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TEATRO

Arco, tarco ou verva?


Paixão e alegria de um barbeiro caipira

Musical de

Rogério Viana

Curitiba – Paraná
Fevereiro de 2005/Fevereiro de 2007
DIREITOS RESERVADOS (C)

Rogério Otávio Basílio Viana

RG 13.376.801 – SSPSP
CPF 033.859229-68

Alameda Princesa Izabel, 43 – apto. 302


São Francisco – Curitiba – PR
80410-110

Fones 41 8803 7626 – 3203-8647 – 3205 4988

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Para

Vera Maria Carvalho

Marcela Viana Franzol

Cecílio Elias Neto

Aos meus pais – Elzeário Santos Viana e Yolanda Basílio Viana,


minhas irmãs Vera Lúcia, Ana Maria, Izabel Christina e Gisela
Maura; meus filhos Séfora, Juliana e Rafael Viana.

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Salão de Barbeiro antigo

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Personagens

Veneno, palhaço-caipira e cantor

Elias, barbeiro, poeta e cantor

Dorfinho, locutor do arto-falante e cantor

Cróvis, comerciante, agióta e cantor

Zurmira/Dalila, donzela, carola, fuxiquera e cantora.

Cornélio Pires, contador de causos, poeta e cantor

Mocinha, donzela e cantora

Inezinha, donzela e cantora

Zé do Fole(ou Adelaide), sanfoneiro(a) e cantor(a)

Curió, violeiro e cantor

Passarinho, violonista e cantor

Músicos: bateria, percussão, baixo, violão (Passarinho), viola


(Curió), flauta (cantor/cantora) e acordeon (Zé do
Fole/Adelaide), uma cantora e um cantor no coral

“Quem canta, seus males espanta”

Ditado Popular

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Sinopse

Ambiente de circo mambembe-caipira. Numa pequena vila perdida


no interior brasileiro, vive um barbeiro de nome Elias. Ele é
apaixonado por Mocinha, uma das donzelas do lugar. Seu rival é
Cróvis, o dono da venda e agiota. Elias tem como aliados o amigo
Dorfinho, dono do serviço de alto-falante do lugar. A paixão de
Dorfinho é Inezinha, outra donzela, amiga de Mocinha.

Cróvis tem uma aliada, Zurmira (Dalila), uma solteirona, carola e


fuxiqueira que quer casar com um homem de posses.

Em pouco tempo a cidade vai organizar sua tradicional festa junina.


Nesta ocasião costumam se apresentar na pracinha vários artistas,
alguns convidados e as pessoas do lugar. Nestas apresentações há
cantoria, declamações de poesias, piadas e causos engraçados ou
tristes são contados.

Para conquistar Mocinha, Elias pede ajuda para treinar algumas


músicas e para aprender a escrever alguns versinhos, quadras,
poesias. Apresentando-se bem, poderá conquistar sua amada.
Cróvis contra-ataca, mostrando-se disposto a conquistar Mocinha
com presentinhos, jóias.

A história do amor e paixão de Elias, o barbeiro, é contada por


Veneno, palhaço de um circo mambembe, marido de Dalila, que
sempre se instala por aquelas bandas. Veneno recebe a visita de
Cornélio Pires, escritor, contador de causos e o incentivador das
primeiras gravações de música caipira no País.

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PRIMEIRO ATO

Cenário: Num circo-mambembe-caipira. Ambiente estilizado de uma


pequena cidade caipira do interior brasileiro. No lado esquerdo do palco,
espaço de um salão de barbeiro, com a tradicional cadeira do barbeiro.
Ao centro, um banco de praça. No lado direito, o balcão de uma vendinha.
No fundo, um praticável, onde ficarão os músicos e cantores. O fundo do
palco traz um pano pintado, mostrando em perspectiva, o desenho de
uma ruazinha, suas casinhas e um coreto.

CENA I
Veneno
(O som de um chorinho, na flauta e violão, é o TEMA DO VENENO. Veneno entra caminhando
devagar olhando para os lados do palco e um foco de luz o acompanha e na medida em que
ele caminha, as luzes do palco são acesas. Ele pára no centro do palco, ao lado do banco.).

Veneno

Bás noite.
Que pratéia mais das boa, que pratéia maraviósa!
Agardeço a presencia de todo oceis.

Meu nome é Osvardo.


Osvardo Moreira, seu criado.
Não escuito mais as pessoa me chamá
Nem de Osvardo, nem Osvardinho
Assim, falando com carinho
Muito tempo já se passô.

Despois que nasci pros


Espetáculo, os teatro,
As moda e as cantoria
Eu ganhei um apelido
De verdadeira serventia
Que escuito de noite, de dia

Se quisé me chamá
Dereito, pra eu dá só atenção
Chame pelo premero nome
Nome verdadeiro, de coração
É só chamá pelo Veneno
Que a todos arresponderei
Com carinho e afeição

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Pois sou Veneno no nome
Mais sem veneno no
Meu simprório coração

Alguns me chama tamém de paiaço


Pois paiaço é o que eu sô
Paiaço caipira, que sempre amô
Estas terra, estas barranca de rio
Onde tanta mágoa se afogô

Sou paiaço e sou caipira


Tudo isto é o que sô
Mais óia pra minha cara
Pois burro é que eu não sô...

Nesta noite de espetáculo


Vou contá sem destemô
Argumas estória de quem
Já se foi e de quem tamém ficô

A história que vô contá


É do Elias, barbeiro caipira,
Rapais dos mais trabaiadô
Das modas que ele gosta
Das coisas também da roça
E da Mocinha, donzela,
seu grande, verdadeiro amô...

Foi por estas banda


Que nossa estória começô
E por todo país logo se espaiô
Nóis sabe cantá a alegria,
As ventura e as desventura
De nossas vida e da
Boa moda caipira

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CENA II
Elias - Dorfinho

(Elias entra em cena e fica ao lado da cadeira de barbeiro. Dorfinho chega na barbearia.
Veneno sai de cena – TEMA MUSICAL DO ELIAS)

Elias

Bãos dia! Vá tomando assento, cumpadri Dorfinho.

Dorfinho

Hoje não vim fazê a barba, nem cortá o cabelo. Vim prosiá com ocê.
Sei que ocê anda triste, que tem argo na sua vida que tá tirando seu
sossego. Quê se assucede, cumpradri?

Elias

Tô meio perdido nos pensamento. Tô feito sombração pelas


madrugada. Tô mais desnorteado que cachorro quando cai de uma
mudança. Ocê sabe o que se passa. O coração anda apertado.
O sorriso da Mocinha mexeu mermo comigo. Tô paixonado!

Dorfinho

Óia, cumpradri. Este negócio de se paixoná é coisa mesmo doída.


