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“O Panafricanismo, concebido no final do século passado e o movimento da Negritude no séc. XX, enquanto
conceitos político-culturais globais de exaltação da personalidade africana e pleito pela causa do homem
negro tiveram, no pós-guerra, grande repercussão por toda a África, pois foram os rastilhos que
incendiaram a consciência dos nacionalismos africanos. Neles, cultura e revolta estiveram estreitamente
associados e o seu sucesso foi tanto maior quanto os seus arautos possuíam a cultura e a língua do
colonizador e as utilizaram como armas contra o próprio colonizador (...)”.
Manuel dos Santos Lima resume
In “Humanismo africano e humanismo ocidental”
Tema:
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRICANA E OS
LÍDERES MAIS REPRESENTATIVOS DESTE PROCESSO.
1. INTRODUÇÃO
1.2. Contexto
1
Estudante do 4˚ Ano do Curso de Relações Internacionais e Diplomacia, Bacharel em Filosofia e Bacharel em
Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superio de Relações Internacionais e Diplomacia.
1
elementos como as independências africanas e consequente do fim dos impérios coloniais
em África; da guerra-fria da intensificação do processo de regionalização; da globalização e
da crescente interdependência entre os Estados que resulta das multifacetadas dinâmicas,
tecnológicas e a própria consciência do tempo e do espaço; de uma nova ordem mundial do
pós guerra-fria e conflitos intra estatais, identitários e nacionalismos. O contexto do trabalho
envolve todos aspectos acima arrolados.
1.3. Problematização
África é um imenso continente e possui uma enorme heterrogeniedade étnica, pelo que é
preciso evitar generalizações tanto na avaliação dos problemas como ao sugerir soluções.
África possui uma rica variedade de valores culturais e de estimável qualidade humana que
pode favorecer a humanidade inteira. Os Bispos Católicos Africanos, no Sínodo dos Bispos
Africanos apontam os seguintes valores positivos africanos: o sentido do sagrado e do
espiritual, o valor da família, o respeito e amor pela vida e pelos antepassados, a rejeição da
ideia de aniquilar a vida, a solidariedade, a vida comunitária e a herança tradicional que
privilegia o colectivo, em vez do individualismo, (Sínodo dos Bispos de África, 1995:47).
Durante muito tempo, o continente africano foi visto como uma sociedade sem história,
sem cultura, sem civilização. Na sua obra “Filosofia da História” (1830), Hegel declara que
África não é parte da história do mundo, não tem movimentos nem progressos históricos
próprios dela, porque nela não houve a manifestação do Espírito Absoluto. Em 1957, Padre
Gaxott escreveu: estes povos2 nada deram à Humanidade.
Hantington (1993:22), no seu artigo “The Clash of Civilizations?”, ao dizer que o mundo pós
guerra-fria será multipolar e multicivilizacional onde os blocos de países serão reunidos
segundo a identidade cultural e a partir da interacção de sete ou oito civilizações: ocidental,
confuciana, japonesa, islâmica, hindu, eslavo-hortodoxa, latino-americana, e, possivelmente
africana. Esta visão do autor mostra um certo cepticismo e põe em causa a existência de uma
civilização africana.
2
Estes povos referem aos povos africanos.
2
Ao olharmos para as bases da axiologia africana, verificamos que estão assentes no
desenvolvimento espiritual e metafísico e não material, como o Mundo Ocidental; estamos
perante um desenvolvimento espiritual da vida, da acção, da intuição, da vontade, do ser e
dos valores, apelando para actividade espiritual não redutíveis à razão e a elas atribuindo um
alcance metafísico, isto é, a capacidade de colher as profundezas e a essência da vida e do
real, ideias também defendidas por Espiritualistas Ocidentais como Maurice Blondel, Henri
Bergson, Félix Ravisson, Charles Renouvoir, Jules Lachelier, Emile Bouttroux e os
Neotomistas.
