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A visão budista sobre a morte

TERCEIRA CIVILIZAÇÃO, EDIÇÃO Nº 411, PÁG. 9, NOVEMBRO


DE 2002.

Convidados: Margarida Yuko Yoshimatsu Hama, vice-coordenadora da DF da BSGI;


Alexandre Kensiro Kogake, vice-coordenador da DS da BSGI; Adriana de Carvalho
Monteiro, coordenadora das Universitárias da BSGI.

A morte é um tema muito importante dentro do budismo.

Kogake: “Segundo o budismo, a vida é eterna. Ela não acaba com a morte.”

Margarida: “Realmente senti a importância de viver bem cada dia e de estar de bem
com a vida e com todos à minha volta.”

Adriana: “Nunca sabemos quando iremos necessitar de boa sorte.”

Terceira Civilização — Atendendo a várias solicitações dos leitores, gostaríamos de


abordar um assunto que faz parte da vida de todos: a morte. Margarida

Yuko Yoshimatsu Hama — É um tema muito importante, para não dizer fundamental.

Alexandre Kensiro Kogake — Mas esse assunto deixa algumas pessoas com medo...

Adriana de Carvaho Monteiro — Acredito que esse temor que muitas pessoas sentem
em relação à morte deve-se em grande parte ao que a mídia e a própria cultura ocidental
nos transmitem desde pequenos. A idéia de morte que nos é passada geralmente está
vinculada à escuridão, à tristeza e a ambientes fantasmagóricos e acabamos por associá-
la sempre a imagens negativas, ruins e ao fim de tudo. O Budismo de Nitiren Daishonin
é maravilhoso pois enfoca a morte como um dos aspectos da vida. Não há por que temê-
la.

Margarida — Exatamente. A morte deve ser encarada com naturalidade. O presidente


Ikeda, por exemplo, faz um pararelo entre a morte e o sono. Assim como nosso
descanso noturno é necessário para acordarmos bem dispostos na manhã seguinte, a
morte representa um estado latente durante o qual as energias são recarregadas para o
renascimento ou uma nova vida. Então quem dorme bem, acorda bem e, por analogia,
quem dorme com problemas, vai acordar meio indisposto. De toda forma, Nitiren
Daishonin nos ensina que primeiro temos de aprender sobre a morte para então
compreendermos o significado da vida. A morte é a única certeza que temos na vida e o
budismo ensina que o modo como vivemos a vida é fundamental.

Kogake — Segundo o budismo, a vida é eterna. Ela não acaba com a morte. Acredito
que o medo da morte está associado também ao fato de ser algo desconhecido. Muitas
religiões professam que, após a morte, todos passam por um julgamento de suas ações e
então são encaminhadas ou para o céu ou para o inferno. Mas essa explicação é vaga e
não é suficiente para tranqüilizar o espírito, para amenizar a ansiedade das pessoas e
nem para orientá-las como viver, principalmente quando deparam com a morte.
Adriana — Na série “Sabedoria do Sutra de Lótus” o presidente Ikeda fala da postura
dos jovens em relação à morte. Ele diz que justamente por serem jovens, tendem a
evitar o assunto achando que não lhes diz respeito no momento. Contudo, como disse
Margarida, a única certeza na vida é a morte e, como não podemos prever o amanhã,
devemos viver intensamente cada dia. O presidente Ikeda afirma que a tendência de
adiarmos as coisas para outro dia com a desculpa de que “Amanhã, farei o Gongyo” ou
então “Amanhã, irei à reunião”, acreditando que o amanhã é uma certeza, pode fazer
com que muitos, principalmente os jovens, deixem de viver aquela oportunidade ou
aquele momento único para fazerem causas positivas para sua vida, pois o amanhã pode
não vir. O presidente Ikeda nos orienta a considerar a morte até como uma espécie de
objetivo para que possamos tomar uma postura consciente valorizando cada dia de
nossa vida. “Viverei da melhor forma e o mais intensamente possível”, esta deve ser a
postura de um jovem que pratica o budismo. Ele cita o exemplo de alguém que possui o
objetivo de escrever um livro. Existe um prazo que tem de ser cumprido para a entrega
do texto. Dessa forma, terá de se esforçar ao máximo para escrevê-lo dentro desse
período. Pensei também em um outro exemplo: Quando vamos viajar para algum lugar
muito bonito e sabemos quanto tempo temos disponível, nos esforçamos para aproveitar
cada instante plenamente. Quando li essas orientações do presidente Ikeda, refleti muito
e percebi o quanto tenho de orar mais, esforçar-me mais, empenhar-me mais pelas
pessoas e pelo Kossen-rufu e fazer o máximo neste momento em que estou viva, em que
posso orar ao Gohonzon e assegurar uma existência afortunada.

