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Kogake: “Segundo o budismo, a vida é eterna. Ela não acaba com a morte.”
Margarida: “Realmente senti a importância de viver bem cada dia e de estar de bem
com a vida e com todos à minha volta.”
Yuko Yoshimatsu Hama — É um tema muito importante, para não dizer fundamental.
Alexandre Kensiro Kogake — Mas esse assunto deixa algumas pessoas com medo...
Adriana de Carvaho Monteiro — Acredito que esse temor que muitas pessoas sentem
em relação à morte deve-se em grande parte ao que a mídia e a própria cultura ocidental
nos transmitem desde pequenos. A idéia de morte que nos é passada geralmente está
vinculada à escuridão, à tristeza e a ambientes fantasmagóricos e acabamos por associá-
la sempre a imagens negativas, ruins e ao fim de tudo. O Budismo de Nitiren Daishonin
é maravilhoso pois enfoca a morte como um dos aspectos da vida. Não há por que temê-
la.
Kogake — Segundo o budismo, a vida é eterna. Ela não acaba com a morte. Acredito
que o medo da morte está associado também ao fato de ser algo desconhecido. Muitas
religiões professam que, após a morte, todos passam por um julgamento de suas ações e
então são encaminhadas ou para o céu ou para o inferno. Mas essa explicação é vaga e
não é suficiente para tranqüilizar o espírito, para amenizar a ansiedade das pessoas e
nem para orientá-las como viver, principalmente quando deparam com a morte.
Adriana — Na série “Sabedoria do Sutra de Lótus” o presidente Ikeda fala da postura
dos jovens em relação à morte. Ele diz que justamente por serem jovens, tendem a
evitar o assunto achando que não lhes diz respeito no momento. Contudo, como disse
Margarida, a única certeza na vida é a morte e, como não podemos prever o amanhã,
devemos viver intensamente cada dia. O presidente Ikeda afirma que a tendência de
adiarmos as coisas para outro dia com a desculpa de que “Amanhã, farei o Gongyo” ou
então “Amanhã, irei à reunião”, acreditando que o amanhã é uma certeza, pode fazer
com que muitos, principalmente os jovens, deixem de viver aquela oportunidade ou
aquele momento único para fazerem causas positivas para sua vida, pois o amanhã pode
não vir. O presidente Ikeda nos orienta a considerar a morte até como uma espécie de
objetivo para que possamos tomar uma postura consciente valorizando cada dia de
nossa vida. “Viverei da melhor forma e o mais intensamente possível”, esta deve ser a
postura de um jovem que pratica o budismo. Ele cita o exemplo de alguém que possui o
objetivo de escrever um livro. Existe um prazo que tem de ser cumprido para a entrega
do texto. Dessa forma, terá de se esforçar ao máximo para escrevê-lo dentro desse
período. Pensei também em um outro exemplo: Quando vamos viajar para algum lugar
muito bonito e sabemos quanto tempo temos disponível, nos esforçamos para aproveitar
cada instante plenamente. Quando li essas orientações do presidente Ikeda, refleti muito
e percebi o quanto tenho de orar mais, esforçar-me mais, empenhar-me mais pelas
pessoas e pelo Kossen-rufu e fazer o máximo neste momento em que estou viva, em que
posso orar ao Gohonzon e assegurar uma existência afortunada.
Margarida — Gostaria de contar uma experiência pela qual passei e que me fez sentir
profundamente a importância de seguir as orientações do presidente Ikeda. Minha
família completa 37 anos de conversão este ano, e eu vim acompanhando a prática de
meus pais desde criança. Durante esses anos, nunca mais deixei de praticar, de
participar das atividades, atuei na banda feminina Nova Era Kotekitai e dediquei-me na
Divisão Feminina de Jovens até antes de me casar, chegando a assumir a
responsabilidade de vice-coordenadora de Divisão. Pois bem. Em dezembro deste ano,
fará onze anos desde que passei por uma experiência que mudou completamente minha
maneira de encarar a vida e a prática. No dia 1º de dezembro de 1991, diante das
complicações pós-parto de minha filha, entrei em estado de coma profundo e os
médicos e enfermeiras me deram como clinicamente morta, pois todos os aparelhos
ligados em mim indicavam isso. Então, meus pais receberam um telefonema do hospital
avisando-os da situação. Ao saber da notícia, meu pai esbravejou, dizendo que eu estava
proibida de morrer, que isso não era atitude de uma mãe com mais de vinte anos de
prática, deixando órfãs duas crianças, uma recém-nascida e outra que necessitava de
cuidados especiais, e que ele não iria ao hospital nessas condições. E ele realmente não
me visitou em nenhum dos dias da semana em que fiquei na UTI entre a vida e a morte.
