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TEORIA

Agenda-setting e
framing:
reafirmando os
efeitos limitados Introdução

RESUMO O NÚMERO 7 DA REVISTA FAMECOS dedicou


Este artigo retoma a discussão a respeito dos estudos amplo espaço para os estudos do agenda-
relativos ao agendamento que contestam a teoria dos efeitos setting. Com o objetivo de colaborar com
limitados dos meios de comunicação. a continuidade da discussão, este artigo
retoma o debate sobre a tese de que os
ABSTRACT estudos sobre o agendamento contestam
This article comments upon some critical studies which deny a teoria dos efeitos limitados dos meios
the limited effects of the mass media as held by the agenda- de comunicação. Basicamente, temos dois
setting hypothesis. objetivos neste texto: demonstrar que não
é unânime a tese de que o agendamento
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) contesta o paradigma dos efeitos limitados,
- Agendamento (Agenda-setting) como faz crer Traquina (1995), no seu
- Meios de comunicação (Mass media) conhecido texto O paradigma do “agenda-
- Poder (Power) set ting”. Re des co ber ta do poder do
jornalismo2; o outro tem uma ligação com
o primeiro, mas fica centrado na defesa
de que o en qua dra men to é o her dei ro
natural do agenda-setting. A confluência
desses estudos, entretanto, também gerou
conclusões conflitantes sobre o poder dos
enquadramentos da mídia nos receptores e
do estabelecimento de temas na agenda da
audiência.

O agenda-setting: efeito poderoso ou


limitado?

Diversos textos já foram escritos para


relatar a evolução dos estudos sobre o
agenda-setting. Por isso, não faremos um
relato do que já foi sistematizado por outros
autores, mas apenas um breve resgate
histórico para tratar sobre o contexto em
que nasceram as pesquisas e de como elas
se situam na teoria da comunicação.
Nos vários textos que contam a
Leandro Colling1 evolução dos estudos sobre o agenda-
Prof. Jornalismo da Faculdade Dois de Julho - Bahia
setting (McCombs, 1996; Traquina, 1995;
Hohlfeldt, 1997), Maxwell McCombs e

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Donald L. Shaw sempre são apontados racial, dentre aqueles que se encontravam
como fun da do res des sas pesquisas, indecisos entre votar em Hubert Humprey
inspirados por Walter Lippmann, autor do ou Richard Nixon. Feito isso, verificou-
livro Public Opi ni on, lan ça do em 1922. se que a mídia havia provocado um forte
Lippmann é citado tantas vezes porque impacto e influenciado significativamente o
destacou o papel desempenhado pelos eleitor. Mais do que influenciar o eleitor, a
meios informativos ao definirmos o nosso mídia também terminara por influenciar aos
mundo, nos dizendo quais são os assuntos próprios candidatos. Muitos deles incluíram
mais importantes que estão ao nos so em suas agendas temas que, inicialmente,
redor. Para ele, dependemos dos meios de não constavam em suas preocupações.
comunicação para nos informar sobre os Isso ocorreu depois que os temas foram
assuntos, personalidades e situações; para abordados por seus concorrentes e/ou pela
que possamos experimentar sentimentos mídia (citado em Hohlfeldt, 1997, p.45 e
de apoio ou de repulsa e para conhecer 46).
aqueles pontos de atenção medidos pelas Depois desta primeira pesquisa,
sondagens de opinião. vá ri os es tu di o sos começaram a testar
Lippmann já fez uma distinção as hipóteses do agenda-setting. Muitos
im por tan te entre o mundo que existe trabalhos fo ram fei tos ou orientados
“realmente” e as nossas percepções pelos próprios Mc Com bs e Shaw 3 . A
privadas deste mundo. Um capítulo do nossa intenção, nesse mo men to, não
seu livro é intitulado O mundo exterior e é contar toda a história da evolução
as imagens em nossas cabeças. O autor dessas pesquisas, trabalho já feito por
argumentou que os meios in for ma ti vos outros pesquisadores (McCombs, 1993;
esboçam muitas destas ima gens em Wolf, 1992; Barros Filho, 1995), mas é
nossas mentes (citado em McCombs, 1996, necessário explicar em que contexto elas
p.14). Em 1963, Bernard Cohen lança surgiram.
The Press and Foreign Policy e escreve As hipóteses do agenda-setting
que a imprensa pode, na maior parte das fazem parte dos estudos norte-americanos
vezes, não conseguir dizer às pessoas em co mu ni ca ção, pertencentes ao
como pensar, mas tem, no entanto, uma paradigma fun ci o na lis ta, que reúne
ca pa ci da de es pan to sa para dizer aos pesquisas pre o cu pa das em analisar e
seus próprios leitores sobre o que pensar. detectar as funções dos meios e os efeitos
“O mundo parece diferente para pessoas causados sobre a audiência. Inicialmente,
diferentes, dependendo do mapa que lhes o paradigma foi dominado pela teoria da
é desenhado pelos redatores, editores e agulha hipodérmica, defensora da tese de
diretores de jornal que o lêem.” (citado em que os meios de comunicação de massa
Traquina, 1995, p.193) são extremamente poderosos, com efeitos
Foi em 1972 que McCombs e Shaw absolutamente previsíveis na audiência.
publicaram o primeiro artigo tentando provar Um dos grandes re pre sen tan tes des ta
o que Lippmann e Cohen já haviam escrito. perspectiva é Harold Lasswell. Imerso
A pesquisa foi realizada em 1968, na nos efeitos da propaganda de guerra, que
localidade de Chapell Hill, cidade pequena, passou a estudar, este cientista político da
conservadora e isolada que fica na Carolina Universidade de Chicago defende que “a
do Norte, nos Estados Unidos. Nos 24 dias audiência é visada como um alvo amorfo
que antecederam as eleições nacionais, que obedece cegamente ao es que ma
fo ram aplicados cem questionários, estímulo-resposta” (Mattelart, 1999, p. 37).
selecionados na relação de eleitores, de Esta teoria ficou em grande evidência até o
maneira a cobrir um universo variado de início dos anos 40, quando Paul Lazarsfeld
posição eco nô mi co-financeira, social e começa a defender que os efeitos dos

