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12-02-2011 Recursos estilísticos

RECURSOS ESTILÍSTICOS
Guilherme Ribeiro

INTRODUÇÃO
"Só as obras bem escritas hão-de passar à posteridade". Essas palavras foram escritas
por um naturalista, o Conde de Buffon, ao tomar posse na Academia Francesa, em 1753.
Mais conhecido por uma frase que se tornou famosa (le style c'est l'homme même) do que
talvez pelos 36 volumes da sua História Natural, o dito buffoniano, pesando embora as
interpretações divergentes que tem suscitado, continua na ordem do dia.

Muitas foram e serão as definições de estilo. Algumas marcadas por um certo


radicalismo: "ter estilo é não ter estilo". Mas, não é nosso propósito percorrer o universo de
teorias que, ao longo das épocas, se foram formando em torno deste assunto. Aqui,
tentaremos apenas fazer um levantamento dos principais recursos de que os prosadores,
oradores e poetas se servem para tornarem mais sugestivas, expressivas e duradouras a suas
ideias, os seus pensamentos, as suas mensagens... ou, porque não dizê-lo, a sua Arte. E,
neste sentido, o estilo é o que os particuliza e os eleva à condição de verdadeiros artistas.

A propósito, deixemos aqui as palavras de Aquilino Ribeiro, para que o leitor possa
reflectir sobre o valor do estilo e, ao mesmo tempo, perspectivar uma definição possível:

«Em literatura o estilo é como o álcool para os corpos embalsamados:


conserva-a. Toda a literatura que resiste à corrosão do tempo deve-o ao
estilo. Homero, Cícero, Shakespeare, Camões, Voltaire, Tolstoi foram
grandes estilistas. Quer isto dizer que o estilo seja uma arte? De modo
algum. Mas sem estilo nenhuma obra se salva.

Acresce que a nossa língua está tão pouco clarificada que apenas
pensa com precisão e justeza quem escreve correctamente. Julgar que em
nome duma postiça originalidade ou evidenciação do humano haja de se
abolir a técnica é pueril. E fazer tábua rasa da experiência adquirida no
domínio da expressão não pode deixar de representar um inútil, inglório e
malogrado intento. A palavra é como o mármore na estátua; dar a essa
matéria semblante de vida, curvas voluptuosas, sombras quentes, frémito,
solidez, eis o difícil objectivo que não se alcança de golpe. Com verbo
desordenado, segundo a flux apocalíptica da imaginação, só poderá obter-
se uma turva e destrambelhada arte.»

Por outro lado, queremos que tomem consciência sobre o peso e utilidade da Retórica,
termo frequentemente interpretado em sentido pejorativo, tido como sinónimo de verborreia.
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O tratado antigo mais conhecido é a Retórica de Aristóteles. A importância da
comunicação oral nessa época era muito grande pois os assuntos públicos eram tratados nos
foros públicos. Mesmo nos nossos dias, os que têm a seu cargo as deliberações dos países e
os diversos partidos políticos necessitam de estruturar convenientemente os seus discursos
para que as suas mensagens sejam acolhidas pelos cidadãos.

Significa isto que os artifícios e as técnicas discursivas não são exclusivas do texto
literário, seja prosa ou poesia. Eles são indispensáveis na própria comunicação, pois é
necessário cativar e persuadir para mover à acção. Veja-se, por exemplo, a realização dos
anúncios publicitários, sejam os de teor didáctico-pedagógico, sejam os de natureza
puramente comercial.

Após estas ligeiras considerações, resta-nos somente precisar as coordenadas em que


assentamos para produzir este modesto, mas sério, trabalho.

É comum distribuirem-se as figuras de estilo em três grandes categorias:

a) Figuras de Sintaxe ou de Construção (Elipse, Zeugma, Pleonasmo, Anáfora,


Anástrofe, Hipérbato, Anacoluto, Assíndeto, Silepse);

b) Figuras de Pensamento Interrogação (Pergunta de Retórica), Exclamação,


Hipérbole, Apóstrofe, Prosopopeia (Personificação ou Animismo), Perífrase, Antítese,
Oxímoro, Paradoxo, Gradação);

c) Tropos (Comparação, Metáfora, Imagem, Alegoria, Ironia, Eufemismo,


Disfemismo, Sinédoque, Metonímia).

Mas esta divisão encontra-se sujeita a variaçõs, de forma a estabelerem-se nexos


semânticos e estruturais entre as várias figuras. Henri Suhamy, por exemplo, agrupa-as em
cinco rubricas distintas:

I. Os Tropos: (Catacrese e Glossemas; Imagem, comparação e metáfora;


Metonímia e Sinédoque; Perífrase; Os Tropos de Funções: Enálage, Hipálage,
Implicação, Hendiadyn, Litote)

II. As Figuras de Repetição e de Amplificação: Repetição de Palavras: Epizeuxe,


Anáfora, Epífora, Anadiplose, Simploce, Antanáclase, Epanalepse, Epanadiplose;
Repetição de Sonoridades: Rima, Assonância, Aliteração, Apofonia, Paranomásia,
Eufuismo, Poliptoto; Redundâncias: Pleonasmo, Batologia, Tautologia, Expleção;
Paralelismo e Amplificação: Paradiástole, Hipozeuxe, Paráfrase);

III. As Figuras de Construção: Ritmo; Cláusula; Quiasmo; Antítese; Oxímoro;


Paralelismo; Dissimetria; Inversão; Hipérbato; Anástrofe; Histerologia)

IV. As Figuras de Realce ("de mise en valeur"): Hipotipose, conglobação,


Expolição, Onomatopeia, Harmonismo, Exclamação; Interrogação; Apóstrofe;
Mitologismo; Antropomorfismo; Prosopopeia; Hipérbole; Litote; Tapinose; Eufemismo;

V. Elipses: Elipse; Abreviação; Parataxe; Braquilogia; Anacoluto; Zeugma);

VI. Figuras de Pensamento: Ironia; Asteismo; Autocategorema; Epítrope;

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Paradoxo; Tácticas de Argumentação: Precaução, Rejeição, Antecipação, correcção,
Retroacção, Antorismo, Antiparástase, Apodioxe, Preterição, Associação,
Comunicação)

Nós, sem pretendermos pôr em causa os princípios de tal divisão, optámos por constituir
núcleos relacionais em torno dos quais agrupámos os recusrsos estilísticos. Ou seja, há
figuras que resultam de um relação analógica, como a Comparação e a Metáfora; outras que
assentam em relações de contiguidade, como a Metonímia e a Sinédoque; e por aí adiante.

Este procedimento afigura-se-nos mais funcional e rentável, em termos de consulta e de


memorização, pois permite compreender melhor o fundamento de cada recurso e,
consequentemente, favorece a determinação quer do que de comum existe entre uma série de
figuras quer dos traços que as distinguem entre si.

I. FIGURAS COM BASE NA ANALOGIA

1. COMPARAÇÃO
A comparação, como o próprio nome indica, consiste na associação entre dois termos
diferentes, mas entre os quais há algo que permite aproximá-los.

Exemplos:

"Dentro da casa o mar ressoa como no interior de um búzio." (Sophia M. B.


Andresen);

"O silêncio pesava como chumbo."

"As árvores pareciam velas desfraldadas ao vento."

"Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas."

"... de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face"

"A rua [...] parece um formigueiro agitado" (Érico Veríssimo)

Pode, pois, concluir-se:

__ que as metáforas sublinham as similitudes entre as coisas, mas não alteram o sentido
das palavras;

__ que existe na associação entre as duas realidades comparadas (termo comparante e


termo comparado) uma partícula, ou expressão (como, parecer, ser semelhante a, etc.), que
marca explicitamente essa mesma associação;

__ e que a riqueza da comparação deriva da sensibilidade e experiência do sujeito para


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construir associações lógicas, originais e sugestivas.

2. METÁFORA
Na metáfora está sempre implícita uma comparação, ou seja, como que corresponde a
uma associação comparativa entre duas realidades, entre duas ideias, mas coladas uma à
outra sem quaisquer elementos que explicitem essa associação.

Porém, apesar de a metáfora se fundar numa associação comparativa, não podemos


dizer que o seu valor e expressividade são semelhantes aos atingidos pela comparação.

A METÁFORA não se limita a procurar a concisão, ela transfigura igualmente o sentido


das palavras, ao mesmo tempo que expande a possibilidade de associações possíveis entre
signos diferentes. Isto significa que entre o sentido base e o sentido acrescentado existe uma
relação de semelhança, de intersecção de tal modo cerrada que o significado acrescentado
passa necessariamente por uma abrangência associativa muito mais extensa e rica que aquela
que acontece na comparação.

A METÁFORA, como precisa a sua etimologia, além de procurar a concisão, transfigura


o sentido das palavras, dando a ideia de um transporte e de uma mutação. A escrita
metafórica surge como um procedimento de codificação, exigindo, da parte do leitor, uma
espécie de tradução, tentando decifrar o referente que se encontra detrás do signo.

METÁFORA PURA: aquela em que apenas existe o termo metafórico, sem a presença
do termo real (subsiste o plano do evocado e desaparece o plano do real), cabendo ao leitor
tentar descodificar as possibiliades possíveis, por meio de associações que o mesmo terá de
realizar:

"Eu só queria a coragem

De poder adormecer os meus punhais no coração." (José Gomes Ferreira)


=> Associação entre punhais e palavras, farpas, vinganças, etc.

"Sua lua de pergaminho

Preciosa tocando vem." (F. García Lorca) => Associação entre a Lua e a
pandeireta.

"Vomito horas de tédio

De cansaço...

Morro os sóis que sempre nascem" (Cari)

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" É de oiro o silêncio... A tarde é de cristal..."

"Trave da tua casa, lume da tua lareira." José Saramago [Referido-se à avó]

METÁFORA IMPURA (ou SIMPLES): aquela em que o elemento metafórico e o


elemento real estão presentes, permitindo-nos estabelecer a associação entre os dois planos
(evocado e real):

"Fios de sol escorriam de uma azinheira, perto da estrada" (Vergílio


Ferreira)

"Amor é fogo que arde sem se ver," (Camões)

"Nossas vidas são os rios que vão dar ao mar."

"Que é Poesia?

uma ilha

cercada

de palavras

por todos

os lados." (Cassiano Ricardo)

"Os suspiros escapam-se da sua boca de morango" (Rubén Darío)

"A lua nova é uma vozinha da tarde..." (Jorge Luís Borges)

"E lágrimas sonoras, dos sinos velhos..." (António Machado)

A metáfora só se pode descrever metaforicamente, não tendo, por isso, uma definição
positiva. A METÁFORA, recriando a linguagem, modifica o facto descrito. Por outro lado, é
necessário estar-se consciente de que as metáforas nascem, vivem e morrem, chegando
determinadas metáforas a constituir simples expressões directas da língua, enriquecendo-a,
mas deixando de ser metáforas (vulgarmente denominadas de metáforas mortas).

2.1. CATACRESE
Etimologicamente, CATACRESE (do grego catáchresis), significa erro.

Em sentido restrito, pode designar um erro involuntário, seja de ordem fónica seja de
ordem ortográfica, que frequentemente acontece com os parónimos. Ás vezes, os desvios

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provêm de associações aberrantes.

A catacrese consiste na mudança da acepção de um nome, fazendo este representar,


com base numa pura analogia, um objecto, ou uma parte do objecto, para os quais não
existem nomes de referência particulares.

Exemplos de catacrese:

__"mão de pilão";

__"perna de mesa";

__"ala de edifício";

__"cabeça da mesa";

__"costas da cadeira"

Ao serviço de propósitos especiais, como nas expressões que não possuem nome ou
adjectivo próprio, a CATACRESE aproxima-se da METÁFORA, ou chega mesmo a
confundir-se com esta:

__"E o sol estende, pelas frontarias

__ Seus raios de laranja destilada" (C. Verde)

__"Mas eu aportara à cidade de automóvel..." F. Namora)

__"Lágrimas eloquentes";

__"romance água com açúcar"

2.2. IMAGEM
IMAGEM. __ Em sentido lato, a imagem engloba figuras como a metáfora, o símbolo, a
alegoria, etc., figuras criadas por meio de uma comparação, de uma relação analógica.