Mas desde o momento em que bateu o telefone ordenando para a médica que me
avisasse que eu estava proibida de morrer, ele sentou-se diante do Gohonzon e começou
a recitar intenso Daimoku.Toda minha família, meu marido e os companheiros da
organização uniram-se para fazer 24 horas de Daimoku durante uma semana. Naquele
período em que fiquei em coma ouvia muito o som do Daimoku e sentia fortemente que
não podia morrer. Se não fôssemos budistas, talvez meus pais se resignassem com o
comunicado de minha morte e eu também acreditasse em todos os comentários
melancólicos das pessoas que estavam à minha volta: “Coitadinha da japonesa, nem vai
ver a filhinha que nasceu. Não tem jeito. Deus quis assim.” Com certeza, eu não estaria
mais aqui hoje. No entanto, naquele momento crucial, senti o quanto havia sido
importante ter me empenhado pelo Kossen-rufu até aquele instante, de ter lido as
orientações do presidente Ikeda e de ter aprendido que não podíamos nos conformar
com a situação e, sim, deveríamos transformá-la. Então, no momento em que mais
precisei, tudo se moveu como efeito de todos os anos de prática e consegui sobreviver
sem ficar com nenhuma seqüela. As pessoas se uniram para me salvar porque eu estava
de bem com todas elas, porque sempre vim trilhando o caminho ensinado pelo mestre.
Adriana — Nas escrituras de Nitiren Daishonin consta uma passagem que fala que, no
momento da morte, mil budas surgirão diante de nós e estenderão suas mãos para
conduzir-nos, e o presidente Ikeda diz que esses budas, na realidade, correspondem às
pessoas que estão orando nesse momento crucial da nossa vida. É nesse momento que
perceberemos quantas pessoas ajudamos a salvar ou a encontrar o caminho da
felicidade. Comentando a respeito dessas pessoas que foram dadas como mortas e que
depois “renasceram”, a exemplo de Margarida, o presidente Ikeda cita em um de seus
diálogos a experiência vivida pelo famoso psicólogo e psiquiatra suíço, Carl Jung, que,
ao voltar do coma, contou que viu a si próprio flutuando sobre o globo terrestre e
afirmou que a Terra era azul. Isso só foi constatado tempos depois pelo cosmonauta
russo Yuri Gagarin, o primeiro homem a viajar ao espaço. Ele conta que as sensações
que as pessoas experimentaram nessa condição são as mais diversas, apesar de alguns
relatos serem muito semelhantes. Enquanto umas sentiram-se muito tranqüilas e
serenas, outras sentiram dor e sofrimento. Em síntese, naquele momento crucial, aquelas
que causaram sofrimento para as outras sentiram esse efeito, e aquelas que se dedicaram
pelas pessoas, receberam o amparo tranqüilizador. É nesse momento que são
evidenciados os efeitos das causas positivas e negativas realizadas pelas pessoas.
Quando li isso refleti o quanto é importante realizarmos boas causas a todo momento.
Nunca sabemos quando iremos necessitar de boa sorte.
Margarida Yuko Yoshimatsu Hama — Sem dúvida. No meu caso, fui salva também
porque estava nas mãos de uma médica corajosa e determinada que percebeu a
gravidade de minha condição e operou-me mesmo sem a autorização da família,
acreditando que era a única chance. Foi o que me salvou. Ela retirou todo o meu útero e
desde então não tenho menstruação, nenhuma cólica, e também não corro risco de ter
câncer no útero. (Risos.) Uma questão sobre a qual refleti muito após passar por essa
situação foi a doação de órgãos. Era uma época em que se discutia muito isso na mídia.
Cheguei à conclusão de que a doação mais importante é vivermos muito e usarmos ao
máximo esse corpo pelo Kossen-rufu, realizando o Chakubuku e ensinando o Nam-
myoho-rengue-kyo para o maior número de pessoas. Então, com certeza, faremos com
que o número de pessoas que necessitam dessas doações diminua.