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meios de comunicação são limitados. O segundo trabalho publicado por
Lazarsfeld argumenta que líderes de Lazarsfeld veio assinado junto com Elihu
opinião e elites bem informadas ocupam Katz, em 1955 (Personal Influence: The
o primeiro passo na estrutura da formação Part Played by People in the Flow Mass
da opinião pública e são os transmissores Com mu ni ca ti on. Free Press, Glencoe,
de novas idéias e valores ao público menos Ill, 1970). Desta vez, a pesquisa se volta
informado. Ele sistematiza e impulsiona a para o comportamento dos consumidores
teoria dos usos e gratificações, defendendo de moda e formas de lazer. Estudando
que o receptor consome as mensagens os processos de decisão individuais de
da mídia para, basicamente, quatro 800 mulheres de uma cidade de 60 mil
razões: se divertir; facilitar a interação habitantes (Decatur, Illinois), redescobrem –
social; explorar a realidade e reforçar como no estudo procedente – a importância
os valores coletivos; vigiar, através dos do grupo primário.
meios, e adquirir in for ma ções sobre o
desenvolvimento de opiniões relativas aos “É o que lhes permite apreender
temas públicos (Sampedro Blanco, texto o flu xo de comunicação como um
inédito). No seu famoso livro The Peopleʼs processo em duas etapas, na qual o
Choice (Nova York: Duel, Sloan and Plarce, papel dos líderes de opinião se revela
1944), Lazarsfeld descreve a pes qui sa decisivo. É a teoria do two-step-flow.
que fez no distrito de Eric County, em No primeiro degrau estão as pessoas
Ohio, típica região norte-americana. Foram relativamente bem informadas, porque
entrevistados 600 pessoas, previamente diretamente expostas à mídia; no
escolhidas, para verificar possíveis segundo, há aquelas que freqüentam
efei tos dos meios de comunicação na menos a mídia e dependem dos
definição do voto entre os candidatos outros para obter informação.” (citado
Wendel Wilkie e Franklin Roosevelt. O em Mattelart, 1999, p. 47 e 48)
pesquisador da Universidade de Columbia
concluiu que alguns entrevistados eram Quando o conceito de agenda-
influenciados pelas mensagens dos meios setting foi ex pos to pela primeira vez
de comunicação de massa, mas isso não pelos dois pesquisadores americanos, a
significava, ne ces sa ri a men te, um efeito teoria dos efeitos limitados, em grande
poderoso porque o eleitor já tinha uma parte im pul si o na da por Lazarsfeld,
predisposição latente, precisando apenas dominava os estudos de comunicação nos
cristalizá-la, o que poderia ser feito através princípios dos anos 60. Ainda hoje, alguns
da manifestação desta vontade na mídia. pesquisadores discutem se o agenda-
setting se contrapõe aos efeitos limitados
“Outros haviam decidido como ou os reafirma. Traquina (1995, p.189),
agir desde o início da campanha e por exemplo, defende que as hipóteses do
essas decisões eram confirmadas estabelecimento da agenda surgem para se
pela escolha constante e partidária contrapor à teoria dos efeitos limitados, mas
de um material adicional fornecido o próprio McCombs (1996, p.20) enfatiza
pelos veículos. Finalmente, para um que as suas pesquisas atestam que os
punhado de eleitores, as decisões efeitos são limitados. Para comprovar a sua
iniciais de voto foram alteradas, e posição, cita o que considera “o melhor dos
a campanha conseguiu converter o trabalhos de campo acerca da influência do
indivíduo de um partido para outro.” estabelecimento de uma agenda-setting
(citado em De Fleur, 1971, p. 178 a nos meios informativos”, referindo-se ao
179). trabalho de Brosius e Kepplinger (1990).
Ambos fi ze ram, durante um ano, uma