Dói pra todo o lado, se esparrama a partir do coração, mas é coisa
que passa logo. Óia...é só casá que a dor logo passa, a doença
sara!
Elias

Não dá, não é assim fáci de se arresorvê. A Mocinha tamém tem


outro pretendente. Ele aveve cercano ela. O tár tamém não gosta
de mim. Intão aveve aquerendo mi aprejudicá...

Dorfinho

É mermo o tár que ocê me contô? Aquele lascrifento de um gióta,


que róba a gente até nos kilo do feijão que vende? Ele se faiz de
bonzinho, mas é mais marvado que jararaca.

Elias
Arre! É mermo o tár!

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CENA III
Zurmira – Cróvis - Veneno

(Cróvis entra pela lateral do palco e fica no balcão anotando alguma coisa numa cadernetinha,
com um lápis. Zurmira entra em cena, pelos fundos do palco. Vai em direção ao balcão da
venda. TEMA MUSICAL DO CRÓVIS/ZURMIRA)

Zurmira

Bãos dia, Cróvis.

Cróvis

Bãos dia, Zurmira! Ocê veio trazê novidade ou só veio fuxicá? Aliás,
é o que ocê mais sabe fazê. Ocê intregô o presente pra ela,
Zurmira?

Zurmira

Cráro, Cróvis qui intreguei! Ocê num mi pidiu? Intreguei mermo.


Mais ela num gostô muito do presentinho, não. Ela mi falô que era
coisa das mixa. Que ela é muié de presente mió! Eu disse que a tár
é das ladina.

Cróvis

Ocê tá de brincadêra cumigo...!!!

Zurmira

É a mais pura das verdade! Ela até mandou dizê que é pra ocê
descavocá seu dinhero e comprá coisa mió, pois ela aceita o
presentinho por prova de amizade. Mas disse que de amor num é
mermo!

Cróvis

Mas que danada mais interessêra, num é? Ansim, presenteá fica


mais difíci. Agradá, intão, nem si fala! O que faço pra agradá a
Mocinha?

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Zurmira

Mais eu inté falei pro ocê que ela num era de se acostumá com
pôca coisa... com esta mixaria. Ela é das tar que só gosta du bão e
du mió!
Se ocê quisé mermo terá que abrir as burra e comprá coisa das
boa. Só umas lembrancinha não vai agradá a tarzinha exigente.

(Veneno entra em cena. Ele fica perto dos músicos. Elias e Dorfinho continuam conversando.
Zurmira volta para os fundos do palco.)

Veneno

Vamu botá música nesta cunversa! Quem sabe ajuda os casar


paixonado! Esta moda é um ofiricimento de um coração paixonado
pra uma donzela especiar. Estica o fole, sanfoneiro! Faz o pinho
cantá, violeiro!

(Os músicos tocam MARICOTA, SAI DA CHUVA – de Marcelo Tupinambá – que é cantada por
Curió, Passarinho, Mocinha e Inezinha)

Coro:

Maricóta sai da chuva


Deixa, deixa de embromá
Maricóta, sai da chuva
Que tu vai te aconstipá
A chuva tá penêrano
Tá penêrano no ar
Maricóta, sai da chuva
Que tu vai te aconstipá.

Maricota (Mocinha)

Não tenho medo da chuva


Nem do ronco do trovão
Eu quero mêmo que chova
Pra lavá meu coração

Penéra, chuva, penéra;


Não deixa de penêrá...
E prô sê triste rocêra
Como tu anda a chorá...

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Coro:
Maricóta sai da chuva,
etc...

Maricota (Mocinha)

Não tenho medo da chuva,


etc...

Lá no céu tá fuzilano
Vejo as nuvens a se mexê
Pode sê que seja engano
Se chovê logo se vê...

Coro:
Maricóta sai da chuva,
etc...

Maricota (Mocinha)

Não tenho medo da chuva,


etc...

Óia o sór já pareceu...


Já, não chóve, nhô Vadô,
Óia o arco, lá no céu,
A trovada já passô...

Coro:
Maricóta sai da chuva,
etc...

Maricota (Mocinha)

Não tenho medo da chuva,


etc...

Cala a boca, nhô Vadô


Que essa chuva não me
móia...
Vá s'imbora, minha gente,
Que moiada eu não estô...

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CENA IV
Elias – Dorfinho – Mocinha – Inezinha - Cróvis

(Elias e Dorfinho estão em pé ao lado da cadeira de barbeiro e caminham para o centro do


palco. Mocinha e Inezinha saem do praticável dos músicos e cantores e vão para o centro do
palco e os quatros se cumprimentam, dando as mãos. TEMA DAS DONZELAS – Mocinha e
Inezinha)

Dorfinho

Bás tarde, senhoritas. Tudo bão co ceis?

Inezinha

Comigo tá tudo bão. Já com a Mocinha...

(Mocinha interrompe a fala de Inezinha)

Mocinha

Pare de brincadêra, Inezinha! O quê o Dorfinho e o Elias vão pensá


di mim? Óia, num brinque assim... ocê parece fuxiquera!

Inezinha

Tá bão, tá bão... Não foi intenção. Tô brincando co ceis.

Elias

Sei que ela tá mermo brincando. Ela gosta de brincá e de imitá as


pessoa. Vai acabá virando artista di rádio, teatro i di cinema.

Inezinha

Cê tá doido? Se meu pai ficá sabendo, vai me mandá pro convento!


Isquece disso.

Elias

Eu adoro estas moda que fica tocando no arto-falante. Ceis tamém


gosta?

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Mocinha

Pode acreditá que eu tamém gosto destas moda! Adoro todas elas
que ocê manda ponhá no arto-falante, Dorfinho. Ocê faz dedicatória
pra Inezinha, num é? Mais quem é que tá lá ponhando estas moda
pra nóis?

Dorfinho

Tem dia que fica o Curió, tem otros que fica o Passarinho. Hoje eu
deixei o Veneno mexendo nos pareio do arto-falante pra mim. Ele e
o Zé do Fole (ou Adelaide) adora uma moda tocada na sanfona! O
Zé do Fole (ou Adelaide) ôve só pra prendê mió!