Nos nossos dias, o continente está sendo influenciado pelo processo da globalização e
regionalização, ocidentalização e está experimentando a modernização, democratização e
inserção internacional, que duma ou doutra forma põe, em causa a sua identidade, não
obstante que África ainda ocupa um lugar marginal nas relações internacionais e ainda é
ofuscada devido ao egoísmo e ambição de uns e erros de outros.
Quando olhamos para matriz conceptual e axiológica da realidade africana, vemos que ela
esteve sempre assente na teleologia, deontologia e escatologia, buscando uma saída para um
lugar no seio da ordem internacional, com uma identidade política, económica, cultural e
religiosa própria. África é uma das regiões do mundo que, historicamente, mais esteve
próxima às tentações de interpretações apaixonadas acerca das relações entre passado e
futuro.
1.4. Metodologia do Trabalho
3
Gill, António Carlos, (1999), Como Elaborar Projectos de Pesquisa, Edições Atlas, SãoPaulo.
4
4. Apresentar os líderes mais importantes e o seu papel no processo da criação da
identidade africana.
1.7. Hipóteses
3. A tentativa de identificação de uma identidade africana, nos últimos tempos, tem sido
influenciada pelo processo da globalização.
4. Qual foi e tem sido o papel dos líderes africanos no processo da criação da identidade
africana?
O presente artigo sobre a Construção da Identidade Africana e os Líderes Mais Importantes
será lido a luz da Teoria Construtivista e do Pluralismo.
Teoria Construtivista
A Teoria Construtivista surgiu pela primeira vez nos estudos das Relações Internacionais em
1989, com a obra de Nicholas Onuf, intitulada World of Our Making – Rules and Rule in Social
Theory and International Relations, bem como no artigo publicado em 1992 por Alexander
Wendt, Anarchy is What States Make Of It.
No debate entre agentes e estrutura, agentes e estrutura são co-constitutivos uns dos
outros e nenhuma precede o outro nem no tempo, nem na capacidade de influenciar
o outro. Nesse sentido, sociedade e indivíduos são co-constituídos;
Negam a anarquia como uma estrutura que define as Relações Internacionais, pois
para os construtivistas existe um conjunto de regras e normas que organizam e
norteiam as mesmas;
algo socialmente construído, ele vai ajudar a explicar o processo da construção social,
política, económica, axiológica e religiosa da identidade africana.
Pluralismo
4
Locke, John (1690) Carta Sobre a Tolerância, Editorial Presença, Lisboa.
5
Hume, David (1742) Ensaios Morais e Políticos, Presença, Lisboa.
6
Rosenau, James (1966) The study of global interdependence essay on the transnational of warld affair, Nicols,
New York.
7
Janis, Iving (1972) Victims of groupthink, Houghton, Mifflin, Boston.
8
Jevis, Robert (1976) Perceptions and misperception in international politics, Percepton University, Perception.
9
Keohone, Robert (1984) After hegemony: cooperation and discord in world politics, Economy, Perception
University, Perception
10
Snyder, Richard (1950) Coping with complexity in the international system, Boulder, CO, Westwie.
11
Nye, Joseph (1972) Transnational relations and world politics, Haward University Press, Cambridge.
12
Haans, Ernest (1958) The uniting of Europe, Stevens And Sons, London.
7
O Pluralismo baseia-se nas premissas do liberalismo. As Relações Internacionais, no
contexto da teoria pluralista, são caracterizadas pela diversidade de actores actuando na
política internacional. Para os pluralistas, o conceito de interdependência representa o
“cerne” das relações entre os actores internacionais, (Ventura 2002:5-8).
A visão pluralista das relações internacionais está baseada em quatros pressupostos, segundo
Viotti e Kauppi (1998: 199):
1. Os Estados não são os únicos actores do Sistema Internacional, uma vez que existem
outros actores igualmente importantes. As organizações internacionais em alguns
aspectos podem ser mais importantes e independentes que os Estados. Os actores
transnacionais como as Companhias Multinacionais, grupos de defesa dos direitos
humanos e grupos ambientalistas têm um papel importante nas relações
internacionais.