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comparação da análise do conteúdo dos te le vi si vo, es tes novos investigadores
programas de notícias mais importantes sabem que os mei os geram efeitos,
da televisão da Alemanha Ocidental com apesar dos fundadores do agenda-setting
pesquisas semanais de opinião pública, terem indicado apenas efeitos limitados.
sobre os assuntos que os cidadãos Aqui parece residir o porquê de muitos
alemães consideravam mais importantes. estudiosos acreditarem que o agendamento
Em cinco aspectos, encontraram poderosos reforça a teoria de efei tos poderosos.
efeitos do estabelecimento da agenda: nos Alguns estudos começaram a detectar
assuntos referentes à energia, relações efeitos significativos produzidos pelas
com a Alemanha Oriental, defesa, meio mensagens dos meios de comunicação.
am bi en te e política da Co mu ni da de Além disso, é mesmo possível verificar
Européia. Em outros aspectos, a opinião diferenças entre as conclusões de
pública pre va le cia sobre a cobertura Lazarsfeld e as de McCombs.
das notícias ou sim ples men te não Para tentar resolver este problema,
existia correlação entre as partes. “Esta é sig ni fi ca ti vo recorrer a um texto de
configuração de resultados estabelece que Elihu Katz, que permanece como um dos
os meios informativos não são o monolítico principais representantes contemporâneos
ʻbig brotherʼ que rege totalmente a atenção da teoria dos efeitos limitados. Katz fez uma
pública”, escreve McCombs (1996, p. 19 e divisão das correntes teóricas que estão
20). contestando os efeitos limitados. Incluiu
Traquina defende que a comprovação no que chama de paradigma institucional
das hipóteses do agendamento retoma o grupo que faz uma crítica explícita ao
o poder do texto informativo e atesta um modelo dos efeitos limitados; no paradigma
poder midiático muito superior ao poder crítico os que subs ti tu em os efeitos
inicialmente postulado pelos autores das limitados por uma teoria de efeitos diretos
pesquisas. Citando uma série de pesquisas e poderosos e no paradigma tecnológico o
que comprovam a estreita relação entre grupo que se julga capaz de traduzir esta
a agenda dos meios noticiosos e a teoria em um programa de investigação.
agenda pública, Traquina não é o único a O modelo institucional, ao qual pertence
argumentar que o agendamento contesta o agenda-setting, sustenta que a mídia
a teoria dos efeitos limitados. Bregman nos diz em que temos que pensar. No
também acredita que a função da agenda paradigma crítico, a mídia tem o poder de
nasce de uma preocupação em superar nos dizer em que não há o que pensar. No
a teoria dos efeitos limitados, em pelo paradigma tecnológico, a mídia talvez tenha
menos dois níveis: no campo da sociologia o poder de dizer como devemos pensar e a
eleitoral (a importância e o aumento do que grupo pertencer (Katz, 1998).
eleitorado flutuante obrigam a investigação Katz considera o primeiro grupo, o
das causas desta evolução e os meios do paradigma institucional, como o menos
parecem ocupar um lugar importante neste radical e que teria em McCombs o seu
processo) e no fato de que a comunicação principal representante. O paradigma crítico
massiva passa a ser uma preocupação estaria muito menos disposto a respeitar os
dos jovens doutores em comunicação, efeitos limitados. Todd Gitlin e Elisabeth
pois até então o assunto era dominado Noelle-Neumann são considerados como
por psicólogos sociais (Levin e Hovland), dois dos mais significativos autores
estudiosos da política (Las swe ll) e de desta perspectiva. O terceiro grupo seria
sociólogos (Lazarsfeld). (Bregman, 1998, representado por McLuhan, Innis e Carey,
p.210 e 211). com estudos valorizando o efeito dos
Bregman acredita que, por terem meios de comunicação na organização
ex pe ri ên cia em jornalismo impresso e social, como a nova tecnologia do papiro,

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do telégrafo ou da imprensa modificou o disso, o público tenderia a atribuir àquilo
mercado, por exemplo. que este conteúdo inclui uma importância
Embora esta divisão de Katz seja que reflete de perto a ênfase atribuída pela
passível de críticas, desta forma parece mídia aos acontecimentos, aos problemas
mais fácil entender por que existem duas e às pessoas. O pressuposto fundamental
po si ções apa ren te men te opostas (a de do agenda-setting é que a compreensão
McCombs dizendo que o agenda-setting que as pessoas têm de grande par te
reafirma a teoria dos efeitos limitados da realidade social lhes é fornecida, por
e a de Traquina de fen den do que as empréstimo, pela mídia (citado em Wolf,
pesquisas apontam efei tos poderosos) 1986. p.128).
sobre uma mesma corrente teórica. No Os estudos sobre o agenda-setting
decorrer dos estudos, os pesquisadores ga nham cada vez mais importância
foram encontrando efeitos diferentes, jus ta men te por que os meios de
demonstrando que as hipóteses ainda estão comunicação de mas sa as su mem um
em permanente construção. Para Katz, os papel fundamental na disseminação das
três grupos acabam fazendo um grande informações no mundo contemporâneo.
gru po de teorias com ple men ta res em Ainda que a comunicação in ter pes so al
permanente busca de uma conceituação tenha o seu papel, atualmente, é difícil
adequada para a idéia de efeito e que, que um grande número de pessoas fique
“apesar de algumas asperezas ocasionais”, sabendo de um acontecimento somente
todos são competentes. Katz diz que, através das conversas com os seus
mesmo quando as teorias não parecem familiares, amigos ou colegas de trabalho.
complementares, acabam convergindo para Para um fato ser conhecido pela sociedade,
as conclusões já apontadas por Lazarsfeld especialmente nos grandes centros
(Katz, 1998, p.100). urbanos, é vital que ele transite nos meios
de comunicação. Embora não se detenham
no conceito de agendamento, esta é uma
Do agenda-setting ao framing posição que vem sendo adotada por vários
pesquisadores.4
Antes de tratar sobre o conceito de framing, Direcionando o foco para a cobertura
parece necessário especificar um pouco eleitoral, McCombs e Shaw formulam as
mais dos estudos sobre o agenda-setting. hipóteses fundamentais do agenda-setting:
Ao contrário dos desdobramentos e dos em uma campanha eleitoral, os eleitores
possíveis efeitos, a sua definição em si re ce bem dos meios de comunicação a
é sim ples. “As pessoas agendam seus maior par te das suas informações; os
assuntos e suas conversas em função do eleitores conhecem novos elementos da
que a mídia veicula. É o que sustenta a informação, mas nem todos são igualmente
hipótese” (citado em Barros Filho, 1995, capazes de interpretar e usar todos os
p. 169). Como diz Shaw, a formulação pontos de vista; os eleitores conhecem e
clássica da hipótese defende que, “em se informam de acordo com a insistência
conseqüência da ação dos jornais, da com que os meios falam e dão conta dos
televisão e dos outros meios de informação, problemas debatidos durante a campanha
o público sabe ou ignora, presta atenção ou (citado em Bregman, 1998, p. 213).
descura, realça ou negligencia elementos Os resultados podem ser resumidos
específicos dos cenários pú bli cos”. As em qua tro pontos: grande parte das
pessoas, continua ele, teriam a tendência informações está dedicada à análise do
de incluir ou excluir dos seus próprios dia da cam pa nha, o que os jornalistas
conhecimentos aquilo que a mídia inclui norte-americanos chamam de “corrida de
ou exclui do seu próprio conteúdo. Além cavalos”; surge uma visível correlação entre

