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MARTINS,

Tempo José de Souza.


Social; O tempo
Rev. Sociol.daUSP,
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e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

O tempo da fronteira
retorno à controvérsia
sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira
JOSÉ DE SOUZA MARTINS

RESUMO: O tema da fronteira é um tema recorrente na literatura brasileira UNITERMOS:


de Ciências Sociais. Apesar das tentativas de alguns antropólogos de fronteira,
tempo histórico,
importar as idéias que F. Turner desenvolveu para explicar o deslocamento
tempo de fronteira,
da fronteira nos Estados Unidos, e que tratam da influência da fronteira na movimentos sociais,
formação do caráter nacional americano, essas idéias, a rigor, não se aplicam peonagem,
no caso brasileiro. Geógrafos e antropólogos, entre os anos 30 e 50, frente de expansão,
frente pioneira.
realizaram pesquisas de campo que se tornaram essenciais para uma
concepção sociológica da fronteira enraizada no que há de historicamente
singular e sociologicamente relevante no caso brasileiro. É a partir dessas
referências que o autor formula a sua tese de que a fronteira é,
simultaneamente, lugar da alteridade e expressão da contemporaneidade
Exposição de abertura
dos tempos históricos. A unidade do diverso, pressuposto metodológico da da Conferência The
dialética, encontra aí o lugar mais adequado e mais rico para a investigação Frontier in Question,
promovida pelo Depar-
científica.
tamento de História da
Universidade de Essex,
Colchester, Reino Unido,
21 a 23 de abril de 1995.

C
om razão observa Alistair Hennessy que as sociedades
latino-americanas ainda estão no estágio da fronteira (Hennessy,
1978, p. 3). Ainda se encontram naquele estágio de sua história em Professor do Departa-
mento de Sociologia
que as relações sociais e políticas estão, de certo modo, marcadas da FFLCH-USP. Fellow
pelo movimento de expansão demográfica sobre terras “não ocupadas” ou de Trinity Hall e Profes-
sor Titular da Cátedra
“insuficientemente” ocupadas. Na América Latina, a última grande fronteira Simón Bolivar da Univer-
é a Amazônia, em particular a Amazônia brasileira, como assinalou Foweraker sidade de Cambridge
no ano acadêmico de
(1982, p. 11), ou “última fronteira terrestre que desafia a tecnologia moderna”, 1993/94
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e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

como observou Posey (1982, p. 89). Desde o início da Conquista foi ela objeto
de diferentes movimentos de penetração: na caça e escravização do índio, na
busca e coleta das plantas conhecidas como “drogas do sertão”, na coleta do
látex e da castanha. A partir do golpe de Estado de 1964 e do estabelecimento
da ditadura militar, a Amazônia transformou-se num imenso cenário de
ocupação territorial massiva, violenta e rápida, processo que continuou, ainda
que atenuado, com a reinstauração do regime político civil e democrático em
1985.
A história do recente deslocamento da fronteira é uma história de
destruição. Mas, é também uma história de resistência, de revolta, de protesto,
de sonho e de esperança. A nossa consciência de homens comuns e também a
nossa consciência de intelectuais e especialistas se move no território dessa
contradição. Como tantos outros pesquisadores, também fui e tenho sido
testemunha desse movimento, que acompanhei pessoal e diretamente num ritmo
impróprio para a pesquisa sociológica moderna, o ritmo da paciência, da
observação demorada e reiterada. Meu trabalho certamente diverge dos
trabalhos costumeiros sobre a fronteira, do pesquisador com prazo e pressa,
que precisa concluir sua tarefa nos limites de uma cronologia apertada. E que,
muitas vezes, deve limitar sua pesquisa de campo a lugares acessíveis, pacíficos
e pouco representativos da conturbada realidade da fronteira, que já não são
propriamente fronteira. Ou que, sobretudo, pode fazê-la somente muito depois
das ocorrências mais características e violentas da vida social na fronteira,
quando a rigor a população local já não se encontra na situação de fronteira1.
A história contemporânea da fronteira, no Brasil, é a história das
lutas étnicas e sociais. Entre 1968 e 1987, diferentes tribos indígenas da
Amazônia sofreram pelo menos 92 ataques organizados, principalmente, por
grandes proprietários de terra, com a participação de seus pistoleiros, usando
armas de fogo. Por seu lado, diferentes tribos indígenas realizaram pelo menos
165 ataques a grandes fazendas e a alguns povoados, entre 1968 e 1990, usando
muitas vezes armas primitivas como bordunas e arco-e-flecha. Houve ocasiões
em que diferentes tribos fizeram ataques em diferentes lugares no mesmo dia.
Nestes últimos trinta anos, diferentes facções da tribo Kayapó lançaram
continuados ataques às fazendas de sua região, inicialmente para rechaçar os
civilizados e depois de pacificados para impedir que continuassem invadindo
seu território. Em 1984, os Kayapó-Txukahamãe sustentaram uma verdadeira
guerra de 42 dias contra as fazendas e o governo militar, que culminou com o
fechamento definitivo de extenso trecho da rodovia BR-080, maliciosamente
aberta através de seu território para possibilitar futura invasão das terras por
grandes fazendeiros. Nessas lutas, houve mortos de ambos os lados, verdadeiros
massacres.
Não só os índios da fronteira foram envolvidos na luta violenta
pela terra. Também os camponeses da região, moradores antigos ou
recentemente migrados, foram alcançados pela violência dos grandes
proprietários de terra, pelos assassinatos, pelas expulsões, pela destruição de
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casas e povoados. Entre 1964 e 1985, quase seiscentos camponeses foram


assassinados em conflitos na região amazônica, por ordem de proprietários
que disputavam com eles o direito à terra.
O que há de sociologicamente mais relevante para caracterizar e
definir a fronteira no Brasil é, justamente, a situação de conflito social2. E esse
é, certamente, o aspecto mais neglicenciado entre os pesquisadores que têm
tentado conceituá-la. Na minha interpretação, nesse conflito, a fronteira é
essencialmente o lugar da alteridade. É isso o que faz dela uma realidade
singular. À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões
são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro;
como os grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres,
de outro. Mas, o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só
tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro3. Não só o desencontro
e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo
de cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro
de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado
diversamente no tempo da História. Por isso, a fronteira tem sido cenário de
encontros extremamente similares aos de Colombo com os índios da América:
as narrativas das testemunhas de hoje, cinco séculos depois, nos falam das
mesmas recíprocas visões e concepções do outro4.
A fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando
os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade
política, quando o outro se torna a parte antagônica do nós. Quando a História
passa a ser a nossa História, a História da nossa diversidade e pluralidade, e
nós já não somos nós mesmos porque somos antropofagicamente nós e o outro
que devoramos e nos devorou5.

Frente de expansão e frente pioneira: a diversidade histórica da fronteira

Os estudiosos do tema da fronteira no Brasil, quando examinam a


literatura pertinente, deparam-se com duas concepções de referência, através
das quais os pesquisadores tem procurado dar um nome específico a essa
realidade singular que é objeto de sua investigação. Os geógrafos, desde os
anos 40, importaram a designação de zona pioneira para nomeá-la, outras
vezes referindo-se a ela como frente pioneira6.
Os antropólogos, por seu lado, sobretudo a partir dos anos cinqüenta,
definiram essas frentes de deslocamento da população civilizada e das
atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes
de expansão. Como sugere Darcy Ribeiro, autor do mais importante estudo
Colono gaúcho da frente
sobre essas frentes, elas constituem as fronteiras da civilização. Se tomarmos pioneira e sua safra de
como referência a emblemática frente de expansão da região amazônica, temos arroz no Projeto Cana-
rana, Mato Grosso
nela um primeiro contraste com a frente pioneira dos geógrafos: “Aqui a terra (1979).
em si mesma não tem qualquer valor... (...) Não se cogita, por isto, de assegurar Todas as fotos são de J.
a posse legal das terras... (...) E este domínio não assume, senão acidentalmente S. Martins.
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a forma de propriedade fundiária” (cf. Ribeiro, 1977, p. 25). A designação de


frentes de expansão, que o próprio Ribeiro havia formulado, tornou-se de uso
corrente, até mesmo entre antropólogos, sociólogos e historiadores que não
estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização.
Ela expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência
as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não leva
em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o
comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.
Portanto, o que temos, nas duas definições, é, antes de tudo, modos
de ver a fronteira, diferentes entre si porque são diferentes, nos dois casos, os
lugares sociais a partir dos quais a realidade é observada: o do chamado pioneiro
empreendedor e o do antropólogo preocupado com o impacto da expansão
branca sobre as populações indígenas7. Esse antropólogo não vê a frente de
expansão como sendo apenas o deslocamento de agricultores empreendedores,
comerciantes, cidades, instituições políticas e jurídicas. Ele inclui nessa
definição também as populações pobres, rotineiras, não-indígenas ou mestiças,
como os garimpeiros, os vaqueiros, os seringueiros, castanheiros, pequenos
agricultores que praticam uma agricultura de roça antiquada e no limite do
mercado.
Quando difundiram no Brasil a expressão “frente pioneira”, os
geógrafos mal viam os índios no cenário construído por seu olhar dirigido.
Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no
oeste de São Paulo, como precursores dessa mesma frente, como se estivessem
ali transitoriamente, à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase
original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na
paisagem pela construção das ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura
comercial em grande escala, como o café e o algodão.
Não há, à primeira vista, nessas concepções de frente de expansão e
de frente pioneira, a intenção de supor uma realidade específica e substantiva.
Por isso mesmo, não são propriamente conceitos, mas, apenas designações
através das quais os pesquisadores na verdade reconhecem que estão em face
dos diferentes modos como os civilizados se expandem territorialmente. Mais
do que momentos e modalidades de ocupação do espaço, referem-se a modos

Nascimento de cidade na
frente pioneira: Canarana,
Mato Grosso (1979).
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de ser e de viver no espaço novo. Entendo que essas distintas e, de certo modo,
desencontradas perspectivas, levam a ver diferentes coisas porque são
expressões diferentes da mesma coisa.
A concepção de frente pioneira compreende implicitamente a idéia
de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e
na contratualidade das relações sociais. No fundo, portanto, a frente pioneira
é mais do que o deslocamento da população sobre territórios novos, mais do
que supunham os que empregaram essa concepção no Brasil. A frente pioneira
é também a situação espacial e social que convida ou induz à modernização, à
formulação de novas concepções de vida, à mudança social. Ela constitui o
ambiente oposto ao das regiões antigas, esvaziadas de população, rotineiras,
tradicionalistas e mortas8.
Entretanto, as idéias subjacentes às duas concepções, de frente de
expansão e de frente pioneira, sugerem que, apesar das aparências em contrário,
elas se referem a realidades sociais substantivas, modos singulares de
organização da vida social, de definição dos valores e das orientações sociais.
Realidades substantivas que não foram definidas por aqueles que as
empregaram. Os antropólogos, quando falam de frente de expansão, fazem-
no basicamente para poupar palavras na definição daquilo com que se defronta
o índio. Não estão dizendo nada de específico e definido. Estão dizendo que
sobre os territórios tribais se move a fronteira populacional e cultural dos
brancos. A noção de frente de expansão, nesse contexto, apóia-se
essencialmente em subentendidos. Esses subentendidos afloraram nas duas
últimas décadas, nos trabalhos dos autores que fizeram pesquisa na região
amazônica. Para uns, a frente de expansão aparece como sendo expansão da
sociedade nacional; para outros como expansão do capitalismo9 e para outros,
até, como expansão do modo capitalista de produção. Originalmente, era
expansão da fronteira da civilização. Obviamente, não há qualquer
relacionamento imediato entre essas diferentes definições. Já a concepção de
frente pioneira desaparece aos poucos, diluída na de frente de expansão, à
medida sobretudo que a frente de expansão passa a ser entendida,
predominantemente, como uma frente econômica.
A perda de substância antropológica da concepção de frente de
expansão e sua redução aos aspectos meramente econômicos da vida na
fronteira é certamente um fato a lamentar, pois empobreceu enormemente o
estudo da expansão da fronteira no momento em que ele poderia ter sido
antropologicamente mais rico. Antes dessa perda de substância, Roberto
Cardoso de Oliveira pusera o tema da frente de expansão em termos mais
adequados, mais ricos e mais promissores do que os que prevaleceriam depois.
Em seus trabalhos, a frente de expansão se define pela situação de contato,
isto é, pelo pressuposto metodológico da totalidade, como é próprio da tradição
dialética (cf. Oliveira, 1964, p. 15-18). Aí, as relações interétnicas são relações
de fricção interétnica, o equivalente lógico, mas não ontológico, como ele
esclarece, da luta de classes (cf. Oliveira, 1967, p. 44). Embora Oliveira esteja
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se referindo às relações entre índios e brancos, sua interpretação já é indicativa


da impossibilidade de analisar a realidade dos protagonistas da fronteira de
outro modo que não seja como momento de uma totalidade dialética e, portanto,
momento de contradição e lugar de conflito10.
No meu modo de ver, o desencontro entre o que foi visto
originalmente pelo geógrafo e o que foi visto pelo antropólogo, como disse
antes, é produto de observações feitas em desiguais lugares sociais. No entanto,
esses lugares sociais correspondem à própria realidade da fronteira. Eles viram
a partir do vínculo que tinham com a fronteira na pesquisa científica. Viram,
portanto, o que a fronteira lhes mostrava e o que estavam profissionalmente
dispostos a ver. O desencontro de perspectivas é, nesse caso, essencialmente
expressão da contraditória diversidade da fronteira, mais do que produto da
diversidade de pontos de vista sobre a fronteira. Diversidade que é, sobretudo,
diversidade de relações sociais marcadas por tempos históricos diversos e, ao
mesmo tempo, contemporâneos.
A diferença inicial que os dois pontos de vista sugeriam era de que
quando os geógrafos falavam de frente pioneira estavam falando de uma das
faces da reprodução ampliada do capital: a sua reprodução extensiva e
territorial, essencialmente mediante a conversão da terra em mercadoria11 e,
portanto, em renda capitalizada, como indicava e indica a proliferação de
companhias de terras e negócios imobiliários nas áreas de fronteira em que a
expansão assume essa forma. Nesse sentido, estavam falando de uma das
dimensões da reprodução capitalista do capital.

Colônia do Projeto
Humaitá, no Acre (1984).