2. Os Estados não são actores unitários uma vez que é composto por diferentes grupos
de interesse, burocracias e indivíduos em competição. Embora normalmente na
imprensa se diga a decisão tomada por um Estado, tal decisão reflecte o
posicionamento de um determinado sector, instituição ou indivíduo, a decisão não é
tomada por uma entidade abstracta, como o Estado.
3. Os Estados não são actores racionais uma vez que está sujeito a influências exteriores
que condicionam e moldam as suas acções. Atendendo que existem vários actores em
interacção e que o processo de tomada de decisão reflecte um exercício de
negociações entre os vários sectores e burocracias de um determinado Estado, a má
percepção ou estereótipos impedem que as decisões tomadas sejam as mais acertadas.
Em certos casos algumas decisões terão de carecer de parecer público, referendum.
resultantes da interdependência cada vez crescente entre os Estados. Salientam-se
também problemas de combate à pobreza, problema de gestão de recursos naturais,
por isso, rejeita-se a validade da dicotomia high/low politics.
O Paradigma Pluralista é pertinente para o presente trabalho porque traz uma visão diferente
das Relações Internacionais, sobretudo na questão dos actores. Ele privilegia e dá
importância a outros actores não estatais e defende que a Agenda dos Estados é extensa e
não é restrita à questões de high politcs e questões militares. Dá importância a outros assuntos
que fazem parte do campo da vida internacional: economia, cooperação, cultura, conflitos e
vê o Estado como uma entidade desagregada.
2.2. Conceitos-Chave
2.2.1. Identidade
que congregam um indivíduo, um grupo, uma sociedade ou uma nação. A identidade,
também, abarca o campo político e é um factor fundamental para a construção de alianças,
harmonização de interesses e pode ser fundamental para a criação ou resolução de conflitos.
No que concerne as formas de Construção da Identidade, ela pode ser adquirida de forma
tácita ou de uma forma socialmente construída. Através de valores e identificação com a
sociedade, a identidade é socialmente construída seja de forma individual ou colectiva, como
é o caso da educação formal ou informal.
1. Teoria Essencialista: diz que a identidade é inerente a essência da pessoa humana. Ela
é construída de uma forma vernácula e tradicional. Do ponto de vista de análise de
conflitos, esta teoria é defendida pelo grupo de determinista e pessimista, que
reparam para as diferenças como elementos propensos para a ocorrência de conflitos.
10
3. Teoria Construtivista: defende que a identidade é algo que resulta da construção
social. Por exemplo: os marginalizados e pobres são propensos a construírem
protótipos contra os líderes e detentores do poder. A construção da identidade está
muito ligada a questão das necessidades, valores e interesses.
2.2.2. Colonialismo
2.2.3. Globalização
13
Kassotche, Dick (1999), Globalization – Fears of the Developing Countries: Reflections on the Mozambican
Case, ISRI, Maputo.
11
globalização sem considerar estes dois processo. No seu entender, a internacionalização e
dominado pela lógica de trocas; a multinacionalização, pela lógica de produção a
globalização, pela lógica da inovação.
3. IDENTIDADE AFRICANA
O continente africano limita-se ao norte pelo Mar Mediterrâneo, ao oeste pelo Oceano
Atlântico e ao leste pelo Oceano Índico. De uma maneira simplista, podemos dividir em
duas zonas absolutamente distintas: centro-norte que é dominado pelo imenso deserto de
Sahara (8.600.000 Km2), enquanto que o centro-sul, depois de percorrer savanas, é ocupado
pela floresta tropical africana.
Em África, não só há uma necessidade de uma identidade africana, mas também uma nova
procura de Estado, uma vez que no continente, os Estados não nasceram da dinâmica
interna, mas sim foram importados, ready made, pelas potências colonizadoras.
14
L’Observatore Roamano (1994), Relatio Ante Disceptationem, N˚ 4, Abril, Vaticano, Roma.