(Os músicos tocam Saudades de Matão. A primeira parte com o acordeon, tocada por Zé do
Fole (ou Adelaide), que desce do praticável e segue em direção ao meio do palco. Na segunda-
parte da música, todos cantam, inclusive Elias e Dorfinho, Mocinha e Inezinha)

Saudades de Matão
(Jorge Galati, Antenógenes Silva e Raul Torres)-

-------------G--------------- D7--------------------------G
Neste mundo eu choro a dor / Por uma paixão sem fim
--------------------------D7------------------------------- G
Ninguém conhece a razão / Porque eu choro no mundo assim
-------------------------D7-------------------- G
Quando lá no céu surgir / Uma peregrina flor
G7-------------------- C--------------------- D7---------------------- G
Pois todos devem saber / Que a sorte me tirou foi uma grande dor
---------D7--------- G---------- D7----------------------- G
Lá no céu junto a Deus / Em silêncio minh’alma descansa
--------D7------------- G
E na terra, todos cantam
---------C----------------- D7---------------------G ----- G7
Eu lamento minha desventura nesta grande dor
C---- G7------- C------------------------ G7
Ninguém me diz / Que sofreu tanto assim
------------------------------------------C------------------ C7
Esta dor que me consome / Não posso viver / Quero morrer
---------------------------------F
Vou partir prá bem longe daqui
------------------------C----- G7------- C
Já que a sorte não quis / Me fazer feliz.

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Elias

Esta moda mexe cumigo. Co ceis tamém?

Dorfinho

Mexe demais da conta!

Inezinha

Ela me faz até chorá! Dá uma sodade di nem sei o quê.

Mocinha

Eu queria aprendê a escrevê ansim tão bonito. A fazê letra destas


moda. Como estas moda que o Dorfinho bota no arto-falante. Estas
letra são tão bela! Da mais pura singeleza! E eu aprecio muito!

Elias

São mermo de se apreciá. Bonita demais da conta! Até me fraqueia


o coração ouvi ocê dizê isto, Mocinha. Fico comovido com ocê.
Moça que gosta de palavras bunita.

Dorfinho

Quem sabe o Elias não escreve uns versos bem bonitos pra ocê,
Mocinha. Não é, Elias?

Elias

Ara... Sei não, Dorfinho. Sei não... ocê que mexe com as moda é
que sabe. Mais eu inté gostaria de aprendê tamém.

Inezinha

Quando ocê escrevê me dá que eu intrego pra Mocinha, sem o pai


dela sabê.

(Cróvis sai do balcão e vai se juntar aos demais no centro do palco.)

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Cróvis

A cunversa parece que tá boa. Intão vim participá! Bás tarde,


Mocinha... Pro cê tamém, Inezinha!

Mocinha

Mais nóis já tava de saída. Inté já ia, não é Inezinha?

Inezinha

Nóis já tá indo mermo. Me adiscurpa, Cróvis, mas já tá na hora de ir


pra casa. O feijão já deve tá queimano.

Dorfinho

Eita Cróvis... Ocê chega e as senhoritas vão logo simbora.

Elias

Ansim ocê espanta a friquizia deixando o barcão sem ninguém pra


atendê por lá.

(Mocinha e Inezinha saem de cena. Um ponteado de viola – CATIRA - acompanhado por


percussão, só viola e violão com discreto sapateado)

Cróvis

Oceis dois trapaiando minha vida. Inté pareci que oceis tem inveja.
Basta eu botá reparo em arguém que oceis estica o zóio gordo. Que
mardição. Num sei como fui imprestá dinhero pro cê, Dorfinho, pra
compra os pareio do arto-falante!

Dorfinho

Ocê imprestô, arrecebeu tudo de vorta. Mais ocê cobrô juro e eu


paguei tudinho, não fiquei devendo nada pro cê. Tá arecramando
do que? Te devo argum trocado?

Cróvis

Si arripindimento matasse, eu tava mortinho. E ocê, turco? Tá se


assanhando agora pra cima da Mocinha tamém?

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Elias

Falando ansim ocê parece que tem algo cum eu. Tenho nada com
ocê não, agiota de uma figa! Sarta fora! Ocê me deixa infastiado.

Cróvis

Ocê pensa que é gente, fio de mascate. Vê se inxerga! Quar muié


vai se interessá por um borra-botas como ocê? Muié gosta de home
que tem bufunfa, não dos que aveve no miserê. Nóis vamu vê quem
fica com a Mocinha, barbeiro de meia-tigela!

Dorfinho

Óia, Cróvis. Ocê não se mete com o Elias que ele é home dos bão,
não fica de futrica na vida de ninguém. Só sabe trabaiá... Agora
cumigo tá tudo acertado. Ocê emprestô a bufunfa, eu suei feito um
burro véio pra pagá e paguei tudinho. Adevorvi cada centavo. Intão
num devo favô ninhum pro cê.

Elias

Deixe este lascrifento ficá falando sozinho... Dá trela pra ele


não...Por mim tô sastifeito. Tô fora de má criação.

Cróvis

Quando eu for arcaide desta vila ocês vão vê o que é bão pra tosse!
Vô mandá tirar este arto-falante no mermo dia da posse!

Dorfinho

Vá isperando. Mais ispere deitado. Em pé vai cansá muito! Logo,


logo ocê vai sabê quar é a cor da chita!

Cróvis

Oceis fique isperto. Nada de cruzar meus caminho de novo, viu, sô?

(Uma moda de viola, no fundo. A luz vai caindo bem devagar. Os atores saem do palco. A
moda de viola continua com o sapateado, tipo catira, um desafio de batidas com os pés)

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SEGUNDO ATO

Cena I
Veneno – Cornélio Pires - Elias
(Veneno retorna para o centro do palco. Está com um pé apoiado no banco da praça. Entra
Cornélio Pires. Na medida em que Cornélio Pires vem entrando, os músicos tocam e cantam
Viola Quebrada – Mário de Andrade e Ary Kerney)

VIOLA QUEBRADA

Quando da brisa no açoite a frô da noite se acurvou


Fui s'incontrá co'a maroca, meu amor
Eu tive n'arma um choque duro
Quando ao muro já no escuro
Meu oiá andou buscando a cara dela e não achou

Minha viola gemeu


Meu coração estremeceu
Minha viola quebrou
Teu coração me deixou

Minha maroca resorveu pra gosto seu me abandonar


Pruquê os fadista nunca sabe trabaiá
Isso é besteira que das frô que bria e chera a noite inteira
Vem dispois as fruita que dá gosto de saborear

Pru causa dela eu sou rapaz muito capaz de trabaiá


Os dia inteiro e as noite inteira capinar
Eu sei carpir pruquê minh'arma tá arada e loteada
Capinada co'as foiçada dessa luz do teu oiá.