Em sentido restrito, esta figura designa uma comparação em que todos os termos
(comparados e comparantes) se encontram expressos __ pelo que, neste caso, o termo mais
apropriado seria SÍMILE.

A imagem é, pela sobreposição e/ou acumulação de figuras, mais ampla e rica de


sugestões que a comparação e a metáfora. A reunião destas duas (da metáfora com a
comparação) acabam por converter as ideias em representações mais sensíveis, animadas e
coloridas:
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__ "O Mondego, como uma cobra na areia, espreguiça a sua trança de águas
mortas" (Fialho de Almeida)

__ "Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão


copados e redondos, de um verde tão moço, que eram como um musgo macio onde
apetecia cair a rolar." (Eça de Queirós)

__ "Os bons amigos hão-de ser âncoras e amarras na tempestade desta vida."
(Frei Heitor Pinto)

__ "O ar mordido por pequenos dentes dum branco imaculado..." (Bernardo


Santareno)

__ "Voz rouca com claridades ardentes de Sol e negrumes de mar sem fundo."
(Bernardo Santareno)

"Horas mortas... Curvadas aos pés do monte

A planície é um brasido.. e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte." (Florbela Espanca)

2.3. SÍMBOLO e EMBLEMA


__ SÍMBOLO è uma representação significativa. A balança, por exemplo, é o símbolo
da justiça, a cor verde é símbolo de frescura, de esperança, mas também de
imaturidade, de inocência.

As metáforas de carácter universalizante passam geralmente a ser consideradas símbolos,


como acontece, por exemplo, com «Babel», associada a confusão.

__ O EMBLEMA é um signo deliberadamente escolhido, que, da parte de um indivíduo


ou de uma comunidade, pretende afirmar uma personalidade, proclamar a identificação a um
valor, como uma divisa expressa visualmente. Os emblemas heráldicos podiam substituir os
nomes. Se o leão simboliza a coragem e a majestade, torna-se EMBLEMA para uma
nação que se reconheça nestas virtudes.

Os adereços que as personagens transportam consigo servem muitas vezes de elementos


identificadores, isto é, constituem emblemas, como acontece, por exemplo, com as
personagens vicentinas. Porém, segundo nos parece, o emblema conterá sempre em si
também um valor simbólico (de virtudes ou vícios)

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2.4. ALEGORIA
A ALEGORIA é uma composição simbólica, feita de vários elementos que formam um
conjunto coerente e reenviam termo a termo para o conteúdo significado.

A ALEGORIA é um recurso retórico-estilístico em que se fazem corresponder, de modo


minucioso e sistemático, um nível de significados literais e um nível de significados figurados.
A alegoria pode ser considerada como uma metáfora ou como uma comparação
prolongadas, devendo o seu intérprete descobrir sob os significados literais e patentes, que
em si mesmos têm coerência, outros significados, significados de outra ordem.

Assim, por exemplo,

"a nau que enfrenta um mar encapelado, dirigida por um piloto firme e hábil,
responsável pelo leme, que sabe evitar os escolhos e vencer as ondas e os ventos
contrários"

é uma alegoria multissecular da vida política do Estado, agitada e perigosa, que exige um
governante com coragem e sabedoria.

Como igualmente alegórico é este extracto do Sermão de Santo António aos Peixes, do
Pe. António Vieira:

"O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles
seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece
a mesma brandura, a mesma mansidão."

O polvo aparece aqui como uma notável representação alegórica da hipocrisia com que
se mascara o ser humano e, em particular, alguns membros da igreja.

A alegoria pode ser global, isto é, um texto literário pode conter alegorias, mas a alegoria
é particularmente utilizada em géneros e subgéneros literários como a sátira, a fábula, a
parábola, o sermão e o apólogo (esta lista de géneros e subgéneros demonstra bem o pendor
didáctico da alegoria).

As personagens de alguns autos de Gil Vicente __ Auto da Alma, por exemplo __ são
personagens alegóricas, na medida em que constituem representações do mal e do bem, do
vício e da virtude.

Uma ALEGORIA na qual se crê torna-se um MITO, dado que o MITO é uma
METÁFORA por projecção, fundada sobre uma analogia entre um fenómeno real e um
fenómeno imaginário, que é o reflexo e que adquire importância pelo facto de que o
pensamento mítico prefere o imaginário ao real. O imaginário é sempre mais intelegível que o
real, mesmo se os filósofos nele denunciam a irrealidade.
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2.5. PARÁBOLA
A PARÁBOLA é uma narrativa (récit) alegórica, contendo uma lição moral ou religiosa.

Fala-se de PARÁBOLA quando todos os elementos de uma acção, exposta ao leitor, se


referem, ao mesmo tempo, a uma outra série de objectos e processos. A clara compreensão
da acção do primeiro plano elucida, por comparação, sobre a maneira de ser da outra. A
PARÁBOLA desenvolve-se no tempo, enquanto a ALEGORIA propriamente dita tem um
aspecto mais espacial.

"...O semeador saiu a semear.

Parte da semente

caiu ao longo do caminho,

vieram as aves do céu

e comeram-na.

Parte caiu na pedra,

não tinha terra,

nasceu, veio o sol e secou.

Parte, enfim, caiu em terra boa

e deu bons frutos,

cem por um, outros sessenta por trinta.

Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça."

Vejamos também um poema, onde se fazem sentir ecos desta mesma parábola:

Pensamento vem de fora

e pensa que vem de dentro,

pensamento que expectora

o que no meu peito penso.

Pensamento a mil por hora,

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tormento a todo momento.

Por que é que eu penso agora

sem o meu consentimento?

Se tudo que comemora

tem o seu impedimento,

se tudo aquilo que chora

cresce com o seu fermento;

pensamento, dê o fora,

saia do meu pensamento.

Pensamento, vá embora,

desapareça no vento.

E não jogarei sementes

em cima do seu cimento.

(Arnaldo Antunes)

O termo grego Parábola significa "desvio do caminho". Mas desviar-se não equivale
necessariamente a perder-se. No fundo, recorre-se a uma forma poética para revelar uma
realidade abstracta, ou, utilizando um oxímoro, trata-se de um "revelar por ocultação".

Na parábola assiste-se a uma espécie de desvio em relação à literalidade da mensagem,


identicamente ao que sucede com o desvio à norma, traço característico e essencial do facto
estilístico.

Como na parábola de Cristo, também no poema, a semente é metáfora e imagem da


palavra. Além disso, "cimento" constitui, relativamente às palavras de Cristo, uma
actualização.

Uma PARÁBOLA pode ser inventada, mas um acontecimento histórico ou uma anedota
podem servir de parábolas, fora de tempo (après coup), o que explica o sentido proverbial
de certas expressões. As parábolas do Evangelho adquiriram um sentido exemplar e
integram-se no discurso de igual modo.

Na mesma ordem de ideias, uma ALEGORIA não é obrigatoriamente uma construção


imaginária ou efabulação. Uma paisagem de inverno pode simbolizar, por exemplo, a
condição humana.

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2.6. SINESTESIA
Fala-se de SINESTESIA quando detectamos uma combinação ou fusão de diversas
impressões sensoriais __ visuais, auditivas, olfactivas, gustativas e tácteis __ entre si, e
também entre as referidas sensações e sentimentos. No fundo, trata-se de um jogo em que a
transposição dá origem a metáforas sinestésicas:

__ "O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-


a como um esposo, deixando-lhe o odor e a delícia da tarde." (Gabriel Miró)

__ "Que a alma que pode falar com os olhos também pode beijar com a face."

__ "Sobre a terra amarga, caminhos têm o sonho." (António Machado)

__ "Que tristeza de odor a jasmim!" (Juan R. Jiménez)

__ "Insónia roxa. A luz a virgular-se em medo.

O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou

Gritam-me sons de cor e de perfumes." (M. Sá-Carneiro)

__ "E fere a vista com brancuras quentes" (Cesário Verde)

3. PROSOPOPEIA, PERSONIFICAÇÃO ou
ANIMISMO
A PROSOPOPEIA Consiste em atribuir qualidades ou características humanas a tudo o
que não seja humano (ideias, animais, plantas, coisas, objectos inanimados, o irracional, etc.):

"A Ilha era deserta e o mar com medo

da própria solidão já te sonhava.

Ia em vento chamar-te para longe

E longamente, em espuma, te aguardava." (Carlos de Oliveira)

"A chuva é obrigada a sentir que eles nem as encostas lhes estendem." (Jorge de
Sena)

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"As estrelas foram chamadas e disseram: aqui estamos." (António Vieira)

"Entretanto, Lisboa arrojava-se aos meus pés." (Eça de Queirós)

"Um Sol rijo e pesadão, de todo genésico, espojava-se sobre a terra."


(Aquilino Ribeiro)

"Vêem-se os salgueiros chorando os tradicionais amores de Pedro e Inês."


(Fialho de Almeida)

"Toda esta noite o rouxinol chorou,

Gemeu, rezou, gritou perdidamente." (Florbela Espanca)

"Naquela manhã de Março, o vento norte levantou-se mal-humorado" (António


Botto)

"Plácida, a planície adormece, lavrada ainda de restos de calor." (Vergílio


Ferreira)

"A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa" (Eça de


Queirós)

Há, todavia, quem estabeleça distinção entre Prosopopeia/Personificação e Animismo,


reservando os dois primeiros para referir a atribuição de qualidades ou comportamentos
humanos a seres que o não são e o último termo para a expressão de sinais ou
comportamentos vitais atribuídos a coisas inanimadas, como as rochas, os metais, os
objectos, etc.., mas sem os elevar à categoria de humanos:

Exemplificando:

"As árvores torciam-se e gemiam, vergastadas pelo vento"

"Chegada a noite, os cumes das montanhas e os picos das serras deixavam-se


adormecer no travesseiro celeste. (Cari)

II. COM BASE EM OUTRO TIPO DE RELAÇÕES


(Contiguidade, Parte-Todo...)

1. METONÍMIA
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1. METONÍMIA
Enquanto a METÁFORA se baseia numa relação de similaridade de sentidos, a
METONÍMIA assenta numa relação de contiguidade de sentidos.

__ Na METÁFORA, o transporte de sentido opera-se por meio de uma semelhança,


analogia. Na METONÍMIA, a transposição de sentido realiza-se através de uma relação,
existindo tantas variedades de metonímias quantos os tipos de relação.

A METONÍMIA (do grego metonymía = mudança de nome) consiste em designar


uma determinada realidade por meio de um termo que se refere a uma outra realidade, mas
entre as quais (entre as duas realidades) existe uma relação.

Na metonímia, a associação que se estabelece entre X e Y (entre duas realidades, entre


duas ideias) é o resultado de uma relação por contiguidade e não por semelhança. A
METONÍMIA funda-se em relações de causalidade, procedência ou sucessão entre as duas
palavras que se interligam.

A METONÍMIA implica alteração de sentido de uma palavra ou expressão pelo


acréscimo de um outro significado ao já existente, quando entre eles (um e outro significados)
existe uma relação de contiguidade, de inclusão, de implicação, de interdependência, de
coexistência. Por exemplo, quando dizemos "As cãs (cabelos brancos) inspiram respeito",
estamos a empregar cãs por velhice, porque os cabelos brancos indiciam que a pessoa é
idosa e, consequentemente, com muita experiência vivida.