Margarida — Gostaria de contar uma experiência pela qual passei e que me fez sentir
profundamente a importância de seguir as orientações do presidente Ikeda. Minha
família completa 37 anos de conversão este ano, e eu vim acompanhando a prática de
meus pais desde criança. Durante esses anos, nunca mais deixei de praticar, de
participar das atividades, atuei na banda feminina Nova Era Kotekitai e dediquei-me na
Divisão Feminina de Jovens até antes de me casar, chegando a assumir a
responsabilidade de vice-coordenadora de Divisão. Pois bem. Em dezembro deste ano,
fará onze anos desde que passei por uma experiência que mudou completamente minha
maneira de encarar a vida e a prática. No dia 1º de dezembro de 1991, diante das
complicações pós-parto de minha filha, entrei em estado de coma profundo e os
médicos e enfermeiras me deram como clinicamente morta, pois todos os aparelhos
ligados em mim indicavam isso. Então, meus pais receberam um telefonema do hospital
avisando-os da situação. Ao saber da notícia, meu pai esbravejou, dizendo que eu estava
proibida de morrer, que isso não era atitude de uma mãe com mais de vinte anos de
prática, deixando órfãs duas crianças, uma recém-nascida e outra que necessitava de
cuidados especiais, e que ele não iria ao hospital nessas condições. E ele realmente não
me visitou em nenhum dos dias da semana em que fiquei na UTI entre a vida e a morte.
Mas desde o momento em que bateu o telefone ordenando para a médica que me
avisasse que eu estava proibida de morrer, ele sentou-se diante do Gohonzon e começou
a recitar intenso Daimoku.Toda minha família, meu marido e os companheiros da
organização uniram-se para fazer 24 horas de Daimoku durante uma semana. Naquele
período em que fiquei em coma ouvia muito o som do Daimoku e sentia fortemente que
não podia morrer. Se não fôssemos budistas, talvez meus pais se resignassem com o
comunicado de minha morte e eu também acreditasse em todos os comentários
melancólicos das pessoas que estavam à minha volta: “Coitadinha da japonesa, nem vai
ver a filhinha que nasceu. Não tem jeito. Deus quis assim.” Com certeza, eu não estaria
mais aqui hoje. No entanto, naquele momento crucial, senti o quanto havia sido
importante ter me empenhado pelo Kossen-rufu até aquele instante, de ter lido as
orientações do presidente Ikeda e de ter aprendido que não podíamos nos conformar
com a situação e, sim, deveríamos transformá-la. Então, no momento em que mais
precisei, tudo se moveu como efeito de todos os anos de prática e consegui sobreviver
sem ficar com nenhuma seqüela. As pessoas se uniram para me salvar porque eu estava
de bem com todas elas, porque sempre vim trilhando o caminho ensinado pelo mestre.

Adriana — Nas escrituras de Nitiren Daishonin consta uma passagem que fala que, no
momento da morte, mil budas surgirão diante de nós e estenderão suas mãos para
conduzir-nos, e o presidente Ikeda diz que esses budas, na realidade, correspondem às
pessoas que estão orando nesse momento crucial da nossa vida. É nesse momento que
perceberemos quantas pessoas ajudamos a salvar ou a encontrar o caminho da
felicidade. Comentando a respeito dessas pessoas que foram dadas como mortas e que
depois “renasceram”, a exemplo de Margarida, o presidente Ikeda cita em um de seus
diálogos a experiência vivida pelo famoso psicólogo e psiquiatra suíço, Carl Jung, que,
ao voltar do coma, contou que viu a si próprio flutuando sobre o globo terrestre e
afirmou que a Terra era azul. Isso só foi constatado tempos depois pelo cosmonauta
russo Yuri Gagarin, o primeiro homem a viajar ao espaço. Ele conta que as sensações
que as pessoas experimentaram nessa condição são as mais diversas, apesar de alguns
relatos serem muito semelhantes. Enquanto umas sentiram-se muito tranqüilas e
serenas, outras sentiram dor e sofrimento. Em síntese, naquele momento crucial, aquelas
que causaram sofrimento para as outras sentiram esse efeito, e aquelas que se dedicaram
pelas pessoas, receberam o amparo tranqüilizador. É nesse momento que são
evidenciados os efeitos das causas positivas e negativas realizadas pelas pessoas.
Quando li isso refleti o quanto é importante realizarmos boas causas a todo momento.
Nunca sabemos quando iremos necessitar de boa sorte.

Margarida — É verdade. No momento em que estamos em coma, não podemos fazer


nada. Queremos recitar Daimoku, tentamos nos mover, falar, mas não conseguimos.
Sentimo-nos impotentes diante da situação. Nesse momento, o que vale é o Daimoku
recitado e todas as causas feitas até então. Realmente senti a importância de viver bem
cada dia e de estar de bem com a vida e com todos à minha volta.

Kogake — Ouvindo esses comentários, lembrei-me de uma matéria que me


impressionou e que me deixou muito preocupado quanto à minha postura no dia-a-dia.
Já fui católico fervoroso e, por discordar de muitas coisas e não aceitar outras, pratiquei
o espiritismo. Depois de algum tempo de conversão ao Budismo de Nitiren Daishonin li
uma matéria que falava sobre “existência intermediária” e o que ocorre após a morte. A
matéria baseava-se em sutras budistas que explicavam que essa existência intermediária
compreendia o espaço de tempo entre a morte e o renascimento e afirmava que aqueles
que faleceram no estado de Buda não passariam por essa fase e renasceriam
imediatamente e, os que só cometeram causas negativas graves, também não passariam
por ela, pois cairiam no inferno de incessante sofrimento instantaneamente. Analisei
bem o que estava escrito e cheguei à conclusão de que estava na hora de me dedicar
com mais seriedade ao Kossen-rufu, porque seria a única coisa que iria me ajudar no
momento da morte (risos). Pensei comigo: “Mesmo que eu não atinja o estado de Buda
(risos) e tenha de passar por uma existência intermediária, não quero fazer tanta causa
negativa para ter de sofrer mais tarde. E já que todos nós vamos ter de passar por isso
mesmo, então é melhor dedicarmos agora e acumularmos causas positivas para
renascermos o quanto antes, como se tivéssemos acordado no dia seguinte após um bom
sono. O que levamos para a próxima existência é apenas a boa sorte acumulada nessa
vida.” A matéria citava também o rio das três travessias pelo qual precisamos passar no
momento da morte. Dizia que esse rio possuía aproximadamente 280km de extensão e
que havia três trechos para se fazer essa longa travessia. No primeiro trecho, uma região
rasa, poderiam atravessar as pessoas que cometeram causas leves. O segundo, é uma
região de águas agitadas profundas e escuras, cheia de serpentes e pedras pontiagudas e
sua travessia é feita por pessoas que cometeram causas ruins e, o terceiro, é onde há
uma ponte adornada por sete espécies de tesouros em cuja extremidade os bodhisattvas
aguardam as pessoas de causas nobres. Em uma escritura consta ainda que, quando a
pessoa falece, ela caminha sozinha por uma vasta planície na chamada viagem através
da existência intermediária. E diz que, uma vez nela, se pensar em permanecer, não terá
mantimentos para levar consigo e, se parar no meio do caminho, não terá onde ficar.
Tudo é escuridão como na calada da noite e só se enxerga a luz das estrelas. Por todos
os lados é cercada pelas trevas e ninguém lhe fará companhia e nem se preocupará com
seu bem-estar. Como não sou bobo (risos), mais uma vez pensei comigo: “Puxa, eu
quero ir por esse caminho onde estão os bodhisattvas. Então preciso me empenhar
intensamente pelo Kossen-rufu e fazer o maior número de pessoas felizes, pois quero
ser feliz e que todas as pessoas que amo sejam felizes também.” É isso que podemos
levar para a outra existência.