Quando os antropólogos falavam originalmente da frente de


expansão, estavam falando de uma forma de expansão do capital que não
pode ser qualificada como caracteristicamente capitalista. Essa expansão é
essencialmente expansão de uma rede de trocas e de comércio, de que quase
sempre o dinheiro está ausente, sendo mera referência nominal arbitrada por
quem tem o poder pessoal e o controle dos recursos materiais na sua relação
com os que explora, índios ou camponeses. O mercado opera, através dos
comerciantes dos povoados, com critérios monopolísticos, mediados quase
sempre por violentas relações de dominação pessoal, tanto na comercialização
dos produtos quanto nas relações de trabalho (sendo aí característica a
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e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

peonagem ou escravidão por dívida). Portanto, muito longe do que tanto Marx
quando Weber poderiam definir como capitalista.
Neiva, em trabalho contemporâneo dessas formulações, assinalara
que, no Brasil, era (e é) necessário distinguir, no interior das fronteiras políticas
do país, a fronteira demográfica e a fronteira econômica, esta nem sempre
coincidindo com aquela, geralmente aquém dela12. Isto é, a linha de povoamento
avança antes da linha de efetiva ocupação econômica do território. Quando os
geógrafos falam de frente pioneira, estão falando dessa fronteira econômica.
Quando os antropólogos falam de frente de expansão, estão geralmente falando
da fronteira demográfica. Isso nos põe, portanto, diante de uma primeira
distinção essencial: entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica há
uma zona de ocupação pelos agentes da “civilização”, que não são ainda os
agentes característicos da produção capitalista, do moderno, da inovação, do
racional, do urbano, das instituições políticas e jurídicas, etc.13.
É possível, assim, fazer uma primeira datação histórica: adiante
da fronteira demográfica, da fronteira da “civilização”, estão as populações
indígenas, sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a fronteira
demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente
da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira
econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização,
mas, nela, pelos agentes da modernização, sobretudo econômica, agentes da
economia capitalista (mais do que que simplesmente agentes da economia de
mercado), da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora. Digo que se
trata de uma primeira datação histórica porque cada uma dessas faixas está
ocupada por populações que, ou estão no limite da História, como é o caso
das populações indígenas; ou estão inseridas diversamente na História, como
é o caso dos não índios, sejam eles camponeses, peões ou empresários.
Cada uma dessas realidades tem o seu próprio tempo histórico, se
considerarmos que a referência à inserção ou não na fronteira econômica indica
também diferentes níveis de desenvolvimento econômico que, associados a
níveis e modalidades de desenvolvimento do modo de vida, sugerem datas
históricas distintas e desencontradas no desenvolvimento da sociedade, ainda
que contemporâneas. E não me refiro apenas à inserção em diferentes etapas
coexistentes do desenvolvimento econômico. Refiro-me sobretudo às
mentalidades, aos vários arcaísmos de pensamento e conduta que igualmente
coexistem com o que é atual14. E não estou falando de atraso social e econômico.
Estou falando da contemporaneidade da diversidade. Estou falando das
diferenças que definem seja a individualidade das pessoas, seja a identidade
dos grupos.
Essa distinção não é conceitual nem é classificatória, ao contrário
do que entendem diferentes pesquisadores que trataram da fronteira a partir
do surto expansionista de 1964. Nesse equívoco repousa a controvérsia sobre
o tempo histórico da frente de expansão e o tempo histórico da frente pioneira,
pois não se reconhece que o tempo histórico de um camponês dedicado a uma
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e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

agricultura de excedentes é um, enquanto o tempo histórico do pequeno


agricultor próspero, cuja produção é mediada pelo capital, é outro. E é ainda
outro o tempo histórico do grande empresário rural. Como é outro o tempo
histórico do índio integrado, mas não assimilado, que vive e se concebe no
limite entre o mundo do mito e o mundo da História. Como ainda é inteiramente
outro o tempo histórico do pistoleiro que mata índios e camponeses a mandado
do patrão e grande proprietário de terra: seu tempo é o do poder pessoal da
ordem política patrimonial e não o de uma sociedade moderna, igualitária e
democrática que atribui à instituição neutra da justiça a decisão sobre os litígios
entre seus membros. A bala de seu tiro não só atravessa o espaço entre ele e a
vítima. Atravessa a distância histórica entre seus mundos, que é o que os
separa. Estão juntos na complexidade de um tempo histórico composto pela
mediação do capital, que junta sem destruir inteiramente essa diversidade de
situações.
A distinção entre frente pioneira e frente de expansão é, na melhor
das hipóteses, um instrumento auxiliar na descrição e compreensão dos fatos
e acontecimentos da fronteira15. É um instrumento útil quando as duas
concepções são trabalhadas na sua unidade, quando destaca a temporalidade
própria da situação de cada grupo social da fronteira e permite estudar a sua
diversidade histórica não só como diversidade estrutural de categorias sociais,
mas também como diversidade social relativa aos diferentes modos e tempos
de sua participação na História. No entanto, diferentes pesquisadores a
interpretaram como uma tipologia da fronteira e a ela se referiram e a reduziram
ao esquematismo classificatório da controvérsia latino-americana dos anos
sessenta e setenta sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo, sobre a
natureza histórica das mudanças (e das lutas sociais) que estavam ocorrendo
no campo: eram transformações no capitalismo ou era transição de pré-
capitalismo (e, para alguns, até feudalismo) para o capitalismo?
Tal esquematismo procurou legitimidade no marxismo estruturalista
de inspiração althusseriana que se difundiu na América Latina nesse período,
sobretudo através de manuais de vulgarização do pensamento de Althusser.
Porém, penso que o marxismo estruturalista não pode reconhecer nos processos
sociais a diversidade e contemporaneidade dos tempos históricos, porque os
separa em agregados referidos à lógica do espaço. Assim, o modo capitalista
de produção, em sua perspectiva, é estritamente constituído por um jogo de
categorias que, embora contraditórias, tem uma mesma e única data, a do
tempo da burguesia e do proletariado. Quase sempre essa data única está
subjacente à idéia do capitalismo como sistema (e como conceito) que, por
isso, reduz todas as relações, por mais diversificadas que sejam, a uma única,
definida como capitalista. O recurso ao conceito estruturalista de formação
econômico-social é um artifício que procura manter uma certa idéia de
totalidade, porém constituída de níveis, isto é, camadas de realidades desiguais,
dotadas de autonomia relativa umas em relação às outras e, portanto, esvaziadas
de historicidade. A partir daí não se distingue entre sistema mercantil e
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e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

capitalismo, entre dinheiro e capital, entre propriedade privada e propriedade


capitalista (isto é, propriedade de meios de produção destinados à exploração
característicamente capitalista da força de trabalho), entre modo de produção
capitalista e modo de produção especificamente capitalista, entre processo de
trabalho e modo capitalista de produção, etc.
As relações sociais de data diversa, isto é, que encerram outra
temporalidade, nessa orientação são reconhecidas unicamente na definição de
um outro modo de produção (no fundo, uma espécie de tipo ideal). Ao invés
da coexistência de tempos históricos na contradição dos processos sociais,
essa orientação reconhece os desencontros dos tempos históricos apenas em
termos de articulação de modos de produção16 (e não de contradição
contemporânea no interior das próprias relações sociais). Além disso, a lógica
espacial dessa orientação impõe a distinção de níveis da realidade, ainda que
combinados, como se fossem instâncias dotadas de autonomia, como a da
economia, da política, da ideologia. São, na verdade, artifícios que permitem
classificar a realidade ajustando-se as partes, as peças, numa arquitetura em
que o pesquisador apenas intui, mas não demonstra, o lugar de cada uma.
Portanto, nessa perspectiva é impossível reconhecer o desencontro dos tempos
históricos contidos nas relações sociais reais, como expressão da diversidade
na unidade, própria da sociedade capitalista e moderna. E, principalmente,
torna-se impossível reconhecer, a não ser por um artifício mecanicista, a
possibilidade de transformação do presente e nele a possibilidade da História,
a virtualidade da História, a História não só como passado, mas como promessa
contida na luta pela vida, pelas concepções da vida como vir a ser, no destino
de todos. Sobretudo ela reduz as contradições (e as alternativas que anunciam)
ao anúncio de um único destino histórico para todos indistintamente, todas as
classes, todos os grupos, todas as histórias singulares (como a dos índios, dos
camponeses, dos operários, dos jovens, das mulheres, etc.). No fundo, uma
concepção totalitária. Reduz o destino de todos ao destino da burguesia na sua
contrafação histórica: a classe média. E não toma como referência, obviamente,
o destino do gênero humano na sua diversidade.

Os confins do humano e a fronteira da História

A categoria mais rica e apropriada para a reflexão sociológica é a


de frente de expansão porque ela se refere a lugar e tempo de conflito e de
alteridade. Já em Turner (cf. 1956, p. 2), a concepção de fronteira era a do
limite entre civilização e barbárie. Em perspectiva oposta, é para Ribeiro limite
da civilização. No Brasil, para os próprios membros do que se poderia chamar
provisoriamente de sociedade da fronteira17, a fronteira aparece freqüentemente
como o limite do humano. A fronteira é a fronteira da humanidade. Além dela
está o não-humano, o natural, o animal. Se entendermos que a fronteira tem
dois lados e não um lado só, o suposto lado da civilização; se entendermos
que ela tem o lado de cá e o lado de lá, fica mais fácil e mais abrangente
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

estudar a fronteira como concepção de fronteira do humano. Nesse sentido,


diversamente do que ocorre com a frente pioneira, sua dimensão econômica é
secundária.
O Brasil é um país particularmente apropriado para estudar a
fronteira nessa perspectiva. As últimas décadas tem sido uma época em que
grupos humanos de diferentes tribos indígenas foram contactados pela primeira
vez pelos civilizados. Ao mesmo tempo, civilizados muito diversificados entre
si, com mentalidades muito desencontradas a respeito de seu lugar nesse
dramático confronto da condição humana e de concepções de humanidade: o
camponês, o peão, o garimpeiro, o grande fazendeiro, o empresário, o religioso
(de diferentes confissões religiosas), o funcionário público, o antropólogo.
O que poderia ter sido um momento fascinante de descoberta do
homem, foi um momento trágico de destruição e morte. Mas, isso não tira a
dimensão épica e poética dos fugidios instantes do encontro de diferentes
humanidades como tem ocorrido na região amazônica18. Para mim, o mais
expressivo documento desse ato de achar o outro é a fotografia de um jovem
índio da tribo Kreenakarore, o rosto pintado de urucu, espreitando, na floresta,
os brancos que os procuravam e os viam pela primeira vez também: os olhos
arregalados descobriam e deixavam descobrir uma outra humanidade19. Foi
em outubro de 1972. A existência dessa tribo havia sido descoberta no dia 6
de fevereiro por um sertanista que sobrevoava a selva, para saber se havia
populações indígenas no trajeto por onde passaria a rodovia Cuiabá-Santarém,
atraí-las e contactá-las. Nesse dia foi avistada uma de suas aldeias. No dia 14,
uma expedição encontrou os primeiros vestígios de sua existência: picadas na
mata, restos de fogueiras e ossos de animais. No dia 25 de maio, às 11 h da
manhã, os Kreenakarore atacaram os brancos pela primeira vez e feriram um
trabalhador. No dia seguinte, o comando militar encarregado da abertura da
estrada suspendeu os trabalhos a apenas 20 km do acampamento da expedição.
No dia 27, um helicóptero retirou o trabalhador que fora flechado pelos índios.
Na noite seguinte, os sertanistas ouviram várias vezes o pisar das folhas secas
do chão de seu acampamento por visitantes que se tornavam invisíveis quando
o foco da lanterna era dirigido para o local de onde vinha o ruído. Isso foi
interpretado como sinal de que os índios queriam entrar em contato com os
brancos. Na tarde do dia seguinte, os membros da expedição colocaram
presentes no local em que o trabalhador fora flechado: facões, machados, facas,
colares, peças de alumínio. Assustados pelo tiro que um trabalhador dera num
macaco que estava numa copa de árvore sob a qual se encontrava um grupo de
índios, e sentindo a aproximação da expedição, os Kreenakarore queimaram
sua aldeia e se refugiaram na mata. Mas, deixaram para os brancos vários
presentes: bordunas, flechas, arcos. De fato, também eles estavam tentando
contactar os brancos. No dia 4 de outubro, os índios recolheram os presentes
deixados pelos brancos na margem do rio Peixoto de Azevedo. No dia 15
apareceu nas proximidades um grupo numeroso de índios que falavam alto e
gesticulavam muito. No dia 19, reapareceram na margem esquerda do rio,
34
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

acenando para a expedição. Um dos sertanistas chegou a dez metros de distância


de um casal, que o ameaçou retezando o arco e, em seguida, internando-se na
mata. No dia 31 de dezembro, os índios começaram a reconstruir a aldeia que
haviam queimado. No dia 13 de fevereiro de 1973, eram finalmente atraídos
para viver no acampamento dos brancos e contados: eram 350 pessoas. Dois
anos depois desses episódios e do contato com os brancos, em janeiro de 1975,
só restavam vivos 79 deles (40 homens e 39 mulheres), todos com sinais
visíveis de tuberculose. Um ano depois, um sertanista denunciava que brancos
podiam ter submetido os índios a severas humilhações, que eles não faziam
mais roça e havia entre eles vários casos de doenças venéreas transmitidas
pelos brancos, sem contar 35 índios com gripe, inclusive o cacique. Os índios
estavam abandonando a aldeia e construindo suas malocas na beira da rodovia,
expostos ao contato indiscriminado com os trabalhadores da estrada. Se
queremos insistir no nosso conceito de civilização e civilizado, a civilização
da frente pioneira havia triunfado sobre a barbárie da selva.

Igarapé no norte do Mato


Grosso (1979).

Essa não é uma história única. Pelo menos 34 tribos indígenas foram
atraídas e contactadas na Amazônia, a partir de 1965, entre tribos até então
desconhecidas e facções arredias de grupos já conhecidos20. Sem contar tribos
fragmentadas em grupos dispersos, em relação a cada qual o contato foi específico.
Vinte e seis delas o foram entre 1970 e 1975. Na quase totalidade desses grupos a
história do contato não varia muito em relação ao caso dos Kreenakarore.
Os brancos utilizam usualmente as palavras atração, pacificação
e contato para se referir à ação de neutralização das populações indígenas que
geralmente reagem quando percebem que seus territórios estão sendo invadidos.
Essas são palavras técnicas do jargão oficial, usadas pelos funcionários da
Fundação Nacional do Índio para caracterizar seu trabalho. O homem comum,
porém, sintetiza essas diferentes ações no verbo amansar os índios. É uma
palavra que dá bem a medida do lugar que o índio ocupa no imaginário do
civilizado da fronteira: ele é geralmente classificado como animal (Ribeiro,
1977, p. 362-363).
Várias localidades da Amazônia receberam o nome de São Félix,
inclusive no período recente. É que São Félix, na crença católica popular, é o
35
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

santo que protege o homem contra os animais peçonhentos e os índios. Na


região, os não-índios, brancos ou não, chamam a si mesmos de cristãos. E
classificam os índios como caboclos, isto é, pagãos, por oposição aos cristãos21.
Certa vez, em São Félix do Araguaia (no Mato Grosso), caminhando pela rua
à beira do rio, ouvi quando algumas crianças começaram a ofender um índio
karajá que passava. Perguntei-lhes porque faziam aquilo, pois o índio era gente
como elas e elas certamente não gostariam que alguém lhes fizesse o mesmo.
Um dos meninos disse-me com espanto: “Ele não é gente como eu. Ele é
caboclo e eu sou cristão!” Lembro-me, ainda, do cacique xavante Aniceto,
numa reunião em Goiânia, opondo-se aos bispos católicos que, por uma questão
de respeito aos índios, não se julgavam no direito de batizá-los. Para Aniceto,
o batismo constituía o reconhecimento da humanidade do índio e uma proteção
em relação aos brancos que, pela falta do batismo, os consideravam animais.
A distinção entre cristão e caboclo é, nesses casos, usada para distinguir os
humanos dos bichos-do-mato22.
Nesse período recente, não foram raros os casos de expedições de
caça ao índio organizadas pelos brancos da frente de expansão, para removê-
los de “suas” terras e prevenir ataques. Como em 1963, quando os responsáveis
por um seringal no Mato Grosso ordenaram a destruição e o massacre de toda
uma aldeia de índios Cinta Larga: de avião, em vôos rasantes, foram jogadas
dinamites sobre a aldeia, ao mesmo tempo que uma metralhadora era disparada
sobre os índios que corriam em pânico. Os atacantes voltaram por terra e
metralharam outro grupo de índios acampados à beira de um rio. Ouvindo um
choro abafado de criança, voltaram e encontraram, sob dois corpos crivados
de bala, a mãe viva e uma garotinha. Enquanto violentavam a mulher, que
matariam depois, com um tiro estouraram os miolos da menina que tentara
socorrer a mãe (cf. Ribeiro, 1977, p. 189-190). Isso depois do principal
responsável pela firma ter dito diante de testemunhas: “Estes parasitas destes
índios sem vergonha... Já é tempo de acabar com eles, de liqüidar com eles...
(...) Vamos liqüidar com estes vagabundos.” Os Kayapó, no final dos anos 50,
eram considerados bichos pelos seringueiros e pelos donos dos seringais e
tratados com repugnância (cf. Moreira Neto, 1959, p. 49-64)23.
O que se conhece de como os próprios índios de diferentes tribos
viram e interpretaram a chegada dos brancos e a invasão de seus territórios
por eles é igualmente sugestivo. Quando os Suruí de Rondônia se viram pela
primeira vez frente a frente com um grupo de brancos, o assustado cacique a
estes se dirigiu dizendo: “Branco, eu te amanso”24. Várias tribos se designam
a si mesmas como gente, para diferençar-se dos outros humanos. É o caso dos
mesmos Suruí, que, em sua língua, se chamam a si mesmos de paiter, isto é a
gente (nós mesmos) “em detrimento de outros, que não seriam humanos” (cf.
Mindlin, 1985, p. 99). Nas concepções dos Bororo, do Mato Grosso, os
civilizados estão na mesma categoria dos seres maléficos e mortais, isto é, são
semelhantes, mas não idênticos, às cobras venenosas, aos inimigos e aos
espíritos maléficos, designados por Bope (isto é, coisa ruim). Em suas
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