(Cornélio Pires declama os versos iniciais da CABOCLA TEREZA – Raul Torres e João
Pacífico, que é cantado por todos os músicos)

CABOCLA TEREZA

TOM : E
INTRO: ( B7 A B7 E E7 ) 2X

FALADO:
Lá do alto da montanha, numa casinha bem estranha, toda feita de sapê
Parei uma noite o cavalo prá mor de dois estalos, que eu lá dentro vi batê.
Apeei com muito jeito, vi um gemido perfeito, e uma voz cheia de dó:
- Vancê Tereza, descansa, jurei de fazê vingança, pra mode de meu amor.
Pela réstia da janela, por uma luzinha amarela, dum lampião apagando.
Vi uma cabocla no chão, e um cabra tinha na mão
Uma arma alumiando.Virei meu cavalo a galope, risquei de espora e chicote

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Sangrei a anca do talo, desci a montanha abaixo, galopando o meu macho
Seu dotô eu fui chamá. Vortemo lá prá montanha, naquela casinha estranha
Eu e mais seu dotô, topemo um cabra assustado, que chamando nóis prum
lado
A sua história contô :

E A E B7
HÁ TEMPO FIZ UM RANCHINHO / PRÁ MINHA CABOCLA MORAR
A B7 A B7 E
POIS ERA ALI NOSSO NINHO / BEM LONGE DESTE LUGAR
A E B7
NO ALTO LÁ DA MONTANHA / PERTO DA LUZ DO LUAR
A B7 A B7 E
VIVI UM ANO FELIZ / SEM NUNCA ISSO ESPERAR
A E B7
E MUITO TEMPO PASSOU / PENSANDO EM SER TÃO FELIZ
A B7 A B7 E
MAS A TEREZA, DOUTOR , / FELICIDADE NÃO QUIS
A E B7
OS MEUS SONHOS NESSE OLHAR / PAGUEI CARO MEU AMOR
A B7 A B7 E
PRÁ MODE DOUTRO CABOCLO / MEU RANCHO ELA ABANDONOU
A E B7
SENTI MEU SANGUE FERVER / JUREI A TEREZA MATAR
A B7 A B7 E
O MEU ALAZÃO ARRIEI / E ELA FUI PROCURAR
A E B7
AGORA , JÁ ME VINGUEI / É ESTE O FIM DE UM AMOR
A B7 A B7 E
ESSA CABOCLA MATEI / É A MINHA HISTÓRIA DOUTOR.

Veneno

Estas moda de tanto sentimento, que traz tristes e boas lembrança,


são história reais verdadeira, de nossos cantadores, de poetas, de
gente sem fingimento. Argumas moda são de deixá quarqué um
paixonado, pensativo, com o coração só parpitando!

Mais paixão só é boa mermo se for correspondida. Estas moda que


nóis vai cantá tem que dá inspiração pra quem seu amor não
consegui decrará!

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(Um ponteado de viola vai marcando os versos de Veneno e Cornélio Pires)

Cornélio Pires

Bás tarde, cumpradri Veneno!


Quanto tempo nós não se via
Ocê ainda tava sortero
Querendo arrumá compania

Veneno

O sinhô seja bem vindo


Arreceba os meu cumprimento
Me dê logo um forte abraço
Do amigo sem acanhamento

Cornélio Pires

Vez ou outra eu sô alembrado


Inda agorinha alguém me chamô
Vim de longe, mas vim rapidinho
Pra atendê quem de mim se alembrô

Vim de longe atendê um pedido


De um home bão e paixonado
O nome dele é Elias
Um barbeiro muito esforçado

Veneno

Que boas falas, mestre Cornélio


Assim se fala quando se tem fervô
Neste canto de tanto trabáio
Precisa de frores e de muito amô

Cornélio Pires

Ele nem sabe que eu vinha


Pra atendê um pedido especiá
Inda agora eu quero sabê
Por quem ele foi se paixoná

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Veneno

Vamu fazê uma surpresa pro tar


Que tá se sentindo em desamparo
O senhor chega e nada fala
Pra depois eu deixá tudo craro

Cornélio Pires

Intão vamu pra lá...

Cena II
(Veneno e Cornélio Pires vão se juntar com Elias. Uma música de fundo é tocada, solo de
viola, um violão e a sanfona, bem baixinho)

Veneno

A naváia tá bem afiada, cumpadri Elias?

Elias

Bãos dia, amigo Veneno. Veio tamém proseá?

Veneno

Óia... vim não! Vim pra ocê fazê mia barbicha. E truxe comigo o
cumpadri Tietê, que veio me avisitá. Ele tamém vai querê que ocê
apare, bem aparadinho, o cabelo dele.

Elias

Muito bão. Intão seja bem vindo, sinhô Tietê. Areceba meus mió
cumprimento, de todo o meu coração.

Cornélio Pires

Fico feliz de sê bem arecebido com gentileza e boa educação. A


arte da amizade só traz alegria e boas recordação.

Elias

Quem vai se assentá primero? Começo com o sinhô Tietê?

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Veneno

Eu vô primero, apois tenho que tratá dumas questão no arto-falante


com o Dorfinho. Inquanto ocê faz mia barbicha, o cumpadri Tietê
capricha nuns causo pra nóis.

(Veneno senta na cadeira do barbeiro, Elias coloca um pano branco em volta do pescoço dele,
ajeita uma espuma branca com um pincel e aplica no rosto dele. Começa a afiar a navalha
cenográfica. Cornélio Pires fica em pé, observando)

Elias

Vô cortá como sempre? Qué ajeitá o bigodinho tamém?

Veneno

Cumpadri Elias, use a naváia mais véia. É da minha preferença. As


mais nova não tem a merma serventia, nem a merma experiença.

Cornélio Pires

Ocês conhece a história do ricaço da capitar que foi visitá um


caboclinho lá pras banda de Sartinho?

Veneno

De Sartinho? Cunheço não!

Cornélio Pires

Intão, o tár do Adirço Berdoégas chegou na casa do nhô Calixto e


viu que tinha argumas image pregada na parede do ranchinho.
Oiô, oiô, muito interessado. Inquanto ia oiando, preguntava:
Esta muié, quem é, nhô Calixto? É mia muié! Arrespondia ele.

Apontando otra image. E esta ôtra, quem qui é? Ah... esta é meu
subrinho, lá de Sumpaulo..., falava nhô Calixto.

E este outro no retratinho? Este é o afiado do meu ermão,


arrespondia ele. É o Tiãozinho, lá de Pinhár.

Oiando mais, o Adirço viu uma image de um burro pregada na


parede do ranchinho e foi logo preguntando:

I esti quem qui é?

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Tirando o guspe do pito, nhô Calixto, disse com a maió cara de
inocenti: Ué, é um ispêio!

(Elias para de cortar a barba, para ouvir o final da piada e dar risada)

Veneno

Êta caboclinho isperto!

Elias

O sinhô gosta de contá causos?

Cornélio Pires

Gosto, sim! Ocê sabe algum pra me contá?

Elias

Eu gosto mais é de ouvi, mas conheço arguns.

Veneno

Conte ôtro, cumpadri!

Cornélio Pires

O caipirinha Tunico, lá das barrancas do Capivari, arresorveu abri


seu coração aguniado pro cumpadri Firmino Carvaio.