Exemplos de metonímia:

__ ser uma pena brilhante = ser um grande escritor

__ ter cinco bocas para alimentar = ter cinco pessoas para alimentar

__ foi movimentada a redonda na relva = foi movimentada a bola

__ ser o Cristo da turma = ser o que sofre todas as consequências

__ ter óptima cabeça = ter inteligência; ser inteligente

__ no Médio Oriente, não descansam as armas = ... não descansam os


guerreiros

Vejamos o fenómeno metonimíco, de acordo com os diversos tipos de relação:

a) A causa pelo efeito, ou vice-versa:

"As barbas longas merecem ser ouvidas" => deve prestar-se atenção aos mais
idosos, porque a longa experiência enriqueceu os seus conhecimentos e clarificou a sua
razão.

b) O autor pela sua obra:

__ "leu Cervantes" => obra de Cervantes;

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__ "ler Camões" => obra de Camões;

__ "Deleitava-se lendo o seu Camilo" => lendo as obras de Cãmilo.

c) O símbolo ou sinal pela coisa simbolizada:

"a espada, a cruz, os louros" => o exército, a religião cristã, a glória; "o altar e o
trono => a religião e o poder monárquico

"Nas caravelas de Portugal seguia sempre a cruz e a espada" => a religião e a


força militar

d) a divindade em vez do domínio em que exerce as suas funções:

"amigo de Baco" => 'amigo do vinho'

e) o lugar de origem pelo produto, ou vice-versa:

"Bebia Dão às refeições e acabava sempre com o café e uma Carvalho Ribeiro
Ferreira" => vinho da região do Dão / aguardente;

"fumar um Havana" => fumar um charuto

"Beba um Porto!"

f) O específico pelo genérico e/ou o objetivo pelos meios:

"Não sabe ganhar o pão" => não sabe arranjar maneira de sobreviver, de arranjar
algumas economias...;

"ganhar a vida" => conseguir os meios de subsistência para viver.

g) O abstracto pelo concreto:

"o amor é egoísta" => o ser possuído pelo amor é egoísta;

"Reuniu-se em Lisboa a cultura do país." => os homens cultos

"A juventude veste-se aqui" => os jovens

h) A matéria pela coisa:

"o aço" => a espada;

"os bronzes" => os sinos.

i) O instrumento por aquele que o maneja:

"o baixo" => aquele que toca viola baixo;

"O melhor pincel da sua época" => o melhor pintor da sua época;

j) O continente pelo conteúdo, ou vice-versa:

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"o teatro aplaudiu o artista" => os espectadores aplaudiram o artista;

"beber um copo" => beber o líquido contido num copo

k) O físico pelo moral:

"Ele é um grande coração." [=> homem bom, com boas qualidades, generoso...]

"Aquele rapaz é uma grande cabeça" [=> é muito inteligente]

"Ele tem maus fígados" [=> é irascível]

l) O invento pelo inventor:

"Encontrava-se num dédalo" => (a Dédalo se atribui a invenção do labirinto)


=>encontrava-se num labirinto

m) O edifício ou a propriedade pela pessoa:

"Belém mantém-se na expectativa" => O Presidente da República

Na metonímia não acontece uma transposição das partes para o todo, nem do todo para
as partes, como na sinédoque. Ainda que assim pareça, o que efectivamente ocorre é a
denominação de uma parte pela outra (pars pro parte).

2. SINÉDOQUE
A SINÉDOQUE (do grego synedoché = compreensão) Consiste numa alteração da
designação da coisa que se pretende referir, no plano do conteúdo conceptual.

A SINÉDOQUE é uma variedade de METONÍMIA, que consiste em exprimir a parte pelo


todo (pars pro toto), ora o todo pela parte (totum pro parte): o telhado pela casa, a nação
pelo governo, etc.

Porém, não se pense que se trata apenas de um todo quantitativo, em que cabem as
partes da ordem quantitativa. Em termos amplos, a "compreensão" de um conceito é todo o
seu conteúdo; num juízo, o sujeito está na posição daquilo que recebe o predicado, de modo
que até uma qualidade se diz pertencer ao sujeito como algo que é parte sua. O processo da
deslocação opera-se mediante as relações que o ouvinte percebe e que o podem transportar
na direcção do novo significado. Neste caminhar, ora vai do todo para as partes, ora das
partes para o todo, visto que as relações ocorrem tanto de uma direcção como de outra:

A SINÉDOQUE funda-se em relações de contiguidade, de vizinhança, em relações de


coexistência entre o todo e as suas partes. Vejamos como se podem apresentar esse tipo de
relações:
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__ A espécie pelo género: __ Enquanto seres dentro da espécie, a denominação vaga


do indivíduo poderá indicar a espécie:

"o homem é mortal" (= a natureza humana é mortal),

"Por subir os mortais da terra ao céu" (L. Camões) => 'todos os homens' ;

"Um Nero" => homem cruel;

__ A parte é expressa pelo todo e o todo é expresso pela parte:

"a vela singrou os mares" (= O navio à vela singrou os mares),

"Este povo que é meu, por quem derramo

As lágrimas..." (L. Camões) => povo representa aqui apenas os marinheiros de


Vasco da Gama e não o povo português

"Que, da Ocidental praia lusitana" => Portugal

"Andar nas bocas do mundo" => de muitas pessoas, mas não de todas as pessoas.

__ A matéria pelo instrumento (ou pela forma), ou inversamente:

"Com o ferro o duro Pirro se aparelha" = espada;

"Que de Homero para eles a cítara só cobiço" => inspiração

__ O singular pelo plural ou o plural pelo singular:

"o português é valente" => os portugueses são valentes

"Aqui, o pescador vive em barracas de madeira que têm o aspecto de


povoações lacustres." (Raul Brandão) [o pescador => os pescadores]

A sinédoque fomenta o vigor do estilo, por causa da concisão que lhe empresta;
produzindo a palavra muito mais do que a acepção ordinária lhe atribui, o efeito estético
decorrente torna-se apreciável. Mas requer-se que a sinédoque seja facilmente reconhecível,
porque de contrário torna o texto enigmático, em vez de sugestivo e vigoroso.

3. ANTONOMÁSIA
A antonomásia consiste na substituição de um nome próprio por uma qualidade ou um
epíteto, que o identifica ou define:

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"O rio Douro ficou banido da lírica portuguesa com a sua catadura feroz pouco
própria para animar os gorgeios dos bernardins, que são sempre lamurientos..." (A.
Bessa Luís) => ao estilo de Bernardim Ribeiro

"Mil relógios, mil fivelas

Que aos Adónis muitas deram" => aos amantes

A antonomásia vossiânica consiste na substituição de um apelativo por um nome


próprio (geralmente um ser excepcional da história ou da mitologia):

"um Catão" __ assim se referia Ramalho Ortigão a Alexandre Herculano, para


expressar que este 'era virtuoso em extremo, um austero'.

III. IDEIAS CONTRADITÓRIAS e CONTRADIÇÃO


NO INTERIOR DOS CONCEITOS

1. ANTÍTESE - OXÍMORO - PARADOXO


ANTÍTESE: Figura de construção, mas também de pensamento. Enquanto procedimento
literário, e sobretudo poético, a ANTÍTESE não consiste em confrontar dialecticamente
teorias opostas, mas sim apenas em jogar com os contrastes e em exprimí-los por meio de
construções compactas e bipolares.

A ANTÍTESE poética não pretende, como a de ordem filosófica, resolver, e muito


menos elucidar, as contradições do Universo ou do pensamento; ela pretende somente
exprimir todo o 'claro-escuro' da vida através de expressões intuitivas.

A ANTÍTESE reside na oposição dos contrastes em estado puro e na forma mais ou


menos simétrica que os coloca em relevo. A significação ideológica que daí se pode retirar
pertence a um outro domínio.

"Glória do Minho, horror de Salvaterra"

"Este baixel, nas praias derrotado,

Foi nas ondas Narciso presumido,

Esse farol, nos céus escurecido,

Foi do monte libré, gala do prado." (P. Cultista)

"Com maior frío vós; eu com mais fogo."(Herrera.)


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"o berço de um era magnífico e de marfim entre brocados; o berço do outro,
pobre e de verga"

"No terror e esplendor da emoção" (Eça de Queirós)

"Sentia-se homem, pequenino ou grande, consoante a luzinha interior que na


hora o alumiava." (Aquilino Ribeiro)

__ O OXÍMORON (ou OXÍMORO, ou ANTILOGIA): É uma forma de antítese


lúdica e paradoxal, que inculca a uma dada expressão dois sentidos teoricamente
incompatíveis.

O OXÍMORON, assentando na ligação de duas imagens que, na realidade, parecem


excluir-se, representa uma intensificação especial da ANTÍTESE.

A ANTÍTESE e o OXÍMORO são duas figuras que se encontram ao serviço da


expressão de ideias contraditórias, coabitando no mesmo espaço discursivo. Contudo, há
entre uma e outra uma diferença de intensidade, quase semelhante àquela que existe entre a
COMPARAÇÃO e a METÁFORA.

Assim, enquanto na ANTÍTESE, se explicita numa contradição entre dois campos


perfeitamente distintos (A / B), no OXÍMORO, assiste-se a uma espécie de sobreposição
dos dois campos AB . Tal significa que a lógica do campo A. não só é negada pelo campo
B, como também, e simultaneamente, se pretende impor a afirmação dessa mesma negação,
instaurando uma 'realidade terceira' que funciona como termo dialéctico da síntese e que
ultrapassa o puro movimento de afirmação e negação:

"Então, falo melhor quando emudeço...

Que de matar-me vivo..." (Camões)

"Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente; (Camões)

"Foste tu que partiste,

__ Meu amargo prazer, doce tormento!"

É verdade que o OXÍMORO corresponde à expressão de ideias ou pensamentos


paradoxais, e, por isso mesmo, é ele o termo eleito em detrimento de PARADOXO.

Embora o OXÍMORO esteja como que colado ao PARODOXO, nós entendemos que
seria possível estabelecer, mesmo que de forma um pouco ténue, uma linha de diferenciação
entre estes dois termos.

Assim, pensamos nós, enquanto o OXÍMORO se prende com conceitos apenas


inconciliáveis se considerados dentro de uma mesma esfera de análise, o PARADOXO
pressupõe sempre duas ideias antagónicas, em que cada uma delas é necessária à existência
da outra, quanto mais não seja em termos conceptuais. Isto é, dizer-se que "A paz nasce da
guerra" é um paradoxo, porque é precisamente a apreensão do conceito contrário ao de paz
que permite ter consciência desta; e o mesmo se passa em relação aos sentimentos humanos,
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em que, por exemplo, o ódio pode derivar do amor, etc., como também ao nível das atitudes
e comportamentos humanos:

"O Sr. Pimpão, colado ao povo e sempre defensor da sua simplicidade,


apareceu sumptuosamente trajado e de olhar pousado no mais alto pedestal" (Cari)
[Atente-se no paradoxo entre a que parece defender e a atitude que agora toma]

Se pusermos em paralelo duas realidades cruéis, estabelecendo entre elas uma diferença
gradativa, podemos criar um oxímoro do género:

"O tristeza do olhar de Pedro e do irmão espelhava aquele desassossego que o


vinho do pai trazia todas as noites ao lar. Mas, quando escutavam o barulho infernal
da casa do vizinho, que parecia habitada por duas hostes inimigas, serenavam... e a
confusão em que viviam convertia-se numa leve e passageira paz..."

Significa isto que, no OXÍMORO, se sobrevaloriza o efeito implicado numa reflexão


entre duas realidades cruéis, mas separadas por uma discrepância ao nível da intensidade, e
não propriamente o antagonismo entre ideias opostas. Aliás, é perceptível que «paz», aqui,
não corresponde verdadeiramente ao sentido de "paz" (ausência de conflito, convivência
harmoniosa, etc.), antes acentua o ambiente horrível que se vive em casa do vizinho, e diante
do qual o temor que se vive no outro lar quase que é esquecido. A este propósito, é
sugestivo o dito popular ao referir que "O mal dos outros é conforto" (porque abranda a
dor do nosso próprio mal).

Em suma, enquanto o PARADOXO expressa duas realidades opostas e inconciliáveis


simultaneamente, o OXÍMORO assenta na expressão de efeitos contraditórios face a
circunstâncias semelhantes, mas separadas por um relativo grau de intensidade.

Convirá, no entanto, ter sempre presente, que a coabitação de sentidos contrários


assenta numa espécie de sobreposição de planos distintos, como físico / psicológico,
material / espiritual, mundo interior / mundo exterior, etc.:

"Aquela triste e leda madrugada" (Camões) ["leda" refere-se ao aspecto físico duma
natureza que acorda suave e se anuncia luminosa e agradável, enquanto "triste" respeita a dor
psicológica que a morte de sua amada nele causara. Em suma, essa madrugada alegre é
testemunha de um acontecimento marcadamente triste.]

2. ANTÍFRASE
A ANTÍFRASE consiste na Expressão de uma coisa através de um termo de significado
oposto. Este procedimento é usado para incutir ironia ou sarcasmo (ver IRONIA)

"Cujo nome do vulgo introduzido

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É Félix por antífrase infelice" (L. Camões)

3. IRONIA
A Ironia consiste em dar a sensação de louvar o que se pretende condenar, em exprimir
as suas intenções por ANTÍFRASES, em dizer o inverso do que se pretende deixar
entender. Com a IRONIA pretende-se sugerir o contrário daquilo que se diz com as
palavras.