concepções, o gado bovino é reconhecido como companheiro dos civilizados


porque destrói plantações e, desse modo, rouba alimento dos índios. Aliás, a
vaca não possui um lugar no cosmo Bororo (cf. Viertler, 1990, p. 19-32).
Juruna, um índio Xavante, entende mesmo que, no rio das Mortes,
foram os índios que atraíram e amansaram os brancos: “Deu muito trabalho
atrair branco. Branco sempre com medo. Foi uma luta amansar branco.
Branco matou muito índio, até Xavante poder amansar branco”(cf. Martins,
E., 1978, p. 208)25. Mesmo amansado, o branco permanece excluído do
mundo xavante. Em seu excelente estudo sobre esses índios, Aracy Lopes
da Silva sublinha que o dualismo de seu pensamento e de sua organização
social se expressa na classificação de “nós” e “eles”. As cisões internas
“dão lugar ao surgimento de uma consciência que se expressa na concepção
de um ‘nós’ sempre ampliado” que, em certas circunstâncias, “extravasa os
limites do mundo Xavante e passa a incluir os outros índios”. Trata-se de
uma cultura em que há “a necessidade lógica dos muitos ‘outros’ com que,
nas sociedades Jê, se constrói a noção de pessoa e de identidade individual...”.
E conclui que “à falta do branco, ou melhor, à falta de meios para enfrentar
o branco (...) ele seja substituído pela onça: igualmente outro, elemento da
natureza, assim como o branco excluído do universo cultural xavante”
(cf. Silva, 1986, p. 55 e p. 257-258).
Para o índio o avanço da frente de expansão não repercute apenas
por colocá-lo diante de uma humanidade diferente, a dos civilizados. Repercute
nos rearranjos espaciais de seus territórios e nas suas relações com outras
tribos, sobretudo as inimigas. Essas mudanças resultam em muitas perdas,
não só do território, mas também de vidas e de elementos culturais. Os Asurini
do Xingu não só estavam sendo acossados pelos civilizados desde o século
passado, como também por tribos vizinhas e inimigas que os atacaram várias
vezes e os forçaram a deslocar-se em diferentes ocasiões. Foram expulsos do
Ipixuna pelos Araweté, que por sua vez estavam sendo atacados pelos Kayapó-
Xikrin e pelos Parakanan. No Ipixuna cultivavam 76 variedades de plantas,
“mas, devido à retirada precipitada que efetuaram quando foram atacados
pelos Araweté, só conduziram 46, e destas estão cultivando apenas 11”
(cf. Arnaud, 1989, p. 353)26.
Muito antes da linha fronteiriça definir o limite da presença do
civilizado num território determinado, a frente de expansão já se expande
indiretamente empurrando os grupos indígenas mais próximos para territórios
de seus vizinhos mais distantes. No geral, tem decorrido daí guerras intertribais
e até o extermínio de algumas populações indígenas por parte de outros grupos
indígenas. A escassez de estudos que combinem a etnohistória com a história
dificulta uma visão ampla desse imenso e múltiplo conflito que se dá além da
fronteira, que se mostra, assim, além do mais, fronteira da História, como
resultado da histórica expansão da sociedade civilizada.
Os preciosos estudos de Dominique Gallois sobre o povo Waiãpi,
que vive hoje na fronteira com a Guiana francesa, são justamente indicativos
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

da importância que tais estudos podem ter para melhor compreensão dos
aspectos propriamente dramáticos da expansão da fronteira. Desde o final do
século XVII e início do século XVIII, os Waiãpi vem migrando em direção ao
norte e à Guiana. Deslocaram-se fugindo, empurrados pelos brancos, desde o
rio Xingu. Atravessaram o rio Amazonas e se localizaram na região do rio
Jari, avançando, depois, em direção às suas cabeceiras. Nessa lenta migração
de cerca de trezentos anos, há muitos episódios de guerra com outras tribos
cujos territórios estavam invadindo. Como há episódios de cooptação pelos
civilizados para que se empregassem na caça de outros índios para reduzi-los
à condição de escravos. Sem contar complicados arranjos e relacionamentos
entre tribos indígenas para efetivar um comércio primitivo de ferramentas
produzidas pelos civilizados (cf. Gallois, 1986 e 1993)27.
Os estudos de Gallois sobre esse povo mostram uma complexa e
surpreendente teia de relacionamentos entre diferentes grupos indígenas,
incluindo um grupo de ex-escravos negros fugidos das fazendas da Guiana
francesa e retribalizados, para fazer circular esses produtos entre eles. Um
comércio inteiramente extra-capitalista e, até se poderia dizer, extra-comercial
porque inteiramente estranho aos princípios e realidades econômicos em que
esses produtos foram gerados. Sobretudo porque nesse mundo indígena e tribal
tais mercadorias estão separadas de seu mundo de origem por uma nítida
fronteira social e cultural e por uma lógica de circulação de produtos
inteiramente diversa, distante de qualquer concepção de equivalência. Isso
fica claro na destruição de bens até caros, procedentes dos civilizados, por
ocasião dos rituais fúnebres dos respectivos donos, em diferentes tribos28. A
mercadoria é apenas adicionada à cultura tribal, mas não incorporada segundo
sua implícita lógica mercantil e acumulacionista. Provavelmente, porque a
mercadoria só pode sê-lo se conservar o valor de uso, que se manifesta nas
circunstâncias inclusive culturais em que é usada. Enquanto o branco põe a
ênfase de sua relação com a mercadoria no valor de troca, mesmo quando a
usa (e já não tem valor de troca), o índio põe a ênfase no valor de uso e numa
concepção de uso que anula o “pecado original” da troca.
Diversas tribos indígenas contactadas no período recente foram
surpreendidas migrando lentamente, por longas distâncias, para o interior do país
em conseqüência de pressões anteriores da frente de expansão, diretamente sobre
elas ou sobre seus vizinhos: os Tapirapé se fixaram no Mato Grosso após um
longo percurso a partir do Maranhão; os Xavante estão agora encurralados no
Mato Grosso, entre fazendas de gado e lavouras de camponeses pobres, mas
procedem de Goiás e da Bahia29. Há mesmo casos de tribos originárias de um
ambiente ecológico específico que, em conseqüência dessas migrações, deslocaram-
se para ambientes completamente diferentes, o que as obrigou, em alguns casos
com sucesso e em outros sem sucesso, a reelaborarem sua relação com a natureza,
sua cultura e suas concepções: os Iranxe, originários da região de mata, onde haviam
elaborado “sua experiência histórica de vida”, foram deslocados para o cerrado,
onde se adaptam mal; já os Kayapó foram empurrados do cerrado para a floresta
38
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

Jovem índio tapirapé


observa o rio no embar-
cadouro de sua aldeia
assediada pelas fazen-
das de gado das grandes
empresas do Sudeste
(1979).

e levaram mais de cem anos para se adaptarem ao novo ambiente e produzirem


conhecimentos a ele adequados (cf. Pivetta, 1993, p. 19 e p. 39-47).
Em vários casos, a chegada dos civilizados se deu praticamente no
mesmo período de confrontos devastadores entre diferentes tribos. Há pouco
menos de meio século, um etnólogo relatava o estado de pânico que se apossara
dos índios Tapirapé, do Mato Grosso, em relação aos seus mais perigosos
inimigos, os Kayapó. A mais intensa aproximação da frente de expansão de
seu território coincidia com o fato de que “os Kayapó não somente avançam
em direção ao Araguaia para acabar com os sertanejos e suas casas. Marcham
para o sul atacando Tampiitaua”, a aldeia tapirapé (cf. Baldus, 1970, p. 49)30.
O encontro, portanto, para esses grupos, se deu em momentos dramáticos,
acrescentando um inimigo de certo modo inesperado aos inimigos conhecidos.
Compreende-se que várias dessas tribos tenham aceito e até procurado a
sujeição aos brancos. E tenham imediatamente se disposto a colaborar na
atração e contato de tribos inimigas. Freqüentes vezes, no fundo, os índios
imaginaram que estavam envolvendo os civilizados em seus próprios conflitos.
Só recentemente diferentes grupos indígenas se deram conta do que estava de
fato acontecendo e passaram a se aliar a seus antigos inimigos para enfrentar
os brancos. Esse é certamente um dos aspectos novos da expansão da fronteira
no Brasil. E outro aspecto novo e fundamental é que populações indígenas
tem pressionado os brancos, com êxito, no sentido da expansão das fronteiras
de seus territórios de confinamento, como tem se dado com os Kayapó; ou
reocupando fazendas abertas em seus antigos territórios, inclusive instalações,
como ocorre com os Xavante.
Esse cenário de conflito não se desenha necessariamente sobre o
imaginário de um território aberto e ilimitado. Lux Vidal, no seu minucioso
estudo sobre os Kayapó-Xikrin, relata que eles “reconhecem dois pontos
cardeais: leste e oeste”. E que, em oposição ao leste, que é bem definido, por
ser o lugar de sua origem e de origem de seus mitos, “o oeste é simplesmente
um ponto de referência convencional de delimitação do espaço (...), mas, não
39
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

definido, ninguém poderia situá-lo. Segundo os índios ‘é o fim do mundo’”. É


também o lugar da noite perpétua (cf. Vidal, 1977, p. 18 e 21). Segundo Gallois,
também os Waiãpi, no mito em que se referem ao lugar Mairi, mencionam que
ali está o buraco do final da terra. Na sua reconstituição da relação entre mito
e História, Gallois descobriu que Mairi é a cidade de Almeirim, antiga
localidade de referência, embora distante, da fortaleza de Macapá, construída
pelos portugueses no período colonial. Há nessa fortaleza o que parece ser um
calabouço em forma de poço. Um índio conhecedor do mito, ao visitar a
fortaleza pela primeira vez, disse: “Quando conheci a fortaleza, reconheci o
lugar”. O “buraco do final da terra” era o lugar onde “jogavam as pessoas”.
De qualquer modo, ali efetivamente termina a terra, como terminava a vida;
depois dali é o oceano (cf. Gallois, 1993, p. 17).

A disputa pela concepção de destino na situação de fronteira

Quem conhece a fronteira sabe perfeitamente que nela, de fato, essas


“faixas” se mesclam, se interpenetram, pondo em contato conflitivo populações
cujos antagonismos incluem o desencontro dos tempos históricos em que vivem.
A recente expansão da fronteira mostrou isso de maneira muito clara. Práticas
de violência nas relações de trabalho, como a escravidão por dívida, próprias
da história da frente de expansão, são adotadas sem dificuldade por modernas
empresas da frente pioneira. Pobres povoados camponeses da frente de
expansão, permanecem ao lado de fazendas de grandes grupos econômicos,
equipadas com o que de mais moderno existe em termos de tecnologia.
Missionários católicos e protestantes, identificados com as orientações

Família de peões escra-


visados por dívida tra-
balhando na derrubada
da mata, na frente pio-
neira de Jaru, Rondônia
(1977).

teológicas modernas da Teologia da Libertação encontram lugar em suas


celebrações para as concepções religiosas tradicionalistas do catolicismo
rústico, próprio da frente de expansão31.
A dinâmica da frente de expansão não se situa num único mecanismo
de deslocamento demográfico. Tradicionalmente, a frente de expansão se movia
e excepcionalmente ainda se move, em raros lugares, em conseqüência de
características próprias da agricultura de roça. Trata-se de um deslocamento
lento regulado pela prática da combinação de períodos de cultivo e períodos
40
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

de pousio da terra. Depois de um número variável de anos de cultivo do terreno,


os agricultores se deslocam para um novo terreno. Onde essa prática é mais
típica, como o Maranhão, o deslocamento se dá no interior de um território de
referência ao redor de um centro, de um povoado. Quando a roça fica distante
do centro, a tendência é a criação de um novo centro, ao redor do qual os
lavradores abrem suas roças segundo critérios de precedência e antigüidade
dos moradores e segundo concepções de direito muito elaboradas, isto é, quem
tem direito de abrir roça onde, por exemplo. Desse modo, a fronteira se expande
em direção à mata, incorporando-a à pequena agricultura familiar.
A tendência observada até agora é a da aceleração do deslocamento
da frente de expansão, ou mesmo seu fechamento, em decorrência da invasão
das terras camponesas por grileiros, especuladores, grandes proprietários e
empresas32. Quando não integrados no mercado de trabalho, os camponeses
eram e são expulsos de suas terras e empurrados para “fora” da fronteira
econômica ou para “dentro” como assalariados sazonais. Se encontram terras
livres mais adiante, continuam a tendência migratória, mesmo que para pontos
mais distantes. É notável a circulação de informações sobre terras livres ou
presumivelmente livres, entre camponeses, centenas de quilômetros adiante.
A teia de relações de parentesco e de compadrio se encarrega de difundir as
informações sobre a localização de novas terras que ainda podem ser ocupadas.
O que é facilitado pelo lento deslocar de fragmentos de grupos famíliares
desses camponeses. Embora tendencialmente migrem em família e até em
grupo33, há uma rede familiar mais extensa e viva que constitui a referência
nesse movimento. Em cada etapa do deslocamento, os membros da família, os
compadres, os antigos vizinhos já chegados acolhem os que vêm depois e
serão acolhidos mais adiante pelos que se foram antes (cf. Keller, 1975,
p. 674). A verdadeira estrutura social de referência das populações camponesas
da fronteira não é a local e visível. Ela se espalha por um amplo território,
num raio de centenas de quilômetros, e é uma espécie de estrutura migrante,
uma estrutura social intensamente mediada pela migração e pela ocupação
temporária, ainda que duradoura, de pontos do espaço percorrido. Os estudos
sociológicos que tomam como referência uma localidade específica não
apanham a realidade social mais profunda que dá sentido à existência dessa
espécie de sociedade transumante.