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a importância dada pelos meios a certas de que a informação também é mediada
posturas e a importância que os eleitores através dos líderes de opinião; há uma
atribuem a estes temas; os eleitores que correlação entre a agenda da mídia e
no começo não estão fortemente ligados a do receptor, mas também a agenda
a um candidato são mais atentos para do receptor pode e acaba influenciando
a totalidade das informações (citado em a agen da da mídia; um tipo de mídia
Bregman, 1998, p.213). agenda outro, com os meios impressos
Aqui aparecem as primeiras diferenças tendo mais importância que os eletrônicos;
entre McCombs e Lazarsfeld. Enquanto os o agen da men to só ocorre de maneira
estudiosos do agendamento nos dizem que eficiente quando houver um alto nível de
os eleitores indecisos e flutuantes estão percepção de relevância para o tema e,
atentos ao conteúdo das informações e ao mesmo tempo, um grau de incerteza
parecem não ter preconceitos e nem juízos relativamente alto em relação ao domínio
preestabelecidos, Lazarsfeld defende que do mesmo; a influência do agendamento
o alto grau de exposição aos meios de depende do grau de exposição a que o
comunicação, que é uma condição prévia receptor está exposto, ao tipo de mídia,
para eventuais efeitos da agenda, se do grau de relevância e interesse que este
associa com um alto grau de interesse pela receptor dá ao tema, ao grau de incerteza
política. Neste sentido, a exposição aos e aos diferentes níveis de comunicação
meios somente poderia intervir no sentido interpessoal que ele desenvolve (citado em
de reforçar as opiniões já estabelecidas. Hohlfeldt, 1997, p. 47 a 49).
As conclusões de McCombs e Shaw, pelo Funkhouser publica, em 1973, um
con trá rio, dizem que os indivíduos que estudo que explora os anos 60 e estuda
ainda não escolheram os seus candidatos as relações entre os acontecimentos e as
se inclinam mais por seguir a campanha posturas da década, a cobertura realizada
através dos meios de comunicação e, por pe los meios de comunicação e a sua
isso, podem se sentir atraídos por este percepção por parte da opinião pública.
ou aquele problema e, desta forma, pode Utilizou sondagens de opinião do Instituto
ser beneficiado o candidato que está em Gallup, indicadores estatísticos e analisou
mais evidência na mídia. Tudo isso pode três semanários (Time, Newsweek e U.S.
contribuir para in flu en ci ar o resultado News) e o jornal Word Report. Concluiu
(Bregman, 1998, p.213 e 214). que se os meios prestarem atenção a uma
McCombs e Shaw fizeram uma postura, aumentará a importância que a
segunda pesquisa em 1972, em Charlotte opinião pública dará a ela. Descobriu que
Ville, uma cidade em plena expansão, com existia uma correspondência substancial
354 mil habitantes, a maioria oriunda de entre a opinião pública e a cobertura das
vários lugares do país. Foram escolhidos notícias, mas o mais importante do trabalho
380 eleitores, acompanhados por cinco foi ter detectado que existe uma escassa
meses. cor res pon dên cia em alguns dos temas
Entre as principais conclusões estão publicados na imprensa com os indicadores
os se guin tes pontos: à medida que a estatísticos da realidade. A cobertura da
campanha avança, a atenção dos eleitores imprensa e a preocupação pública sobre
amplia, e eles, através da mídia, passam o Vietnã, a intranqüilidade nos campos
a for mar um conjunto de informações universitários e os distúrbios cívicos durante
mais ou me nos co muns. Este conjunto os anos 60, por exemplo, cresceram muito
produz a base para a formação de uma antes de existirem indicadores de realidade,
atitude ou uma mudança de atitude diante tais como tropas enviadas para o Vietnã
dos can di da tos; existe o duplo fluxo e número de manifestantes e distúrbios
informacional de La zar s feld, de fen sor civis. Ou seja, a importância quantitativa