A IRONIA assemelha-se à hipocrisia., mas combatendo-a com as armas que esta


mesma utiliza.

Como a ironia está especialmente exposta ao perigo da incompreensão (à obscuritas) é


o contexto que determina o seu real sentido e, ganha particular evidência por meio da
pronuntiatio (a expressividade do tom com que é produzida):

"Olá, Veloso amigo, aquele outeiro

É melhor de descer que de subir" (Camões) [maneira subtil de chamar covarde,


medroso]

"Que belo empregado tu me saíste!" [= irresponsável, incompetente...]

4. LITOTE (ou LITOTES)


LITOTE É o nome da primeira figura da linguagem "imprópria" (figurada). Nela dá-se a
perceber alguma coisa de diverso do que a forma linguística em si mesma significa. Com a
LITOTE exprime-se uma afirmativa pela negação do contrário.

A litote é uma ironia da dissimulação com valor perifrástico, que consiste em obter um
grau superlativo pela negação do contrário:

"nariz alto no meio e não pequeno" (Bocage) => significa 'muito grande';

"Não nos rimos pouco...!" => 'rimo-nos muito'.

"Este vinho não é nada mau." => 'é bom'.


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IV. EXAGERO e SUAVIZAÇÃO NA EXPRESSÃO


DE IDEIAS, EMOÇÕES, etc.:

1. HIPÉRBOLE (ou AUXESE)


Na linguagem corrente, seu domínio de preferência, a HIPÉRBOLE consiste em utilizar
termos excessivos e impróprios, como "genial", "fantástico", "sublime", "ignóbil", "execrável",
etc.; comparações irrealistas ("Forte como um touro"); abuso de superlativos.

No fundo, na linguagem corrente ou na linguagem literária, a HIPÉRBOLE corresponde


sempre a um exagero, seja do real seja do imaginário, por excesso ou por defeito.

Pertencente ao audacior ornatus, a hipérbole possui efeitos poético-evocativos e serve,


na retórica, para despertar pateticamente no público afectos partidários e, na poesia, para a
criação afectiva de imagens que ultrapassam a realidade, enfatizando deste modo uma
determinada ideia.

__ A Hipérbole pura é um sobrepujamento gradual de sinónimos amplificantes que


acabam por ultrapassar os limites da credibilidade:

"A grita se alevanta ao céu da gente",

"Agora sobre as nuvens os subiam

as ondas de Neptuno furibundo,

agora a ver parece que desciam

às entranhas do profundo" (L. Camões);

"Se aquele mar foi criado num só dia, eu era capaz de o escoar todo numa
hora... era capaz de o beber só para me ver livre dele." (Agustina Bessa Luís)

"Vê-se ondear um oceano de cabeças." (Rebelo da Silva)

__ Hipérbole combinada com outros tropos:

a) Hipérbole metafórica, quando combinada com a comparação ou com a metáfora:

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"duro como ferro" => 'cruel';

"vontade de ferro" => 'vontade inabalável';

"Peguei a esbugalhar lágrimas como punhos." (Camilo Castelo Branco)

"A sua alma era um vulcão"

"Sem ter respeito àquela assim estremada

Gentileza de luz que a noite escura

Tornava em claro dia, cuja alvura

Do Sol a clara luz tinha eclipsada" (Camões)

b) Hipérbole irónica, na qual se exagera, de maneira provocante, a crítica em relação a


alguém:

"Tão delicada e mimosa era a sua consciência, que não só a picavam os


escrúpulos próprios, senão também os alheios" (ª Vieira)

2. EUFEMISMO
A realidade quase nunca é aquela que sonhamos. Há muitas circunstâncias adversas ao
longo da nossa vida, esperadas ou acidentais. Tomar conhecimento sobre determinados
factos, sobretudo quando directamente relacionados com a esfera dos nossos afectos, é
extremamente doloroso e pode perturbar enormemente a nossa sensibilidade ou até pôr em
causa a nossa saúde.

O EUFEMISMO surge assim como forma de atenuar a verdade catastrófica, com vista a
diminuir a força do impacto que a verdade poderá causar. Isto é, consiste em suavizar o
carácter desagradável, horrível, penoso, grosseiro ou indecoroso, de um julgamento, de uma
notícia, de um pensamento, etc. Mas também poderá haver casos em que o Eufemismo pode
conter um travo de ironia:

"Entregar a alma ao criador." (por 'morrer')

"Nunca usava palavras triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e
empregava restituir." (Eça de Queirós)

"Lhe dá no Estígio lago eterno ninho" (Camões) [= matou-o]

"Ele não roubou... Digamos que fez um pequeno desvio!"

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"... Só porque lá os velhos apanham de quando em quando uma folha de couve
pelas hortas, fazem de nós uns Zés do Telhado" (Aquilino Ribeiro) ["apanham" => furtam,
pela associação com o Zé do Telhado]

3. DISFEMISMO
O Disfemismo É precisamente o contrário de eufemismo. Em vez de se atenuar uma dura
realidade, opta-se por torná-la real ou mesmo cruel:

"Qual enganado, qual carapuça... levou foi um lindo par de cornos!" [a sua
mulher praticara adultério]

"Esticou o pernil... Foi fazer tijolo... Bateu a bota..." [= morreu]

"Deixa em paz a criatura. Está começando a esta hora a apodrecer, não a


perturbemos." (eça de Queirós)

V. TROPOS DE FUNÇÕES ou TROPOS


GRAMATICAIS:

1. ENÁLAGE
A ENÁLAGE corresponde ao emprego de palavras com categoria gramatical diferente
daquela que lhe é característica). __ A ENÁLAGE joga com as categorias gramaticais de
base: tempo, número, pessoa, funções.

É pela ENÁLAGE que o infinitivo introduzido pela preposição de substitui um


tempo conjugado; que uma palavra concreta substitui uma abstracta, ou vice-versa; que
se emprega um verbo intransitivo como transitivo, ou vice-versa:

"O que eu sonhei, morri-o" (F. Pessoa)


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"Mais vale um toma que dois te darei." (Prov.)

"Enquanto dormias a tua solidão" (Jorge de Sena)

2. HIPÁLAGE
A Hipálage é a figura que atribui a um ser ou coisa, designados por uma palavra, uma
qualidade ou acção que, logicamente, pertence a outro ser ou coisa expressos ou
subentendidos na frase.

"O chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola

do quintal em frente" (Ramos Rosa)

A hipálage consiste em atribuir a um substantivo um epíteto que apropriadamente se


devia atribuir a outro substantivo do co-texto. Trata-se de uma alteração gramatical e
simultaneamente semântica, da relação entre um adjectivo e um substantivo: em vez de o
adjectivo se encontrar ligado ao substantivo que semanticamente o exigiria, aparece
relacionado com um outro:

"Houve um ruído domingueiro de saias engomadas" (Eça de Queirós) ['saias


domingueiras']

"Na rua, a estanqueira chegou-se à porta, vestida de luto, estendendo o seu


carão viúvo" (Eça Q.) ['carão de viúva']

"fumar um pensativo cigarro" (Eça Q.) ['fumar pensativamente um cigarro']

"Abria os olhos molhados de culposas lágrimas." (Camilo C. Branco) [A culpa é


relativa ao sujeito e não às lágrimas]

"E logo a grulhada das suas vozes reanimou o canapé dormente." (Eça de
Queiró) [a dormência é a das pessoas que estão instaladas no canapé]

"Mas depois rebrilhava a estante amável dos Poetas." (Eça de Queirós) [a


característica amabilidade dos poetas é deslocada para a estantes]

"O aro de oiro dos seus óculos burocráticos" (Eça de Queirós)

"Atacou com um pedal solene o hino da carta." (Eça de Queirós)

"As tias faziam meias sonolentas" (Eça de Queirós)

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VI. FIGURAS RELACIONADAS COM REPETIÇÃO

A. REPETIÇÃO de PALAVRAS e de CONCEITOS

1. ANÁFORA
A Anáfora consiste em iniciar vários versos ou frases, ou sucessivos membros de frases
por uma mesma palavra ou grupo de palavras (x... / x... / x...). A Anáfora pratica-se tanto em
prosa quanto em verso (Ver Simploce):

"Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba."
(A. Vieira: Sexagésima)

"Lisboa com suas casas

de várias cores,

Lisboa com suas casas

de várias cores, " (F. Pessoa)

"Castro na boca, Castro n' alma, Castro

em toda a parte" (A. Castro)

"Árida palma

Tem seu licor;

Tem, como a alma

Tem seu amor;

Tem, como a hera,

Tem seu abril;

Tem, como a fera,

Tem seu covil." (João de Deus)

"Tinha um berço pequenino

E uma criada velha com um terço...

Cresci de mais, como destino"

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Cresci de mais para a o meu berço. (José Régio)

"E negro, negro como a noite morta,

E negro, negro como negro dia,

Senti-me triste como a noite morta.

Porém, de manso, abriu-se aquela porta....

E o Sol entrou!

E para mais, chovia..." (Pedro Homem de Melo)

2. ANADIPLOSE
A Anadiplose é um processo de repetição e de encadeamento através do qual se retoma
o início de uma proposição precedente (... x / x ...). A concatenação é perfeita quando recai
sobre a parte final da anterior e o início da seguinte.:

"Vou retratar a Marília,

a Marília meus amores" (Gonzaga);

"que era perdido de amores

por uma moça Joana:

Joana patas guardava

pela ribeira do Tejo." (Bernardim R.)

"Outra amante não há, não há na vida" (Antero de Quental)

"Anos, velhice, desgraça __ e teima. Teima até ao caixão." (Raul Brandão)

3. DIÁFORA ou ANTANÁCLASE

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A Diáfora consiste em repetir, numa mesma frase, palavras semelhantes ou homónimas,
mas marcando essa repetição por uma oposição de sentido. Trata-se de um procedimento
mais intelectual que rítmico.:

"Em vão, os deuses vãos, surdos e imotos." (Camões, Lus., X, 15)

"Esta vida dura, mas que não dura."

"Os vossos, mores cousas atentando

Novos mundos ao mundo irão mostrando" (Camões)

4. CLÍMAX ou CLÍMACE
O Clímax corresponde geralmente a uma intensificação, ou gradação, que se efectua em
graus simétricos, iguais. E colocámo-la aqui, porque é frequente apresentar, entre o último
vocábulo da frase ou oração anterior e o primeiro da frase ou oração seguinte, uma repetição
total ou etimológica (com a mesma raiz) do vocábulo, mas contribuindo sempre para acentuar
o crescendo (gradação ascendente) da ideia ou do pensamento:

"__ Onde o bom exemplo calando avisa, avisando emenda e emendando


afeiçoa."

"Da perda do bem nasce o conhecimento; do conhecimento a estimação; da


estimação a dor."

5. EPANADIPLOSE (ou CICLO)


Trata-se de uma repetição semelhante à Epanalepse, mas cujo emprego difere quanto à
estrutura, pois, este processo refere-se aos casos em que haja duas proposições, e não
apenas uma (x... / ... x).

"O natural é o agradável só por ser natural" (F. Pessoa)

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6. EPÂNODO
EPÂNODO consiste na repetição, em separado, de vocábulos que anteriormente se
encontravam juntos.

"No pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a


matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, a ciência que tem, a matéria que trata, o estilo
que segue, a voz com que fala." (A. Vieira: Sexagésima)

7. EPANALEPSE
Consiste na repetição do/dos mesmo/s vocábulo/s em vários pontos do contexto,
próximos uns dos outros.

Pode-se jogar também com variações de sentido, relativamente à palavra repetida...

"Assim como Deus não é hoje menos Omnipotente, assim a Sua palavra não é
hoje menos poderosa." (A. Vieira: Sexagésima)

"O rio cheio de escamas brilha

Negra, cheia de luzes, brilha a cidade alheia

Brilha a cidade nos anúncios luminosos" (Sophia M. B. Andresen)

"E o ano acaba alguma coisa acaba

acaba um homem para quem acaba uma viagem. (Ruy Belo)

8. EPÍFORA (ou EPÍSTROFE)


É uma repetição simétrica, em relação à Anáfora. Isto é, consiste na repetição de uma
mesma palavra, ou grupo de palavras no final dos versos, das proposições ou frases (... x / ...