Sta. Terezinha, antigo


povoado de posseiros no
norte do Mato Grosso,
local de conflito armado
com jagunços de um
banco paulista, em 1973
(1979).
41
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

Quando não há perspectiva de encontrar novas terras nem há


perspectiva ou disposição de entrar na economia da miséria no interior da
fronteira econômica, geralmente começa a luta pela terra, o enfrentamento do
grande proprietário e seus jagunços. Em algumas regiões tem sido possível,
nos últimos vinte anos, observar a passagem das migrações espontâneas,
decorrentes da saturação da terra, para as migrações forçadas pelas expulsões
violentas da terra. E observar, neste último caso, que mesmo aí os camponeses
migram para não muito longe, como que circulando ao redor de um ponto ou
ao longo de uma rota de referência. Quando a pressão se combina com a falta
de alternativa, surge o conflito, como ocorreu em vários pontos do sul do Pará
(Hébette, s/d., p. 1-3). A história recente das lutas camponesas no Brasil tem,
aliás, mostrado abundantemente que mesmo quando não se configura a falta
de alternativas, os camponeses ameaçados optam pela luta pela terra, pelo
questionamento seja dos supostos direitos dos alegados proprietários seja da
própria legitimidade desses direitos. As diferentes modalidades de acomodação
desses conflitos por parte do Estado, com as desapropriações de terras para
reforma agrária, até preventivamente nos casos de probabilidade de tensão
social, mostram que os trabalhadores rurais, ainda que por via indireta,
conseguiram abrir uma alternativa poderosa e em grande parte sua numa
situação de aparente falta de alternativas34.
São eles, por isso, agentes característicos da frente de expansão,
embora não sejam os únicos nem necessariamente os decisivos. Por isso, violam
a linha da fronteira demográfica e avançam sobre territórios que são sempre
territórios tribais, isto é, territórios de algum modo incluídos no circuito de
perambulação de algum grupo tribal. Além das situações de conflito com as
populações indígenas que procuram resistir a esse avanço, há também as
situações de fuga dos mesmos indígenas, que se deslocam mais para o interior
à procura de novos espaços, geralmente às custas de graves conflitos entre as
próprias populações indígenas, de tribos diferentes ou até do mesmo grupo

Pedro Afonso, Goiás,


povoado e município
decadente da antiga
frente de expansão do
Tocantins, onde os tem-
pos se combinam: as
casas de adobe e palha
e as casas de alvenaria
(1984).
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

indígena (como tem ocorrido entre facções da grande nação Kayapó).


O conjunto da informação histórica que hoje se tem sobre a frente
de expansão e a frente pioneira sugere que a primeira foi a forma característica
de ocupação do território durante longo período. Começou a declinar com a
chamada Marcha para Oeste, em 1943, e a intervenção direta do Estado para
acelerar o deslocamento dos típicos agentes da frente pioneira sobre territórios
novos, em geral já ocupados por aqueles que haviam se deslocado com a frente
de expansão. Tipicamente, a frente de expansão foi constituída de populações
ricas e pobres que se deslocavam em busca de terras novas para desenvolver
suas atividades econômicas: fazendeiros de gado, como ocorreu na ocupação
das pastagens do Maranhão por criadores originários do Piauí; seringueiros e
castanheiros que se deslocaram para vários pontos da Amazônia. E mesmo
agricultores. Levaram consigo seus trabalhadores, agregados sujeitos a formas
de dominação pessoal e de exploração apoiadas no endividamento e na coação.
Quando a economia da borracha entrou em crise e decadência aí
por 1910, muitos desses empreendimentos extrativos, que eram essencialmente
comerciais e não agrícolas, simplesmente encerraram suas atividades. Ficaram
para trás os trabalhadores, dedicados à própria subsistência e comercialização
de excedentes em pequena escala. Essencialmente, houve um refluxo da
economia, expresso diretamente no retorno a uma economia baseada na
produção direta dos meios de vida por parte dos trabalhadores (cf. Ianni, 1978,
esp. p. 64). Isso tinha sentido, porque os donos de seringais e castanhais eram
meros posseiros ou foreiros que haviam arrendado suas terras do Estado.
Portanto, a partir desse momento, a frente de expansão ficou caracterizada
como uma frente demográfica de populações camponesas e pobres
residualmente vinculadas ao mercado. Ao invés de estagnar, continuou
crescendo e se expandindo pela chegada contínua de novos camponeses sem
terra originários sobretudo do nordeste, no caso da Amazônia, que foram
ocupando as terras real ou supostamente livres da região.
Uma característica importante da frente de expansão em todo o país,
para datá-la historicamente, é que quando se deslocavam juntos ricos e pobres,
deslocavam-se com base nos direitos assegurados pelo regime sesmarial.
Embora o regime de sesmarias tenha cessado às vésperas da Independência e
só tenha sido substituído por um novo regime fundiário com a Lei de Terras
de 1850, ele continuou norteando as concepções de direito à terra de ricos e
pobres e, em muitos casos, norteia até agora.
Ainda hoje, quando um posseiro da Amazônia justifica seu direito
à terra, ele o faz invocando o direito que teria sido gerado pelo trabalho na
terra. Ao mesmo tempo, reclama e proclama que seu direito está referido aos
frutos de seu trabalho, que por serem seus está no direito de cedê-los ou vendê-
los. A concepção de que é preciso ocupar a terra com trabalho (na derrubada
da mata e no seu cultivo) antes de obter reconhecimento de direito, era próprio
do regime sesmarial. Do mesmo modo, a concepção de que o trabalho gera
direito de propriedade sobre os frutos do trabalho também era própria desse
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

regime fundiário. Nele, o domínio estava separado da posse. O domínio era


da Coroa. Quando, por acaso, o sesmeiro deixasse de cultivar a terra ou de
obter dela frutos para pagar tributos, a terra se tornava devoluta (ou realenga,
como então se dizia, isto é pertencente ao rei). Podia por isso ser novamente
distribuída pelo representante da Coroa, bastando que alguém a ocupasse e,
depois, a requeresse, como ocorreu freqüentemente. Do mesmo modo, a casa
de um agregado construída em terras de sesmaria ou data de outrem, bem
como suas roças e cultivos, não sendo ele escravo, lhe pertenciam legalmente,
sendo a relação com o sesmeiro apenas relação de enfiteuse. Portanto, o trabalho
de fato gerava direito sobre bens produzidos e sobre a terra beneficiada ou,
melhor, sobre o benefício incorporado à terra, como era o caso do desmatamento.
É comum encontrar-se nos arquivos documentos de transferência
da propriedade de uma casa a um terceiro, construída em terras de um segundo,
que apenas recebia o laudêmio, um tributo quase simbólico de reconhecimento
do seu senhorio e não de sua propriedade (já que o proprietário eminente era o
rei). A Lei de Terras de 1850 é que juntaria num único direito, o de propriedade
(mantendo, porém, separados os conceitos), a posse e o domínio. O vocabulário
e o imaginário monárquicos, ainda tão fortes nas frentes de expansão, não são
devidos unicamente a arcaísmos religiosos, mas também a uma concepção de
direito muito próxima dos pobres: a dos direitos (de uso) gerados pelo trabalho
em oposição aos direitos (de propriedade) gerados pelo dinheiro35.
A partir de 1943, a frente pioneira que, em outras regiões se movia
impulsionada pelos interesses imobiliários do grande capital, das empresas
ferroviárias e da grande agricultura de exportação, como o café, no Sudeste, na
Amazônia passa a depender da iniciativa do governo federal. Ela se torna a forma
característica de ocupação das novas terras. Os grandes episódios desse impulso
foram a Expedição Roncador-Xingu e a Fundação Brasil Central, ambas oficiais,
nos anos 40; a construção da rodovia Belém-Brasília, nos anos 50; e, finalmente,
a política de incentivos fiscais da ditadura militar a partir dos anos 6036. A política
de incentivos, ao subsidiar a formação do capital das empresas amazônicas, dando-

Rodovia Transamazô-
nica na entrada de Al-
tamira (Pará). Ao fundo,
o rio Xingu (1985).
44
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

lhes assim uma compensação pela imobilização improdutiva de capital na aquisição


de terras para abertura das fazendas (onde era esse o caso), promoveu a aliança
entre os grandes proprietários de terra e o grande capital.
Nesse quadro, o deslocamento da frente pioneira sobre as terras já
ocupadas pela frente de expansão foi acelerado37 e deu à superposição dessas
distintas frentes de ocupação territorial uma violenta dimensão conflitiva.
Tornaram-se freqüentes e numerosos os despejos violentos e dramáticos de
posseiros das terras que ocupavam. Com ou sem base em decisão judicial, os
supostos donos, muitas vezes apoiados em documentos falsos, têm conseguido
com facilidade o reconhecimento de direitos indevidos. A aceleração do avanço
da frente pioneira em diversas regiões adiantou-se à própria frente de expansão
e entrou diretamente em contato com as populações indígenas. Se nos anos
70, no Mato Grosso, a distinção entre as duas modalidades de ocupação
territorial ainda podia ser facilmente feita, o mesmo não se deu nos anos 80,
no Pará. Aqui os índios ainda em fase incipente de integração na sociedade
nacional combateram diretamente as grandes empresas modernas que se
instalavam em sua região com grandes fazendas, interditando-lhes o acesso às
terras que pretendiam ocupar. Foi o que ocorreu especialmente com os Kayapó.
No Mato Grosso, os Xavante e os Bororo só reagiram contra os fazendeiros
após passar um certo tempo de sua pacificação. Especialmente os primeiros,
atacando fazendas já instaladas em seus antigos territórios e retomando-as.
Porém, o avanço da frente pioneira sobre a frente de expansão e a
conflitiva coexistência de ambas é mais do que contraposição de distintas
modalidades de ocupação do território. Ao coexistirem ambas na situação de
fronteira, dão aos conflitos que ali se travam, entre grandes proprietários de
terra e camponeses e entre civilizados, sobretudo grandes proprietários, e índios,
a dimensão de conflitos por distintas concepções de destino. E, portanto,
dimensão de conflitos por distintos projetos históricos ou, ao menos, por
distintas versões e possibilidades do projeto histórico que possa existir na
mediação da referida situação de fronteira. Essa situação de fronteira é um
ponto de referência privilegiado para a pesquisa sociológica porque encerra
maior riqueza de possibilidades históricas do que outras situações sociais.
Em grande parte porque mais do que o confronto entre grupos sociais com
interesses conflitivos, agrega a esse conflito também o conflito entre
historicidades desencontradas.
No meu modo de ver, o encontro de relações sociais, mentalidades,
orientações historicamente descompassadas, até propriamente no limite da
História, introduz a mediação das relações mais desenvolvidas e poderosas na
definição do sentido das relações mais “atrasadas” e frágeis, ou melhor, das
relações diferentes, com outras datas e outros tempos históricos. A
sobreposição da frente pioneira e da frente de expansão produz uma situação
de contemporaneidade dessas relações de tempos distintos. E nela a mediação
das relações mais desenvolvidas faz com que a diferença apareça, na verdade,
como atraso. As relações mais avançadas, mais caracteristicamente
45
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

capitalistas, por exemplo, não corroem nem destroem necessariamente as


relações que carregam consigo a legitimidade de outras épocas. Portanto, nesses
casos, a diferença não tem sentido como passado, mas como contradição e
nela como um dos componentes do possível, o possível histórico de uma

Mandioca pubando na
água do igarapé para
fabricação de farinha
em roça de posseiro, na
frente de expansão do
norte do Mato Grosso
(1979).

sociedade diversificada, que ganha sua unidade na coexistência das diferenças


sociais e étnicas. Seria muito ingênuo imaginar que elas constituem uma receita
de tendências históricas.
Isso não quer dizer, muito ao contrário, que o capital não estenda
sobre o território da frente de expansão uma rede de relações comerciais para
nelas integrar os produtos da indústria extrativa ou mesmo os produtos
agrícolas, especialmente os que são típicos da subsistência regional, como a
farinha de mandioca, o arroz, etc. Ou, até, estenda seus vínculos diretamente
às populações indígenas acuadas, como têm feito as grandes empresas na
extração de madeira e minérios nos últimos tempos. E isso não transforma
nem os camponeses nem os índios em típicos operários de empresa capitalista.
Isso não impede, também, que grandes empresas, dotadas de organização
empresarial e técnica moderna e sofisticada, recorram à peonagem, isto é, a
escravidão por dívida, sobretudo nas atividades de derrubada da mata e de
implantação de suas fazendas, o que é próprio dos seringais e castanhais da
frente de expansão. Como não impede, ainda, que bolsões de populações
indígenas e camponesas sobrevivam no interior da frente pioneira, ou mesmo
em regiões de ocupação antiga, como ocorre no Nordeste e no Sul do país,
ainda que num certo sentido enclausuradas em terras de menor interesse
econômico ou em territórios demarcados. E que, a partir daí, se integrem
marginalmente (ou não) no mercado de produtos agrícolas.

Sobrevivência e milenarismo no mundo residual da expansão capitalista

Justamente essa primeira constatação da diversidade das


temporalidades históricas na fronteira sugere a possibilidade de um equívoco
no uso das concepções de frente de expansão e frente pioneira como
instrumentos de classificação e definição dessa realidade. Ainda que os
geógrafos tenham acentuado a importância da urbanização, das modernas vias
46
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

de comunicação, dos empreendimentos econômicos modernos, da mentalidade


moderna, sugeriram com razão a precedência dos fatores econômicos no
deslocamento da frente pioneira, o principal dos quais, sem dúvida, a conversão
da terra em mercadoria. Entretanto, os que incorporaram a distinção entre
frente de expansão e frente pioneira, simplificadamente, como instrumentos
de classificação e definição da realidade da fronteira, transferiram, inclusive
os críticos, a precedência do econômico para a análise também da frente de
expansão38. Com isso, o que é próprio e característico dessa última situação
de fronteira se desfigura, aparecendo como etapa (e não como expressão de
contradição), por exemplo, na expansão do capital na Amazônia.
No meu modo de ver, as relações sociais (e de produção) na frente
de expansão são predominantemente relações não-capitalistas de produção
mediadoras da reprodução capitalista do capital. Isso não faz delas outro modo
de produção. Apenas indica uma insuficiente constituição dos mecanismos de
reprodução capitalista na frente de expansão. Insuficiência que decorre de
situações em que a distância dos mercados e a precariedade das vias e meios
de comunicação comprometem a taxa de lucro de eventuais empreendedores.
Portanto, aí tendem a se desenvolver atividades econômicas em que não
assumem forma nem realidade própria os diferentes componentes da produção
propriamente capitalista, como o salário, o capital e a renda da terra. Os meios
de produção ainda não aparecem na realidade da produção como capital nem
a força de trabalho chega a se configurar na categoria salário. Portanto, o
produtor não tem como organizar sua produção de modo capitalista, segundo
a racionalidade do capital. O capital só entra, só se configura, onde sua
racionalidade é possível.
Se a frente pioneira se define essencialmente pela presença do capital
na produção, o mesmo não ocorre, portanto, na frente de expansão, que não se
constitui pela precedência do que nós definimos como econômico na