12
Após muitos anos de independência de vários Estados africanos, a identidade individual, o
cidadão, a identidade colectiva e o Estado são dois elementos importantes que devem existir
antes de falar de uma identidade africana na escala continental e são elementos
indispensáveis para a resolução de conflitos. É o que está a acontecer no Sudão, onde apesar
dos acordos assinados, não se consegue construir a paz no Darfur, porque não existe um
sentido de identidade nacional nem um sentido de identidade comum em as partes
conflituantes.
Na Conferência Internacional sobre Cursed by Riches: Resourses and Conflicts in Africa realizada
em Nairobi (2007) decidiu-se que para criar uma identidade africana ou qualquer que seja,
não há uma receita fácil, mas o caminho parece estar na mobilização da sociedade, os meios
de informação para a consciencialização da necessidade da edificação de uma identidade
africana autóctone. Mas o continente ainda carece de verdadeiros líderes como os que
idealizara a libertação do continente, ou melhor, há um exemplo extraordinário, como
Nelson Mandela, depois há um vazio enorme, (Sesana, 2008:42-43).
A falta de uma identidade africana consolidada, a fraqueza das instituições e a falta de uma
liderança interessada no assunto fragilizam o continente quando posto a prova com o
fenómeno da globalização, crescente interdependência e outros elementos identitários de
outras culturas que põem em causa a identidade africana. Se não se mudar a dinâmica e o
comportamento africano face a estes fenómenos, pensar que África possa um dia erguer-se
das sequelas do passado colonial será sempre uma utopia.
Um dos líderes africanos perguntou: o que é ser africano? Mas para sabermos que nós
somos, é importante perguntar: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos? Essas
três perguntas nos remetem a uma reflexão existencialista, que, por sua vez, nos remete as
três dimensões do tempo: passado, presente e futuro.
13
O Colonialismo é caracterizado geralmente pelo povoamento e domínio económico, social,
político, cultural e até religioso. Em África, o domínio colonial, duma ou doutra forma, pós
em causa a identidade africana, porque, segundo Fanon (1961), criou um complexo de
inferioridade a cultura africana postulando a valorização dos hábitos e costumes europeus
como sinal de progresso e igualdade.
Se olhamos para o passado, a pergunta que aparece é: O que fomos? Uma grande parte da
visão que temos do passado do nosso continente é ditado pelos pressupostos que ergueram
a história colonial e a história colonizada. Depois de 50 anos de independência dos Estados
africanos, persiste a ideia de que África pré colonial era um universo intemporal, sem
conflitos nem disputas, um paraíso feito só de harmonia, (Couto, 2003: 92-102).
Essa ideia romântica do passado alimenta a ideia redutora e simplista de uma condição
presente maravilhosa se não fosse a interferência exterior e que os únicos culpados dos
problemas africanos devem ser procurados fora e nunca dentro. Os poucos maus de dentro
é porque foram instrumentalizados pelos de fora. Esta visão estava presente no discurso e
decurso das lutas de libertação em África. Se havia uma instabilidade interna é porque ela
vinha de fora, que era o lugar onde o inimigo morava.
Segundo Pinto (2008: 223), com o fim dos impérios coloniais em África e o advento das
independências, a falta de uma identidade comum, não tinha sido superada e constituía uma
preocupação. Esta preocupação pela criação de uma identidade africana estatal e continental
emerge, juntamente, com o processo das lutas de libertação pelas independências.
É neste contexto de definição da ameaça e busca da unidade contra o inimigo comum que a
identidade começa a ser objecto de debates e discussão. Por alguns momentos, as etnias
esqueceram-se das suas diferenças e centraram-se na tarefa de libertação contra o colono.
Esta unidade foi fomentada pelo Panafricanismo e pela Negritude, que deram o impulso
inicial para o debate a respeito da identidade africa.
14
Um grupo de factores internos e externos contribuíram para a ideia da necessidade de
formação da identidade africana no período colonial e depois das independências africanas,
nomeadamente: Panafricanismo, Negritude e o terceiro mundo não alinhado. Nkrumah,
Edward blyden, Senghor, Aimé Cesaire, Fantz Fanon, Julius Nyerere, Sekou Touré, entre
outros, contribuíram para a formação da consciência africana em torno da necessidade
desenvolver uma identidade própria e livre a influência externa.