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x). (Ver Simploce):

"Os animais não são criaturas? As árvores não são criaturas? As pedras não
são criaturas?" (Vieira; Sermão da Sexagésima)

"Não sou nada

Nunca serei nada

Não posso querer ser nada" (Álvaro de Campos)

"Como galhos secos caíam, a um sopro mais forte caíam." (Vergílio Ferreira)

9. EPIZEUXE ou REDUPLICAÇÃO ou PALILOGIA


É a mais elementar das repetições estilísticas. Consiste em repetir uma palavra sem
conjunção de coordenação. Repetição de uma mesma palavra para amplificar, exortar,
ordenar.

"Dizendo: «fuge, fuge, Lusitano»" (Lus. II, 61)

"¿Qué es esto? ¡Prodigio! Mis manos florecen;

rosas, rosas, rosas, a mis dedos crecen..." (Juana de Ibarbourou.)

10. SÍMPLOCE (ou COMPLEXÃO)


É o resultado da combinação de dois processos de repetição: da Anáfora com a Epífora,
ou, o mesmo será dizer, da repetição da mesma palavra no início e fim da frase:

"Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,

cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,

cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas" (F. Pessoa)

"Mirrados, si, mas por amor de vós mirrados; afogados, si, mas por amor de
vós afogados; comidos, si, mas por amor de vós comidos;" (A. Vieira: Sexagésima)
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11. PLEONASMO
Designa as redundâncias mal formadas, sobretudo do ponto de vista gramatical e lexical:

"Subi para cima"

"Desceu para baixo"

Em sentido de plenitude é uma figura pela qual se acrescenta à expressão do


pensamento, para reforçar a clareza ou a energia, palavras que seriam inúteis à integridade
gramatical:

"Vi com estes olhos que a terra hão-de comer"

"Vi claramente visto o lume vivo

Que a gente tem por santo" (Camões)

"Todos nus e da cor da treva escura" (Camões)

"Vistos com os olhos, palpados com as mãos, pisados com os pés" (A. Vieira)

VI. FIGURAS RELACIONADAS COM REPETIÇÃO

B. REPETIÇÃO DE ESTRUTURAS (Com ou sem


repetição de palavras)
:

1. PARALELISMO
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Genericamente, PARALELISMO significa toda a forma de construção que reproduz um
mesmo esquema, sobretudo se se trata de correspondências verticais entre as frases.

"Com estrelas na alma, com visões na mente"; "Bátegas de brasas, turbilhões de


sóis." (Junqueiro)

De igual modo seriam frases paralelas as que seguem:

"El cabello es oro endurecido, el labio es un rubí no poseído, los dientes son
de perla pura.";

ou estas de Vieira:

"Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, afia-lhe o nariz, abre-lhe a boca,


avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos,
divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos."

Ou estas de Carlos Drummond de Andrade:

"E agora José?

a festa acabou

a luz se apagou

o povo sumiu

a noite esfriou

E agora José?

E agora Joaquim?

Está sem mulher

está sem discurso

está sem carinho..."

A construção paralela torna-se mais intensa quando é sublinhada pela repetição de


palavras dominantes sintacticamente, como pode acontecer com a ANÁFORA ou,
sobretudo, com o

PARALELISMO ANAFÓRICO. Este é característico, como se sabe, das Cantigas de


Amigo... e não só... e consta da repetição simultânea de palavras ou expressões e de
estruturas sintácticas:

"Ai, flores, ai flores de verde pino,

Se sabedes novas do meu amigo?

Ai, Deus, e u é?

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12-02-2011 Recursos estilísticos
Ai, flores, ai, flores, do verde ramo,

Se sabedes novas do meu amado?

Ai, Deus, e u é?

"Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão

Tempo de coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo de ameaça. (Sophia M. B. Andresen)

Tanto num como noutro casos, é fácil verificar que, para além da repetição de palavras e
expressões, há igualmente uma estrutura frásica que se predomina ao longo das várias
estrofes dos poemas.

2. QUIASMO
O Quiasmo é É a figura mais conhecida das que se fundam na simetria. Trata-se de uma
expressão construída principalmente por quatro termos, sendo os dois últimos da mesma
natureza dos dois primeiros, mas apresentando uma ordem invertida. O QUIASMO aparece
quando duas partes de frase ou frases completas, que contêm uma ANÁFORA, não são
construídas paralelamente, mas em oposição, como imagem e reflexo. Habitualmente o
QUIASMO é representado por uma figura em cruz, ou pela sigla AB BA.

"O castelo melhor, o melhor forte...

o castelo melhor, o melhor forte


A B B A
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Na terra as crianças cantavam, cantavam as aves no alto.

na terra as crianças cantavam, cantavam as aves no alto


A B C C B A
"Ó minha menina loura, / Ó minha loura menina [...]" (F. Pessoa)

Ó minha menina loura, ó minha loura menina


A B C A C B
"Crédit Lyonnais: A banca do futuro / a vossa futura banca" (Anúncio
publicitário)

a banca do futuro, a vossa futura banca


A B B A

3. REVERSÃO
Esta figura também aparece denominada de ANTIMETÁBOLE __ o termo metábole
significa, em princípio, alteração ou deslocamento, o que o torna próximo de TROPO. Trata-
se de uma forma primitiva de QUIASMO, que consiste em opor os mesmo termos em
ordem invertida. Porém, a inversão provoca, não raras vezes, alteração ao nível do sentido,
fazendo lembrar a ANTANACLASE:

"O rei dos vinhos, o vinho dos reis" (Anúncio publicitário)

VI. FIGURAS RELACIONADAS COM REPETIÇÃO

C. REPETIÇÃO DE SONORIDADES:

1. RIMA
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Repetição de um mesmo som, total ou parcial, geralmente em final de verso. Por vezes
acontece que dentro do verso pode existir rima, pelo que a denominamos de RIMA
INTERNA. Embora característica dos textos em verso, não significa que também não possa
aparecer em textos em prosa:

Vem cá dizer-me que sim,

Ou vem dizer-me que não.

Porque sempre vens assim

P' ró pé do meu coração.

2. ASSONÂNCIA
É uma homofonia de sons vocálicos, algumas vezes prolongando o efeito da RIMA.
Pode haver casos em que a ASSONÂNCIA preenche uma impossibilidade de encontrar-se
uma combinação de palavras que, ao mesmo tempo que garantem a lógica e a expressividade
de sentido, possibilitem também o efeito de RIMA:

"As mãos do mar que vêm e vão,

As mãos do mar pela areia

Onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão

Em vão.

Não chegarão

Aos peixes do chão.

"De permeio a morte? Sim, a arrenegada,

venha rebuçada ou escancarada,

a que te ceifa inteiro ou se deita, primeiro,

de esperanças, na tua cama." (Alexandre O' Neill)

"Tem dores e ais e as dores dos ais / e os ais das dores;" (F. Namora)

"Água fria fica quente, / Água quente fica fria / Mas eu fico frio / Sem a tua

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companhia" (Manuel Bandeira)

3. ALITERAÇÃO
Enquanto a assonância recai sobre a repetição de sons vocálicos, a Aliteração incide
sobre a repetição de sons consonânticos. A ALITERAÇÃO tem sobretudo uma função
imitativa. Além disso, embora menos que a ASSONÂNCIA, pode substituir o efeito da
RIMA.

"O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia

"Antes que o sol se levante

Vai Vilante a ver o gado

Mas não vê sol levantado

Quem vê primeiro a Vilante. (Camões)

(predominância do som [v])

"Os seus pés descalços pareciam escutar o chão que pisavam" (Sophia M. B.
Andresen)

(predominância do som [s] combinado com [ch] e [z])

"Que o fraco rei faz fraca a forte gente." __ (Camões) ([f] e [R]

"Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...

O sol, o celestial girassol, esmorece...

E as cantilenas de serenos sons amenos

Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... (Eugénio de Castro)

"Calos, carros, casas, casos.

Capital

Encarcerada.

Colos, calos, cuspo, caspa." (David Mourão-Ferreira)

"Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso..." (F. Pessoa)

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4. ONOMATOPEIA
Trata-se do emprego de palavras que sugerem sons produzidos por animais ou pessoas
(ronronar do gato, piar do pássaro, gotejar da torneira, etc), ou ruídos produzidos por
objectos (chiar do carro, etc.) ou pela natureza (sibilar do vento, ribombar do trovão, etc.)
etc.:

Troc... troc... troc... troc...

Ligeirinhos, ligeirinhos.

Troc... troc... troc... troc...

Vão cantando os tamanquinhos...

"Galgar com tudo por cima de tudo, hup-lá

Hé-lá! Hê-hô! Ho-o-o-o-o-o!

Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!" (Álvaro de Campos)

5. PARONOMÁSIA ou ANNOMINATIO (ou


PARAQUESE)
Quando se usa palavras com som parecido, seja com significado semelhante ou com
significado diverso. As semelhanças entre as palavras tanto podem resultar do seu parentesco
etimológico, como podem ser simplesmente acidentais:

"Sagres sagrou então a Descoberta..." (Miguel Torga)

"D' esta arte a gente força e esforça Nuno" (L. Camões)

"Por causa dos privados foi privado" (L. Camões)

"Em muitas partes toma o navio porto à porta do seu dono" (A. Vieira)
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"Fundou-se e fundou-o David na vitória da sua funda" (A. Vieira)

"Mas não tremas, nem temas" (A. Vieira)

"Que a coroa de palma ali coroa" (L. Camões)

"O Texto não quer dizer calçada, senão calcada" (A. Vieira)

6. TROCADILHO ou JOGO DE PALAVRAS


O TROCADILHO ou JOGO DE PALAVRAS está geralmente associado à combinação
ou agrupamento de vocábulos com som semelhante.

Em sentido restrito, o trocadilho é entendido como o aproveitamento do sentido duplo de


uma palavra:

"Joana flores colhia

Jano colhia cuidados." (bernardim Ribeiro)

"__ Aquela ave do Sol e Sol das aves" (Jerónimo Bahia)

"Quer que a pinte a cores,

quer que a cante a coros...

Meti-me em debuxos

E caí em tonos.

Quem me fora Apeles!

Quem me fora Apolo!"

Nesta estrofe, a PARANOMÁSIA cruza-se com o TROCADILHO ou JOGO DE


PALAVRAS resultantes das semelhanças tonais entre cores e coros, Apeles e Apolo.

7. POLIPTOTO
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Consiste na repetição da mesma palavra em diferentes flexões, mas distinguindo-se da
alteração referente à criação de palavras pelo facto de não provocar uma alteração ao nível
do seu significado nuclear, mas apenas uma alteração da perspectiva sintáctica:

"No mar tanta tormenta e tanto dano,

tantas vezes a morte apercebida!

Na terra tanta guerra, tanto engano

tanta necessidade avorrecida" (L. Camões)

"Um Oriente, ao oriente, do Oriente" (F. Pessoa)

"Enquanto vos oferece a luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz" (A.
Vieira)

8. FIGURA ETIMOLÓGICA
Consiste na repetição do radical de uma mesma palavra, visando produzir uma
intensificação da força semântica:

"Uma vida que é vivida,

e outra vida que é pensada" (F. Pessoa)

"viver uma vida divina" (A. Vieira)

"Vi claramente visto o lume vivo" (L. Camões)

9. EUFONIA
Efeito rítmico e harmónico agradável produzido pelas sequências fónicas de um sintagma,
de uma micro-estrutura textual. Quando um poema é construído com ritmo, cadência, rima,
aliteração, e determinadas intercalações que contribuem para reforçar a harmonia e a
musicalidade, diz-se que ele é caracterizado pela eufonia.

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VI. FIGURAS RELACIONADAS COM A INVERSÃO


DA ORDEM NATURAL DAS PALAVRAS:

1. INVERSÃO
No geral este termo refere-se à troca de posição entre o sujeito e o verbo. Na inversão
não se intercala qualquer palavra alheia ao grupo sintáctico:

"Um ramo na mão tinha.." (Camões)

"Voavam folhas amareladas por entre saudades emurchecidas" (Cari)

"Abandonaram os ninhos as andorinhas e despediram-se na aventura das


suas asas." (Cari)

2. HIPÉRBATO
Designa a transferência de palavras e as construções realmente insólitas que contribuem
para a transformação artística da linguagem. Geralmente, o hipérbato é utilizado seja para que
a nossa atenção se centre sobre o elemento deslocado, seja para se obter determinados
efeitos fónicos ou outros.