"Seu" Roxo, posseiro de


economia excedente,
apura o caldo de cana
para fazer rapadura, seu
açúcar caseiro, em Sta.
Terezinha, Mato Grosso
(1985).
47
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

constituição de seus modos de vida e da mentalidade de seus agentes. Embora


sua dinâmica resulte da ação e dos interesses do capital, combinados com as
concepções próprias do camponês e mesmo do índio integrado39.
A frente de expansão tornou-se, no fundo, o mundo residual da
expansão capitalista, o que está além do território cujas terras podem ser
apropriadas lucrativamente pelo capital. Explico-me: tanto Monbeig quanto
Waibel mostraram claramente que na frente pioneira o capital se torna
proprietário de terra, recria no terreno os mecanismos da sua reprodução
ampliada. Expande-se sobre o território, de que se apossa como seu território.
Essa expansão territorial traz para a própria fronteira a infraestrutura da
reprodução capitalista do capital: o mercado de produtos e de força de trabalho
e com ele as instituições que regulam o princípio da contratualidade das relações
sociais, que é o que caracteriza a sociedade moderna. O mercado se constitui
na mediação essencial que dá sentido ao processo de ocupação do território.
A frente de expansão também é expansão de relações mercantis.
Mas, numa concepção inversa à da expansão da produção propriamente
capitalista. As relações que na história da fronteira no Brasil tem precedido o
avanço da frente pioneira propriamente dita não se caracterizam pela ação do
empreendedor que expande a reprodução capitalista do capital no território
novo. Antes, sua ação é no sentido de estender as relações mercantis além dos
limites do território propriamente incorporado na reprodução capitalista do
capital. Há um limite além do qual não é possível extrair renda capitalista da
terra. Provavelmente por isso, os territórios sobre os quais se move a frente de
expansão são claramente marcados pela ausência da propriedade fundiária
moderna, predominando a posse efetiva ou o aforamento. A teoria da fronteira
é, no meu modo de ver, basicamente um desdobramento da teoria da expansão
territorial do capital. Novos terrenos são ocupados de modo capitalista
quando é possível extrair deles a renda capitalista da terra, ao menos a renda
absoluta, isto é, quando é possível embutir nos preços dos produtos nela
cultivados, além da renda territorial, a taxa média de lucro do capital40. Se a
distância em relação ao mercado a que o produto se destina implica em transferir
ao transporte esse lucro, nenhum capitalista estará interessado em investir em
atividades econômicas geograficamente localizadas além de um certo limite41.
Se o capitalista tiver que deduzir do seu lucro o preço do transporte para fazer
o produto chegar ao mercado e aí realizar o seu ganho, ele certamente haverá
de considerar a alternativa de outros investimentos para seu capital.
Além desse limite, está a frente de expansão, mas não a frente
pioneira. Por isso, a frente de expansão está mais próxima da economia
mercantil simples do que da economia capitalista e, ao mesmo tempo, está
próxima da mera economia de subsistência. O camponês produz aí seus
próprios meios de vida, além dos excedentes comercializáveis. Ele não pode
se inserir plenamente na divisão social do trabalho que rege o conjunto da
economia. Porque se o fizer, terá que se especializar, dedicar-se de preferência
aos produtos mais rentáveis naquela terra e naquele lugar. E adquirir no mercado
48
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

seus meios de vida. Ora, os meios de vida que circulam através do mercado
são meios de vida cujo preço incorporou a taxa de lucro do capital que os
produziu e/ou que os comercializou. Desse modo, eles impõem à reprodução
de seus consumidores e da força de trabalho a rentabilidade e a mediação do
capital. Para que a força de trabalho se reproduza terá que receber por seu
produto o seu valor, isto é, o que foi dispendido em meios de vida por quem
trabalha, pois do contrário a força de trabalho não poderá reproduzir-se. Onde
a distância do mercado não viabiliza a extração da renda capitalista da terra, o
camponês terá que organizar sua economia em outras bases. Ele terá que
produzir e assegurar seus próprios meios de vida. Com isso, poderá vender
seus produtos como excedentes e não como produtos cujo preço de venda pelo
produtor esteja eventualmente baseado numa contabilidade de custos, como
ocorre na atividade organizada em bases empresariais. Isso fica mais claro se
considerarmos os produtos que tanto são produzidos na frente de expansão
quanto na frente pioneira e nas regiões antigas.
No Brasil, de modo geral, um desses produtos é o arroz. Até a uma
certa distância do mercado consumidor, o arroz poderá ser produzido de modo
empresarial, como ocorre nas grandes regiões arrozeiras do sul, do sudeste e
do centro-oeste. A partir desse limite, isto é, além da frente pioneira, não poderá
ser produzido de modo empresarial. A partir daí terá que ser produzido sem
que o produtor possa assegurar sua sobrevivência apenas com sua
comercialização. Em conseqüência, a sobrevivência do agricultor dependerá
de que ele possa assegurar essa sobrevivência por outros meios. Ele o faz
organizando sua produção como uma atividade complementar da produção
direta de seus meios de vida. A isso chamo de economia de excedentes para
diferençá-la de mera economia de subsistência. Nela o excedente já aparece
como tal na própria produção. O essencial nessa interpretação é que os meios
de vida do agricultor não são imediatamente estabelecidos pela mediação do
mercado. Mesmo que o camponês venha a ter que comercializar também parte
de seus meios de vida, ele sabe que está vendendo aquilo que originariamente
fora destinado à sua subsistência. É diferente da situação do assalariado e
mesmo do pequeno agricultor capitalista que, no momento da produção, não
sabe e não pode distinguir entre o que vai constituir seus meios de vida e o que
vai constituir o excedente apropriado pelo capital, num caso, ou destinado à
sua própria acumulação, no outro. O excedente do camponês da frente de
expansão é um excedente concreto, produto de trabalho concreto, do mesmo
modo que seus meios de vida. Os meios de vida de quem trabalha para o
capital, como ocorre com o operário ou o assalariado do campo, tem seu
montante definido pela mediação do capital e é materialização de trabalho
abstrato e, portanto, social. Não é o próprio trabalhador que calcula e define
quanto da produção vai se constituir em seus meios de vida.
Muitas ressalvas tem sido equivocamente apresentadas a essa
concepção. Há, freqüentemente, situações concretas em que, embora o
agricultor produza de fato seus próprios meios de vida, toda sua atividade está
49
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

dominada pela produção do excedente comercializável. E mesmo que não esteja,


seu estado de pobreza o leva freqüentemente a reter para sua subsistência e de
sua família, o que sobra do que foi obrigado a vender ao comerciante e
intermediário. Não raro tendo que endividar-se junto ao armazém para assegurar
a sobrevivência de sua família durante o ano, vendendo antecipadamente a
colheita que ainda não fez, do produto que ainda não está maduro. Ao invés de

Ancoradouro no rio
Xingu, em Altamira,
infraestrutura viária da
antiga frente de ex-
pansão revitalizada pela
frente pioneira (1985).

vender a sobra previamente calculada da produção direta de seus meios de


vida. Portanto, aparentemente não estaríamos aí em face de uma economia de
excedentes, mas de uma autêntica economia de mercado.
As coisas, porém, não são assim. O excedente não é o resto ou a
42
sobra . Não se trata de que o agricultor assegure para si e sua casa a
subsistência e só depois venda o que sobrou. Trata-se de uma economia de
excedentes porque o raciocínio que preside a organização da produção, isto é,
o que plantar e sobretudo quanto plantar e até onde plantar está organizado a
partir da idéia de que do que se planta uma parte deveria destinar-se
primeiramente à subsistência da família do produtor e um excedente deveria
ser produzido para troca ou comércio. O acréscimo no tamanho da roça em
relação à subsistência depende da disponibilidade de força de trabalho familiar
ou da possibilidade de pagar a terceiros para que a façam. Essa é uma das
razões pelas quais a saída de casa do filho homem e adulto acarreta em geral
uma redução nas condições de vida da família, um certo empobrecimento43. O
excedente depende de vários fatores. De um lado, do número de braços na
família. De outro lado, da fertilidade remanescente do terreno. Como em geral
na frente de expansão o que se pratica é agricultura de roça, há sempre
necessidade de novas terras (e, portanto, de paulatino deslocamento dos
agricultores em direção a terras virgens). Mas, depende, também, de que não
ocorra uma doença na família, pois isso geralmente implica em despesas
extraordinárias com remédios. O que muitas vezes leva a comercializar o
50
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

produto destinado à própria subsistência e ao endividamento posterior para


repô-lo quando se fizer necessário. Situação que se repete quando algum
desastre natural reduz a produtividade do trabalho, como chuvas excessivas
ou seca.
Muitas das dificuldades para compreender as peculiaridades e os
efeitos dessa economia simples vêm de pesquisadores que limitaram suas
observações, quando as fizeram, a regiões em que a economia camponesa está
em crise, sobretudo em conseqüência da sua maior dependência do mercado
devido a alterações nas necessidades da família camponesa, quando a
desorganização da economia de excedentes já está adiantada. E sobretudo em
regiões em que as roças camponesas já estão cercadas pelas grandes fazendas
de gado. Os camponeses não podem, por isso, concretizar o deslocamento
cíclico de suas roças para áreas de mata próximas e terras virgens. O declínio da
produtividade agrícola e o que é, de certo modo, seu confinamento, comprometem
a reprodução desse campesinato e a dinâmica da frente de expansão.
Mesmo que tais populações se tornem acentuadamente dependentes
do mercado e dos pequenos comerciantes de seus povoados, seu vínculo
mercantil será acessório, limitado e marginal, no sentido de que não é ele que
organiza a totalidade do mundo camponês. Em seu mundo, o mercado é
constituído pelos precários terminais de uma rede de aquisição de produtos
agrícolas ou extrativos, adquiridos basicamente em troca de outros produtos,
sobretudo industrializados, que chegam ao camponês por preços várias vezes
multiplicados em relação aos grandes centros urbanos. Isso, porém, não quer
dizer que, ao mesmo tempo, os comerciantes de povoado não constituam parte
integrante e, mesmo, essencial desse mundo, como de fato constituem (cf.
Keller, 1975, p. 681). Porém, os produtos não circulam de modo autenticamente
mercantil, até por que tem aí escassa presença o dinheiro, predominando as
trocas44. Seus preços não refletem o mercado, mas as condições monopolistas
da comercialização e, sobretudo, o poder pessoal do comerciante. No geral, a
troca se dá no interior de uma relação que é sobretudo patriarcal relação de
dominação. Estamos, portanto, em face de uma inserção imperfeita do
camponês no mercado porque é imperfeito e não-capitalista o mercado que
chega até ele e que procura envolvê-lo em sua teia de exploração econômica.
Essa é a forma da conversão, pelo capital comercial e usurário, do excedente
físico em lucro.
A frente de expansão não tem sido apenas constituída pelo
campesinato. Nela, há uma grande diversidade de personagens, atividades
econômicas e relações sociais específicas. Há uma espécie de burguesia de
fronteira que muitas vezes toma a iniciativa pela expansão desses modos
marginais de produção das mercadorias. Ela é responsável pela implantação
desses terminais de sucção de produtos e desproporcional distribuição de
mercadorias trazidas de fora.
A frente de expansão está mais próxima das relações servis de
trabalho do que das relações propriamente capitalistas de produção. Os casos
51
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

de peonagem ou escravidão por dívida, no Brasil, ocorrem com muito mais


freqüência na frente de expansão do que nas outras regiões. É evidente que
são relações produzidas no processo de reprodução ampliada do capital, que
recorre a mecanismos de acumulação primitiva em certos momentos dessa
reprodução ampliada (cf. Martins, 1995, p. 1-25), isto é, recorre seja ao confisco
de bens, como a terra, seja ao confisco de tempo de trabalho mediante ampliação
da margem de trabalho não pago.
Tem sido característico da frente de expansão, no Brasil, a ausência
da propriedade formal da terra, esta última constituída de simultâneos direitos
de posse e domínio. A população camponesa é geralmente posseira ou ocupante
de terra, sem título de propriedade. Os patrões, onde os há, foram durante
longo tempo, até há poucos anos, ou meros posseiros, como os camponeses,
ou arrendatários de terras públicas, pagando ao Estado foros quase simbólicos
e, sobretudo, pagando com favores políticos e eleitorais, de tipo clientelista,
as concessões territoriais recebidas (cf. Emmi, 1988, p. 92-93). Essa precária
relação de pobres e ricos com a posse da terra na frente de expansão não é só
resultado da precária institucionalização do direito de propriedade, mas também
resultado de que tais territórios estão fora do circuito rentável da renda da
terra ou da aplicação de capital na aquisição de terrenos.
Se na frente pioneira a racionalidade econômica e a constituição
formal e institucional das mediações políticas estão visivelmente presentes
em todos os lugares e momentos, já na frente de expansão é notório o
predomínio dos valores sociais, das crenças, do imaginário na formação,
definição e sustentação dos vínculos sociais. Aí com freqüência os instrumentos
da economia mercantil, especialmente o dinheiro, chegam como expressão do
mal e do diabólico. O que se explica porque nela o poder de corrosão dos
processos econômicos é extremamente mediatizado, não atua diretamente e
imediatamente sobre mentes e relações sociais. No meu modo de ver, isso está
relacionado com a produção direta de meios de vida e a produção complementar
(mesmo que em primeiro lugar) de excedentes para escambo e comércio. O
Violeiro que cantou a dinheiro e a mercadoria não são direta e predominantemente responsáveis pela
saga dos posseiros do
povoado de Sta. Tere-
reprodução social. E, nesse caso, quanto mais é marginal e, ao mesmo tempo,
zinha, norte do Mato corrosiva e violenta a inserção no mercado, mais se acentua a força do
Grosso, em conflito com imaginário no modo de vida dessas populações e na tentativa de compreensão
a nova fazenda de um
banco paulista (1979). de seus próprios dramas e misérias.
Nesse sentido, não se pode compreender a frente de expansão
reduzindo-a à expressão material de simples busca de terra por parte dos
camponeses pobres expulsos das áreas de latifúndio, sobretudo no nordeste.
Essa busca não raro precede o próprio ato de expulsão ou, então, quando o
sucede, tem características muito diversas da de uma súbita desagregação de
vizinhança. Ela tende a se definir no ambiente do ajustamento precário a uma
nova situação decorrente da expulsão, a um novo relacionamento do homem
com a natureza, freqüentemente envolvendo perda cultural, realidades novas
que impõem redefinição de costumes e tradições. Sobretudo porque essas
52
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

mudanças acarretam desagregação de grupos de constituição antiga, no mais


das vezes apoiados numa estrutura de vínculos de parentesco real ou ritual.
Uma certa consciência de proximidade do fim dos tempos, decorrente de uma
sensação de inexplicável de-moralização, privação, provação e castigo impõe
às vítimas da expropriação material e cultural uma certa compreensão
apocalíptica dos acontecimentos45.
A busca tem um forte caráter comunitário, o que se vê claramente
nos locais de imigração ao longo do Tocantins e do Araguaia e mesmo em
Rondônia. Em parte porque esses grupos são constituídos por extensas
parentelas, agregando ascendentes, descendentes e colaterais, grupos que
mesmo uma dramática adversidade econômica não destrói. Um certo simplismo
economicista sugere que a expropriação produz mecanicamente a
individualização e a integração no mercado de trabalho, já não mais do grupo,
mas de cada um de seus antigos membros. No entanto, as evidências mostram
que mesmo quando, aparentemente, as coisas ocorrem desse modo, com as
migrações para as grandes cidades, o que temos é o contrário: migrações
temporárias em grupo dão lugar a migrações definitivas feitas aos poucos,
geralmente começando pelos mais jovens, depois os homens e finalmente a
família toda. A migração dos membros de uma família tende a durar muitos
anos, até que todos se transportem de um lugar a outro46. Em parte, tanto num
caso quanto noutro, porque esses grupos se concebem como comunidades de
destino e de pertencimento. De certo modo, da mesmo maneira que para as
populações indígenas, esse pertencimento inclui os ancestrais. A insistência
com que algumas tribos tentam recuperar terras ancestrais, como é o caso dos
Xavante, tem a ver, em parte, com a localização de seus cemitérios. O sentido
do dilaceramento que a destruição desse mundo desperta no íntimo de muitos
camponeses da frente de expansão pode ter uma intensidade dramática de
difícil identificação a partir de esquemas convencionais de participação.
A história das frentes de expansão no Brasil, neste século, inclusive
no sul, tem sido ao mesmo tempo a história do milenarismo camponês47.
Praticamente todos os movimentos milenaristas ou messiânicos do período
ocorreram nas frentes de expansão, ou em bolsões de tradicionalismo em que
o modo de vida é idêntico ao que pode ser observado naquelas, e ocorreram
nos momentos em que os camponeses estavam sendo expulsos da terra ou
estavam ameaçados de expulsão.
Pude observar diretamente que as migrações espontâneas do nordeste
para a Amazônia, para um número muito grande de pessoas, estão motivadas
por concepções milenaristas. Em diferentes pontos de uma extensão de cerca
de oitocentos quilômetros ao longo do rio Araguaia encontrei diversos grupos
de camponeses que chegaram à região inspirados pelas profecias do Padre
Cícero sobre a existência de um lugar mítico depois da travessia do grande
rio. E tive notícia de um grupo desgarrado, empenhado na mesma busca, que
se estabelecera à beira do rio Tocantins. Esse lugar mítico é reconhecido como
o lugar das Bandeiras Verdes, que ninguém sabe dizer exatamente o que é
53
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