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das informações fornecidas pelos meios são os principais herdeiros do trabalho
não corresponde, necessariamente, com de McCombs. Este, inclusive, já admitiu
a im por tân cia real dos acontecimentos e aceitou tais pesquisas e as vem
(Bregman, 1998, p.215 e McCombs, 1996, incorporando nos seus estudos.
p.19).
“Agenda-setting é considerada
mais do que a clássica asserção de
Framing: herdeiro do agenda-setting que as notícias nos dizem sobre o
que pensar. As notícias igualmente
Há pelo menos três caminhos que nos dizem como pensar acerca
poderemos percorrer para a análise dos disso. A seleção de objetos para a
estudos sobre o agendamento, divididos atenção e a seleção dos enquadres
entre as pesquisas sobre o estabelecimento pensados acerca destes objetos são
da agen da do público (tendência que o ponto forte do papel do agenda-
vimos até aqui), o estabelecimento da setting.”(McCombs, 1993, p.62).
agenda política, conhecida como policy
agenda-setting, e a construção da agenda, Para Traquina, este tipo de citação
a chamada agenda building. A primeira mos tra que ocorreu uma considerável
linha trata sobre o efeito que os meios de mu dan ça nos postulados iniciais das
comunicação exercem sobre as percepções hipóteses do agen da-setting. De um
da opinião pública nas diversas questões efeito limitado estaria sendo defendido, no
sociais. É a relação casual entre a agenda mínimo, algo além disso. O argumento de
informativa e a agenda do público. Cohen, de que os meios de comunicação
A segunda linha estuda como os teriam apenas o poder de nos dizer em
mei os con di ci o nam as percepções dos que pensar, “foi virado do avesso porque
próprios re pre sen tan tes políticos. É a novas in ves ti ga ções, ex plo ran do as
relação casual entre a agenda informativa conseqüências do agen da-set ting e do
e a agenda política, ou dos profissionais enquadramento, sugerem que os media não
da política. A construção da agenda, ou só nos dizem em que pensar, mas também
agenda building, estuda como e quem como pensar nisso, e conseqüentemente
determina as agendas, quem tem o poder o que pensar” (Traquina, 1995, p. 204 e
de controlar a agenda e como isso é 205).
realizado.5 Robert Entman, atualmente, pode ser
Os mais recentes estudos sobre o considerado um dos principais estudiosos
agendamento têm concluído que a mídia do framing. Ele nos diz que o poder do
não tem apenas o poder de nos oferecer o agen da-setting está entre a distinção
leque de assuntos pelos quais iremos nos sobre quais assuntos eu estou pensando
preocupar e conversar. Além de estabelecer e o que eu penso sobre determinada coisa
esta agen da interpessoal, os meios de ou assunto (Entman, 1989). Ele defende
co mu ni ca ção também teriam o poder que “the concept of framing consistently
de nos dizer como devemos pensar os offers a way to describe the power of a
temas existentes na agenda da mídia. Os communicating text. Analy sis of fra mes
pesquisadores têm explicado isso através illuminates the precise way in which
do conceito do framing, ou enquadramento. influence over a human consciousness is
Embora afir me com um certo vigor o exerted by the transfer (or communication)
poder da mídia, chegando muito próximo of information from one location – such as
da teoria dos efeitos poderosos, como já a speech, utterance, news report, or novel
detectou Katz, chamando esta corrente – to that consciousness.” (Entman, 1993,
de paradigma crí ti co, estes trabalhos p.1 a 8). Neste mesmo texto, diz que com

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o framing é possível atuar politicamente, anunciar à população que está em ação
definir pro ble mas, diagnosticar causas, uma grave do en ça que atinge 600 mil
fazer um jul ga men to moral e su ge rir pessoas. Mas o governo tem projetos para
remediações. combatê-la. No entanto, está em dúvida
Para Entman, através do framing é sobre quais dos projetos vai colocar em
possível verificar quem tem o poder no texto prática. Se adotar o projeto A, 200 mil
comunicativo porque conseguimos chegar pessoas vão ser salvas. Se adotar o projeto
nas origens da mensagem, na verdadeira B, um terço das 600 mil pessoas atingidas
autoria da informação. Esse poder é o de serão salvas e outros 2/3 vão morrer. Em
como pensar o mundo e o framing passa a quais destes dois projetos você vota?
ser uma ferramenta empregada por aqueles 72% optaram pelo projeto A e 28% no
que têm poder para transmitir o seu jeito de programa B. As duas opções são idênticas,
pensar para os demais. O framing, de um apenas muda a forma como o problema é
modo geral, é como temos que pensar os colocado.
temas já estabelecidos pela agenda. Para Entman, o exemplo ilustra que o
Qualquer que seja o seu uso frame determina o caso que é mais notícia
es pe cí fi co, diz Entman, o conceito de para as pessoas, como elas entendem
framing consiste em oferecer o modo de e relembram o processo e de como elas
descobrir o poder do texto comunicativo. valorizam e fazem uma das opções. Para
As análises passam a detectar qual é ele, a noção do framing implica que ele
a influência sobre a consciência, que é tenha um efeito comum em uma larga faixa
exercida na transferência da informação. de receptores. Entretanto, frisa, ele não
Produzir um enquadramento é selecionar tem um efeito universal em todos (Entman,
alguns aspectos da realidade percebida 1993, p. 2).
e dar a eles um destaque maior no texto Ao se referir aos frames nas notícias
comunicativo, gerando in ter pre ta ção, políticas, Entman lembra que os políticos
avaliação moral e/ou tra ta men to são obri ga dos a competir com outros
recomendado para o item descrito. políticos e com os jornalistas para criar
Para identificar o enquadramento de uma novos en qua dra men tos. Nestes lugares
reportagem, Entman indica que primeiro (da política), o framing acaba ascendendo
é preciso ir em busca da definição do como uma das maiores funções inseridas
problema apresentado, verificando se ele sobre o poder político, pois o frame no texto
é po lí ti co ou econômico, por exemplo. informativo é a marca do poder (Entman,
Verificar se há ou não personalização do 1993, p. 5).
problema, se a economia é colocada ou Mas como identificar os enquadramentos?
não como um ente, por exemplo. Feito Entman também se preocupou com esta
isso, é necessário identificar as causas operacionalização e fez várias pesquisas.
do problema apresentado na reportagem, Uma delas analisa o framing das revistas
quais são os seus atores, a quem está Time e Newsweek, dos jornais New York
sendo creditada a solução deste problema Ti mes e Washington Post e da rede
e, afinal, quais são as suas soluções. Por de televisão CBS sobre a queda de
último, é possível identificar a avaliação dois aviões: o da Korean Air Lines, em
moral do problema, se o momento crítico é setembro de 1983 e da Iran Air , em julho
positivo ou negativo. de 1988. Neste texto, Entman (1991)
Entre as várias explicações do poder diz que os novos frames são construídos
do framing, Entman cita uma pesquisa feita e personificados nas palavras-chave,
por Kahneman e Tversky. Eles fizeram metáforas, conceitos, símbolos e imagens
a se guin te experiência: imagine que o visuais enfatizadas na notícia narrada. Já
go ver no dos Estados Unidos precise que a narrativa não consiste em apenas