Alexandre Kensiro Kogake — Por outro lado, podemos observar muitos casos de
grandes veteranos da Gakkai que faleceram como se tivessem se preparado para esse
momento. Não são raros os casos em que uma pessoa, antes de falecer, reúne os
familiares, conversa e incentiva cada um deles e parte serenamente recitando Daimoku.
Não há lágrimas de sofrimento durante a cerimônia de funeral dessas pessoas. Tanto o
aspecto do falecido como o de seus familiares transmitem a grandiosidade do Budismo
de Nitiren Daishonin. Existem outros que parecem até escolher o dia da semana para
morrer. Aprendemos com essas pessoas como devemos viver como seres humanos.
Kogake — Sim. Por mais que afirmemos que não cometemos nenhuma causa grave
nesta presente existência, não podemos dizer com a mesma certeza quanto às causas que
cometemos em existências passadas. Mas uma coisa é certa, os efeitos dessas causas
estão depositadas em nossa oitava consciência denominada alaya. Então, no momento
certo, quando as condições forem apropriadas, esses efeitos irão se manifestar em nossa
vida. Esse carma não é totalmente individual pois, uma vez que ninguém vive isolado
numa ilha, ele se torna um carma compartilhado. As pessoas próximas sentem em maior
ou menor grau o efeito da manifestação do carma de alguém. Se sofremos, então esse
sofrimento é efeito de um carma. Porém, tudo depende da forma que cada um encara
essa situação. Se um acontecimento gerar mais sofrimento e desespero, isso produzirá
novos efeitos negativos na vida dessa pessoa. Agora se conseguir tornar esse
acontecimento um motivo para tomar uma firme decisão, então estarão sendo criadas
novas causas positivas que proporcionarão novos efeitos positivos para todos. Isto é
transformar veneno em remédio. É claro que as coisas não são tão fáceis assim. Perder
alguém que amamos é muito doloroso. Nada consegue preencher a falta que essa pessoa
faz em nossa vida. Mas conseguirmos superar a dor e enxergarmos a vida como uma
infinita jornada e imaginarmos que a nossa felicidade é compartilhada com a vida
latente daquele que amamos, então iremos nos esforçar para sermos muito mais felizes e
fazê-lo feliz também.
Margarida — Iniciei minha prática aos dez anos e nunca mais parei. Durante os vinte
anos em que pude me dedicar na Divisão Feminina de Jovens, empenhei-me ao
máximo, recitando intensamente Daimoku e participando de todas as atividades. Casei-
me e iniciei minha luta na Divisão Feminina. Sempre tive o grande sonho de ser mãe e,
quando meu primeiro filho nasceu, ele teve um problema que afetou parte de seu
cérebro. Nessa época, ouvi muitos comentários maldosos insinuando que minha prática
não havia valido para nada ou então questionando por que eu havia me dedicado tanto e
estava passando por aquela situação. Discordei veementemente, pois foi justamente por
ter me empenhado durante todos aqueles anos que encontrei forças e coragem para
enfrentar aquele acontecimento, sem lamentações e ainda pude contar com o apoio de
meu marido e dos familiares. O carma realmente existe. Nesta existência não me
recordo de ter feito algo tão grave, então os efeitos que estava sofrendo eram de outras
existências. Conforme disse Adriana, nós nascemos exatamente na condição em que
falecemos na existência passada. O fato de ter tido um filho com essas características é
uma prova disso. Contudo, graças ao budismo, pude acatar esse acontecimento como
algo positivo para minha vida, desafiando mais ainda minhas condições e minha prática.
No momento crucial, foi esse meu filho quem salvou minha vida porque, se não fosse
por ele, eu teria morrido naquela ocasião. Para mim, ele surgiu especialmente em minha
família para fortalecer nossos elos, para recitarmos mais Daimoku e para jamais
abandonarmos o caminho da Lei. Ninguém está livre dos problemas. Podemos
transformar um acontecimento tanto em algo construtivo como destrutivo dependendo
unicamente da forma como o encaramos.