nem onde é. Mas, seria reconhecido quando fosse encontrado, por ser um
lugar de refrigério, de águas abundantes, de terras livres, em contraste com o
nordeste árido e latifundista48.
Trata-se, claramente, de milenarismo medieval e europeu, como é
próprio da maioria dos casos de milenarismo no Brasil. Os que procuram as
Bandeiras Verdes andam em grupos. Geralmente são grupos de parentes e
vizinhos no local de origem. Sua trajetória dos pontos de origem no nordeste aos
lugares em que se estabeleceram varia de seiscentos a oitocentos quilômetros. O
deslocamento é lento, em vários casos tomando dos peregrinos muitos anos,
com paradas demoradas ao longo do trajeto. O fenômeno vem ocorrendo há uns
quarenta anos aproximadamente e se tornou muito intenso nos anos 70.
É extremamente significativo que os peregrinos se desloquem na
direção leste-oeste, que é a mesma direção do deslocamento da fronteira e do
movimento de efetiva ocupação do território. Geralmente seguem o sentido de
orientação da Via Láctea, a que chamam de Caminho de São Tiago. Lembro
aqui que São Tiago é o mesmo Saint Jacques que dá nome às jacqueries, às
revoltas camponesas. E o Caminho de São Tiago é o mesmo Caminho de
Santiago de Compostela, na Espanha, seguido pelos peregrinos que no tempo
das Cruzadas partiam para a Terra Santa, para a guerra contra os infiéis e para
resgatar o túmulo de Cristo. Nesse sentido, o deslocamento atual, na direção
supostamente indicada pela Via Láctea, segue um rumo oposto ao do percorrido
pelos cruzados na Idade Média européia. Lembro, também, que Compostela é
“campo de estrelas”, isto é, a Via Láctea. Portanto, na fronteira, há um
imaginário místico, que mescla e adapta ao sentido de movimento próprio da
frente de expansão, vários e diferentes componentes do imaginário medieval.
Pode-se dizer que “adapta” na medida em que a realidade que sustentava esse
imaginário, na origem, era a do movimento do oeste em direção a leste. Aqui
é o contrário, como se os camponeses recorressem ao que parece ser o arquétipo
do confronto com o desconhecido, com a natureza, com o outro e, sobretudo,
com o próprio limite do humano.
Há um certo componente de guerra santa nesse universo, como
ocorreu numa frente de expansão do sul do país, de 1912 a 1916, quando
houve a chamada Guerra do Contestado49. É como se a humanização do homem
tivesse em qualquer circunstância a dimensão de uma peleja mortal, não só
entre Deus e o diabo, mas entre o humano e o inumano. As influências das
heresias medievais se anunciam através das inversões das relações sociais: é
nos opostos que está o sentido do que aparentemente perdeu o sentido. No
Contestado, era preciso morrer para renascer no exército divino de São Sebastião;
os velhos deveriam se tornar jovens, a sabedoria e o poder estavam com as
crianças. Além disso, quem não se recolhesse aos redutos santos era inimigo.
Além dos seguidores da Bandeira Verde, há outros grupos de
camponeses peregrinos como o de Maria da Praia, que há muitos anos se
desloca de Minas Gerais, no sudeste, para o Norte. Depois de alguns anos
atravessando Goiás e Mato Grosso, o grupo se encontra hoje no Pará50.
54
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

Na frente de expansão do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, em


1955, o milenarismo de um pequeno grupo de camponeses assumiu a forma
de alucinação coletiva e durou uns poucos dias. Aí também a inversão se deu
pela troca de nomes das pessoas, pelo recebimento de um novo nome. Ao mesmo
tempo, promoveu a configuração do inimigo: os possuídos pelo demônio
(cf. Castaldi, 1957, p. 17-130).
Há muitas indicações de joaquimismo nesses movimentos, inclusive
nos recentes, na Amazônia. Isto é, aparentemente há influências das idéias de
Gioacchino Da Fiore, um monge calabrês do século XII, responsável pela
elaboração e difusão de concepções relativas à chegada do Tempo do Espírito
Santo51. A utopia joaquimita se manifesta, no milenarismo sertanejo, nas
práticas comunitárias, já que sua previsão é a de que há de chegar um tempo
de justiça, de fraternidade, de liberdade, de fartura - um tempo de libertação.
Têm sido muito fortes na região as representações do mal que aflige
os camponeses ameaçados de expulsão da terra pelos grandes proprietários e
pelas grandes companhias na figura da Besta-fera apocalíptica. Freqüen-
temente, os diferentes, os de fora, os antagônicos, são considerados “correios
da Besta”, enviados da Besta. A Besta é também a configuração do dinheiro
nesse universo marcado pelo grande fluxo do capital, agente reconhecido das
violências contra esses camponeses52.
Também entre as populações indígenas na situação de contato têm
ocorrido movimentos messiânicos no período relativamente recente, como entre
os Tükuna, os Ramkokamekra-Canela, os Krahô e diferentes grupos Tupi53.
Freqüentemente, concepções messiânicas relacionadas com a proximidade do
branco e a desorganização do mundo tribal que ela acarreta. Baseiam-se, quase
sempre, na alteridade que o branco representa, na desigualdade de forças no
confronto entre índios e brancos. Se são tentativas de incorporar os brancos
nas suas referências míticas, são também construções míticas da inversão
possível dessas relações, como ocorreu no messianismo Krahô.
O reavivamento, entre os civilizados, de concepções arquetípicas,
de origem medieval, na frente de expansão, parece indicar, em termos muito
gerais, uma certa dificuldade para elaborar uma consciência própria dos
conflitos e da desagregação das relações sociais, sobretudo as relações de
parentesco e vizinhança, na situação singular que ali se constitui.
Os desencontros próprios da frente de expansão envolvem
conseqüências e elaborações muito mais profundas do que ocorreria se os
camponeses que nela se encontram apenas estivessem buscando terra ou se os
índios apenas estivessem tentando reter ou ampliar seu território. Eles estão,
certamente, também buscando terra para trabalhar e assegurar a sobrevivência
e a continuidade da família ou tentando manter territórios revestidos de uma
certa sacralidade na memória tribal. Mas, o fato de que se encontrem numa
situação que é também limite do humano, fronteira de humanidade, limite e
fim de mundo, parece impor-lhes a necessidade de deslocar para imaginários
mais profundamente estabelecidos a busca de sentido para a vida nos confins
55
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

do humano, na fronteira. A revitalização do imaginário medieval e de um


imaginário milenarista e cristão, inclusive, direta ou indiretamente, em alguns
grupos indígenas, repõe um sistema de referência também baseado na idéia de
limite e fronteira: o confronto entre cristãos e infiéis, entre o bem e o mal. Eles
estão, sim, buscando a Terra Prometida, que é muito mais do que o instrumento
material da produção que domina o interesse dos pesquisadores e suas análises
da frente de expansão. Nesse sonho se manifesta a grande transfiguração
produzida pela fronteira, de certo modo definidora da sua singularidade
temporária e histórica: tempo e espaço se fundem no espaço limite concebido
ao mesmo tempo como tempo limite. É no fim que está propriamente o começo.

Recebido para publicação em outubro/1995

MARTINS, José de Souza. The time of the frontier. Return to the controversy concerning
historical period of the expansion frontier and the pioneer frontier. Tempo Social; Rev. Sociol.
USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, May 1996.

UNITERMS: ABSTRACT: The Frontier is a recurrent theme in the Brazilian literature on


frontier, Social Sciences. Despite attemps by certain anthropologists in importing
historical period,
notions which F. Turner developed for explaining the expanding frontier of
frontier period,
social movements, the USA, and which deal with the influence of the frontier on the constitution
peonage, of American national character, strictly speaking such notions do not apply
expansion frontier, to the Brazilian case. Geographers and anthropologists, in the period
pioneer frontier.
extending from the 30's to the 50's carried out field surveys which provided
essential elements for a sociological concept of the frontier as rooted in what
is historically unique and sociologically relevant for the Brazilian case. Based
on these references, the author puts forth his thesis suggesting that the frontier
is, at once, the site of otherness and the expression of contemporaneity of
historical epochs. It is here that the unity of the diverse, a methodological
presupposition of dialectics, offers the most appropriate and rewarding space
for scientifc investigation.

Notas

1
No meu modo de ver, é o caso do útil estudo da economista Leonarda Musumeci, O Mito
da Terra Liberta (Colonização ‘espontânea’, campesinato e patronagem na Amazônia
Oriental) (1988). Apesar de seu estudo se referir a um único povoado camponês do
Maranhão, em que já não há senão remanescentes sociais da situação de fronteira, a
autora o toma como típico da ampla e diversificada situação de fronteira e questiona
desenvolta e fartamente interpretações relativas ao tema, que têm como referência um
âmbito mais amplo e complexo. Além disso, não se baseia em observações propriamente
etnográficas, mas em opiniões de seus entrevistados, freqüentemente induzidas para testar
os antagonismos de sua polêmica teórica. Como se as questões propriamente interpretativas
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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

pudessem e devessem ser verificadas no terreno do senso comum. Dentre os exemplos


de resposta induzida que podem ser encontrados no referido livro, transcrevo este:
“P(esquisadora) - ‘...se alguém tem um terreno sem nenhuma benfeitoria [grifo meu,
JSM] e tá querendo ir embora, ele também pode vender?’ I(informante) - ‘Vende o direito,
viu? É mais barato, viu?, mas vende. ’ P - ‘Mas aí ele tá vendendo o quê?’ I - ‘Ele tá
vendendo só um direito, porque tava trabalhando naquele terreno, e sempre domina. O
cabra vai lá, fala pra botar uma roça, ele diz: ‘não, isso aqui é meu’, e tal, o povo respeita,
viu? Aí ele quer sair...’ P - ‘O que é dele? Quando ele diz ‘isso aqui é meu’, o que que é?
A capoeira?’ I - ‘É, só mesmo a capoeira, só o direito, porque trabalha naquele lugar. (...)
Porque tem..., trabalha naquele pedaço de chão, aí acha que tem direito, né?, de ninguém
entrar ali sem a pessoa comprar’. P - ‘Aí são duas coisas que podem ser vendidas: uma
é a benfeitoria e outra é o direito, são duas coisas diferentes, né?’ [sugere Musumeci,
como se não tivesse excluído a benfeitoria na pergunta inicial, JSM]. I - ‘Pois é. . . Mas
a benfeitoria que a gente fala aqui é o mesmo... é o direito [corrige o informante, reagindo
à sugestão de Musumeci, JSM]. É, tá certo, a benfeitoria. Porque quando tem a benfeitoria
a gente compra mais caro, né? [corrige-se o informante depois de ter sido induzido a
confundir o direito sobre a terra gerado pelo trabalho na terra, o desmatamento, com as
benfeitorias, JSM]. Agora, só o direito, a gente compra baratinho...’ (Lavrador do Barro
Vermelho)”. E, então, Musumeci conclui, depois de ter sugerido ao trabalhador que
direito e benfeitoria são a mesma coisa e depois de ter recebido o esclarecimento de que
não são: “... os depoimentos citados (...) sugerem que o direito pode não abarcar apenas
o que de concreto se produziu e construiu sobre a terra; pode englobar também um direito
de terra, um direito do local, ou seja, um ‘poder de monopólio’ sobre a parcela assituada
e explorada pelo camponês...” [reforça Musumeci, JSM]. Cf. Musumeci (1988, p. 68-
69, grifos do original). Assim, Musumeci reduz (e desfigura) a especificidade histórica
do direito gerado pelo trabalho na terra de posse ao direito dominante de propriedade
enquanto monopólio econômico jurídicamente fundado e assegurado sobre uma parcela
de terra. A autora nesse caso procura pôr na boca do trabalhador sua própria tese. As
concepções desse e de outros entrevistados da autora e de seu orientador, apontado como
co-autor (p. 12), invocam concepções do direito sesmarial dos tempos coloniais, com o
qual ambos não parecem familiarizados. Sem contar que um antropólogo, mais do que
perguntas verbais aos entrevistados, faria demoradas observações de campo para obter,
pela via propriamente antropológica, também as informações não verbalizáveis que lhe
indicassem quais são na prática (e não na palavra induzida) os costumes dos camponeses
utilizados em suas indagações. A deformação metodológica que assinalo no trabalho
dessa autora e do co-autor, faz da economista e do antropólogo os heróis-sujeitos da
pesquisa. A propósito desse tema, sugiro a leitura do interessante artigo de Paulo Roberto
Arruda de Menezes, “A questão do herói-sujeito em cabra marcado para morrer, filme
de Eduardo Coutinho” (1995, p. 107-206).
2
Godfrey, que é geógrafo, menciona esse fato expressamente em relação ao Brasil e, ao
mesmo tempo, assinala que uma das limitações da interpretação de Turner sobre a fronteira
americana é justamente a de ter ignorado a luta pela terra. Cf. Godfrey (1979, p. 8 e 40-
59). O conflito social, como conceito-guia, é também adotado por Marianne Schmink e
Charles H. Wood (1989, p. 14) [Para a versão já publicada desse estudo, cf. Marianne
Schmink e Charles H. Wood 1992]. Jean Hébette, numa avaliação dos estudos sobre a
fronteira no Brasil, sublinhou que, na atualidade, o conflito pela posse da terra é o tema
mais polarizador. Cf. Jean Hébette (1978, p. 3).
3
Foweraker ressalta que “o antagonismo primário da fronteira reside entre os camponeses
e os ‘outros’...”, no sentido de uma certa diluição da dimensão propriamente de classe do
conflito fundiário (1982, p. 48).
4
O tema da alteridade, nesse tipo de contato, está proposto no estudo de Todorov sobre a
Conquista da América, em que ele trata “da descoberta que o eu faz do outro” e do fato
de que “o eu é um outro”. Cf. Todorov (1984, p. 5).
5
Cf. meu ensaio sobre “Antropofagia e barroco na cultura latino-americana” (Martins,
1993, p. 15-26).
6
Esses caboclos “não são as sentinelas avançadas da marcha para oeste”. Cf. Monbeig,
(1940, esp. p. 111; 1952; 1957).
7
Há diferenças, também, no modo de ver a fronteira quando se faz a comparação entre