O HIPÉRBATO é uma figura de construção que consiste na inversão violenta da ordem


normal dos membros de uma frase, podendo manifestar-se pela separação do substantivo e
do adjectivo, pela colocação do sujeito ou do verbo no fim da oração, pela alteração do
lugar habitual de complementos regidos preposicionalmente, etc.

O hipérbato foi utilizado com muita frequência na poesia barroca. O deslocamento dos
adjectivos constitui o mais clássico e eficaz dos HIPÉRBATOS.

"Casos que o Adamastor contou futuros" (L. Camões)

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"Tamanho o ódio foi e a má vontade" (L. Camões)

"Que sejam, determino, agasalhados

Nesta costa africana como amigos." (Camões)

"O céu fere com gritos nisto a gente" (Camões)

"E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Corendo com firmeza, assomam as varinas." (Cesário Verde)

" Nas pernas me fiava eu." (Aquilino Ribeiro)

"Essas que ao vento vêm / Belas chuvas de Junho!" (Joaquim Cardoso)

3. ANÁSTROFE
É um tipo de HIPÉRBATO, mas cuja inversão da ordem natural das palavras na cadeia
sintagmática se revela menos violenta:

"Qual vermelhas as armas faz de brancas," (Lus. VI, 15)

"Dos cavalos o estrépido parece" (L. Camões)

"de África as terras e do Oriente os mares" (L. Camões)

"Longas são as estradas da Galileia." (Eça de Queirós)

"Vingai a pátria ou valentes / Da pátria tombai no chão!" (Fagundes Varela)

4. ANACOLUTO
Esta figura afecta a sintaxe de forma abrupta. A impaciência do pensamento provoca uma
violência na lógica formal do discurso. Consiste em fazer subentender o correlativo de uma
palavra expressa, em deixar só uma palavra que reclama a presença de uma outra, sua
"companheira". Este procedimento resulta do facto do locutor dedicar mais atenção ao
pensamento do que à organização sintáctica (ver SÍNQUISE)

O anacoluto verifica-se, por exemplo, quando uma oração que parece ser a principal fica
em suspenso pelo aparecimento de outra oração que a faz derivar num outro sentido:
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"A noite

__ Como ela vinha!

Morna, suave,

muito branca, aos tropeções

Já solene as coisas descia __ E eu nos teu braços deitado

A té sonhei que morria." (António Botto)

"Amigas, o meu amigo

dizedes que faz enfinta." (Johan Garcia de Guylhade)

"__ Que menos é querer matar o irmão

Quem contra o rei e a pátria se alevanta" Camões)

"Este povo, que é o meu, por quem derramo

As lágrimas, que em vão caídas vejo [...]

Por ele a ti rogando, choro e bramo" (Camões)

"Tua mãe, não há idade nem desgraça que lhe amolgue a índole rancorosa."
(Camilo)

"Uma das carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava


com elas de tão imprestáveis." (José Lins do Rego)

"Eu , parece-me que sim; pelo menos nada conheço, que se lhe aparente."
(M. de Sá-Carneiro)

5. SÍNQUISE
A SÍNQUISE corresponde ao caos da sequência vocabular da frase, o qual resulta do
emprego da repetição da anástrofe e do hipérbato e chega quase a obscurecer o sentido da
frase:

"Com quem foram contino sopeados

Estes de quem o estais agora vós,

Por Dinis e seu filho sublimados

Senão com os vossos pais e avós?" (Camões)

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"maravilhas em armas estremadas,

e de escriptura dinas elegante,

fizeram cavaleiros nesta empresa" (L. Camões)

"Lícias, pastor __ enquanto o sol recebe,

Mugindo, o manso armento e ao largo espraia,

Em sede abrasa, qual de amor por Febe,

__ Sede também, sede maior, desmaia." (Alberto de Oliveira)

[Entenda-se: ''Lícias, pastor, enquanto o manso armento recebe o sol e, mugindo,


espraia ao largo __, abrasa em sede, qual desmaia de amor por Febe, sede também,
sede maior.''

VII. FIGURAS CARACTERIZADAS PELA


OCULTAÇÃO DE ELEMENTOS FRÁSICOS

1. ELIPSE (Propriamente Dita)


A ELIPSE propriamente dita consiste em não utilizar na frase elementos que, em
princípio, aí deveriam figurar. Trata-se da supressão de palavras que seriam necessárias à
plenitude da construção, mas em que os elementos expressos permitem compreender o
sentido completo, sem que haja obscuridade ou incerteza:

"Um automóvel rápido; outro; outro ainda..." (Eugénio de Andrade) [O


indefinido "outro" reenvia para automóvel]

"A cada um o que é seu" (subentende-se 'deve dar-se').

"Longe da vista, longe do coração." [Subentende-se «aquele que se encontra


afastado]

"Fizeste a tarefa? __ Já." [ausência da especificação da tarefa, subentendível pelo


contexto]

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"Desce por fim sobre o meu coração / O olvido. Irrevocável. Absoluto."
(Camilo Pessanha) [Subentende-se "o olvido desce irrevocável, o olvido desce absoluto"]

"Por que ides sem mim, não me levais?" (Camilo Pessanha) [Subentende-se 'por
que']

A ELIPSE, enquanto recurso condensador da expressão, evidencia efeitos estilísticos


apreciáveis:

a) Na descrição esquemática de ambientes, de estados de alma, de perfis:

"Subiu a escda. A cama arrumada. O quarto. O cheiro do jasmineiro. E a voz de


uma das filhas, em baixo:

__ Papai! O telefone..." (Aníbal M. Machado)

"Gente estranha, para os negros, aqueles caçadores quase selvagens, as barbas


crescidas, os pés descalços, os rifles nas mãos." (Adonias Filho)

b) Em anotações rápidas, como as de um diário íntimo, de um caderno de notas:

"Outubro, 10 __ Depressão. Hipocondria. Reacções súbitas de ódio. Depois,


desalento. Pelo menos, antes havia um mistério algo excitante. Agora, mais
melancolia, apenas." (Ciro dos Anjos)

c) Na enunciação de pensamentoscondensados, nos provérbios, nos ditos sentenciosos


ou irónicos:

"A paciência da Esfinge. Que paciência!" (Aníbal M. Machado)

"Tal pai, tal filho." (Prov.)

d) Nas enumerações, onde a omissão do artigo definido pode sugerir a ideia de


acumulação, de rapidez:

"Cristais retinem de medo,

Precipitam-se estilhaços,

Chovem garras, manchas, laços...

Planos, quebras e espaços

Vertiginam em segredo." (M. De Sá-Carneiro)

2. ZEUGMA

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Na Antiguidade, esta figura era considerada como um erro. Porém, os efeitos
surpreendentes que por meio dela se podem alcançar tornanam-na um recurso muito utilizado
na literatura cómica. Alguns estudiosos preferem o termo SILEPSE.

É frequente considerar-se a ZEUGMA como uma das formas da ELIPSE.

Neste caso, a ZEUGMA consiste em fazer participar de dois ou mais enunciados um


termo expresso apenas em um deles:

"João Fanhoso abriu os olhos pesados de preguiça: primeiro um, depois o


outro." (Mário Palmério) [Subentende-se: 'primeiro abriu um, depois abriu o outro']

Alguns, porém, reservam esta denominação unicamente para os casos em que se


subentende um verbo anteriormente expresso, mas sob outra flexão:

"A igreja era pobre. Os altares, humildes." (C. Drummond de Andrade)


[Subentende-se: 'Os altares eram humildes']

E há ainda quem distancie a área da ZEUGMA, da da ELIPSE propriamente dita,


porque, segundo os defensores de tal princípio, na ZEUGMA as palavras suprimidas não se
encontram expressas em lado algum, e, além disso, porque a ELIPSE não estabelece
qualquer dependência entre as proposições ou os complementos, como sucede com a
ZEUGMA.

Para estes, a ZEUGMA consiste em ligar complementos de naturezas diferentes a um


mesmo verbo ou a uma mesma preposição __ o que equivalerá a dizer que a zeugma se
realiza sempre que dois ou mais termos de uma frase se encontram ligados a um mesmo
verbo ou a uma mesma preposição, mas sem que haja uma ligação natural e evidente entre
eles:

"Rufino reluzia todo de orgulho e de suor" (Eça de Queirós)

"Entrou, pousou o seu chapéu e uma pergunta" [pousou serve de predicado a duas
proposições: pousou o seu chapéu; pousou uma pergunta]

"Ergueu os olhos e uma perna para o céu." (Stern) [Depreende-se 'ergueu os olhos
para o céu e ergueu uma perna']

"Onde o dia é comprido e onde breve" (Lus. I, 27) [Subentende-se 'onde o dia é
comprido e onde o dia é breve']

"Com um sorriso denegrido pelos dentes e pela raiva..." (Camilo Castelo Branco)
[Pressupõe-se que os dentes estão manchados de negro e que essa negritude é,
metaforicamente, acentuada pela raiva]

3. SILEPSE
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Esta figura refere a discordância em género, número e pessoa. O acordo entre elementos
constitutivos da frase não obedece às regras morfológicas, antes se estabelece «ad sensum»,
isto é, o sentido de que a palavra ou expressão é portadora é que determina a concordância:

"A maior parte dos homens buscam a felicidade no dinheiro." ("maior parte"
exigiria a forma verbal "busca")

"Se esta gente [...]

Não queres que padeçam vitupério" (Camões) (o predicado de "esta gente" seria
"padeça")

"A gente vamos ao cinema" ("a gente" teria por predicado "vai", mas em "a gente"
encontra-se implicado "nós")

"Um bando de abutres pairavam sobre aquele lugar" (pairavam está a concordar
com abutres em vez de concordar com bando)

"Todos os filhos de Adão sofremos a morte." (sofremos, refere-se a nós __ os


filhos de Adão __ e não a 'Todos os filhos de Adão', cujo acordo exigia a forma sofreram)

"Um grupo mais numeroso descia da ladeira e parava a alguns passos.


Falavam alto, comentando ainda as peripécias do leilão." (Afrânio Peixoto)

4. PERÍFRASE
A PERÍFRASE propriamente dita é uma designação descritiva que substitui uma palavra.
Ou seja, consiste em exprimir por meio de expressões ou frases completas o que seria
possível dizer-se numa só palavra.

Na PERÍFRASE o verdadeiro estado de coisas não nos é fornecido directamente, mas


terá de ser deduzido por via indirecta:

"... a gente chama

Aquele que a salvar o mundo veio" (L. Camões) => 'Cristo'.

"Iam-se sombras lentas desfazendo

Sobre as flores da terra em frio orvalho" (Camões) => ia amanhecendo.

"Lhe dá no Estígio Lago eterno ninho." (Camões) => isto é, mata-o.

"Tenho estado doente. Primeiramente, estômago __ e depois, um incómodo, um


abcesso naquele sítio em que se levam pontapés..." (Eça de Queirós) [a perífrase
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coabita com o eufemismo]

A PERÍFRASE, enquanto intensificação poética do estranhamento, pode aparecer :

a) Como alusão mitológica:

"Mas assim como os raios espalhados

do Sol foram no mundo e num momento

apareceu no subido horizonte

da moçade Titão a roxa fonte." (L. de Camões) => 'Aurora';

b) Como Metáfora:

"Oh mil vezes cristal afortunado,

Alpe luzidio, luminar nevado" (Fénix Renascida) => 'lustre de cristal'.

5. ALUSÃO
A ALUSÃO consiste na utilização de uma frase ou expressão em que o ouvinte terá que
fazer uso dos seus conhecimentos para que o sentido se torne claramente perceptível.

"Fugi das fontes: lembre-vos Narciso." (Reenviando, claro, para a lenda de


Narciso, vendo a sua imagem projectada na água).