Chegô e disse: O sinhô tem que me ajudá. Inda onti mermo eu ia


passando pelo cafezá quando vi os pé tudinho aflorescido. Fui logo
vendo a Berzinha vestida de noiva. Ela gosta di mim tamém. Mais
tem pobrema. O pai dela, o nhô Belinazo é ermão de mia mãe.

Nhô Firmino botô reparo: Tunico, ocê já falô com o pai dela, o seu
tio?

Acho que vou percisá de sua ajuda, nhô Firmino. Fale com o pai
dela. Me dá uma ajuda pra eu arresorvê este pobrema. E lá se foi o
nhô Firmino falar com o nhô Belinazo. E se picou...

Firmino Carvaio chegou pro Nhô Belinazo e sapecou: o que o sinhô


acha do seu subrinho Tunico?

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Rapaiz dos bão, trabaiadô, não fica de trelelê... Num bebe, não
fuma e nem joga baraio. É um santo rapaiz. Dos bão, arrespondeu
Nhô Belinazo.

Intão é um belo corte de marido para sua fia, a Berzinha...

Deuzolivre! Arrespondeu Nhô Belinazo. Prifiro vê ela morta a se


casá com o tárzinho.

Mais como? Si o rapaiz é dos bão!!!

Ocê sabe, nhô Firmino. Casá primo-ermão é pobrema.

Tem pobrema não, nhô Belinazo! Disse Firmino Carvaio.


Nas antiga, nossos parenti tudo se casava com primas. E tamos
todos vivos por aqui!

Até que eu sei. Mas casá gente mia com a parentaia, num quero e
num aceito.

Porquê? Preguntou Firmino Carvaio.

Arre – arespondeu nhô Belinazo – os fio nasce tudo narfabeto!

(Cornélio Pires, Elias e Veneno repetem juntos e caem na risada)

Nar...fa...be...to!!! Nar...fa...be...to!!!

Veneno

(virando-se para a platéia, com a mão em concha, como se confidenciasse, faz um aparte)

Narfabeto como a mãe de arguns que nóis conhece muito bem!!!

(Depois dos risos, Elias limpa o rosto de Veneno com uma toalha)

Elias

Acabei di acabá...Cumpadri Veneno, ocê quer o quê na barba?


Arco, tarco ou verva?

Veneno

Taque tarco só. O arco dá gastura ni mim, pele fica vermeiada e a


verva a Dalila não apreceia muito.

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Elias

Vô ponhá um tarquinho nocê


Pra te deixá bem cheirosinho
Ocê dá um beijo na Dalila
E ela te dá mais uns beijinho

Veneno

Ocê sabe versejá, Elias? Fez este na hora?

Elias

Tô querendo aprendê mió. Quem sabe si eu aprendê a versejá eu


conquiste o coração da Mocinha. Mais tenho que aprendê com
quem sabe ensiná.

Cena III
Elias – Cornélio Pires – Veneno - Dorfinho
(Chega na barbearia, Dorfinho)
Dorfinho

Ocê por aqui, Veneno? Quem que tá no arto-falante?

Veneno

Deixei o Curió e o Passarinho por lá. Tá tudo bão.


Se aproxegue, Dorfinho. Ocê conhece o cumpadri Pires, lá de
Tietê?

Dorfinho

Pires? O sinhô é o famoso Pires, lá das banda deTietê mermo?

Cornélio Pires

Sim, sô sim... Ocê é ...

Dorfinho

Eu sô filho do Dorfão, o que tinha uma serraria pelos lados do


Riachão.

25
Elias

Intão... o sinhô será...


O sinhô será conhecido do meu pai, tamém, craro! Meu pai é o
Tufi, que trabaiô como mascate pelas bandas de Piracicaba, Tietê...
Ele sempre contava causos, causos que inté eu me alembro.

Veneno

Elias, o cumpadri Cornélio Pires não só conhece o seu pai, como é


mesmo seu cumpradri. Ele é cumpadri do Tufi de verdade.
Ele é seu padrinho, Elias. E veio aqui pra te ajudá a conquistá a tár
da Mocinha...

Ocê nem discunfiava, não é mermo? Alembre, sempre: quem tem


padrinho não morre pagão.

(Elias e Cornélio Pires se abraçam. Todos os músicos e os personagens em cena cantam


TRISTEZA DO JECA – Angelino de Oliveira. A luz vai diminuindo até apagar, enquanto isto, em
cena aberta, é preparado o cenário para o terceiro ato)

Tristeza do Jeca
D G D A7
Nestes versos tão singelos / Minha bela,
D G D A7
Meu amor / Pra você quero cantar o meu sofrer
D D7 G D
E a minha dor / Eu sou que nem o sabiá
B7 Em A7
Quando canta é só tristeza / Desde galho
D
onde ele está
A7 D
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
A7 D
Cada toada representa uma saudade (bis)

D G D A7 D
Eu nasci naquela serra / Num ranchinho beira-chão
G D A7 D D7
Todo cheio de buraco / Onde a lua faz clarão
G D B7 Em
Quando chega a madrugada / Lá no mato a passarada
A7 D
Principia um barulhão (refrão)

D G D
Vou parar com a minha viola

26
A7 D
Já não posso mais cantar
G D A7 D D7
Pois o jeca quando canta tem vontade de chorar
G D B7 Em
O choro que vai caindo/ Devagar vai se sumindo
A7 D
Como as águas vão por mar ( refrão )

27
TERCEIRO ATO

Cena I
Veneno – Zurmira (Dalila) – Inezinha – Elias – Dorfinho – Cróvis - Mocinha
(O cenário ganha bandeirinhas coloridas de festa junina. Todos os personagens estão no
centro do palco. Pedestais antigos com microfones serão colocados em linha, na frente do
palco. Os músicos tocam as tradicionais canções juninas)

Veneno

Hoje é dia de festança aqui no arraiá do cumpadri Cornélio Pires,


nosso cunvidado especiá. Muita gente vai chegá, muita gente pra
cantá. Muita festa e cantoria para a tristeza espantá.

Agora vou chama a Dalila para comigo cantá. Vem cá meu amor...
Vamos cantá a bela e paixonada moda dos caipirinhas querido lá do
grandioso Paraná, nossos querido amigo Nhô Belarmino e Nhá
Gabriela...

(Dalila/Zurmira se aproxima de Veneno para cantar MOCINHAS DA CIDADE – Nhô Belarmino


e Nhá Gabriela, acompanhado por Zé do Fole.)