3.2.1. Negritude
necessidade de combater essa visão. Segundo esses intelectuais, os negros poderiam passar a
aceitar o preconceito. Assim, a Negritude afirmava que o homem negro era tão homem
quanto qualquer outro, e que havia realizado obras culturais de valor universal, às quais os
que empunhavam a Negritude queriam ser fiéis.
Segundo Ribeiro (2001: 82-84)15, citado por Adilson (2006), mesmo tendo influenciado
directamente os processos de libertação da África, o movimento Negritude recebeu críticas,
sendo considerado conservador e de “confirmação da teoria racista das diferenças
genéticas”, um “racismo às avessas”. No contexto da descolonização, o movimento
representou um ato político de luta pela afirmação e independência africana.
3.2.2. O Panafricanismo
15
Ribeiro, Luís Dario, (2001) Descolonização da Ásia e da África, Revista da Fapa, Nº 33.
16
Depestre, René, (2008) Bom-dia e Adeus à negritude, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do
Sul.
16
entre africanos e pessoas de ascendência africana das Antilhas Britânicas e dos Estados
Unidos da América. Seu principal representante foi W.E.B. Dubois, sociólogo negro dos
Estados Unidos. Em sua longa evolução, apareceu como um movimento racial, como um
movimento cultural e como um movimento político. Nesse sentido, o Panafricanismo
enriqueceu a luta de libertação da África, assumindo um carácter anti-imperialista e
aproximando-se do socialismo.
Basicamente, a ideia de uma união de todas às nações africanas teve como obstáculo a
diversidade étnica e cultural do continente (várias Africas). Esse problema foi potencializado
pelo processo de colonização europeu, que explorou esse cenário de tribalização, o que
dificultou a construção de uma identidade africana na segunda metade do século XX.
O Panafricanismo é uma ideologia que propõe a união de todos os povos de África como
forma de potenciar a voz do continente no contexto internacional. Relativamente popular
entre as elites africanas ao longo das lutas pela independência da segunda metade do século
XX, em parte responsável pelo surgimento da Organização de Unidade Africana, o
Panafricanismo tem sido mais defendido fora de África, entre os descendentes dos escravos
17
africanos que foram levados para as Américas até ao século XIX e dos emigrantes mais
recentes.
Eles propunham a unidade política de toda a África e o reagrupamento das diferentes etnias,
divididas pelas imposições dos colonizadores. Valorizavam a realização de cultos aos
ancestrais e defendiam a ampliação do uso das línguas e dialectos africanos, proibidos ou
limitados pelos europeus.
Ao analisarmos o presente, nos deparamos com a pergunta: Quem Somos? Mas se o passado
nos chega de forma deformada, o presente desagua em nossas vidas de forma incompleta.
Para colmatar essa deformação, buscamos a nossa identidade, porque acredita-se que a
afirmação da identidade nasce da negação da identidade dos outros. Mas segundo Couto
(2003, Ibid.), a afirmação do que somos está baseada em inúmeros equívocos.
Mas o que é verdadeiramente nosso? Muitos acreditam que a capulana, o caju, a mandioca, a
manga, a goiaba, a papaia são produtos moçambicanos, por exemplo. Todos estes produtos
foram introduzidos em Moçambique e em África. Mas estas coisas acabam sendo nossas,
porque para além da sua origem, lhes demos a volta e as refabricámos à nossa maneira. Por
exemplo, a capulana pode ser do exterior, mas é moçambicana pelo modo como a
amarramos. O coco é indonésio, a mandioca latino-americana, mas o prato que preparamos
é nosso, porque cozinhamos à nossa maneira.
Ao olharmos para o futuro, a pergunta que nos aparece é: o que pretendemos ser? O futuro é
incerto e vários fenómenos põem em causa essa busca de identidade, devido a crescente
18
interdependência e aculturação dos valores de outras culturas devido a globalização e os seus
efeitos. Mas o futuro a nós pertence, bastando fazer opções certas e corajosas, de modo a
que o continente tenha uma identidade apesar das suas diferentes culturas.