Kogake — O carma é algo muito sério. Um de meus filhos também teve problemas de
saúde quando era pequeno. Como eu ainda não entendia muito o budismo, achava que
aqueles problemas todos eram manifestações do carma dele e orava para que ele os
transformasse. Sempre achamos que os culpados pelos problemas são os outros. É mais
fácil apontar para os outros, não é mesmo? Mas minha esposa dizia que o carma
também era meu, como pai. Como não queria dar o braço a torcer, retrucava dizendo
que não, que quem estava sofrendo com a doença era ele. Foi só com o tempo, quando
caiu a ficha (risos), é que compreendi. Toda a família estava envolvida com os
problemas de saúde desse meu filho. Todo o dinheiro de meu trabalho se esvaía em
médicos e remédios. Com certeza, era um carma meu e de minha família. Num belo dia,
uma dirigente da Divisão Feminina que sabia de nossa situação, disse-me: “Você está
de parabéns!” Eu estava meio chateado com todos os problemas e, na hora, quase me
zanguei (risos). Pensei: “Ela deve estar brincando comigo. Está vendo que passo por
diversos problemas e deve ter dito isso só para me atazanar!” Mas então ela explicou:
“Parabéns, o senhor é uma pessoa de muito boa sorte, pois tem um filho que nasceu
com a missão de salvá-lo. Por meio dessa grave doença, ele está resgatando a sua vida.
Quando o senhor compreender isso, ele ficará bom.” Na verdade, a doença de meu filho
foi um meio para que eu entendesse que tinha de tomar uma decisão de empenhar-me
sinceramente para o Kossen-rufu, pois até aquele momento estava realizando a prática
sem seriedade. Durante muitos anos, meu filho teve sérias convulsões e, mesmo adulto,
quando estava nesse estado era muito difícil controlá-lo. Houve uma vez que quase
perdi um dos dedos quando tentava impedir que a língua dele enrolasse. Foram anos
assim. Muitas pessoas ainda hoje não acreditam que minha família tenha passado por
tudo isso. Foi somente quando compreendi que tudo aquilo estava acontecendo para me
ajudar e que, se não tomasse nenhuma atitude, poderia até perder meu filho e sentei-me
diante do Gohonzon com a decisão de dedicar-me na prática e para o Kossen-rufu, é que
ele se curou definitivamente. Se a fé é forte, todo infortúnio pode ser transformado em
um agente positivo que propicia um grande crescimento interior.
Margarida: “No budismo, o nosso passado, presente e futuro estão interligados e tudo
pode ser determinado no momento presente.”
Adriana: “Para ser feliz é necessário ter coragem para enxergar todos os acontecimentos
da vida como uma oportunidade.”
Margarida Yuko Yoshimatsu Hama — O presidente Ikeda diz que a morte é apenas um
descanso. Todos precisamos descansar. Depois de um dia inteiro de trabalho, ficamos
fisicamente esgotados e o nosso corpo necessita repor as energias. Contudo,
dependendo de como passamos o dia ou do que fazemos, às vezes não conseguimos
descansar, temos pesadelos ou preocupações que nos atormentam a noite toda. Quem
viveu um dia com grande satisfação consegue dormir tranqüilamente. A morte também
é um repouso para reativar nossas energias para que possamos despertar bem, ou seja,
renascermos fortes e cheios de energia para cumprirmos nossa nova missão.
Terceira Civilização — Apesar de a morte ser inevitável, a maneira ou a idade com que
as pessoas falecem, principalmente quando praticam o Budismo de Nitiren Daishonin,
parece gerar questionamentos tanto entre os companheiros como entre os que praticam
outras religiões.
Kogake — É verdade. Ao saberem que uma pessoa é budista, parece que as outras
ficam observando mais sua vida e postura. Se um jovem, muito ativo na organização e
na prática, falece tragicamente, as pessoas imediatamente questionam a validade da
religião que ele seguia. A maioria se prende somente no modo como ocorreu o
falecimento e se esquece do valor pessoal do falecido e de como viveu. A morte chegará
para todas as pessoas. Contudo, ninguém consegue prever quando e nem como ocorrerá.
Muitos fatores estão relacionados à questão da morte, e um deles é o carma. Não
sabemos que causas cometemos no passado que podem determinar a maneira como
morreremos. Mas uma coisa é certa, independentemente de como tenha vindo a falecer,
o que determinará sua iluminação e felicidade serão suas ações em vida, seja ela curta
seja longa, e ainda a oração dos familiares e amigos.