Mocinhas da Cidade
Tom: C
C G7 C
As mocinhas da cidade, são bonita e dançam bem
C G7 C C7
As mocinhas da cidade, são bonita e dançam bem
F G G7 C C7
Dancei uma vez com uma moreninha e já fiquei querendo bem
F G G7 C
Dancei uma vez com uma moreninha e já fiquei querendo bem
C G7 C
E o sol já vai entrando, e as saudades vem atrás
C G7 C C7
E o sol já vai entrando, e as saudades vem atrás
F G G7 C C7
Vou buscar aquela linda moreninha para mim viver em paz
F G G7 C C7
Vou buscar aquela linda moreninha para mim viver em paz

C G7 C
Fui na casa da morena, pedir água pra beber
C G7 C C7
Fui na casa da morena, pedir água pra beber
F G G7 C C7
Não é sede não é nada moreninha eu vim aqui para te ver
F G G7 C C7
Não é sede não é nada moreninha eu vim aqui para te ver
C G7 C

28
Embora o teu pai não queira, que eu me case com você
C G7 C C7
Embora o teu pai não queira, que eu me case com você
F G G7 C C7
Mas depois de nóis casado moreninha ele vai me compreender
F G G7 C
Mas depois de nóis casado moreninha ele vai me compreender

Veneno

Agora vamu vê uma artista aqui do arraiá. Inezinha mostre pra nóis
tudo o que ocê sabe cantá, imitando um bêbo...

(Inezinha canta, imitando um bêbado, a MODA DA PINGA de Ochelsis Laureano e Raul


Torres)

Moda da pinga
Co'a marvada pinga é que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dô meus taio
Pego no copo e dali num saio
Ali mesmo eu bebo, ali mesmo eu caio
Só pra carregá é queu dô trabaio, oi lá!

Venho da cidade, já venho cantando


Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicando
Chifrando os barranco, venho cambeteando
E no lugar que eu caio já fico roncando, oi lá!

O marido me disse, ele me falô


Largue de bebê, peço pro favor
Prosa de home nunca dei valor
Bebo com o sor quente pra esfriá o calô
E bebo de noite que é pra fazer suadô, oi lá!

Cada vez que eu caio, caio deferente


Me arço pra trás e caio pra frente
Caio devagar, caio derepente
Vou de currupio, vou deretamente
Mas sendo de pinga eu caio contente, oi lá!

Pego o garrafão é já balanceio


Que é pra mor de vê se tá mesmo cheio
Num bebo de vez por que acho feio
No primeiro gorpe chego inté no meio
No segundo trago é que eu desvazeio, oi lá!

Eu bebo da pinga porque gosto dela


Eu bebo da branca, bebo da amarela
Bebo no copo, bebo na tigela
Bebo temperada com cravo e canela

29
Seja quarqué tempo vai pinga na goela, oi lá!

Eu fui numa festa no rio Tietê


Eu lá fui chegando no amanhecê
Já me deram pinga pra mim bebê
Já me deram pinga pra mim bebê, tava sem fervê

Eu bebi demais e fiquei mamada


Eu cai no chão e fiquei deitada
Aí eu fui pra casa de braços dado
Ai de braço dado ai com dois sordado
Ai, muito obrigado!

Veneno

Agora o Elias e o Dorfinho vão cantá uma moda especiá, desta que
é pra todo mundo cantá. Uma moda das boa, de fazê o pinho chorar
e o coração se apaixoná...

(Elias e Dorfinho cantam RIO DE LÁGRIMAS – Tião Carreio, Piraci e Lourival Santos)

Rio de lágrimas
O rio de Piracicaba
Vai jogar água pra fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora

Lá no bairro onde eu moro


Só existe uma nascente
A nascente dos meus olhos
Já brotou água corrente
Pertinho da minha casa
Já formou uma lagoa
Com lágrimas dos meus olhos
Por causa de uma pessoa

O rio de Piracicaba
Vai jogar água pra fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora

Eu quero apanhar uma rosa


Minha mão já não alcança
Eu choro desesperado
Igualzinho a uma criança
Duvido alguém que não chore
Pela dor de uma saudade
Eu quero ver quem não chora
Quando ama de verdade

O rio de Piracicaba

30
Vai jogar água pra fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora

Elias

Esta moda ofereço pra Mocinha, como prova da minha distinta


consideração. Sapeca na sanfona, Zé do Fole!

(Elias canta, com vocal de todos, Chuá, chuá, de Pedro Sá Pereira e Ary Pavão)

Chuá, chuá
Deixa a cidade formosa morena
Linda pequena e volta ao sertão
Beber da água da fonte que canta
E se levanta do meio do chão
Se tu nasceste cabocla cheirosa
Cheirando a rosa, no peito da terra
Volta pra vida serena da roça
Daquela palhoça no alto da serra

E a fonte a cantar, chuá, chuá


E as água a correr, chuê, chuê
Parece que alguém que cheio de mágoa
Deixaste quem há de dizer a saudade
No meio das águas rolando também

A lua branca de luz prateada


Faz a jornada no alto do céu
Como se fosse uma sombra altaneira
Na cachoeira fazendo escarcéu

Quando essa luz na altura distante


Loira ofegante no poente a cair
Dai essa trova que o pinho dissera
Que eu volto pra serra que eu quero partir

E a fonte a cantar, chuá, chuá


E as água a correr, chuê, chuê
Parece que alguém que cheio de mágoa
Deixaste quem há de dizer a saudade
No meio das águas rolando também

Veneno

Não vamos deixá nenhuma lágrima mais rolá. Neste dia de muita
alegria, os caipirinha fica todo inspirado e qué pra todos mostrá
como é tão bem educado. Educação com as coisa da vida, educado
pra mais de metro. Intão nóis não vai deixá mais ninguém queto!

31
(Todos cantam MORENINHA LINDA, de Tonico, Priminho e Maninho)

MORENINHA LINDA

G D7
Meu coração tá pisado
G
Com a flor que murcha e cai
C D7
Pisado pelo desprezo
G
De um amor quando desfaz
C D7
Deixando triste a lembrança

G
Adeus para nunca mais
D7 G
Moreninha linda do meu bem querer
D7 G D7 G D7 G
É triste a saudade longe de você
D7 G
O amor nasce sozinho não é preciso plantar
C D7 G
A paixão nasce no peito, farsidade no olhar
C D7 G
Você nasceu para outro, eu nasci pra te amar
D7 G
Moreninha linda do meu bem querer
D7 G D7 G D7 G
É triste a saudade longe de você
D7
Eu tenho meu canarinho
G
que canta, quando me vê
C D7 G
Eu canto por ter tristeza, canário por padecer
C D7 G
Da saudade da floresta, e eu saudade de você

(em seguida, emendam, CABELO LOIRO – de...)