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palavras e figuras, diz ele, o frame pode o primeiro estuda o enquadramento feito
ser detectado pela sondagem de palavras pelos meios de comunicação, o segundo
em particular e em imagens visuais que se preocupa com o enquadramento feito
aparecem insistentemente na narrativa pela audiência. Segundo Goffmann,
(Entman, 1991, p.2). para en ten der este processo é preciso
A teoria do framing, alerta Entman, invocar o “esquema de interpretação” que
não pre ten de defender a tese de que permite os indivíduos “localizar, perceber,
a au di ên cia recebe passivamente as identificar e etiquetar” as informações ao
mensagens. Ele ar gu men ta que os seu redor. Ainda que as notícias utilizem
membros da audiência são teoricamente formas convencionais, tal como o estilo da
livres para tirar seu próprio significado das pirâmide invertida, os integrantes de uma
mensagens da mídia. No entanto, mostra audiência recolhem os dados sobre um
que o caso dos incidentes com os dois candidato ou um tema e o recompõem em
aviões indica que quando há escassas uma narrativa casual ou em uma história
notícias feitas para desafiar o frame que reflita seu próprio ponto de vista ou
dominante, uma posição dita autorizada enquadramento. Esta narrativa vai servir
ten de a penetrar no texto in for ma ti vo, depois para a com pre en são de outras
tal como frames dominantes tendem a histórias informativas (citado em McLeod,
obscurecer totalmente alguma informação 1996, p.190).
que seja oposta. Há uma série de outros autores que
O pesquisador diz que os jornalistas, se dedicam a estudar o enquadramento
às ve zes, resistem ou desafiam realizado pela audiência, que pode ser vista
abertamente a linha oficial, tal como a a partir de três perspectivas diferentes:
oposição às elites. Mas, nestes dois casos a crí ti ca, com David Morley, a cultural
analisados, o enquadramento das notícias com Liebes e Katz e a construtivista com
coincidiu justamente com os interesses e as Gamson. Em geral, os autores defendem
estratégias empregadas pela administração que o en qua dra men to de qualquer
do presidente Ronald Reagan. Entman integrante de uma audiência pode estar
sugere que a con di ção para promover em consonância com o pacote informativo,
a administração do con tro le de outros assim como em ativa oposição ao
frames, versus mais autonomia do controle enquadramento midiático, ou ainda pode
jornalístico, merece ser mais pesquisada, ter um aspecto independente do formato
especialmente desde que a autonomia informativo e do seu conteúdo (citado em
jornalística passou a ser tão criticada na McLeod, 1996, p.191).
teoria da democracia (Entman, 1991, p.19 Entre os autores que estudam o
e 20). enquadramento feito pela audiência, vale
A hipótese de Entman é de que, destacar o trabalho de Gamson e Modigliani
quan do um simples frame domina (1989), dentro da linha construtivista.
inteiramente a narrativa, politicamente uma Eles ana li sam a formação de frames
expressiva maioria deverá chegar a ter cognitivos em vários públicos e defendem
o mesmo entendimento sobre o assunto que há uma res so nân cia do jornalista
noticiado. em relação com a au di ên cia. Gamson,
considerado um dos mais interessantes
estudiosos da recepção, concluiu que as
Variáveis do enquadramento pessoas guardam recortes de notícias de
determinados as sun tos. Estes re cor tes
Muito antes de Entman, o enquadramento seriam as formas semelhantes com que os
foi analisado por Erving Goffmann (1975), assuntos vão sendo tratados pelos meios
mas de maneira diferenciada. Enquanto de comunicação. Com isso, a audiência