Margarida — Sem dúvida, aceitar a morte não é nada fácil para os familiares,
principalmente quando é repentina ou trágica. Mas o mais importante é se o falecido e a
família também recitavam Daimoku. O presidente Ikeda diz que esse já é o caminho
para a iluminação do falecido.
Kogake — Numa orientação a respeito do Gongyo, o presidente Ikeda diz que quando a
família continua uma prática consistente mesmo sofrendo a perda de um ente querido,
todos os caracteres do Gongyo proferidos pelos familiares transformam-se em um só e
posteriormente em um buda que se desloca até o domínio onde a pessoa falecida se
encontra e transmite a ela que foi enviado pelos familiares, e diz que isso
automaticamente possibilita a sua iluminação.
Adriana — Há um Gosho em que Nitiren Daishonin incentiva uma senhora que perdeu
o filho samurai. Ela, uma fervorosa praticante do Nam-myoho-rengue-kyo, estava
angustiada pois temia pela sorte de seu filho que havia matado muitas pessoas, embora
tivesse também recitado Daimoku. Diante desse sofrimento profundo de mãe, Nitiren a
encoraja a praticar firmemente para que a sua iluminação conduza também o filho a essa
suprema condição. Senti a grande benevolência de Nitiren Daishonin ao remover o
sofrimento do coração dessa senhora. O Daimoku permite-nos alcançar essa serenidade.
Margarida — Não sabemos o que fizemos no passado. Mas o mais importante é que
temos uma grande oportunidade de garantir um futuro melhor. A maneira como
vivemos nosso presente definirá nossa sorte no futuro. Gosto muito da seguinte frase:
“Não acrescente dias à sua vida, mas sim vida aos seus dias. Valorize cada momento e
viva cada dia como se fosse o último.” Contudo, não é fácil aplicá-la em nosso dia-a-
dia. Depois de tudo o que passei após o nascimento de minha filha, saí da UTI numa
cadeira de rodas, pois estava com anemia profunda. Não tinha forças para caminhar e
cheguei a pensar que estava paralítica. Mas mesmo assim, naquele momento orava
Daimoku de felicidade, por ter sobrevivido. Desejava muito ver minha filha recém-
nascida e meu filho. Chegando à casa de minha mãe, ela abriu o oratório para
recitarmos três vezes o Daimoku (sansho). Não consegui conter as lágrimas e minha voz
estava embargada pela emoção. Eu já tinha mais de vinte anos de conversão e nunca
havia falhado em minha prática diária, mas foi nesse momento que percebi como era
displicente. Desde aquele dia, nunca mais desprezei a oportunidade de fazer bem feito
mesmo que um simples Daimoku sansho. Nunca sabemos quando será a última vez que
poderemos nos encontrar com o Gohonzon. Foi uma lição que a vida me ensinou.
Kogake — O ser humano tende a descobrir o valor das coisas quando já é tarde demais.
Margarida — Por sorte, eu tive uma segunda chance e pude rever toda minha postura
em relação à prática.
Kogake — Com certeza essa sua experiência deve ter contribuído para que muitas
outras pessoas renovassem suas decisões, revessem sua postura ou seu conceito de vida.
Por você possuir muita coragem e muito Daimoku acumulados durante anos, conseguiu
transformar esses acontecimentos em encorajamento para as pessoas. O presidente
Ikeda cita em uma orientação a existência de dois tipos de Daimoku, o de rotina e o de
fé. Ele diz que o Daimoku de rotina pode ser comparado ao de um pedinte, que implora
pela ajuda do Gohonzon. A pessoa faz uma lista enorme de pedidos e a coloca no
oratório, orando apenas em função dela. Se os resultados demorarem a aparecer, então
ela começa a desanimar e a duvidar da força do Gohonzon. O Daimoku verdadeiro é
aquele proveniente da fé, em que a pessoa se compromete a vencer as dificuldades. É
um Daimoku de juramento visando ao Kossen-rufu. Esse é o Daimoku que transforma a
vida e traz felicidade, mas que requer muita coragem e determinação.