CABELO LOIRO

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro

32
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

D
Estou na sombra da noite
C
Pensando na luz do dia
D7
O dia inteiro penso estar
D
À noite em sua companhia

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

D C
Você disse que bala mata, bala não mata ninguém
D7 D
a bala que mais me mata é o desprezo do meu bem

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

D C
casa de pobre é ranchinho, casa de rico é de telha
D7 D
se ter amor fosse crime minha casa era cadeia

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

D
Quanto mais tu me despreza
C
A dor no meu peito inflama
D7
Quem eu quero não me quer

33
D
E quem eu quero não me ama

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

D
Beija flor que beija a rosa
C
Se despede do jardim
D7
Assim fez o meu amor
D
Quando despediu de mim

D C
Cabelo loiro vai lá em casa passear
G
Vai, vai cabelo loiro
D7 G
Vai cabar de me matar (2x)

Veneno

Eita que moda das boa!!! Agora é hora de dançá. Vamo formá os
casar. Sapequem umas moda das boa pra gente dançá!

(Zurmira/Dalila junta-se a Elias. Dorfinho, se ajeita com Inezinha. Uma das cantoras vai dançar
com Cornélio Pires. Cróvis vai conversar com Mocinha. A música é tocada bem baixo)

Cróvis

Intão, ocê gosta de cantar tamém? Pois eu num sabia. Se gosta


mermo vou comprá uma vitrola pra lhe presenteá.

Mocinha

Carece não, Cróvis. Ocê não tem motivo pra me dá presente!

Cróvis

Motivo maior eu tenho. Ocê si disfarça...

34
Mocinha

Craro que não, Cróvis. Eu num priciso mi disfarçá nada.

Cróvis

Do que ocê gosta? Diz intão...

Mocinha

Óia... presente bão mermo vem direto do coração. São palavra, são
poesia, são moda, são alegria, são verso feito com a voz do
coração, do sentimento.

Cróvis

Mais ocê num gosta...Num...

Mocinha

Óia Cróvis, eu gosto de palavra bunita. Iscreve argo pra mim. Vô vê


se ocê tem sentimento. Nóis se fala despois, tá bão?

(Zurmira pára de dançar com Elias e vai conversar com Cróvis. Elias pega uma cadernetinha e
escreve nela)

Zurmira

Ocê gostô de falá com a Mocinha? Nem foi me tirá pra dançá.

Cróvis

Óia, Zurmira. A Mocinha nem falô nada sobre os presente que


mandei ocê intregá pra ela.

Zurmira

Mais ocê é mesmo muito dos burro! Num se fala sobre presente
que se dá. Espera ela puxá conversa. Depois ocê fala. Num fale
nada antis dela querê conversá com ocê.

(Elias escreve mais no caderninho. Cróvis vai para o balcão e também pega uma cadernetinha
e escreve. Elias chama Veneno)

Elias

Cumpadri Veneno. Entregue este correio elegante pra mim.

35
(Veneno pega o papel e pega outros papéis com Dorfinho, Inezinha, Zurmira e Cróvis. E
começa a anunciar no microfone a entrega do correio elegante, chamando cada destinatário
para pegar o papel com ele)

Veneno

Inquanto os músico refresca a guéla, nóis vamu adistribuí os correio


elegante. Já tem muitos aqui pra ser intregui.

Vamos vê quem é o primeiro...

Ah... este é pro ... é pra... mim mermo.

Como eu sô besta... esta é a conta da venda do Cróvis pra eu


pagá...

Não me isqueci, Cróvis... Amanhã ocê mi alembra.

Ah... este agora é pra.... pro Elias.

Desta vez o correio chegô para ... Inezinha!

Será que tem argo para ... sim... agora é pra Mocinha.
E tem mais uma, duas, são três pra Mocinha.

(Mocinha pega os papéis e faz sinal para Inezinha conversar com ela. Ficam no lado da
barbearia)

Veneno

Tem outro pro Elias... E tem um pro Cróvis.

Tem um agora pro Dorfinho. Quanta gente paixonada!

Será que é tudo bietinho de amor?

(Mocinha conversa com Inezinha)

Mocinha

Óia só quantos bilhetinhos eu arrecebi! E só tem quadrinhas e


poesia!

36
Nossa! Acho que foi o Cróvis! Eu falei pra ele iscrevê pra mim. Só
pode sê ele mermo. Num acredito que ele iscreveu isto. Mas é tudo
verso bonito!

Inezinha

Será que foi ele mermo? Óia que não pode sê! Logo ele... Sei não...

Veneno

Inquanto as pessoa tá lendo os bietinho, um pouco mais de moda e


causos pro oceis.

Cumpadri Cornélio Pires, se aproxegue pra nóis contá uns causo.

(Cornélio Pires se aproxima e os dois contam, juntos, dois casos engraçados de caipiras)

Cornélio Pires

Ocê alembra do causo dos surdinhos, Veneno?

Veneno

Cráro que mi alembro... É só começá...

Cornélio Pires

Uma família de caipirinhas, lá das beiras de Rio das Pedras, foram


pagá uma promessa em Bom Jesus de Pirapora.
Todos muito trabaiadô, mais muito surdos. Surdinhos, como só...
Chegaro e se instalaro na pensão do povoado.

Na manhã siguinte, ao se levantar, Nhô Sirvo, o pai, chegô na porta


e foi cumprimentado pelo dono da pensão.

Veneno

Bãos dias... Como passaram a noite? Dormiro bem?

Cornélio Pires

Nhô Sirvo fechô a porta do quarto e gritô para Nhá Tiana...

Muié, nem bem cheguemo e o home já tá cobrano nóis...

37
Zurmira (Dalila)

Puis se fô gordo compre, home

(gritando)

Ô Rosicrér, seu pai vai comprá um porco, bem gordo...

Cornélio Pires

Toda feliz, a Rosicrér gritou para o irmão:

Inezinha

ô Cardinho, ô Cardinho... o pai falô pra mãe que vai aranjá uma
noiva procê, inda hoje...

Cornelio Pires

O Cardinho arrespondeu de pronto:

Veneno

Que bão, que bão... se ela fô mansa de arreio e não tivé o queixo
duro, se fô certa de boca, pode comprá que eu vô montá nela assim
que chegá...
Cornélio Pires

Dois caipirinha, do Córgo das Onça, se aventuram pra conhecê


Campinas, uma bela cidade...

Descero da jardinera e foram a pé para o comércio. A cidade


pogressista, toda em obra. Alguns trechos os tomóvi não podia
passá.

Nhô Cerinha, narfabeto de pai e di mãe, mais ladino que ele só,
aprovocô o cumpadri Gerardo:

Veneno

Intão, ocê disse que sabe lê... pois diga o que a práca tá dizendo.

38
Cornélio Pires

Geraldo, que malemá conhecia as letra não se fez de rogado e


começô a soletrá:

Veneno

Pê com ô com rê.... por... Vi com i... por ri, por, poriivido...

Sim prorivido... Pê com á, pá... Sá com á Sá.... Pass.. passa..