VIII. FIFURAS RELACIONADAS COM A


ENUMERAÇÃO E DEPENDÊNCIA
INTERELEMENTOS

1.
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ENUMERAÇÃO/SERIAÇÃO/CONGLOMERAÇÃO
Trata-se de uma técnica de escrita que justapõe palavras ou grupos de palavras,
suprimindo ao máximo as partículas de ligação.

Este processo está intrinsecamente ligado a um outro denominado ENUMERAÇÃO, ou


seja, a apresentação sucessiva de vários elementos.

Chama-se ENUMERAÇÃO SIMPLES, quando os vários elementos apresentados


sequencialmente são do mesmo género:

"Flores, perfumes de um jardim aberto

Canto de aves, murmúrios de água fria." (Cabral do Nasciemnto)

Toma o nome de ENUMERAÇÃO RECOLECTIVA, se entre os vários elementos, sem


relação aparente, apenas o último revela algo que lhes é comum, aproximando-os:

"Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis

Ó coisas todas modernas" (F. Pessoa)

Recebe a denominação de ENUMERAÇÃO CAÓTICA, quando os elementos parecem


estar dispostos ao acaso, sem qualquer relação entre si:

"Cão que matinalmente farejava a calçada

as ervas os calhaus os seixos e os paralelipípedos

os restos de comida os restos de manhã

a chuva antes caída..." (Ruy Belo)

NOTA: Há quem estabeleça uma distinção entre de enumeração, ou seriação:

__ Quando se trata apenas de enumerar elementos, em que cada um deles conserva a


sua independência, denomina-se ENUMERAÇÃO, como acontece vulgarmente na
linguagem quotidiana:

"É preciso comprar massa, arroz, fruta, bebidas..."

__ Mas quando cada membro enumerado perde a sua independêcia e surge como uma
espécie de onda isolada num grande movimento transbordante, então fala-se de
AGLOMERAÇÃO:

"Branca e pequenina, ligeirinha e leve,

Corta por abismos, plagas sem faróis,

Stepes infindáveis que ninguém descreve,

Lúgubres desertos de mudez e neve,


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Bátegas de brasas, turbilhões de sóis." (G. Junqueiro)

Na ENUMERAÇÃO (ou AGLOMERAÇÃO) está presente o ASSÍNDETO ou o


POLISSÍNDETO.

1.1. ASSÍNDETO
O ASSINDETO é uma figura de PARATAXE que omite os elementos de ligação entre
vocábulos ou orações, sobretudo as conjunções de coordenação, e, em particular a
copulativa e (geralmente substituída pela vírgula, mas podendo não aparecer qualquer sinal
de pontuação). Este procedimento confere maior vigor à frase ou ao verso e produz, entre
outras, uma sensação de movimento:

"Mas o Luso, arnês, couraça e malha

Rompe, corta, desfaz, abola e talha." (Camões)

"... uma vasta cidade..., onde o homem tenha durante o dia os clubes, o cavaco,
os museus, as ideias, o sorriso de outras mulheres __ a mulher tenha as ruas, as
compras, os teatros, a atenção de outros homens;" (Eça de Queirós)

"Cão que matinalmente farejava a calçada

as ervas os calhaus os seixos e os paralelipípedos

os restos de comida os restos de manhã

a chuva antes caída..." (Ruy Belo)

"Eu que sou feio, sólido, leal, / A ti, que és bela, frágil, assustada" (C. Verde)

"... e foi depois tomado e preso e arrastado e decepado e enforcado" (Fernão


Lopes)

1.2. POLISSÍNDETO
Contrariamente ao que acontece com o ASSÍNDETO, o POLISSÍNDETO consiste na
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repetição intencional da conjunção, visando criar determinadas sugestões, ou pode ocorrer,
com ou sem valor sugestivo, para preservar um determinado metro (mesmo número de
sílabas):

"Que as estrelas e o céu e o ar vizinho

E tudo quanto se via namorava" (Camões)

"Elas são quatro mulheres, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam o pão
e aquecem o café. Elas picam cebolas e descascam batatas. Elas migam sêmeas e
restos de comida azeda. Elas chamam ainda escuro os homens e os animais e as
crianças. Elas enchem lancheiras e tarros e pastas de escola com latas e buchas e fruta
embrulhada em pano limpo." (Maria Velho da Costa)

"Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que


nos encontremos" (Sebastião da Gama)

Assim, poder-se-á também utilizar, em vez de assíndeto e polissíndeto, as designações:

__ SERIAÇÃO ASSINDÉTICA quando os membros isolados ficam sem ligação


linguística (como acontece no poema de Junqueiro, e nos exemplos relativos ao assíndeto);

__ SERIAÇÃO SINDÉTICA se são unidos por e, ou, ou por qualquer outro elemento
copulativo (como sucede nos exemplos referentes ao polissíndeto).

NOTA: Enquanto a PARATXE tem incidência sobre a coordenação de frases, sem


relações de dependência, a HIPOTAXE encontra-se relacionada com o processo de
subordinação de orações, estabelecendo laços de dependência entre elas:
"Lamentava a toda a hora que tivessem acabado os incêndios grandes e
devastadores como havia antigamente." (Manuel da Fonseca)

X. OUTRAS FIGURAS

1. GRADAÇÃO
A gradação consiste numa seriação não de elementos, mas de ideias. Daí que seja natural
considerar-se dois tipos de gradação:

__ GRADAÇÃO ASCENDENTE ou PROGRESSIVA (equivalente a CLÍMAX __


ver ), quando essa seriação é feita segundo uma ordem em crescendo, isto é, que vai
manifestando uma intensificação progressiva:

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12-02-2011 Recursos estilísticos
"Os vales aspiram a ser outeiros, e os outeiros a ser montes, e os montes a
ser Olimpos e a exceder as nuvens." (António Vieira)

"Deu sinal a trombeta castelhana / Horrendo, fero, ingente e temeroso."


(Camões)

"Correi, subi, voai, num turbilhão fantástico." (G. Azevedo)

"Correi, subi, voai, num turbilhão fantástico" (G. Azevedo)

__ GRADAÇÃO DESCENDENTE ou REGRESSIVA, quando a seriação de ideias é


feita de forma que as ideias ou os conceitos vão diminuindo de intensidade:

"Um clarão no céu incendiou tudo, as formas ergueram-se à sua luz, as aves
nocturnas refugiavam-se na penumbra, e logo as trevas invadiram de novo a aldeia."
(Cari)

"Uma pequena coisa, uma insignificância, uma nica, tudo o afligia."

2. PERGUNTA DE RETÓRICA (ou


INTERROGAÇÃO)
A utilização da pergunta de retórica não pretende obter ou dar qualquer resposta. Ela é
introduzido seja para tornar mais vivo o discurso, seja para realçar o pensamento, seja para
reflectir sobre algo que é inquestionável...

"Este inferno de amar __ como eu amo! __

Quem mo pôs aqui n' alma... quam foi?

Esta chama que me alenta e consome,

Que é a vida __ e que a vida destrói __

Como é que se veio a atear,

Quando __ ai quando se há-de ela apagar?" (Almeida Garrett)

"Que fica da vida? Os grandes feitos ou o dia?" (Ruy Belo)

"Que véu de fogo nos teus ombros arde?" (Carlos de Oliveira)

"De resto, quem, no nosso século, teria coragem de lapidar a Samaritana?"


(Aquilino Ribeiro)

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3. PERÍFRASE
Por PERÍFRASE entende-se

4. ALUSÃO
Por ALUSÃO entende-se

5. APÓSTROFE ou INVOCAÇÃO
Por APÓSTROFE entende-se uma interpelação a alguém, presente ou ausente, leitor ou
ouvinte, personagem ou objecto personificado, humano ou divino.

A introdução da apóstrofe interrompe a linha de pensamento do discurso, destacando-se


assim a entidade a que se dirige e/ou a ideia que se pretende pôr em evidência com tal
invocação. Realiza-se por meio do vocativo:

"Eusébia, que dizes tu nessa voz casquinhenta?" (Agustina Bessa Luís)

"Homens: porque não nasci apenas no espelho,

Sem alma deste lado?" (José Gomes Ferreira)

"Contra uma dama, ó peitos carniceiros,

Feros vos amostrais e cavaleiros?" (Camões)

"Mortos! Mortos! Desenganai estes vivos! Dizei-nos que pensamentos e


sentimentos foram os vossos quando entrastes e saísrtes pelas portas da morte!"
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(António Vieira)

"Ó tu, Guarda divina, tem cuidado

De quem, sem ti..." (Camões)

6. EPIFONEMA
Por Epifonema Entende-se uma sentença em tom exclamativo com que se finaliza um
discurso.

EPIFONEMA e EPÍFRASE são por vezes utilizados como sinónimos de


PAREMBOLE, nomeadamente para designar as exclamações indignadas, as reflexões
moralizadoras, as conclusões e ideias gerais em que os oradores ou personagens fictícias
comentam os seus próprios discursos.

"Tanta veneração aos pais se deve!" (Lus. III, 33)

"Oh! Grandes e gravíssimos perigos, / Oh! Caminho da vida nunca certo, / Que,
aonde a gente põe sua esperança, / Tenha a vida tão pouca segurança!" (Camões, Canto
I) "No mar, tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida;

Na terra, tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade avorrecida!" (Camões)

"Oyóla el pajarillo enternecido

y a la antigua prisión volvió las alas:

¡que tanto puede una mujer que llora!" (Lope de Vega.)

Relacionadas com a REPETIÇÃO de SONORIDADES


e de CONCEITOS

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APOFONIA
APOFONIA: Consiste em passar-se de uma palavra ou de um conjunto de sílabas a um
outro, mantendo-se entre os dois uma diferença mínima.

BATOLOGIA
BATOLOGIA: É uma redundância que consiste em insistir sobre um tema de forma
rítmica e acumulativa, como é o caso de dizer-se, por exemplo, «morto e enterrado»,
«morreu, acabou-se». Isto é, um repetição inútil e pouco agradável da mesma ideia no
discurso. Corresponderá ao que vulgarmente se diz "estar sempre a bater na mesma tecla".

PERISSOLOGIA
PERISSOLOGIA: Consiste en reforçar uma declaração por meio de precisões
teoricamente inúteis. Trata-se de uma espécie de pleonasmo de sentido supérfluo:

"Vi-o com os meus próprios olhos"

"Que oca verborreia!"

EUFUISMO
Por EUFUISMO entende-se o estilo afectado e artificial, resultante, frequentemente, do
abuso da aliteração e da antítese, ou do sobrecarregar de conceitos e de alusões a figuras
mitológicas.

TAUTOLOGIA
TAUTOLOGIA: É uma definição repetitiva fundada sobre o princípio da identidade. Em
retórica, significa toda a expressão que, embora por palavras diferentes, repete o mesmo

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pensamento, a mesma ideia, sem acrescentar qualquer contributo para a clarificação do
sentido.

TRUISMO -- PALISSADA --LUGAR-COMUM


__ TRUISMO: um TRUISMO é uma afirmação que não contém nada para além do
evidente e do banal.

__ PALISSADA (de La Palisse): a verdade do sentido da expressão resulta das palavras


que se utilizam: "É errado confundir a realidade com a aparência."

__ LUGAR-COMUM: É uma expressão sentenciosa tida como verdadeira: "Os


Catagineses são pérfidos."

Por vezes, o LUGAR-COMUM apresenta-se sob uma forma implícita, o que o imuniza
contra o cepticismo: "A perfídia cartaginesa".

EXPLEÇÃO
EXPLEÇÃO: Consiste em utilizar palavras ou construções não indispensáveis,
geralmente autorizadas pela gramática prescritiva. Trata-se da utilização de palavras
expletivas, ou seja, de palavras que, não exprimindo uma ideia propriamente dita, ou uma
ideia nova ou particular, parecem entrar na frase apenas para a encher materialmente e dar-
lhe um aspecto de mais completa. Porém, por vezes, a sua utilização serve para reforçar o
sentimento por que se é afectado.

CALEMBUR
CALEMBUR: Serve-se da semelhança de som entre duas palavras diversas ou entre
dois grupos de palavras.

JUSTAPOSIÇÃO
JUSTAPOSIÇÃO: A forma mais simples consiste em justapor conjuntos de igual
extensão e jogar com a permanência e a variação.

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PARADIÁSTOLE
PARADIÁSTOLE: Alinhamento de segmentos com igual estrutura sintáctica, igual ritmo
e extensão.

