa do personagem familiar.46 A expressão autonomia privada tem o sentido de o
indivíduo conduzir sua consciência de maneira ética, atento aos comandos superiores de
uma organização social e familiar, e assim se apresente em sociedade e diante da sua
célula familiar, como uma pessoa responsável, com proceder tranquilo nas suas relações
de família, como deve agir com equilíbrio nas suas relações para com terceiros.

À vista desses princípios, se mostra plenamente defensável vindicar na seara das


relações de família a reparação dos danos causados pelo desvio de alguma conduta
conjugal capaz de gerar sofrimento ou de propiciar algum desequilíbrio econômico-
financeiro em relação a um dos consortes. Para tanto, deve mais uma vez ser lembrado
que a natureza do instituto jurídico dos alimentos no direito de família tem dois claros
desdobramentos: O primeiro, originado da concepção do dever da mútua assistência
material e imaterial dos cônjuges, que existe e deve estar presente durante todo o
desenvolvimento harmônico do casamento ou da união estável, ocasionando com a
separação do casal o seu segundo desdobramento, este último, consistente no eventual
direito à pensão alimentícia, tendo como único motivo a prova da dependência
financeira do cônjuge hipossuficiente.

Mas, a obrigação alimentar tem várias outras fontes e diferentes fundamentos,


pois surge da lei ou da vontade contratual, como também tem origem em dever
indenizatório.47 Qualquer dessas fontes traz como seu principal objetivo evitar a
miserabilidade do alimentando.48

A apuração do dano causado em seara de direito alimentar independe da


culpa e os alimentos compensatórios assumem a finalidade de cumprir um dever
de solidariedade pós-conjugal,49incidindo unicamente um dano objetivo. A pensão
compensatória busca reparar os prejuízos econômicos causados concretamente com a

46
LAGE, Juliana de Sousa Gomes. Ob. cit., p.492.
47
Nesse sentido merece especial referência o artigo 944 do Código Civil:”A indenização mede-se pela
extensão do dano.”
48
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos, Rio de Janeiro:Aide, 1985, p.13.
49
COLOMA, Aurelia María Romero. Reclamaciones e indemnizaciones entre familiares em el marco de
la responsabilidad civil, Barcelona:Bosch, 2009, p.67.

24
dissolução da sociedade nupcial. A responsabilidade surge exclusivamente do fato
consubstanciado no manifesto desequilíbrio econômico e financeiro de um dos
cônjuges ou conviventes em confronto com o de seu ex-parceiro no momento do
rompimento da relação, sendo avaliadas circunstâncias que atendem a critérios
indenizatórios, alimentícios e equilibradores, todos eles absolutamente alheios à
ideia de culpa. A pensão compensatória conforma, portanto, uma natureza mista de
indenização e de pensão com mais sentido no regime de separação de bens, e se o
cônjuge ainda carece de atividade laboral, vai sendo preenchida cada uma das variantes
fáticas preordenadas pelo artigo 97 do Código Civil espanhol.

A pensão compensatória constitui-se no ressarcimento de um prejuízo objetivo,


surgido exclusivamente do desequilíbrio econômico ocasionado pela ruptura do
matrimônio e carrega em seu enunciado uma questão de equidade.

Na doutrina de Aurelia María Romero Coloma,50 a pensão compensatória


identifica-se com a indenização devida pela perda de uma chance, experimentada
durante o matrimônio pelo cônjuge que mais perde com a separação. E, com efeito, não
é destituída de lógica a equiparação com a teoria da perda de uma chance, porque o
instituto da responsabilidade civil foi levado a acompanhar as transformações
ideológicas e econômicas vivenciadas pela sociedade, prevalecendo hoje, o paradigma
da solidariedade como eixo da dignidade da pessoa humana, e essa dignidade, quando
for preciso repará-la, não pode ficar restrita à existência da culpa e a perda de uma
chance pelos acordos conjugais de concessões e sacrifícios pessoais caracterizam um
prejuízo consumado e o dano a ser reparado é a perda dessas oportunidades.

A pensão compensatória visa a reparar o passado, cuidando para que ele não
falte no futuro. Tem a toda evidência, um propósito indenizatório, que não exclui
sua função compensatória, mas antes, se completa, pois corrige um descompasso
material causado pela separação e compensa o cônjuge que se viu em condições
financeiras inferiores com o término da relação, e cobre as oportunidades que
foram perdidas durante o matrimônio.