Há por vezes um certo cinismo. Poucos acreditam naquilo que propalam, (Couto, 2003).
Devido ao processo de globalização, África corres risco de ser um continente esquecido e
secundarizado pelas estratégias de integração global. O discurso da grande parte dos políticos
são incapazes de compreender e entender a complexidade da condição identitária dos povos,
onde a demagogia fácil continua a substituir a procura de soluções.
Segundo Maina Kiani, Chefe da Delegação dos Direitos Humanos do Quénia, o pressuposto
para ser verdadeiramente livre e viver uma democracia real é a identidade. Ora, nos países
africanos, os cidadãos não têm uma mesma e verdadeira identidade nacional. A identidade
nacional é o pressuposto político e jurídico que tem acompanhado o processo de formação
do Estado-Nação, incluindo identidade linguística, política, territorial, religiosa, (Sesana,
2008:42).
Em Moçambique, no Quénia e em quase todos os países africanos, o único factor que pode
ser considerado determinante para a formação da identidade nacional é o factor histórico: a
luta pela independência, para além das diferenças tribais. Se olharmos para Moçambique e
Quénia, por exemplo, a independência não foi totalmente real, porque faltou a conquista de
uma identidade nacional e por conseguinte não se desenvolve uma vida política democrática
liberal multipartidária. Outro caso típico, diz o professor congolês Ernest Wamba, é a
República Democrática do Congo que nunca foi uma república nem uma democracia.
justiça social, da paz e desenvolvimento, de segurança, de dívida externa, de acesso ao
mercado internacional, acesso ao capital, o aumento de poder no sistema
internacional, entre outros, são comuns, devem ser tratados conjuntamente num
ambiente de unidade e espírito de concórdia.
9 Contribui para que os problemas africanos, mas do que nunca, sejam enfrentados a
partir da base, de forma participativa e com os meios específicos e produzidos pelos
próprios africanos, articulando as experiências sócio-culturais locais dos povos e os
conhecimentos empíricos sobre cada caso específico.
Face ao processo de globalização e constante contacto entre as culturas, vários desafios são
apresentados às culturas e as suas identidades e a cultura e identidade africana não escapa
essas influências. O processo de aculturação faz das identidades algo heterogéneas. Temos
duas possibilidades: recour a notre autentité ou retour a notre autentité.
Mazula (2001), citado por Picasso (2003:62), diz que a globalização traz outras categorias que
se impõem igualmente globais: o mundo como aldeia global, cidadania global, economia
global, mercado global, Estado global. A globalização vai para além das fronteiras nacionais e
a família clã, etnia, tribo, religião, raça de um país ou continente.
política, económica, axiológica e religiosa da identidade africana cabe a todos os africanos.
Para tal é preciso recorrer aos valores positivos da cultura africana, associar esses valores aos
valores positivos das outas culturas e civilizações, criar um novo olhar para analisar a
realidade africana, inventar novos paradigmas de integração identitária e, com
responsabilidade, devemos criar a nossa própria história e a nossa própria identidade. Os
africanos devem elevar a sua dignidade e coragem e sentirem que são capazes de superar as
condições adversas e edificar uma identidade cultural, porque a maior pobreza provém da
falta de ideias, da erosão da criatividade e da ausência interna e internacional de debates a
esse respeito.
Tendo em conta que África é uma continente heterogéneo no campo étnico, com várias
identidades, é importante construir uma identidade continental homogénea, respeitando a
heterogeneidade continental que se manifestam nas várias etnias que existem nos diversos
países africanos. É imperioso que os africanos sejam eles mesmo, sendo outros, ou seja, que
sejam eles mesmos, não obstante que tenham elementos culturais e identitários de outras
culturas.
21
africanos, na diáspora, fizeram grandes esforços para criar a consciência da liberdade africana
e da necessidade de criar uma identidade africana autóctone.