Margarida — É verdade. Lembro-me de que quando encontrava-me em coma senti


muito frio e estava em meio a uma escuridão profunda. E nessa escuridão ouvia apenas
o som do Daimoku e, então, eu o recitava mentalmente também. Achava que estava
desmaiada. Fiquei dois dias em coma profundo e isso me deixou completamente
desnorteada. Sempre ouvi dizer que a audição é o último sentido a parar de funcionar e
comprovei a veracidade disso. Ouvia os médicos dizendo que minha pressão havia
caído muito e que não tinha mais jeito. Então eu recitava Daimoku e pensava: “Preciso
me levantar. Preciso me levantar daqui custe o que custar”, mas meu corpo não me
obedecia. Eu me vi dentro de um túnel muito escuro e havia apenas um ponto de luz
bem ao fundo e, continuando a orar Daimoku, a imagem que me veio à mente foi a de
meu filho de três anos que precisava muito de mim. Ele é um filho especial que tinha
convulsões terríveis na época devido a lesões no cérebro causados por problemas
ocorridos no momento de seu nascimento, e tomava remédios fortíssimos para manter-
se controlado. O interessante é que minha maior preocupação naquele momento não foi
com a criança recém-nascida, mas com aquele filho, que para muitos poderia ser
considerado como um “problema”. Foi por existir esse filho, que precisava de cuidados
especiais, que dependia muito de mim, que senti no fundo da alma que tinha de me
levantar. Talvez se não tivesse esse filho, até teria acreditado no diagnóstico dos
médicos que não me deram mais chances de vida. Recitando Daimoku mentalmente,
procurei me dirigir até aquele ponto de luz diante de mim, mas a escuridão era como
uma espécie de gelatina que me impedia de avançar. Depois que eu saí do estado de
coma, soube por uma médica que a claridade era a morte. Nesse instante senti que o
Daimoku me salvara mais uma vez. Acho que manifestei toda a boa sorte acumulada
com o Daimoku para mudar aquele quadro e senti o quanto foi importante ter praticado
e me dedicado ao Kossen-rufu durante todos aqueles anos.
A visão budista sobre a morte
TERCEIRA CIVILIZAÇÃO, EDIÇÃO Nº 412, PÁG. 9, DEZEMBRO
DE 2002.

Convidados: Margarida Yuko Yoshimatsu Hama, vice-coordenadora da DF da BSGI;


Alexandre Kensiro Kogake, vice-coordenador da DS da BSGI; Adriana de Carvalho
Monteiro, coordenadora das Universitárias da BSGI.

Compreendendo a morte, passamos a valorizar a vida.

Adriana de Carvalho Monteiro — É nessas horas que compreendemos o verdadeiro


significado de benefício e boa sorte acumulados com a prática budista. Como mortais
comuns, tendemos a associar benefício e boa sorte a ganhos materiais, paupáveis e
visíveis mas, na realidade, eles se manifestam em nossa vida nos momentos cruciais e
ainda de formas muitas vezes inexplicáveis.

Margarida Yuko Yoshimatsu Hama — Sem dúvida. No meu caso, fui salva também
porque estava nas mãos de uma médica corajosa e determinada que percebeu a
gravidade de minha condição e operou-me mesmo sem a autorização da família,
acreditando que era a única chance. Foi o que me salvou. Ela retirou todo o meu útero e
desde então não tenho menstruação, nenhuma cólica, e também não corro risco de ter
câncer no útero. (Risos.) Uma questão sobre a qual refleti muito após passar por essa
situação foi a doação de órgãos. Era uma época em que se discutia muito isso na mídia.
Cheguei à conclusão de que a doação mais importante é vivermos muito e usarmos ao
máximo esse corpo pelo Kossen-rufu, realizando o Chakubuku e ensinando o Nam-
myoho-rengue-kyo para o maior número de pessoas. Então, com certeza, faremos com
que o número de pessoas que necessitam dessas doações diminua.