50
COLOMA, Aurelia María Romero.Ob. cit., p.70.

25
Os alimentos compensatórios ao contrário da pensão alimentícia (CC, art.
1.707) são renunciáveis e seu pleito não é de caráter obrigatório, sendo endereçados
apenas ao cônjuge ou convivente em razão da dissolução conjugal, para compensar a
perda do padrão social e econômico,51 ficando sua fixação a critério do juiz, consoante
as circunstâncias fáticas a serem ponderadas na quantificação dos alimentos
compensatórios, tais como:

a) Os acordos a que chegaram os cônjuges. Reconhecendo os cônjuges a


ocorrência de desequilíbrio econômico podem ajustar por convênio subscrito por ambos
o montante amistoso da prestação dos alimentos compensatórios, ficando o ajuste
pendente de ratificação judicial que homologue a separação do casal depois de
certificar-se que o conteúdo do acordo não resulta prejudicial para um dos consortes
(CC,§ único, art.1.574);

b) A idade e o estado de saúde. A idade e o estado de saúde tanto do credor,


como do devedor dos alimentos compensatórios deve ser sopesada, eis que em função
dela, as possibilidades de acesso a um posto de trabalho são maiores ou menores; 52

c) A qualificação profissional e as probabilidades de acesso a um emprego. A


qualificação profissional e as possibilidades de acesso a um emprego são circunstâncias
que exigem uma capacidade quase profética do juiz, diz Beatriz Saura
Alberdi,53podendo ser causa de futura extinção dos alimentos compensatórios se
desaparecer o desnível econômico. Especial atenção deve ser conferida se o cônjuge já
era profissionalmente qualificado, mas não pôde exercer sua profissão durante o
matrimônio;

d) A dedicação passada e futura à família. O trabalho dedicado a casa e à


família deve ser computado como compensação aos alimentos pelo desequilíbrio
econômico;

e) A colaboração com seu trabalho e as atividades mercantis, industriais ou


profissionais do outro cônjuge. É o trabalho dedicado por um cônjuge à empresa,
51
GONZÁLEZ, Maria Paz Sánchez. Ob. cit. p.191.
52
GONZÁLEZ, Maria Paz Sánchez. Ob. cit., p.74.
53
ALBERDI, Beatriz Saura. Ob. cit., p.153.

26
indústria ou atividade de seu consorte, sem receber nenhuma retribuição pecuniária por
seu esforço. É inquestionável o desequilíbrio econômico quando rompidas as núpcias o
consorte que contribuiu com seu trabalho deixa inclusive de trabalhar na empresa do ex-
consorte, que foi beneficiado pelo desapegado auxílio do parceiro afastado;

f) A duração do casamento e da convivência conjugal. São dois elementos que


não podem ser separados, pois não basta computar exclusivamente a duração do
casamento, mas associá-la à convivência conjugal, sob pena de os alimentos
compensatórios concorrerem com uma separação de fato que, por evidente, não gera
direitos e a pensão compensatória exige certa permanência da relação marital. Como
observa Maria Paz Sánchez González, “uma convivência muito breve é, em muitas
ocasiões, um dado que, a juízo da jurisprudência, permite presumir que a causa do
desequilíbrio econômico entre os ex-cônjuges não se encontra no casamento e na sua
posterior ruptura, e nessas hipóteses só cabe denegar a pensão;” 54

g) A eventual perda de um direito de pensão. A perda de uma pensão


compensatória, originada por um novo casamento é um critério de quantificação de
outra pensão compensatória;

h) A riqueza e os meios econômicos e as necessidades de um e do outro cônjuge.


Importa considerar que o cônjuge credor dos alimentos compensatórios até pode
perceber ingressos por causa de uma relação de emprego, mas esse vínculo laboral não
o priva do direito aos alimentos compensatórios quando sua remuneração ou os seus
ganhos não sejam suficientes para restabelecer a situação econômico-financeira dos
cônjuges existentes durante o matrimônio;

i) Qualquer outra circunstância relevante. Esse é o caráter aberto das


circunstâncias determinantes da pensão compensatória, porque outros questionamentos
podem influenciar na quantificação dos alimentos compensatórios, menos o exame do
motivo da separação do casal.

12. Constituição de capital

54
GONZÁLEZ, Maria Paz Sánchez. Ob. cit., p.75.

27
Os alimentos compensatórios, como qualquer direito alimentar55 e não somente
os decorrentes do ato ilícito, podem dar origem à constituição de capital, cuja renda
deve assegurar o pagamento mensal da pensão, conforme preceituado pelo artigo 475-Q
do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. A garantia
da formação de capital ordenada pela legislação processual do cumprimento da
sentença decorre do ato ilícito ou da responsabilidade objetiva e visa a garantir qualquer
crédito de pessoa beneficiada de alimentos mensais, constituindo-se o capital de uma
soma em dinheiro equivalente ao montante da indenização devida e que será
financeiramente aplicada, seja por meio de imóveis que produzam frutos ou através de
títulos da dívida pública.

13. Bibliografia

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