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forma certos “pacotes” para conseguir ênfase e ex clu são, através dos quais
explicar o seu ponto de vista. aqueles que tra ba lham os símbolos
Os enquadramentos, para estes dois organizam geralmente o discurso, tanto
autores, são transmitidos através de cinco verbal como visual” (citado em Hackett,
dispositivos: as metáforas, os exemplos 1993, p. 120 e 121).
históricos, as citações curtas, as descrições Ao analisarem as redes de tevês
e as imagens. Eles diferem de Entman americanas e italianas, Hallin e Mancini
porque não se preocupam tanto com o recorrem a Gitlin e dizem que, “mesmo ao
conteúdo informativo das reportagens, mas refletir a sociedade, os media enquadram-
com o comentário interpretativo que as na: eles refletem para a sociedade não
rodeia. Eles lembram que as reportagens apenas acontecimentos, não apenas uma
de tevê estão cheias de chavões, metáforas realidade não imediata, mas um conceito
e outros dispositivos que fornecem uma particular de política encarnada na vida
forma rápida de sugerir a narrativa que política dessa sociedade”. Como exemplo,
está por baixo do publicado, que não está usam a conclusão do estudo atestando
totalmente manifestada. que a atenção das notícias americanas é
Gamson e Modigliani (1989) endereçada, em primeiro lugar, às esferas
analisaram como as pessoas formam as institucionais e administrativas. Na Itália,
suas opiniões sobre a energia nuclear. a ênfase está na esfera política porque
Basicamente, poderiam ser divididas da os jornalistas con ce dem mais espaço
seguinte forma: entre as que preferem as para o processo de de ba te político e
energias brancas; as que aceitam a energia ideológico e aos atores envolvidos. (Hallin
nuclear, desde que muito bem controlada; e Mancini,1993, p.311).
as que dizem não para a energia nuclear Para fugir da teoria da pura
alegando que ela não é suficiente conspiração das elites, vale ressaltar, assim
rentável para resolver os problemas; e como Hackett, que um enquadramento não
as que dizem que ela é inevitável, assim é necessariamente um processo consciente
como a globalização. Os pesquisadores por parte dos jornalistas. “Pode muito bem
encontraram estes mesmos frames na ser o resultado da absorção inconsciente
forma como os jornalistas ame ri ca nos de pressuposições acerca do mundo social
empacotaram as notícias sobre o assunto no qual a notícia tem de ser embutida de
de 1945 até o fim da pesquisa, publicada modo a ser inteligível para o seu público
em 1989. Por fim, eles chegaram a uma pretendido” (Hackett, 1993, p.121).
conclusão simplória: a mídia influenciou a O mesmo faz Hall, chamando a
opinião pública, mas também a refletiu. atenção para as rotinas produtivas para
Vários autores se dedicaram a estudar o ob ser var como a mídia reproduz as
enquadramento das notícias como uma definições dos poderosos sem estar, num
forma de manter a hegemonia de um dado sentido sim plis ta, ao seu serviço. Para
grupo, transmitindo as informações de ele, “os media não se limitam a “criar” as
acordo com a ideologia dominante. Apesar notícias; nem se limitam a transmitir a
do termo ideologia estar tão fora de moda6, ideologia da “classe dirigente” num figurino
a contribuição destes pesquisadores é conspiratório. Na ver da de, sugerimos
essencial. Entre eles, talvez um dos mais que, num sentido crítico, os media não
significativos seja Todd Gitlin (1980) “um são freqüentemente os primary definers
dos mais virulentos críticos da teoria dos de acontecimentos noticiosos; mas a
efeitos limitados”(Dayan, 1998, p. 104 a sua relação estruturada com o poder
106). Gitlin define os enquadramentos tem o efeito de os fazer representar não
como “padrões persistentes de cognição, um papel crucial, mas secundário, ao
in ter pre ta ção, apresentação, seleção, reproduzir as definições daqueles que têm

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acesso privilegiado, como de direito, aos de temas tão distantes em sua natureza
media como “fontes acreditadas”. Nesta poderia desorientar tendenciosamente os
pers pec ti va, no momento da produção leitores a apoiar os discursos das elites
jornalística, os media colocam-se numa que identificaram os insubmissos com os
posição de subordinação estruturada aos terroristas. Sem dúvida, terrorismo e OC
primary definers.” (Hall, 1993, p.228 a 229). são antagônicos.” (Sampedro, 1997, p. 268
Mesmo com estas ressalvas, não a 269).
po de mos esquecer que a hipótese da Conservando este tom crítico, M.
“pro pa gan da framework”, diretamente Gu re vi tch e J. G. Blumer também se
ligada com o conceito de enquadramento destacam no estudo do enquadramento.
realizado pe los meios de comunicação Eles dizem que a mídia se centra
e facilmente identificada com as noções em correntes ma jo ri tá ri as, colocadas
de hegemonia e ide o lo gia, também foi politicamente pelo sistema bipartidarista
comprovada. Edward Herman explica a (referindo-se, ob vi a men te, aos países
hipótese: “quando surgem situações em com este sistema) economicamente pelo
que podem ser “marcados pontos contra imperativo do capitalismo da em pre sa
países inimigos” ou idéias ameaçadoras, privada e, culturalmente pelos valores da
os meios de comunicação de massa serão sociedade do consumo. Gitlin também vai
freqüentemente ati vos em “campanhas dizer que os grupos políticos minoritários
publicitárias” de gran de in ten si da de estão marginalizados e são etiquetados
e paixão. Pelo contrário, quan do como “desviados” e que se dá pou ca
acontecimentos muito semelhantes ocorrem co ber tu ra para as audiências menos
em países amigos, os media mostrarão atrativas, como os pobres e os anciãos. O
interesse pelas circunstâncias especiais resultado é que o público fica carente de
en vol vi das e prosseguirão uma política alternativas políticas e incapaz de oferecer,
de negligência benigna” (Herman, 1993, inclusive, seu próprio ponto de vista a
p.217). Ele aplicou a hipótese fazendo respeito, uma vez que um diálogo só é
uma análise da cobertura do New York eficaz quando a mídia comparar diversos
Times sobre a eleição em El Salvador e pontos de vista de forma sistemática e
na Nicarágua, ambas realizadas em 1984. alternar os seus enquadramentos (citado
Embora a Nicarágua estivesse em melhores em McLeod, 1996, p. 206).
condições eleitorais do que El Salvador, a Também dialogando com os estudos
cobertura noticiosa deu a El Salvador uma sobre o enquadramento, Iyengar dividiu
situação triunfante de democracia e para a as reportagens entre cobertura temática
Nicarágua uma experiência desacreditada e epi só di ca. Esta última caracterizaria
pela intransigência e controles totalitários grande par te do jornalismo atual e o
sandinistas (Herman, 1993, p. 221 a 223). enquadramento utilizaria informes sobre
O estudo do enquadramento feito pela estudos de caso ou eventos e exemplos
mídia também pode revelar como os meios concretos. Já o enquadramento temático
de comunicação rotulam de ter mi na dos teria um con teú do geral muito mais
movimentos sociais ou eventos. Em um abstrato. Iyengar concluiu que as histórias
vasto estudo sobre como a imprensa temáticas au men ta vam a atri bui ção de
espanhola tratou o movimento Objeção de responsabilidade ao governo e à sociedade,
Consciência (OC), que lutou para acabar enquanto os tra ta men tos epi só di cos
com o alistamento militar obrigatório na diminuíam globalmente a responsabilidade
Espanha, Sampedro verificou que, durante do sistema. (citado em McLeod, 1996,
1988, em quase metade dos parágrafos 184).
do jornal ABC e em uma quinta parte do Bennett fez quase a mesma distinção
jornal El País, o movimento foi tratado e sugeriu quatro defeitos comuns existentes
como ter ro ris ta. “Este emparelhamento