Adriana — No diálogo “A Sabedoria do Sutra de Lótus”, a questão da vida e da morte é


abordada com base na relação de mestre e discípulo de uma maneira que eu,
particularmente, nunca havia pensado antes. É mencionada a “Parábola do Bom
Médico”. Essa parábola budista é sobre um médico que ao retornar de viagem para casa
encontra os filhos agonizando por terem ingerido veneno. Ele então prepara um remédio
para curá-los. Contudo, nem todos aceitam tomá-lo, e continuam sofrendo. O médico
faz uma última tentativa, parte em viagem novamente e envia um mensageiro aos filhos
incumbido de dar-lhes a notícia de sua morte. Sentindo uma grande tristeza e um
profundo remorso por não terem acatado as recomendações do pai, os outros filhos
tomam também o remédio e todos são salvos. O presidente Ikeda faz uma análise dessa
parábola associando o bom médico ao mestre e os filhos aos discípulos. O mestre
utilizou-se da morte como um meio para fazer com que todos os seus discípulos
pudessem se salvar. O presidente Ikeda diz que a morte do Sr. Makiguti pode ser vista
de maneira semelhante. Muitos questionaram por que o presidente Makiguti, uma
pessoa que se dedicou tanto pelo Kossen-rufu, faleceu na prisão, mas o presidente Ikeda
enfatiza que, justamente por Makiguti ter falecido dessa forma, seu discípulo Jossei
Toda levantou-se só com a firme decisão de reconstruir a Soka Gakkai. Com base nessa
análise, a morte de Makiguti foi um meio visando a um grande desenvolvimento do
Kossen-rufu mundial. O presidente Ikeda afirma que, na essência, vida e morte estão
implícitos no conceito de mestre e discípulo. O mestre ensina sobre a morte para seu
discípulo a fim de despertá-lo para sua missão do Kossen-rufu. Achei isso fascinante.
Para muitos, a morte é o fim de tudo, mas no budismo, a morte está intrinsecamente
ligada à vida, à missão e ao mestre.

Margarida — Realmente a questão da morte, talvez por influência de outras crenças e


da própria cultura, ainda é tratada com certa aversão pela maioria das pessoas, até
mesmo por alguns praticantes budistas. Existem famílias enlutadas mesmo após dois,
cinco ou dez anos após o falecimento do ente querido. Continuam abatidas e
questionando, procurando o porquê do acontecimento e permanecem no passado,
sofrendo e sem a alegria de viver. Segundo o budismo, a condição de vida dos
familiares e das pessoas próximas que estão vivas é exatamente o estado em que o
falecido se encontra. Se a família está angustiada, a condição do falecido se encontra da
mesma maneira.

Alexandre Kensiro Kogake — Por outro lado, podemos observar muitos casos de
grandes veteranos da Gakkai que faleceram como se tivessem se preparado para esse
momento. Não são raros os casos em que uma pessoa, antes de falecer, reúne os
familiares, conversa e incentiva cada um deles e parte serenamente recitando Daimoku.
Não há lágrimas de sofrimento durante a cerimônia de funeral dessas pessoas. Tanto o
aspecto do falecido como o de seus familiares transmitem a grandiosidade do Budismo
de Nitiren Daishonin. Existem outros que parecem até escolher o dia da semana para
morrer. Aprendemos com essas pessoas como devemos viver como seres humanos.

Terceira Civilização — Mas existem mortes repentinas, causadas por acidentes ou


doenças, que geram sofrimento a todas as pessoas próximas.

Kogake — Sim. Por mais que afirmemos que não cometemos nenhuma causa grave
nesta presente existência, não podemos dizer com a mesma certeza quanto às causas que
cometemos em existências passadas. Mas uma coisa é certa, os efeitos dessas causas
estão depositadas em nossa oitava consciência denominada alaya. Então, no momento
certo, quando as condições forem apropriadas, esses efeitos irão se manifestar em nossa
vida. Esse carma não é totalmente individual pois, uma vez que ninguém vive isolado
numa ilha, ele se torna um carma compartilhado. As pessoas próximas sentem em maior
ou menor grau o efeito da manifestação do carma de alguém. Se sofremos, então esse
sofrimento é efeito de um carma. Porém, tudo depende da forma que cada um encara
essa situação. Se um acontecimento gerar mais sofrimento e desespero, isso produzirá
novos efeitos negativos na vida dessa pessoa. Agora se conseguir tornar esse
acontecimento um motivo para tomar uma firme decisão, então estarão sendo criadas
novas causas positivas que proporcionarão novos efeitos positivos para todos. Isto é
transformar veneno em remédio. É claro que as coisas não são tão fáceis assim. Perder
alguém que amamos é muito doloroso. Nada consegue preencher a falta que essa pessoa
faz em nossa vida. Mas conseguirmos superar a dor e enxergarmos a vida como uma
infinita jornada e imaginarmos que a nossa felicidade é compartilhada com a vida
latente daquele que amamos, então iremos nos esforçar para sermos muito mais felizes e
fazê-lo feliz também.

Adriana — A visão budista da eternidade da vida e do carma é muito mais racional e


aceitável do que a idéia de que existe um ser superior controlando o destino de cada
pessoa na face da Terra e que todos os acontecimentos são de vontade divina. O que
somos e a vida que temos hoje são efeitos de causas cometidas nesta existência e nas
anteriores. Se passamos por sofrimentos é porque temos “dívidas” a pagar. Como todos
sabem, se temos dívidas, enquanto não as pagamos totalmente, os cobradores
continuarão a nos enviar as contas e a nos perseguir. Após passarmos pelo estágio de
vida latente, que é a morte, renascemos ou iniciamos uma nova vida a partir daquele
ponto em que paramos na existência anterior. Desculpe-me o exemplo, mas é como
fumar um cigarro. Não é porque o reacendemos que ele voltará ao tamanho normal. Ele
continuará a queimar de onde parou. Então não adianta lamentarmos dizendo que nunca
fizemos mal a ninguém, que não merecemos essa vida de sofrimento... Embora muitos
relutem em aceitar, é assim que a vida é feita. A vida é resultado das ações que
praticamos durante todas as existências. O que acho fantástico no budismo é que
podemos amenizar os efeitos e até mesmo mudar o rumo de nossa vida por meio da
recitação do Nam-myoho-rengue-kyo e de nossa dedicação em prol das pessoas e do
Kossen-rufu. Podemos direcionar nossa vida para um futuro de felicidade,
independentemente do que possamos ter feito no passado. O que determina o futuro é o
que fazemos neste exato momento.