HIPOZEUXE (ou SUBNEXÂO): quando se trata de um simples paralelismo perceptível


ao nível das ideias, mas não ao nível sonoro.

PARÁFRASE
PARÁFRASE: Consiste numa iteração redundante, explicativa e amplificadora.

B. Relativas à CONSTRUÇÃO FRÁSICA

RITMO
RITMO: Todo o RITMO que se imprime ao discurso constitui uma figura. O RITMO
resulta o mais frequentemente de um arranjo repetitivo das sílabas, sobretudo nas língaus em
que os sons se repartem em categorias contrastantes, como o caso das vogais longas que se
opõem às vogais breves, e das sílabas acentuadas que se opõem às não acentuadas. O
RITMO é indiscutível na poesia, mas surge também na prosa.

Os Antigos praticavam formas de ritmo não repetitivas: na poesia, através da construção


de versos chamados logaédicos, isto é, irregulares, feitos de pés diferentes (sendo o pé
células rítmicas bem definidas); e na prosa, por meio da

CLÁUSULA ou CURSUS

CLAUSULA: A noção de CLÁUSULA pode aplicar-se aos finais de parágrafo que


parecem construídos sob uma certa métrica poética. Na, na eloquência antiga, era frequente
terminar-se um parágrafo ou um discurso com uma cadência rítmica emprestada à poesia,
com vista a imprimir uma forma firme e obter maior força expressiva. As formas mais
conhecidas são:

__ Cursus planus

__ Cursus tardus

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__ Cursus velox

REVERSÃO ou ANTIMETÁBOLE
REVERSÃO (ou ANTIMETÁBOLE __ o termo metábole significa, em princípio,
alteração ou deslocamento, o que o torna próximo de TROPO): Trata-se de uma forma
primitiva de QUIASMO, que consiste em opor os mesmo termos em ordem invertida.
Porém, a inversão provoca, não raras vezes, alteração ao nível do sentido, fazendo lembrar a
ANTANACLASE:

"O rei dos vinhos, o vinho dos reis" (Anúncio publicitário)

ANTEISAGOGE
ANTEISAGOGE: É uma antítese discursiva, que se poderia classificar dentro das figuras
de pensamento ou de destaque. Consiste em descrever um objecto comparando o que ele
não é ao que ele efectivamente é.

DISSIMETRIA ou ASSIMETRIA
DISSEMETRIA (ou ASSIMETRIA): Um dos tipos consiste num desenvolvimento
desequilibrado de uma frase. O outro tipo consiste em colocar, em funções análogas, termos
de natureza diferente: "Ele quer o poder e não partilhá-lo com ninguém."

TMESE
TMESE: usual na poesia, esta figura consiste na separação de uma palavra composta por
meio da interposição de outros membros da frase: "Dar-te-ei, Senhor, ilustre relação" (L.
Camões)

HISTÉRON PROTÉRON ou HISTEROLOGIA


HISTÉRON PROTÉRON (ou HISTEROLOGIA): É uma inversão estilística praticada
na Antiguidade, que afecta não a ordem gramatical das palavras, mas a ordem lógica e
cronológica dos factos __ servindo para demonstrar a desordem de espírito que fala; mas

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também pode corresponder a uma liberdade criativa, vindo em primeiro lugar o que a lógica
implicaria vir posteriormente.

C. RELATIVAS ao REALCE DAS IDEIAS (Mise en


valeur)

HIPOTIPOSE ou ENARGIA
HIPOTIPOSE (ENARGIA): É uma descrição ou um récit que não só procura significar
o seu objecto por meio da linguagem, mas esforça-se sobretudo por tocar a imaginação do
receptor e evocar a cena descrita através de estratagemas imitativos ou associativos. Pode-se
ligar a HIPOTIPOSE à arbitrariedade saussurriana do signo linguístico, pela estimulação dos
recursos plásticos e miméticos que a linguagem possibilita.

ACUMULAÇÃO
ACUMULAÇÃO: A ACUMULAÇÃO descritiva cristaliza a obsessão e torna
presenrtes à imaginação as cenas evocadas.

EPITOCRASMO
EPITROCASMO: É uma enumeração copiosa de elementos justapostos, com ritmo
insistente e sacudido.

EXPOLIÇÃO
EXPOLIÇÃO: É uma outra forma de acumulação retórica, que consiste em enumerar
vários argumentos, com uma insistência titânica. Outras vezes a EXPOLIÇÃO consiste em
voltar insistentemente ao mesmo argumento, apresentado sob roupagens diferentes.

HARMONISMO: Combinação de sonoridades escolhidas, casadas, moduladas, com


intenções sugestivas.

INTERROGAÇÃO: A interrogação presta-se melhor que a ACUMULAÇÃO ao


ajustameto estilístico, porque permite deslizar de uma função para outra e colocar a sua
acção interpelativa ao serviço de uma expressão picante.

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SUBJECÇÃO
SUBJECÇÃO: proposição interrogativa utilizada em substituição de uma subordinada
hipotética ou outra.

APOSIÇÃO: Designa uma construção gramatical corrente que se converte numa figura
poética e imaginativa quando se assemelha ao APÓSTROFE ou o prolonga.

EPÍTETO HOMÉRICO
EPÍTETO HOMÉRICO: Constitui um artifício ornamental, entre outros que assinalam a
pertença de um texto a um estilo literário.

PAREMBOLE
PAREMBOLE: É um corte mais ou menos deslocado em relação ao discurso em que ela
se encontra, como um aparte no teatro.

PARÊNTESIS
PARÊNTESIS: designa uma frase introduzida sem ligação gramatical ou lógica aparente
com a trama principal do texto, mas criando um contraponto narrativo ou temático e
alargando o campo imaginário suscitado pela obra.

TAPINOSE
TAPINOSE: É um procedimento satíricoatravés do qual se exprime uma ideia pejorativa
sob a forma de uma constatação neutra que não compromete: "Ele não é completamente
insensível ao charme da sua secretária."

HIPOCORISMO
HIPOCORISMO: Trata-se de uma figura, sobretudo morfológica, através da qual se
manifesta o afecto por meio de diminutivos ou apelidos aparentemente depreciativos: "Meu
ratinho!"

Relacionadas com a ELIPSE

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BRAQUILOGIA
BRAQUILOGIA: É uma expressão curta, concisa e densa (ramassée), resultante de uma
ondensação e não de uma omissão que se pode localizar ou colmatar. Essa concisão,
implicando frequentemente omissão de pensamentos necessários a uma perfeita compreensão
do sentido, acaba por acarretar uma certa obscuridade.

ANANTAPODOTON
ANANTAPODOTON: É uma forma particular de ABRUPÇÃO ou APOSIÓPESE:
São termos eruditos para designar as construções interrompidas por um silêncio e
continuadas por uma digressão.

Relativas À EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

APÓSTROFE ou INVOCAÇÃO

COMINAÇÃO
COMINAÇÃO: Trata-se de uma figura de advertência ou de intimidação (ameaça). O
emprego deste termo erudito provém de um outro tipo de figura, o PEDANTISMO.

DIASIRME
DIASIRME: É um discurso agressivo, em que a IRONIA se torna áspera e directamente
denunciadora.

ASTEISMO
ASTEISMO: É uma forma de IRONIA invertida, que consiste em adular alguém jogando
com a comédia da censura, da reprovação. É zombar com alguém ou alguma coisa, mas de
forma um pouco delicada:

"Não há dúvida... és um artista como não há outro nossa pequenina terra!" "Aqui está um
palacete que não vale um chavo!"

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CONTRAFISÃO
CONTRAFISÃO: Apresenta-se geralmente como uma exclamação irónica, em forma de
conselho.

CLEUASMO ou AUTOCATEGOREMA ou
PROSPOLESE
CLEUASMO (também chamado AUTOCATEGOREMA ou PROSPOLESE): É um
arrazoado em forma de confissão.

PERMISSÃO ou EPÍTROPE
PERMISSÃO (ou EPÍTROPE): É uma apóstrofe através da qual se convida
ironicamente o destinatário a perseverar na sua torpeza, vileza. Trata-se de provocar
vergonha, de dissuadir sob a aparência de persuadir.

IMPRECAÇÃO
IMPRECAÇÃO: Exprime a raiva e o desejo de vingança. Trata-se de uma praga ou
maldição rogada contra uma entidade:

"Que o Diabo te carregue!."

"Que um raio te partisse!"

DEPRECAÇÃO
DEPRECAÇÃO: Atitude pela qual se tenta desviar um mal por meio da oração. É o que
frequentemente acontece nas súplicas aos entes sobrenaturais, face às calamidades ou a algo
de trágico:

"Ó cristãos, pelas chagas de Cristo, e pelo que deveis a vossas almas, que não queirais que
vos aconteça tão grande infelicidade [...]" (A. Vieira)

OPTAÇÃO
OPTAÇÃO: É a expressão de um desejo, sobretudo quando se desenvolve em modo
lírico, estando a realização do desejo sujeita a decisões supra-humanas e que se procura
obter por meio de encantamentos.

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DELIBERAÇÃO
DELIBERAÇÃO: Fase de um discurso durante a qual se delibera.

APORIA
APORIA ou DÚVIDA: Fase do discurso durante a qual se coloca algo em dúvida __
dúvida essa que tanto pode ser real como fictícia.

PARRÉSIA ou LICENÇA
PARRÉSIA ou LICENÇA: Fase do discurso em que se diz, sem restrições, o que vai na
alma. Corresponde igualmente a atrevimentos de linguagem, a afirmações arrojadas, com
recurso a termos grosseiros e calão.

PARIPONOÏAN
PARIPONOÏAN: É um enunciado violentamente ilógico.

PRECAUÇÃO
PRECAUÇÃO: É uma entrada no assunto, em que se anuncia modestamente os seus
limites.

CONCESSÃO ou PARAMOLOGIA
CONCESSÃO ou PARAMOLOGIA: É um momento do discurso onde se admite até
que ponto se está devidamente fundamentado face aos argumentos contrários, a fim de
melhor os refutar.

SINCORESE
SINCORESE: É uma CONCESSÃO aparente, mas mais ou menos irónica.

REJEIÇÃO
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REJEIÇÃO: É uma espécie de CONCESSÃO invertida: rejeita-se provisoriamente um
argumento para o retomar em seguida.

ANTECIPAÇÃO ou HIPÓBOLE ou PROLEPSE


ANTECIPAÇÃO ou HIPÓBOLE ou ainda PROLEPSE: È uma manobra pela qual se
responde às objecções previstas.

CORRECÇÃO
CORRECÇÃO: Abrange um conjunto de procedimentos pelos quais se retoma o que
fora dito para corrigir, precisar, acrescentar, encarecer (ultrapassar), etc.

RETROACÇÃO ou EPANARTOSE
RETROACÇÃO ou EPANARTOSE: É uma CORRECÇÃO irónica que contradiz o
primeiro enunciado.

ANTORISMO
ANTORISMO: É uma réplica que retoma de modo contundente (áspero) as falas de um
adversário.

ANTIPARÁSTASE
ANTIPARÁSTASE: É uma argumentação por meio da qual se tenta reverter a parte
mais frágil do discurso em seu favor.

APODIOXIS ou APODIOXE
APODIOXIS (ou APODIOXE): É a rejeição de um argumento como absurdo, para
evitar a discussão.

PRETERIÇÃO
PRETERIÇÃO ou PRETERMISSÃO: Consiste em enunciar que não se vai tratar um
determinado assunto, quando na realidade é dele mesmo que se está a falar. Esta estratégia

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tem por finalidade afastar as objecções e associar o público às teorias que se expõem.

ASSOCIAÇÃO
ASSOCIAÇÃO: Consiste em dar lições incluindo-se entre os destinatários das mesmas.
O pronome nós serve de introdutor a tal procedimento. A humildade aparente do
moralizador volta-se por vezes contra ele próprio, dado que um público pouco esclarecido
acerca das convenções pode incorrer em compreender o sermão como sendo de primeira
pessoa e crer que o orador está a fazer a sua autocrítica.

COMUNICAÇÃO
COMUNICAÇÃO: É uma atitude pela qual se pretende persuadir o mais eficazmente
possível aquele a quem ou contra quem se fala.

XI. BIBLIOGRAFIA
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Águeda-Lisboa.

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