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A SENHORA DA CASA GRANDE sas dos tempos de antanho marcam as terras, por vezes, com ‘mé fama. Tolosa, Gafete e Arez, oh que trés... Assim se dizia no de Nisa, nunca percebi porqué. Gente mé e gente boa em toda a encontra. No Alentejo é assim. O geral das pessoas nada tem de seu e 0s {da terra, em Tolosa, eram trés ou quatro. Comerciantes, meia dizia, ‘outra meia, alguns pequenos lavradores ¢ af temos mil etantos a do trabalho que os patrées davam, quando trabalho havia. Porém, {maior é quando os grandes do mundo pensam que so donos também pessoas. Eu recusei ter dono e vi quanto isso me custou nos anos em por lé estive exercendo clinica numa Casa do Povo. ‘A Senhora da Casa Grande era mesmo senhora do seu nariz. Ou a ivamos como “‘patroa” ou a tinhamos & perna e, nesse caso, até ‘politico ficava de olho em nés: - Cuidado, quem seré ele? ra aconteceu entio uma desgraca. Ela tinha uma afilhada, ainda, ‘mais, filha do regedor, mulher casada com mitidos pequenos, que de leucemia, coitadita, e morreu no Hospital de Portalegre. Logo a Senhora da Casa Grande, Ié do alto da sua razio infalivel, Foi culpa do médico! ois nao é que a dada altura recebi um oficio do Instituto Nacional ‘mandando apresentar-me na delegacdo distrital? Fui saber 0 DA PENA, 3 que era, O Delegado, apés os cumprimentos de circunstancia, disparou esta: ~ Sabe uma coisa? E bom que o senhor saia de Tolosa. ~ Porqué? Vivo lé, trabalho lé, nao vou sair... - Vai, sim, A Casa do Povo rescindiré o seu contrato. Pense bem. Tenha cuidado! ~ Nao vejo motivo para tanto. O que se passa, afinal? - Ora, ora... nlo se faga de novas! Ou no conhece a senhora da Casa Grande? Se conhecia... A volta, passei por Nisa a falar com um advogado muito distinto. Que sim, podia recorrer para o Tribunal de Trabalho, S6 ue 0 processo seria apreciado pelo mesmo Delegado que me acabara de falar e faria de juiz. em causa propria. Era escusado! Leis do diabo... Cheguei a Tolosa e contei tudo, Decidi que deixaria a Casa do Povo ‘mas ficaria ali por minha conta e risco. As pessoas ouviram, entenderam agiram, Tudo se cotizou para uma avenca anual, que em tempos fora ja tradi¢do, e muitos pagaram logo. Nao queria aceitar mas, que fazer? O ovo ordena.., Alguns meses passados, comecei a sonhar com o distrito de Evora. O sonho concretizou-se. Pus a questo, Mais uma vez, Tolosa ouviu e entendeu. Houve tristeza, mas eu era livre. Saf quando quis, e nao a voz dos algozes, Devolvi as avengas recebidas a quem desejou; raros aceitaram. Deram, estava dado! O dia em que parti nunca o esquecerei. Tolosa em peso estava na rua, num adeus de carinho, ondas de ternura, beijos, abragos, prendas e légrimas. A Casa Grande tinha as janelas fechadas, mas aquele povo ficou ‘no meu coragéo, Nem um dia de festa juntava assim tanta gente. Eram 30 de Agosto de 1955, 4 AO CORRER DA PENA

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