Kogake — É verdade. Há relatos de muitos companheiros que estavam desenganados


pelos médicos e que hoje atuam com todo vigor nas atividades. Como Nitiren Daishonin
diz, “o Nam-myoho-rengue-kyo é como o rugido de um leão”. A energia vital que
acumulamos com a sua recitação nos possibilita enfrentar todo tipo de doença, o que
dizer então dos problemas de menor gravidade.

Margarida — Iniciei minha prática aos dez anos e nunca mais parei. Durante os vinte
anos em que pude me dedicar na Divisão Feminina de Jovens, empenhei-me ao
máximo, recitando intensamente Daimoku e participando de todas as atividades. Casei-
me e iniciei minha luta na Divisão Feminina. Sempre tive o grande sonho de ser mãe e,
quando meu primeiro filho nasceu, ele teve um problema que afetou parte de seu
cérebro. Nessa época, ouvi muitos comentários maldosos insinuando que minha prática
não havia valido para nada ou então questionando por que eu havia me dedicado tanto e
estava passando por aquela situação. Discordei veementemente, pois foi justamente por
ter me empenhado durante todos aqueles anos que encontrei forças e coragem para
enfrentar aquele acontecimento, sem lamentações e ainda pude contar com o apoio de
meu marido e dos familiares. O carma realmente existe. Nesta existência não me
recordo de ter feito algo tão grave, então os efeitos que estava sofrendo eram de outras
existências. Conforme disse Adriana, nós nascemos exatamente na condição em que
falecemos na existência passada. O fato de ter tido um filho com essas características é
uma prova disso. Contudo, graças ao budismo, pude acatar esse acontecimento como
algo positivo para minha vida, desafiando mais ainda minhas condições e minha prática.
No momento crucial, foi esse meu filho quem salvou minha vida porque, se não fosse
por ele, eu teria morrido naquela ocasião. Para mim, ele surgiu especialmente em minha
família para fortalecer nossos elos, para recitarmos mais Daimoku e para jamais
abandonarmos o caminho da Lei. Ninguém está livre dos problemas. Podemos
transformar um acontecimento tanto em algo construtivo como destrutivo dependendo
unicamente da forma como o encaramos.

Kogake — O carma é algo muito sério. Um de meus filhos também teve problemas de
saúde quando era pequeno. Como eu ainda não entendia muito o budismo, achava que
aqueles problemas todos eram manifestações do carma dele e orava para que ele os
transformasse. Sempre achamos que os culpados pelos problemas são os outros. É mais
fácil apontar para os outros, não é mesmo? Mas minha esposa dizia que o carma
também era meu, como pai. Como não queria dar o braço a torcer, retrucava dizendo
que não, que quem estava sofrendo com a doença era ele. Foi só com o tempo, quando
caiu a ficha (risos), é que compreendi. Toda a família estava envolvida com os
problemas de saúde desse meu filho. Todo o dinheiro de meu trabalho se esvaía em
médicos e remédios. Com certeza, era um carma meu e de minha família. Num belo dia,
uma dirigente da Divisão Feminina que sabia de nossa situação, disse-me: “Você está
de parabéns!” Eu estava meio chateado com todos os problemas e, na hora, quase me
zanguei (risos). Pensei: “Ela deve estar brincando comigo. Está vendo que passo por
diversos problemas e deve ter dito isso só para me atazanar!” Mas então ela explicou:
“Parabéns, o senhor é uma pessoa de muito boa sorte, pois tem um filho que nasceu
com a missão de salvá-lo. Por meio dessa grave doença, ele está resgatando a sua vida.
Quando o senhor compreender isso, ele ficará bom.” Na verdade, a doença de meu filho
foi um meio para que eu entendesse que tinha de tomar uma decisão de empenhar-me
sinceramente para o Kossen-rufu, pois até aquele momento estava realizando a prática
sem seriedade. Durante muitos anos, meu filho teve sérias convulsões e, mesmo adulto,
quando estava nesse estado era muito difícil controlá-lo. Houve uma vez que quase
perdi um dos dedos quando tentava impedir que a língua dele enrolasse. Foram anos
assim. Muitas pessoas ainda hoje não acreditam que minha família tenha passado por
tudo isso. Foi somente quando compreendi que tudo aquilo estava acontecendo para me
ajudar e que, se não tomasse nenhuma atitude, poderia até perder meu filho e sentei-me
diante do Gohonzon com a decisão de dedicar-me na prática e para o Kossen-rufu, é que
ele se curou definitivamente. Se a fé é forte, todo infortúnio pode ser transformado em
um agente positivo que propicia um grande crescimento interior.

Margarida — Em relação ao meu filho, os médicos e neurologistas disseram que os


danos em seu cérebro eram irreversíveis, mas com muita determinação conseguimos
mudar esse quadro. Ele fala com dificuldade, mas toma banho sozinho e sabe andar de
bicicleta e nadar, coisas que eu não consegui aprender ainda (risos). Ele aprendeu tudo
sozinho. Gosto de me referir a ele como “meu filho especial”, pois além de salvar minha
vida tem me ensinado a ser perseverante, a exercer o amor ilimitado e tem me ajudado
em minha revolução interior.

Adriana — O depoimento de vocês comprova o que aprendemos no budismo, ou seja,


que para atingir a iluminação é necessário possuir uma fé pura e genuína.
Independentemente do que aconteça, quando consideramos todos os fatos como uma
proteção do Gohonzon, com o sentimento de que tudo ocorreu da melhor forma possível
e, em gratidão a isso, empenhamo-nos ainda mais pelo Kossen-rufu e pela felicidade das
pessoas, estamos realizando uma grande revolução humana. O verdadeiro espírito de
gratidão é aquele que nunca questiona o porquê dos acontecimentos. Se estamos
praticando corretamente, se estamos nos dedicando ao máximo, então não há como não
sermos protegidos. Contudo, como mortais comuns, por não terem a compreensão plena
da vida, por não conseguirem enxergar o passado ou prever o futuro, as pessoas culpam
o Gohonzon pelos infortúnios, os quais na verdade são efeitos de suas próprias causas.