57
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

países diferentes. Gerhard seleciona como principais traços para um estudo comparativo
de fronteiras a democracia política na forma de auto-governo, a tendência ao igualitarismo,
a mobilidade e a conseqüente quebra do vínculo do costume ou da tradição. Cf. Gerhard
(1959, p. 207). Os estudos da situação de fronteira no Brasil indicam que os traços
relevantes são aqui inteiramente outros, em geral opostos a esses.
8
Foi uma antropóloga, Gioconda Mussolini, que chamou a atenção dos cientistas sociais
brasileiros para o fato de que os nossos antropólogos e sociólogos, até os anos 50, optaram
pela realização de estudos de comunidade nas “zonas velhas”, isto é, em zonas tradicionais
e socialmente estáveis, em oposição às “zonas novas” ou pioneiras. Nesse sentido, “não
têm se interessado pela zona pioneira”, ou seja, pelas zonas de organização social ainda
instável. Ela sugere, assim, as implicações dessa opção: “Quase que invariavelmente,
porém, os estudos de comunidade realizados no Brasil revelam, como dissemos, interesse
definido da parte de seus autores por áreas nas quais se espera verificar a qualidade de
‘organização cultural’ e estabilidade social, selecionando-se, por esta razão, pontos que
além de situados nas ‘zonas velhas’ de povoamento, sejam o suficiente isolados para
que se anteveja a possibilidade de concretização daquela expectativa. ” Cf. Mussolini
(1955, esp. p. 338, grifo meu). Portanto, o que o pesquisador via e vê em seu trabalho de
campo está acentuado por essa opção e por essa orientação prévias.
9
Embora eu mesmo, neste texto, use o conceito de capitalismo várias vezes, faço-o, porém,
sabendo que introduz uma distorção na concepção marxiana de capital e de modo capitalista
de produção. O conceito de capitalismo, que Marx não usou, sugere um sistema, idéia
muito distante do que o próprio Marx pensava, pois sua referência era o processo do
capital, o movimento do capital, sua reprodução ampliada e não sua mera reprodução.
Faço-o, porém, para facilitar o diálogo crítico que este texto contém, sobretudo com
autores que trabalham com a pressuposição de um sistema social, em cujo interior o
progresso é um desdobramento da ordem, à moda positivista.
10
No mesmo número da revista em que Cardoso de Oliveira publicou seu artigo e projeto
de pesquisa, seu aluno Otávio Guilherme C. A. Velho publicou um relatório de trabalho
de campo, em princípio norteado por aquele mesmo projeto, em que seu autor diz: “O
dinamismo da frente hoje está intimamente ligado à busca de terra”. (Cf. Velho, 1967, p.
38). Essa afirmação poderia ter diferentes sentidos, mas a ênfase geral do artigo é posta
nos aspectos propriamente econômicos da frente de expansão. É aí que nasce, no meu
modo de ver, a reorientação reducionista dos estudos antropológicos da frente de expansão
na perspectiva do que os geógrafos definiram como frente pioneira, dominados pelas
questões econômicas, como se veria no primeiro livro do autor sobre o tema (cf. Velho,
1972). Nessa orientação, a questão da centralidade do conflito, que motiva Cardoso de
Oliveira, vai para um plano inteiramente secundário, embora Velho tenha dito no referido
artigo, que seu trabalho “pretende ser um desdobramento do artigo de Roberto Cardoso
de Oliveira...”(p. 29).
11
Falando da frente pioneira em São Paulo, Monbeig esclarece que “os pioneiros paulistas
jamais puderam dispor de terras gratuitas: nada é mais estranho à faixa pioneira brasileira
que a ‘terra devoluta’. (...) A posse do solo começa por um negócio...” (cf. Monbeig
1957, p. 110).
12
Cf. Neiva, (1949, p. 226). A distinção entre fronteiras políticas e fronteiras econômicas
estava claramente presente no discurso geo-político do Estado Novo, que justificava a
Marcha para Oeste. O presidente Getúlio Vargas referiu-se a elas, em sua viagem à
Amazônia, em 1945, no documento relativo à fixação do primeiro marco da estrada para
o Xingu e lugar da futura cidade de Xavantina. Nesse documento, Vargas assinala a nova
consigna da frente pioneira apoiada nas pressões e nos favores do Estado: fazer coincidir
as duas fronteiras. Concretamente, isso indicava a aceleração do avanço da frente pioneira
sobre a faixa da frente de expansão (cf. Cunha, 1974, p. 119).
13
“São etapas sucessivas de penetração civilizadora e, conseqüentemente, correspondem a
graus diversos de intensidade de interação. Assim, as frentes extrativas são freqüentemente
penetrações exploratórias e recentes a que se seguirá a ocupação definitiva de base
agrícola. Esta última raras vezes assumiu no Brasil a forma de fronteira de expansão
sobre áreas indevassadas. Via de regra, cresce sobre regiões previamente exploradas por
coletores de artigos florestais” (Ribeiro, 1977, p. 244).
14
Apoio-me, nessa orientação metodológica, em dois trabalhos fundamentais de Henri
58
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

Lefebvre (cf. 1949, p. 78-100; 1953, p. 122-140). Esses dois trabalhos estão traduzidos
para o português (cf. Martins (org.), 1981, p. 144-177). Sartre reconheceu e destacou a
fundamental importância metodológica do segundo artigo “em todos os domínios da
antropologia” (cf. Sartre, 1966, esp. p. 46-47).
15
A junção e o confronto das duas concepções - frente de expansão e frente pioneira -,
como momentos históricos distintos e combinados de diferentes modalidades da expansão
territorial do capital, foi feita pela primeira vez numa pequena comunicação que apresentei,
em julho de 1971, na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
em Curitiba (PR). Essa comunicação, por iniciativa do prof. José Roberto do Amaral
Lapa, foi publicada no mesmo ano em Estudos Históricos (1971, p. 33-41). Foi
reproduzida, em 1972, em Cadernos (1972, p. 102-112) e, em 1973, na Revista Mexicana
de Sociologia (Vol. XXXV, no. 4). Reeditei-a no meu livro Capitalismo e Tradicionalismo
- Estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil (1975, p. 43-50). Nessa
perspectiva, teve ampla repercussão entre os estudiosos do tema e é hoje referência
corrente em muitos estudos sobre a fronteira. Especialmente os trabalhos sobre temas
históricos destacaram o acerto de tratar as duas concepções como expressões de um
mesmo processo. Dentre os estudos amplamente influenciados por aquele texto de 1971
e pela orientação que nele propus, destaco em particular os de Warren Dean (1976); de
Joe Foweraker (1981); e de Carlos Rodrigues Brandão (1983).
16
A concepção articulacionista é proposta por Pierre-Philippe Rey (1976).
17
Bogue fala em sociedades de fronteira (cf. Bogue, 1968, p. 75).
18
Este artigo estava pronto há vários meses quando os jornais de setembro e outubro de
1995 noticiaram o encontro de dois grupos indígenas desconhecidos, ocorrido em
Corumbiara, Rondônia. No dia 3 de setembro, um domingo, depois de quatro dias de
busca, uma equipe dirigida pelo sertanista Marcelo Santos, chefe do Departamento de
Índios Isolados de Rondônia, da Fundação Nacional do Índio (Funai), encontrou um
casal de índios não identificados. A primeira palavra que o sertanista dirigiu ao casal,
num português não compreendido, foi “amigo”. Só quando armas e equipamentos foram
depositados no chão, porém, é que o casal então compreendeu que a intenção era de paz.
Transcrevo o relato do jornalista sobre esse momento solene e litúrgico: “Os primeiros
passos do casal foram vagarosos. Desceram até a ponte de madeira sobre o riacho que
separa a aldeia da mata. Antes de atravessar, a mulher iniciou uma cerimônia. Parecia
pegar no ar os maus espíritos e assoprar para longe, para dentro da mata. O grupo visitante
permaneceu quieto até que se aproximassem. A primeira reação dos dois foi tocar braços
e mãos dos brancos. ‘Querem sentir se estamos nervosos’, disse Marcelo. A mulher
tremia. O homem balbuciava um som ininteligível. Marcelo tocou-lhes os adornos, repetiu
‘amigo, amigo’ e sorriu. A forma de entendimento mais eficaz entre os dois grupos foi,
afinal, a mais simples: o riso” (cf. Pereira, 1995a, p. 15). O sertanista encontrara vestígios
desse grupo já em 1985. No início de outubro, o lingüista Nílson Gaba Jr. , do Museu
Paraense Emílio Goeldi, identificou a língua falada pelos índios como canoê, “encontrada
apenas entre seis pessoas na Área Indígena Guaporé, também em Rondônia”
(cf. O Estado de S. Paulo, 10/10/1995, p. A16). Até o momento, foram localizadas na
área do contacto quatro pessoas pertencentes à etnia canoê. Um novo grupo, de sete
pessoas, encontrado na segunda quinzena de outubro não é canoê. Aparentemente, pertence
à etnia macurape (cf. Pereira, 1995b, p. A14).
19
A história do contacto com os índios Kreenakarore e suas conseqüências dramáticas foi
contada no noticiário jornalístico que o narrou quase que diariamente de 1972 a 1975.
Cf. , especialmente, O Estado de S. Paulo (8/12/1972, p. 10); O Estado de S. Paulo (12/
12/1972, p. 19); O Estado de S. Paulo (31/12/1972, p. 27); Coojornal, no 59 (11/1980, p.
16); O Estado de S. Paulo (15/01/1975, p. 15); O Estado de S. Paulo (17/08/1975, p. 27).
20
São pelo menos das seguintes tribos os grupos atraídos e contactados nesse período, na
região amazônica: Arara, Ararapé, Aua-guajá, Avá-canoeiro, Buré, Cinta-larga, Guajá,
Ipixuna, Kanamari, Koxodoá, Kreenakarore, Kulina, Kuruayá, Maniteri, Marubo, Mayá,
Mayoruna, Munkü, Nambikuara, Nereyo, Parakanã, Suruí, Tükuna, Txikão, Txukahamãe,
Uru-eu-wau-wau, Urupá-kwine, Wai-wai, Waiãpi, Waiká, Waimiri-Atruahi, Yanomami,
Yauri e Zoró.
21
A propósito da designação de caboclo no caso dos índios Tükuna do Alto Solimões,
Roberto Cardoso de Oliveira nos dá uma explicação fundamental: “o caboclo pode ser
59
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

visto ainda como o resultado da interiorização do mundo do branco pelo Tükuna, dividida
que está sua consciência em duas: uma voltada para os seus ancestrais, outra para os
poderosos homens que os circundam. O caboclo é, assim, o Tükuna vendo-se a si mesmo
com os olhos do branco; isto é, como intruso, indolente, traiçoeiro, enfim como alguém
cujo único destino é trabalhar para o branco” (Oliveira, 1964, p. 80). Darcy Ribeiro
também observou que “o índio aprendeu a se olhar com os olhos do branco, a considerar-
se um pária, um bicho ignorante, cujas tradições mais veneradas não passam de tolices
ou heresias que devem ser erradicadas” (Ribeiro, 1977, p. 213).
22
Las Casas registrou a mesma concepção no vale do Tapajós (cf. 1964, p. 17). Dom Eurico
Kräutler, que foi missionário e, depois, bispo na região do Xingu, de 1934 a 1965, registra
em suas memórias: “Muitos seringueiros tem desprezo pelos índios. Dizem que é permitido
matá-los, porque são animais ferozes e não gente” (Kräutler, 1979, p. 17), “... tenho um
filho de alguns meses de idade. Vim buscar o senhor para batizá-lo. Quero que ele se
torne cristão. Nos arredores rastejam as bestas. - Na sua linguagem, ‘bestas’ queria dizer
‘índios’ ” (p. 72). Referindo-se a Judite, que fora raptada pelos índios Gorotire e que
conseguiu escapar graças à ajuda de Utira, um índio Juruna, também prisioneiro, o autor
comenta: “Judite, porém, logo se esqueceu de seu salvador: sendo índio, afinal, ele não
passava de um bicho...” (p. 90).
23
Cf. também Caron (1971, p. 30).
24
Informação pessoal de Betty Mindlin.
25
Darcy Ribeiro registra que os Xokleng, do sul do Brasil, também acreditavam que eles é
que haviam “amansado” os brancos (cf. Ribeiro, 1977, p. 368).
26
Ocorrências parecidas se deram no território do atual estado de Rondônia. Empurrados
pelos brancos para as serras e cabeceiras dos rios, diferentes grupos indígenas entraram
em conflito entre si (cf. Leonel, 1995, passim).
27
Lux Vidal já havia estudado a relação entre mito e História no caso dos Kayapó-Xikrin
(cf. Vidal, 1977).
28
Em relação aos índios Suruí, Mindlin observou que, quando morre algum deles, queimam
as respectivas posses, inclusive vitrola, rádio, gravador, bicicleta, roupas, animais de
criação (Mindlin, 1985, p. 146). Também os Terena destroem os bens dos mortos
(cf. Oliveira, 1976, p. 106).
29
Devo essa informação a Hiparidi Dzutsi Wa Top Tiro, índio xavante matriculado como
aluno especial no curso de graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e Luís Roberto de Paula,
aluno do mesmo curso que, como bolsista de iniciação científica, está fazendo estudos
sobre os índios Xerente, de Goiás, parentes dos Xavante. Giaccaria e Heide constataram
que no século XVIII os Xavante já se encontravam em Goiás, há mais de mil quilômetros
do mar. Mas notaram também que os velhos Xavante dizem que sua tribo proveio “do
Oriente, do mar”. Esses mesmos autores assinalaram que os Xavante “têm uma lembrança
muito viva do mar que se encontra em algumas de suas lendas” (cf. 1972, p. 13-14).
30
No mesmo ano do relato de Baldus, os Tapirapé foram de fato atacados pelos Kayapó (cf.
Wagley, 1977, p. 31).
31
Uma emblemática indicação da interpenetração da frente pioneira com a frente de expansão
se deu em 1951. Dois funcionários da Fundação Brasil Central desceram o rio Arinos em
direção ao rio Juruena de carona num batelão de um pequeno grupo de seringueiros que
ia tentar reabrir seringais na confluência dos dois rios. Um dos funcionários era
remanescente da Expedição Roncador-Xingu, que percorrera esse trajeto demarcando
locais para futuras cidades, na Marcha para Oeste. Era um agente da frente pioneira. O
grupo de seringueiros era remanescente de conflito com os índios da região e tentava
reocupar, décadas depois, a terra defendida pelos índios. Era agente da frente de expansão
(cf. Cunha, 1974, p. 28-29).
32
Hébette constatou que a fronteira no Paraná e no Mato Grosso, ocupada nos anos 50 e 60,
fechou-se em quinze anos. Em Rondônia, o fechamento se deu em cinco anos (cf. Hébette,
1978, p. 7). Sobre a intensificação do ritmo das expulsões dos camponeses na região do
Xingu, cf. Schmink & Wood (1992, p. 220).