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na cobertura episódica: a personalização,
que, segundo ele, impede uma correta Notas
apreciação dos temas e uma maior escala
social em termos de atores individuais; 1 Jornalista pela UNISINOS, Mestre em Comunicação e
a fragmentação, ou a apresentação da Cultura Contemporâneas pela Facom/UFBA, professor
in for ma ção entre problemas históricos substituto da Facom/UFBA e coordenador do curso de
desconectados entre si; a dramatização, jornalismo da Faculdade Dois de Julho, de Salvador.
que mo di fi ca os critérios de seleção,
permitindo a pu bli ca ção de um fato 2 O mesmo texto, com o título A redescoberta do poder
dramático, mesmo de menor importância, do jornalismo: análise da evolução da pesquisa sobre o
no lugar de um fato de mais importância conceito de agendamento (agenda-setting) foi publicado
para o conjunto da audiência, fazendo com este ano no Brasil. Ver Traquina, Nelson. O estudo do
que se publique este último se ele alcançar jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos,
proporções críticas; e a normalização, ou 2001.
dissimulação de problemas procedentes
do próprio sistema político, reforçando as 3 É impressionante o número de trabalhos que utilizam o
estruturas de poder existentes (citado em conceito do agenda-setting. Traquina, em texto publicado
McLeod, 1996, 184). em 1995, diz que o número já era de 200 artigos e livros.
O número, hoje, deve ser bem maior. Basta acionar um
site de busca na internet e é possível carregar, em pouco
Considerações finais tempo, mais de 500 referências sobre o assunto.

Com a retomada destes textos, fica claro 4 Esta preocupação, direcionada para as novas formas de
que estamos distantes de um consenso se fazer política na contemporaneidade, é central no
sobre a principal discussão proposta por pensamento de RUBIM, Albino Antonio Canelas. Mídia
este artigo. Divergências semelhantes foram e Política no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária
apontadas no início do desenvolvimento UFPB, 1999.
do conceito do agenda-setting (alguns
defendendo que ele reafirma a teoria dos 5 Esta distinção pode ser vista em vários trabalhos, tais como:
efeitos poderosos e outros dizendo que ele SAMPEDRO BLANCO, Victor. Movimientos sociales:
reafirma o paradigma dos efeitos limitados) debates sin mordaza: Desobediencia civil y servicio militar
e também perduram nos estudos sobre os (1970-1996). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
enquadramentos. Isso não impediu que os 1997, p. 35. ROGERS, Everett M. “The anatomy of
trabalhos apresentassem considerações agenda-setting research”. Journal of Communication, 43
importantes. As pesquisas comprovam os (2), Spring, 1993.
momentos em que a mídia exerceu efeitos
sig ni fi ca ti vos tanto no estabelecimento 6 O termo é utilizando remetendo a Lipovetsky (1989),
da agen da dos receptores como na defensor da idéia de que estamos no império da forma
assimilação do enquadramento dominante moda, que também atinge a ideologia, agora marcada pela
verificado nos meios de comunicação. No flexibilidade, descontração e possibilidade de revisão a
entanto, somente destacar estes estudos qualquer momento, ao contrário da ideologia totalizante e
para defender a tese de que a teoria dos dogmática do século XIX. Ver Lipovetsky, Gilles. O império
efeitos limitados está sendo contestada do efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 1989
por esta corrente teórica não é suficiente, Referências
pois outras pesquisas relativizam o poder
dos meios de co mu ni ca ção tanto no BARROS FILHO, Clóvis. Ética na comunicação: da informação
estabelecimento de agendas como de ao receptor. São Paulo, Moderna, 1995.
enquadramentos .
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