Kogake — O budismo esclarece que o carma é formado por nossos pensamentos,


nossas palavras e nossas ações, desta e de outras existências. Tudo o que ocorre em
nossa vida são efeitos. Por exemplo, quando deparamos com a doença, a primeira
reação que temos é combatê-la, mas ao refletirmos pelo ponto de vista budista, estamos
apenas combatendo o efeito, e o efeito não se combate. Pela lógica, procuramos um
médico. Contudo, há casos que os médicos não conseguem resolver e que aquele que
recita o Nam-myoho-rengue-kyo consegue. Por quê?

Margarida — Porque o Daimoku atinge diretamente a causa.

Kogake — Sim, exatamente. Ele age diretamente na causa.

A visão budista sobre a morte


TERCEIRA CIVILIZAÇÃO, EDIÇÃO Nº 413, PÁG. 9, JANEIRO DE
2003.

Convidados: Margarida Yuko Yoshimatsu Hama, vice-coordenadora geral da DF da


BSGI; Alexandre Kensiro Kogake, vice-coordenador da CMSP; Adriana de Carvalho
Monteiro, vice-coordenadora da DFJ.

Kogake: “O Daimoku verdadeiro é aquele proveniente da fé, em que a pessoa se


compromete a vencer as dificuldades.”

Margarida: “No budismo, o nosso passado, presente e futuro estão interligados e tudo
pode ser determinado no momento presente.”

Adriana: “Para ser feliz é necessário ter coragem para enxergar todos os acontecimentos
da vida como uma oportunidade.”

Alexandre Kensiro Kogake — Nos impressos lemos diversos depoimentos de pessoas


desenganadas pelos médicos que conseguiram superar a doença e hoje se dedicam com
todo afinco pelo Kossen-rufu. Por que isso ocorre? Porque compreenderam no âmago
de sua vida que a doença é um efeito de causas cometidas no passado, um carma que só
pode ser transformado com uma recitação séria e sincera de Daimoku que atinja o
âmago da vida. Então o veneno, ou seja, a doença, passa a ser um remédio pois
possibilita a revolução humana.

Adriana de Carvalho Monteiro — Quando Nitiren Daishonin afirma no Gosho que


devemos primeiro entender a morte, acredito que seja no sentido de que, se não a
consideramos como algo inerente à vida, ao enfrentá-la, sentimos medo, desespero e
sofremos. É claro que isso não significa que devemos nos resignar, muito pelo
contrário. Mas se deixarmos que sentimentos negativos, que as lamentações e a
autocomiseração tomem conta de nós, não conseguimos ter energia suficiente nem fazer
causas à altura para mudarmos esse carma. Mesmo que o resultado seja a morte, são as
nossas ações, a nossa vontade de vencer, o nosso aspecto tanto em vida como na morte,
e ainda o nosso ambiente familiar que nos permitirá perceber e sentir a transformação
do carma.

Margarida Yuko Yoshimatsu Hama — O presidente Ikeda diz que a morte é apenas um
descanso. Todos precisamos descansar. Depois de um dia inteiro de trabalho, ficamos
fisicamente esgotados e o nosso corpo necessita repor as energias. Contudo,
dependendo de como passamos o dia ou do que fazemos, às vezes não conseguimos
descansar, temos pesadelos ou preocupações que nos atormentam a noite toda. Quem
viveu um dia com grande satisfação consegue dormir tranqüilamente. A morte também
é um repouso para reativar nossas energias para que possamos despertar bem, ou seja,
renascermos fortes e cheios de energia para cumprirmos nossa nova missão.

Terceira Civilização — Apesar de a morte ser inevitável, a maneira ou a idade com que
as pessoas falecem, principalmente quando praticam o Budismo de Nitiren Daishonin,
parece gerar questionamentos tanto entre os companheiros como entre os que praticam
outras religiões.

Kogake — É verdade. Ao saberem que uma pessoa é budista, parece que as outras
ficam observando mais sua vida e postura. Se um jovem, muito ativo na organização e
na prática, falece tragicamente, as pessoas imediatamente questionam a validade da
religião que ele seguia. A maioria se prende somente no modo como ocorreu o
falecimento e se esquece do valor pessoal do falecido e de como viveu. A morte chegará
para todas as pessoas. Contudo, ninguém consegue prever quando e nem como ocorrerá.
Muitos fatores estão relacionados à questão da morte, e um deles é o carma. Não
sabemos que causas cometemos no passado que podem determinar a maneira como
morreremos. Mas uma coisa é certa, independentemente de como tenha vindo a falecer,
o que determinará sua iluminação e felicidade serão suas ações em vida, seja ela curta
seja longa, e ainda a oração dos familiares e amigos.

Margarida — Sem dúvida, aceitar a morte não é nada fácil para os familiares,
principalmente quando é repentina ou trágica. Mas o mais importante é se o falecido e a
família também recitavam Daimoku. O presidente Ikeda diz que esse já é o caminho
para a iluminação do falecido.