Adriana — Sim. Para ser feliz é necessário ter coragem para enxergar todos os
acontecimentos da vida como uma oportunidade. As pessoas enxergam os fatos da vida
da perspectiva de seu carma e estado de vida. Por exemplo, para algumas pessoas, meio
copo de vinho pode ser motivo para lamentações do tipo “Puxa, só temos meio copo de
vinho...” Mas, para outras, pode ser de alegria: “Que bom, ainda temos meio copo de
vinho!” Conforme nossa condição de vida podemos ver o excesso de trabalho como
uma exploração ou como um desafio para o nosso próprio desenvolvimento
profissional. Para sermos felizes, precisamos nos desfazer de pensamentos negativistas
e errôneos. As insatisfações, as lamentações só atrasam a nossa revolução humana. É
por isso que Nitiren Daishonin afirma que o que mais importa no budismo é o coração.
A sinceridade e o espírito de gratidão sem dúvida são essenciais. Temos de criar uma
tendência de vida sempre positiva e otimista.
Margarida — Esse é um ponto muito importante pois o budismo explica que assim
como cada um de nós possui os dez estados de vida, o Universo também os tem. Então
quando falecemos, nossa vida funde-se exatamente com o estado do Universo referente
à condição em que nos encontrávamos no momento da morte. Quem morre no estado de
Inferno, funde-se com o estado de Inferno do Universo. Se a pessoa estava no estado de
Alegria, funde-se com o estado de Alegria do Universo e assim por diante. É por isso
que devemos sempre procurar mudar nossa tendência básica de vida e fazer sempre
causas positivas dia a dia para mantermos um estado de vida elevado. Aquele que passa
a vida em vão, vivendo somente para si de modo egoísta, no momento da morte só
sentirá arrependimento. No entanto, o poder do Daimoku é imensurável, capaz de
transformar até mesmo a vida de alguém que faleceu no estado de Inferno. O Daimoku
que os familiares oram diariamente em memória dos falecidos contribui para isso.
Adriana — A organização é, sem dúvida, o meio ideal pelo qual podemos nos aprimorar
como seres humanos. O relacionamento com várias pessoas nos oferece inúmeras
oportunidades para lapidarmos o nosso estado de vida. Sempre fui medrosa em relação
à questão da morte, mas conforme fui assumindo responsabilidades na organização e
aprofundando a compreensão do budismo, comecei a superar isso. O sentimento de
prezar mesmo que uma única pessoa e orar Daimoku para sua felicidade, principalmente
no momento da morte, tornou-se mais forte do que todos os meus medos. Acredito que
isso também sejam causas para que, no momento de minha morte, existam pessoas
orando por mim. Como o falecido não pode mais orar, são as pessoas vivas que criarão
o ambiente propício para que ele possa renascer. E vendo como são os ambientes das
cerimônias feitas pela Gakkai, temos a certeza de que o falecido estará muito bem e
retornará em breve para perto de nós.
Margarida — Com base em tudo que conversamos, podemos concluir que é importante
empenharmo-nos pelo Kossen-rufu para realizarmos a nossa transformação interior e
elevarmos nossa condição de vida. No budismo, o nosso passado, presente e futuro
estão interligados e tudo pode ser determinado no momento presente. A morte também
está relacionada a tudo o que fazemos no presente.
Adriana — O budismo é realmente maravilhoso pois nos dá a completa liberdade para
conduzirmos nossa vida sem medo de ser feliz.
Kogake — E além de tudo estamos vivendo uma época de ouro, junto ao nosso mestre
da vida. Em gratidão a isso deveríamos nos dedicar ao Kossen-rufu sem medir esforços,
deixando de lado problemas de menor importância. Mas como somos mortais “muito”
comuns (risos), desperdiçamos inúmeras oportunidades de viver uma vida feliz e de
plena satisfação e ainda de ter uma morte serena e tranqüila.
Kogake — Entendemos que tudo depende da própria pessoa no tocante a como encarar
a morte, mas para que possamos ter uma morte tranqüila e renascer logo, é importante
que cumpramos em vida a promessa que fizemos de renascer neste mundo e conduzir as
pessoas à felicidade, que é a ação do bodhisattva. Uma vida dedicada a esse propósito
certamente atingirá a iluminação. É isso que o budismo ensina, que o mestre ensina e é
esse o caminho que quero seguir.