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MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

33
Hébette et alii, no seu detalhado relatório sobre a fronteira, assinalam, no início dos anos
70, a migração de grupos numerosos do norte do Espírito Santo e do sul da Bahia, em
decorrência do esgotamento do solos e da expansão das famílias, para o Médio Tocantins.
Um desses grupos era constituído de cerca de duzentas pessoas lideradas por um fazendeiro
e seus agregados (cf. Hébette et alii, 1983, p. 25-28).
34
Em 1977, quando o conflito fundiário no sul do Pará mal se configurara, Ianni chegou a
prever que, diante da aliança entre o capital monopolista e o Estado, “o campesinato
pouquíssimo ou nada pode fazer. Cabe-lhe resignar-se à destruição, buscar alguma exígua
acomodação ou simplesmente proletarizar-se” (cf. Ianni, 1978, p. 131). No entanto, os
camponeses da mesma região que ele estudou e das regiões vizinhas, ao longo destes
últimos vinte anos, ao invés de sucumbirem ou de se renderem, vêm demonstrando uma
persistente capacidade de resistência à violência dos grandes proprietários de terra (cf.
Figueira, 1986 e 1992); e, ainda, Alfredo Wagner B. de Almeida (1980, p. 14). Detalhes
dessa resistência na região de Marabá se encontram em Jean Hébette (s/d). Do mesmo
modo, catastróficas previsões sobre o fim de grupos indígenas, apesar de graves elevações
nos índices de mortalidade e graves efeitos destribalizadores do contacto, não se
confirmaram por inteiro. Ao contrário, têm sido vários os casos de vigoroso renascimento
de tribos que haviam sido consideradas poucos anos antes em estado terminal. Foi o caso
dos índios Parkatejê do Pará. Sobre esse caso, cf. Ferraz (1983). E foi também o caso
mais recente dos Waimiri-Atruahi, no Amazonas.
35
Diferentes pesquisadores têm assinalado conflitos fundiários em áreas em que ainda
prevalecem concepções relativas ao que se chamava, no período colonial, terras do comum
uso público ou, simplesmente, terras do comum; terras de locais em que as autoridades
não podiam conceder datas ou sesmarias. Não eram, propriamente, terras comunais, mas
terras destinadas expressamente pelas câmaras ou pela Coroa ao uso comum dos
moradores, quando coubesse. Houve áreas em que as terras do comum eram destinadas
especialmente aos animais dos tropeiros, como houve áreas que eram destinadas seja à
agricultura seja à coleta de produtos vegetais por parte dos que não tivessem outros
meios de fazê-lo. Em relação à sobrevivência dessa instituição, cf. Andrade (1981, esp.
p. 8-10); Alfredo Wagner Berno de Almeida (1989, p. 163-196). Sonia Lacerda, Eduardo
Graziano e Margarida Maria Moura observaram no Jequitinhonha, em Minas Gerais, o
costume ancestral da posse em comum das terras de chapada, como contrapartida e
complemento da posse privada das grotas ou veredas (cf. Lacerda, 1983; Graziano, 1982;
Moura, 1988, esp. p. 125 ss.). Esse mundo rústico, dotado de lógica própria, sobrevive (e
se recria) não só nas frentes de expansão, mas também “em bolsões de resistência
(testemunhas vivas de outra época) nos interstícios dos amplos latifúndios” (cf. Cardoso,
1979, p. 92). Além das terras do comum ainda na posse de lavradores que se crêem com
direito a seu uso com base no costume, há no Brasil terras legalmente insuscetíveis de
apropriação privada, como as terras de marinha e as terras do Distrito Federal, que,
devido ao desmantelamento das instituições relativas às terras do comum, estão geralmente
na posse de moradores ricos por óbvias razões políticas. Nessas terras, o Estado ainda
mantém o domínio, como ocorria no regime sesmarial.
36
Já em meados dos anos 70, dez anos após o início da política de incentivos fiscais, as
grandes empresas davam-se conta de que o mercado internacional de carne, que justificava
a política de transformação da floresta em pastagens, não merecia os altos investimentos
de seus empreendimentos. A manutenção das fazendas pelos empresários só prosseguiu
porque estava apoiada em generosa política de subsídios e incentivos financeiros
concedidos pelo governo (cf. Branford & Glock, 1985, p. 81).
37
Branford e Glock registram um dos aspectos dessa aceleração: entre 1940 e 1960, as
famílias camponesas da fronteira podiam esperar ter que se mover para uma nova terra
apenas uma ou duas vezes em sua vida, incluindo aí o deslocamento provocado pela
exaustão do solo. Famílias que podiam prever uma ocupação de terra por dez ou vinte
anos tem sorte hoje se conseguem ficar em paz por dois ou três anos na mesma terra sem
ser expulsas (cf. Branford & Glock, 1985, p. 123).
38
Num desses estudos, o autor estima comparativamente o tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção do arroz em regiões em que essa produção se dá em distintas
situações econômicas (eu diria, também, em distintas situações históricas), entre outras,
a da agricultura camponesa da fronteira agrícola e a da cultura arrozeira altamente
capitalista e moderna do Rio Grande do Sul. Constata que na fronteira é necessário o
61
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

dobro ou pouco mais de dias de trabalho para a produção de uma tonelada do cereal,
enquanto que o tempo médio fica próximo do da fronteira. Essa constatação e o
comportamento dos preços permitem ao autor concluir que “em relação a produtos
camponeses, os preços de mercado estão, em última instância, regulados pelos valores
respectivos” (cf. Costa, 1992, p. 181-183). A intenção do autor é a de contestar a suposta
tese da funcionalidade capitalista da agricultura familiar e camponesa, que, nos termos
de sua crítica, deixa de atribuir a quem a forjou. Como Musumeci, o autor também não se
dá conta de que há, no mínimo, duas teses do que foi indevidamente definido como
“funcionalidade da agricultura camponesa”, bem diferentes entre si: a tese vulgar que
considera os excedentes comercializáveis da agricultura familiar como simples sobras
da subsistência camponesa e que concorrem diretamente para o barateamente do custo
da vida da classe operária (essa tese está reconhecida desse modo em Leonarda Musumeci,
1988, p. 287), e desse modo expressamente formulada por Otávio Guilherme Velho (1972,
p. 125); e a tese oposta (equivocamente confundida pelos críticos com a tese vulgar) da
integração da produção camponesa, através de uma economia de excedentes, no processo
de reprodução do capital [Essa é a tese que sustento (cf. Martins, 1969b, p. 121-145;
1969a, p. 3-16). Cf., também, 1975 (esp. p. 1-50, 57-72 e 103-161); e, ainda, 1986, (esp.
cap. 8): “Pequena produção agrícola - antimito da produção capitalista no campo (crítica
aos críticos)” (p. 113-152)]. O texto de Costa é indicativo de como alguns estudiosos, ao
comparar padrões empresariais e padrões camponeses de produção, reduzem a lógica
destes à lógica daqueles. Desse tipo de interpretação desaparecem os componentes
propriamente históricos e antropológicos da vida do campesinato de fronteira, isto é, o
seu próprio e característico cálculo, como se o camponês da fronteira fosse apenas um
capitalista em miniatura.
39
A frente de expansão é essencialmente um mundo criado pelo modo como se dá a inserção
dos trabalhadores rurais, que produzem diretamente seus meios de vida, no processo de
reprodução ampliada do capital. Nesse mundo, apesar da determinação capitalista de
suas relações sociais, as concepções e valores precedem, na vida de seus membros, os
interesses econômicos e a eles se sobrepõem (cf. Martins, 1969a, p. 3-16) [reproduzido
em Martins, 1975, esp. p. 12]. Essa formulação ganha sentido neste entendimento mais
amplo do problema: “Sob o capitalismo dependente, a persistência de formas econômicas
arcaicas não é uma função secundária e suplementar. A exploração dessas formas e sua
combinação com outras, mais ou menos modernas e até ultramodernas, fazem parte do
‘cálculo capitalista’ do agente econômico privilegiado. Por fim, a unificação do todo não
se dá (nem poderia dar-se) ao nível da produção” (cf. Fernandes, 1968, p. 65). Embora
trate de grupos rurais tradicionais localizados em regiões de ocupação antiga e não na
frente de expansão, o artigo de José César Gnaccarini sobre o casamento por rapto na
área canavieira de São Paulo é um esclarecedor e bem feito estudo sobre o modo complexo
como se combinam as questões econômicas da sobrevivência com as questões sociais da
convivência (cf. Gnaccarini, 1971, p. 75-94). Ainda que por vias diversas, tanto a
interpretação de Gnaccarini quanto a de Martins se fundam em Antonio Candido (1964,
esp. capítulo 17). A propósito desse livro e destacando justamente a questão da resistência
(e da persistência cultural), Fernando Henrique Cardoso assinala: “Pois que de crença
também se sobrevive”(cf. Cardoso, 1979, p. 98).
40
Ampla e detalhada formulação teórica sobre a expansão territorial do capital encontra-se
em Marx (1959, p. 573-753).
41
Costa constata que enquanto os modernos empresários do arroz, no Rio Grande do Sul,
podem vender seu produto mais barato até a 1.176 km da sua capital, “a produção da
fronteira é colocada com vantagem de preço num raio de 2.324 km de distância da sua
origem” (cf. Costa, 1992, p. 189 - nota).
42
Musumeci diz, com razão, que “é equivocada a imagem que muitos ainda fazem do
lavrador de fronteira como alguém que produz para a subsistência (autoconsumo) da
família e comercializa apenas as sobras da sua produção” (cf. Musumeci, 1988, p. 287,
grifo do original). Embora não haja citação expressa, sua procedente crítica se dirige a
concepções contidas em Otávio Guilherme Velho (1972, esp. p. 67 e 113). Musumeci,
porém, ignora que, além dessa definição vulgar de excedente, há propriamente uma
definição de economia do excedente por oposição a economia de subsistência, pois é
comum o equívoco de confundir a economia camponesa com mera economia de
subsistência. A concepção de excedente que ela acertadamente critica é a base da tese da

62
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

funcionalidade da agricultura camponesa da fronteira tal como Velho a assume sozinho


(p. 125) e que ela também crítica, com integral razão, porém, novamente, sem mencionar
o destinatário (cf. Musumeci, p. 296-297).
43
Em suas atentas observações e demorada permanência no então povoado de Sta. Terezinha,
no norte do Mato Grosso, Lisansky assinalou que a organização da produção dos
camponeses locais se baseia em avaliações e cálculos quanto à area a ser cultivada, tendo
em conta o grau de fertilidade remanescente do terreno, o número de braços disponíveis
na família e a quantidade de sacas que poderá ser comercializada depois de separado o
arroz destinado à subsistência (cf. Lisansky, 1980, p. 148-149), [para a versão publicada
desse trabalho, cf. Lisansky, 1990]. Esse procedimento é comum na frente de expansão.
Procedimentos semelhantes foram observados por Luna no Maranhão, que constatou a
diminuição do tamanho das roças e da produção de excedentes quando os filhos se tornam
adultos e deixam a casa dos pais (cf. Luna, 1983, p. 61).
44
Em dois estudos extremos no tempo, separados entre si por cerca de 40 anos, pode-se
observar essa persistente característica da fronteira (cf. Galvão, 1976, p. 23 e Luna 1983,
p. 62-63)
45
Foi o que ocorreu no surto milenarista do bairro do Catulé, em Malacacheta, Minas
Gerais, em 1955, quando a frente de expansão começou a se esgotar (cf. Castaldi, 1957,
p. 17-66; Martins, 1983, p. 62 e ss.).
46
Touraine foi o primeiro a observar esse processo no Brasil, confirmado depois por Eunice
Durhan (cf. Touraine, 1961, p. 93; Durhan, 1973, p. 132-136).
47
Gerhard assinala um fenômeno parecido, embora diferente, no Oeste americano: a
migração de grupos comunais, sempre de comunidades religiosas. Entretanto, ele não
indica a ocorrência de movimentos messiânicos ou milenaristas, o que talvez se explique
pelo fato desses grupos serem geralmente grupos protestantes (cf. Gerhard, 1959, p. 220).
48
A busca das Bandeiras Verdes se mescla com outros milenarismos contemporâneos na
região, como o da busca do Paraíso do Divino. Este último, com evidências de inspiração
nas heresias de Gioacchino Da Fiore, especialmente no que se refere à negação da unidade
da Santíssima Trindade. Sobre esse grupo e essa mescla, cf. Vieira (1981, esp. 63-82).
No mapa das migrações das famílias que afinal se aglutinaram em busca da comunidade
utópica, Vieira mostra que, apesar de algumas serem originárias do nordeste, e terem
vivido depois em São Paulo ou no sul de Goiás, os integrantes do movimento migram do
leste para oeste, com ligeira inflexão para o norte (p. 101). Sobre a difusão do joaquimismo
em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, cf. Brandão (1978, p. 64-165 e 142-144).
49
Cf. Maurício Vinhas de Queiroz (1966); Maria Isaura Pereira de Queiroz (1957); Duglas
Teixeira Monteiro (1974); Oswaldo Rodrigues Cabral (1979).
50
Maria da Praia teria sido originária de Minas Gerais. O grupo se constituiu de umas
quinze famílias, que, orientadas por ela, saíram em busca do Bom Lugar. O trajeto dos
romeiros em busca dessa terra prometida foi interrompido demoradamente três vezes. A
essas interrupções os romeiros chamam de Estações, como na Via Sacra. Nelas, constroem
igreja, povoado e abrem roças. Houve três Estações: Boa Esperança, São Miguel e Buriti
Alegre. A Quarta Estação seria a Estação da chegada. Maria da Praia morreu na Terceira
Estação. Quando o grupo passou pelo sertão de Sta. Terezinha, no norte do Mato Grosso,
e ali se fixou por uns tempos, o padre Antonio Canuto, que era pároco do lugar, tomou
conhecimento de sua existência. Depois o grupo se deslocou para o estado do Pará, onde
se encontra hoje. Canuto realizou minuciosa entrevista, sobre a história e as crenças do
grupo, com a filha de Maria da Praia, já no Pará (cf. Canuto, 1975). Maria Antonieta da
Costa Vieira vem acompanhando e estudando esse grupo, e suas crenças, que se acha
hoje na região do Xingu.
51
Hennessy já havia observado a relação entre o milenarismo joaquimita e a fronteira no
período colonial e entre milenarismo e fronteira no século XIX, na América Latina (cf.
Hennessy, 1978, p. 36-38 e 117-120). Sobre Gioacchino e suas idéias há uma vasta
literatura européia. Para uma visão abrangente do tema, cf. Antonio Crocco (1976).
Movimentos camponeses de inspiração joaquimita direta ou indireta ocorrem até hoje
em diferentes sociedades, mesmo em San Giovanni in Fiore, na Calábria, terra de
Gioacchino. Lá, a utopia joaquimita foi assimilada pelo Partido Comunista e pelos

63
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão
e da frente pioneira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

camponeses locais, protagonistas de uma larga história de conflito social motivado pela
privação dos usi civici das terras, que lhes haviam sido cedidos desde os tempos do Abade
Joaquim (cf. Steinberg, 1981, p. 359-360). Gioacchino influenciou as concepções milenaristas
e sebastianistas do Padre Antonio Vieira e está expressamente citado várias vezes no texto
sobre a “Duração do 5o. Império”, que faz parte da coleção dos documentos arrolados pelo
Tribunal da Inquisição, que o condenou em 1667 (cf. Vieira, 1994, p. 177-203).
52
De um folheto manuscrito recolhido no norte do Mato Grosso, cópia de folheto de cordel
impresso, sob o título de A Voz do Padre Cícero, consta a seguinte expressiva estrofe
relativa a esse assunto: “São anjos do diabo/Que chegam no fim da era/Fazendo tanto
milagre/Que todo mundo os venera/Saciando fome e sede/São igual ao capa verde/
Correios da Besta-Fera”. Margarida Maria Moura alertou-me para a possibilidade de
que o Capa Verde seja a reconstrução mítica e humanizada de algo parecido com o Livro
da Capa Verde, em que eram anotados os débitos fiscais dos mineradores no Distrito
Diamantino, em Minas Gerais, fonte e motivo de severíssima repressão por parte dos
funcionários da Coroa. No Nordeste, no estado da Paraíba, Costa também encontrou o
mito do Capa Verde entre trabalhadores do sisal. Nesse caso, porém, eles entendem que
o próprio sisal é o Capa Verde (cf. R. Costa, 1991, p. 76-81). Em São Domingos das
Latas, no Pará, em 1969, o antropólogo que ali chegou para realizar sua pesquisa foi
considerado enviado da Besta (cf. Velho, 1972, p. 130; 1976, p. 237). No pólo ideológico
oposto, o mesmo ocorreu com o ativista e líder camponês Manuel da Conceição, no
Maranhão, em 1966. Conceição era membro de uma igreja pentecostal. Nessa ocasião,
foi especialmente convidado a falar, numa convenção de sua igreja, um pastor vindo de
Floriano, no Piauí. O sermão foi contra o “mundo moderno” : “esse mundo moderno
estava muito ligado aos comunistas, os capas-verde, correio da besta-fera”. Nesse
momento, todos começaram a olhar para Manuel da Conceição: “O ‘correio’ era aquele
que estava lá, era eu” (cf. Conceição, 1980, p. 142-143).
53
Sobre os Tükuna, do Amazonas, cf. Maurício Vinhas de Queiroz (1961). Sobre o
movimento messiânico de 1963, entre os Ramkokamekra-Canela, do Maranhão, cf.
Eduardo Galvão (1979, p. 281-282) e Manuela Carneiro da Cunha (1973, p. 5-37). Sobre
os Krahô, de Goiás, cf. Julio Cezar Melatti (1972). Dentre as várias referências que,
sobre o tema, podem ser feitas aos povos Tupi, há o belo estudo de Darcy Ribeiro sobre
Uirá, o índio Urubu-kaapor que saiu à procura de Maíra e se matou no rio Pindaré, no
Maranhão (cf. Darcy Ribeiro, 1974, p. 13-29).

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