Adriana — Quando um de meus primos faleceu ainda jovem, li uma orientação do


presidente Ikeda que me confortou muito. Ele dizia que muitas vezes uma pessoa que
tem o carma de falecer jovem, morre jovem mais uma vez, mesmo tendo encontrado o
Gohonzon, talvez para romper de vez com esse ciclo e desfrutar uma próxima existência
longa e plena. Em outra ocasião, ele disse que não importava a maneira que uma pessoa
viesse a falecer, se mesmo jovem ela conseguiu acumular os tesouros do coração e fazer
o bem para outras e o Chakubuku, e se no momento de sua morte, houver pessoas
orando Daimoku para sua iluminação, naquele exato momento formaria-se a causa para
ela renascer em uma condição de vida melhor. Lendo isso, refleti o quanto é importante
quando a família de alguém que praticava sozinha permite que se faça uma cerimônia
budista na ocasião de seu falecimento. Porque nesse momento, somente o Daimoku dos
companheiros pode beneficiar a vida do falecido.

Margarida — No caso de morte acidental ou violenta, muitas pessoas ficam


preocupadas se o falecido não está sofrendo ou se não está sentindo dores. O budismo
ensina que essa resposta pode ser obtida observando o aspecto de seus familiares. Se a
família, imbuindo-se de coragem, prossegue em sua prática e em sua luta diária
dedicando-se para o Kossen-rufu e pela felicidade das pessoas, então esta será
exatamente a condição de vida do falecido.

Kogake — Numa orientação a respeito do Gongyo, o presidente Ikeda diz que quando a
família continua uma prática consistente mesmo sofrendo a perda de um ente querido,
todos os caracteres do Gongyo proferidos pelos familiares transformam-se em um só e
posteriormente em um buda que se desloca até o domínio onde a pessoa falecida se
encontra e transmite a ela que foi enviado pelos familiares, e diz que isso
automaticamente possibilita a sua iluminação.

Adriana — Há um Gosho em que Nitiren Daishonin incentiva uma senhora que perdeu
o filho samurai. Ela, uma fervorosa praticante do Nam-myoho-rengue-kyo, estava
angustiada pois temia pela sorte de seu filho que havia matado muitas pessoas, embora
tivesse também recitado Daimoku. Diante desse sofrimento profundo de mãe, Nitiren a
encoraja a praticar firmemente para que a sua iluminação conduza também o filho a essa
suprema condição. Senti a grande benevolência de Nitiren Daishonin ao remover o
sofrimento do coração dessa senhora. O Daimoku permite-nos alcançar essa serenidade.

Margarida — Não sabemos o que fizemos no passado. Mas o mais importante é que
temos uma grande oportunidade de garantir um futuro melhor. A maneira como
vivemos nosso presente definirá nossa sorte no futuro. Gosto muito da seguinte frase:
“Não acrescente dias à sua vida, mas sim vida aos seus dias. Valorize cada momento e
viva cada dia como se fosse o último.” Contudo, não é fácil aplicá-la em nosso dia-a-
dia. Depois de tudo o que passei após o nascimento de minha filha, saí da UTI numa
cadeira de rodas, pois estava com anemia profunda. Não tinha forças para caminhar e
cheguei a pensar que estava paralítica. Mas mesmo assim, naquele momento orava
Daimoku de felicidade, por ter sobrevivido. Desejava muito ver minha filha recém-
nascida e meu filho. Chegando à casa de minha mãe, ela abriu o oratório para
recitarmos três vezes o Daimoku (sansho). Não consegui conter as lágrimas e minha voz
estava embargada pela emoção. Eu já tinha mais de vinte anos de conversão e nunca
havia falhado em minha prática diária, mas foi nesse momento que percebi como era
displicente. Desde aquele dia, nunca mais desprezei a oportunidade de fazer bem feito
mesmo que um simples Daimoku sansho. Nunca sabemos quando será a última vez que
poderemos nos encontrar com o Gohonzon. Foi uma lição que a vida me ensinou.

Kogake — O ser humano tende a descobrir o valor das coisas quando já é tarde demais.

Margarida — Por sorte, eu tive uma segunda chance e pude rever toda minha postura
em relação à prática.

Kogake — Com certeza essa sua experiência deve ter contribuído para que muitas
outras pessoas renovassem suas decisões, revessem sua postura ou seu conceito de vida.
Por você possuir muita coragem e muito Daimoku acumulados durante anos, conseguiu
transformar esses acontecimentos em encorajamento para as pessoas. O presidente
Ikeda cita em uma orientação a existência de dois tipos de Daimoku, o de rotina e o de
fé. Ele diz que o Daimoku de rotina pode ser comparado ao de um pedinte, que implora
pela ajuda do Gohonzon. A pessoa faz uma lista enorme de pedidos e a coloca no
oratório, orando apenas em função dela. Se os resultados demorarem a aparecer, então
ela começa a desanimar e a duvidar da força do Gohonzon. O Daimoku verdadeiro é
aquele proveniente da fé, em que a pessoa se compromete a vencer as dificuldades. É
um Daimoku de juramento visando ao Kossen-rufu. Esse é o Daimoku que transforma a
vida e traz felicidade, mas que requer muita coragem e determinação.

Adriana — Sim. Para ser feliz é necessário ter coragem para enxergar todos os
acontecimentos da vida como uma oportunidade. As pessoas enxergam os fatos da vida
da perspectiva de seu carma e estado de vida. Por exemplo, para algumas pessoas, meio
copo de vinho pode ser motivo para lamentações do tipo “Puxa, só temos meio copo de
vinho...” Mas, para outras, pode ser de alegria: “Que bom, ainda temos meio copo de
vinho!” Conforme nossa condição de vida podemos ver o excesso de trabalho como
uma exploração ou como um desafio para o nosso próprio desenvolvimento
profissional. Para sermos felizes, precisamos nos desfazer de pensamentos negativistas
e errôneos. As insatisfações, as lamentações só atrasam a nossa revolução humana. É
por isso que Nitiren Daishonin afirma que o que mais importa no budismo é o coração.
A sinceridade e o espírito de gratidão sem dúvida são essenciais. Temos de criar uma
tendência de vida sempre positiva e otimista.