Um grupo de líderes como Nkrumah, Senghor, Muguiba Keita, Sékou Touré, Juluius
Nyerere, entre outros desempenhou um papel muito importante. Estes tiveram grande
influência de africanista da diáspora.
No período de afirmação, que precede a luta de libertação nacional, o intelectual africano era
guiado por uma postura de adesão à condição do homem negro e seu mundo mental tinha
por base os traços comuns das culturas africanas. Essa postura fraterna antecedeu a viragem
decisiva para o aprofundamento na cultura nacional e a eclosão da luta armada. Segundo
Fanon (1961:207-209), no período de afirmação “os homens de cultura africana falavam
mais de cultura africana do que de cultura nacional” e, por exemplo, a literatura se propunha
como “literatura de negros” ou do “mundo negro”.
22
Por sua vez, Marcus Garvey, jamaicano truculento que considerava a pele do mestiço Du
Bois demasiado pálida para um negro, no quadro da Associação Universal para a Promoção
dos Negros lançou a palavra de ordem de "regresso à África". Garvey devotou-se
febrilmente à criação de organismos que concretizassem a ideia à qual se dedicara
profundamente: um império racial africano, de que se proclamava presidente provisório, um
Parlamento Negro, uma Liga Marítima da Estrela Negra. E imaginou um Paraíso em que os
anjos eram negros e os demónios, brancos. Não hesitou em colaborar com os racistas do Ku
Klux Klan, que como ele, mas por razões inversas, preconizavam que os Negros americanos
fossem mandados para a África. A vida tempestuosa de Garvey foi marcada pela prisão e
acabou obscuramente em Londres, em 1900.
considerável sobre personalidades como Asikiwe Nandi, futuro presidente da Nigéria,
Kwame N‘ Krumah, primeiro presidente da República de Gana (para quem o
Panafricanismo foi uma das ideias-força) e Jomo Kenyatta, primeiro presidente da República
do Quénia. Du Bois exerceu também profunda ascendência sobre escritores negros
americanos. Seu livro Almas Negras (1903) tornou-se modelo para os intelectuais do
movimento do Renascimento Negro (entre 1920 e 1940). Reagindo contra os estereótipos e
preconceitos que circulavam a respeito do negro, o movimento glorificava a sua cor.
Defendia a origem africana, o direito ao emprego, ao amor, à igualdade, ao respeito e
propugnava ainda pela assunção da cultura. Esse programa foi revelado na revista The Nation,
de 23 de Junho de 1926, sendo considerado a declaração de independência do artista negro:
Nós, criadores da nova geração negra, queremos exprimir nossa personalidade sem vergonha
nem medo. Se isso agrada aos brancos, ficamos felizes. Se não, pouco importa. Sabemos que
somos bonitos. E feios também. O tantã chora, o tantã ri. Se isso agrada à gente de cor,
ficamos muito felizes. Se não, tanto faz. É para o amanhã que construímos nossos sólidos
templos, pois sabemos edificá-los, e estamos erguidos no topo da montanha, livres dentro de
nós.
GENERALIZAÇÕES FINAIS
África é um imenso continente que possui uma heterogeneidade étnica enorme, mas esta
heterogeneidade dever ser vista como sendo uma rica variedade de valores culturais e deve
ser vista como uma estimável qualidade humana que pode favorecer o progresso da
humanidade inteira. O importante é ter a capacidade de manter em diálogo entre os
diferentes segmentos identitários dos diferentes países africanos.
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Os valores positivos africanos: o sentido do sagrado e do espiritual, o valor da família, o
respeito e amor pela vida e pelos antepassados, a rejeição da ideia de aniquilar a vida, a
solidariedade, a vida comunitária e a herança tradicional que privilegia o colectivo, em vez do
individualismo, devem ser o móbil para a construção da identidade africana.
A ideia de que o continente africano é uma área sem história, sem cultura, sem civilização e
que os povos africanos nada deram à Humanidade é falaciosa.
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27