Margarida — Esse é um ponto muito importante pois o budismo explica que assim
como cada um de nós possui os dez estados de vida, o Universo também os tem. Então
quando falecemos, nossa vida funde-se exatamente com o estado do Universo referente
à condição em que nos encontrávamos no momento da morte. Quem morre no estado de
Inferno, funde-se com o estado de Inferno do Universo. Se a pessoa estava no estado de
Alegria, funde-se com o estado de Alegria do Universo e assim por diante. É por isso
que devemos sempre procurar mudar nossa tendência básica de vida e fazer sempre
causas positivas dia a dia para mantermos um estado de vida elevado. Aquele que passa
a vida em vão, vivendo somente para si de modo egoísta, no momento da morte só
sentirá arrependimento. No entanto, o poder do Daimoku é imensurável, capaz de
transformar até mesmo a vida de alguém que faleceu no estado de Inferno. O Daimoku
que os familiares oram diariamente em memória dos falecidos contribui para isso.

Kogake — Sabendo disso, é lamentável que companheiros de prática percam tempo


brigando entre si, criticando uns aos outros, ou provocando desarmonia dentro dessa
organização do Kossen-rufu, onde temos a maior das oportunidades para realizarmos
mais rapidamente nossa revolução humana. Contudo, da mesma forma que podemos
transformar mais rapidamente, realizando boas causas, acredito que o peso das más
causas cometidas em relação aos companheiros terão peso muito maior.

Adriana — A organização é, sem dúvida, o meio ideal pelo qual podemos nos aprimorar
como seres humanos. O relacionamento com várias pessoas nos oferece inúmeras
oportunidades para lapidarmos o nosso estado de vida. Sempre fui medrosa em relação
à questão da morte, mas conforme fui assumindo responsabilidades na organização e
aprofundando a compreensão do budismo, comecei a superar isso. O sentimento de
prezar mesmo que uma única pessoa e orar Daimoku para sua felicidade, principalmente
no momento da morte, tornou-se mais forte do que todos os meus medos. Acredito que
isso também sejam causas para que, no momento de minha morte, existam pessoas
orando por mim. Como o falecido não pode mais orar, são as pessoas vivas que criarão
o ambiente propício para que ele possa renascer. E vendo como são os ambientes das
cerimônias feitas pela Gakkai, temos a certeza de que o falecido estará muito bem e
retornará em breve para perto de nós.

Margarida — Com base em tudo que conversamos, podemos concluir que é importante
empenharmo-nos pelo Kossen-rufu para realizarmos a nossa transformação interior e
elevarmos nossa condição de vida. No budismo, o nosso passado, presente e futuro
estão interligados e tudo pode ser determinado no momento presente. A morte também
está relacionada a tudo o que fazemos no presente.
Adriana — O budismo é realmente maravilhoso pois nos dá a completa liberdade para
conduzirmos nossa vida sem medo de ser feliz.

Kogake — E além de tudo estamos vivendo uma época de ouro, junto ao nosso mestre
da vida. Em gratidão a isso deveríamos nos dedicar ao Kossen-rufu sem medir esforços,
deixando de lado problemas de menor importância. Mas como somos mortais “muito”
comuns (risos), desperdiçamos inúmeras oportunidades de viver uma vida feliz e de
plena satisfação e ainda de ter uma morte serena e tranqüila.

Margarida — É verdade. Desperdiçamos também tempo para recitarmos Daimoku, que


possui um poder extraordinário. O presidente Ikeda diz que mesmo uma pessoa que
passou por grandes sofrimentos devido a um mau carma pode experimentar um estado
de paz como um sonho, como se estivesse brincando em um jardim florido. O som de
nossa voz recitando Daimoku ressoa por todo o Universo e envolve também a vida dos
falecidos num ambiente tranqüilo, como uma música suave e pétalas de flores
esvoaçantes. Por isso acredito que a conclusão de nosso diálogo é a de que devemos
viver cada um de nossos dias como se fosse o último. Nosso mestre disse: “Cada dia de
vida é um acontecimento novo, precioso e único de toda uma existência. Aqueles que
não se lançam a metas nem aos desafios, que só fazem o que sabem fazer, são incapazes
de criar sua própria história. Se cada dia, cada desafio for recebido com espírito
esperançoso e sincero, isso resultará em sua própria esplêndida vitória.”

Adriana — Gostaria também de mencionar algumas palavras do presidente Ikeda. Ele


nos diz: “O importante é a profundidade com a qual vivemos, a força do pensamento
que manifestamos. Uma pessoa com esse estado de vida profundo é capaz de fazer cada
dia valer dez dias ou ainda um mês. Em um ano ela pode criar o valor de dez, ou ainda
de cem anos. Essa é a verdadeira medida da duração da vida de uma pessoa. Ela não é
definida simplesmente com bases superficiais de duração do tempo. Tenho conduzido
minha vida empenhando-me com essa consciência. Estou determinado a continuar
agindo dessa forma. Portanto, não importando o que aconteça, nada tenho a temer.
Posso suportar tudo com tranqüilidade e com espírito do rei-leão.” Se o mestre tem esse
espírito, então eu, como discípula, quero procurar viver também dessa forma.

Kogake — Entendemos que tudo depende da própria pessoa no tocante a como encarar
a morte, mas para que possamos ter uma morte tranqüila e renascer logo, é importante
que cumpramos em vida a promessa que fizemos de renascer neste mundo e conduzir as
pessoas à felicidade, que é a ação do bodhisattva. Uma vida dedicada a esse propósito
certamente atingirá a iluminação. É isso que o budismo ensina, que o mestre ensina e é
esse o caminho que quero seguir.

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