Passá....
Vê com i... cu... Ah... Veícu. Intão...
Porivido passá veícu. Intão... a práca diz que é
Porivido passá veícu.

Cornélio Pires

Bem... veícu... é quem é véio? Ou é quem tem veia?

Veneno

Véio nóis num é... mais nóis tem veia. Intão... não podemo passá...

Cornélio Pires

Vortêmo?

Veneno

Vortêmo, cumpradri!

(Mocinha vai para o lado da vendinha, dobra os papéis, coloca numa bolsinha e vai conversar
com Cróvis, que fica meio sem jeito)

Mocinha

Inezinha vou logo falá com o Cróvis. Intão tenho que conferi si os
verso são mermo dele, apois... Depois eu conto pro cê.
Inezinha

Vai chegá ansim na cara dura?


Mocinha

Óia Cróvis. Num imaginei que ocê fosse me presenteá com aquelas
jóia! São pérola, verdadeiras pérola.

39
Cróvis

Pérola? Ah... os rubi... as jóia... É mermo pedra preciosa. Que bão


que ocê reconhece que tenho bão coração. Mais... ocê nunca falava
nada comigo...

Mocinha

Tudo tem a hora certa pra gente falá. Mais ocê me mandô estas
jóias que vão ficá guardada aqui comigo nesta borsinha...

Nem vô mostrá pra ninguém ficá com inveja.

Cróvis

Bem se ocê dá tanto valor pros meu presentinho... Fico sastifeito e


animado pra mandá mais pro cê. Mais ocê demorô para reconhecê
o valô dos meus presentinho...

Mocinha

Hoje é o dia de falá com ocê. Gostei muito de tudo que ocê me
mandô. São lindos presente para o meu coração. Estou discubrindo
que ocê é deferente. Eu gosto muito deste presente, oh Cróvis...

Cróvis

Muito bão... ansim vô mandá mais uns presentinhos pra ocê.


Que bão!

(Mocinha vai ao encontro de Inezinha)

Mocinha

Viu só... ? Fui agardecê ele pelos belos presentes. Ele inté ficou
meio perdido, meio tímido...Acho que ele num esperava eu
arespondê assim tão direto.

Inezinha

Ocê falou dos versinhos? E o que ele falô? Ele aconfirmô que
escreveu os versinho pro cê?

40
Mocinha

Cráro! Falei destas belezuras que ele me mandou. Talveiz ele num
seja um home ruim, marvado como falam. Pode ser que ele seja
tímido e não goste de se amostrá... Mais aconfirmô tudinho, sim.

Inezinha

Mais será mermo? Óia... é difíci de acreditá ele iscrevê versinho pro
cê. Mais, milagre de Santo Antonho acontece...

Mocinha

Intão... ele inté falô que vai me mandá mais presentinho. Vô esperá

Inezinha

Ocê me mostra tudo despois?

Mocinha

Mostro sim... Ocê é minha mió amiga. Mas fiquei feliz com os
versinho do Cróvis. Ele chama os versinho de presentinho!
Presentinho bem delicado, num é Inezinha? Eu chamo de pérolas,
as quadrinhas e ele disse que é tudo rubi... Que lindo!

(Curió e Passarinho cantam Você Vai Gostar – de Elpídio dos Santos e Flor do Cafezal – Luiz
Carlos Paraná – Todos fazem o coral)

Você Vai Gostar (Casinha Branca)

Tom: Am

Am
Fiz uma casinha branca
A7
Lá no pé da serra
E7
Pra nós dois morar
Fica perto da barranca
Am
Do Rio Paraná
A paisagem é uma beleza

A7
Eu tenho certeza
Dm

41
Você vai gostar
Fiz uma capela
Am E7
Bem do lado da janela
A
Pra nós dois rezar
Quando for dia de festa
E
Você veste o seu vestido de algodão
Quebro meu chapéu na testa
A
Para arrematar as coisas do leilão
A7 D
Satisfeito eu vou levar
C#7
Você de braço dado
F#
Atrás da procissão
D A
Vou com meu terno riscado
F#7 B7 E7 A
Uma flor do lado e meu chapéu na mão

Flor do Cafezal
Tom: D
Introd A7 D
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
A D A D
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
A D A D
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
A G D
Era florada, lindo véu de branca renda
A7 D
Se estendeu sobre a fazenda, igual a um manto nupcial
A G D
E de mãos dadas fomos juntos pela estrada
A7 D
Toda branca e pefumada, fina flor do cafezal
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
A D A D
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
A D A D

42
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
A G D
Passa-se a noite vem o sol ardente bruto
A7 D
Morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor
A G D
Passa-se o tempo em que a vida é todo encanto
A7 D
Morre o amor e nasce o pranto, fruto amargo de uma dor
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
A7 D
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Introdução

(Veneno conversa com Cornélio Pires)

Veneno

Cumpadri Cornélio Pires... acho que chegô a hora de nóis começá o


concurso de versinho, de poesia e cantoria... Vamo vê se nosso
aluno aprendeu dereitinho as lição...

Cornélio Pires

Ocê vai fazê como?

Veneno

Aqui, nas nossas festa nóis anuncia e as pessoa logo faz fila pra
vim decramá. Ispere só. Mais vô pedi, desta vez, que ocê faça a
apresentação das decramação.

Cornélio Pires

Intão é só começa!
(Veneno vai até o microfone)

Veneno

Atenção pessoar! Vai começá o concurso das decramação. Quem


já tivé seu versinhos, faz uma fila aqui do lado. Quem fará a
presentação é o cumpadri Cornélio Pires. Palmas pra ele!

43
(O primeiro da fila é Dorfinho)
Cornélio Pires

Vamu começá com o cumpadri Dorfinho. Este rapaz que gosta de


moda das boa e de fazê versinho. Palma pra ele que é o mais
corajoso do arraiá. A arrecebe meu incentivo e louvô.

Dorfinho

Estas quadrinhas eu fiz pra alguém que estimo muito. E ela já deve
sabê. Vai pro cê, intão.

Na curva daquela estrada


Tinha uma planta formosa
Paixão de minha namorada
Que só gostava de rosa

A vida só tem um caminho


o destino a gente escolhe
se voas, é um passarinho
se pousas, a flor te acolhe

Eu chorava de dá pena
Minhas lágrima caia no chão
Agora que ela gosta de mim
Não mais dói meu coração

Cornélio Pires

Palmas pro Dorfinho! Um viva pra ele! Agora é a vez da nossa


Inezinha, a artista do arraiá. Palmas para ela.

Inezinha

Muito brigada. Agora vou decramá uns versos que eu adoro.

Foi num baile de São João


Que descobri o meu amor
Ele andava com tanta dor
Dor demais no coração

44
Tanta pena eu sentia
Mas nada eu podia fazê
Se ele nada me pedia
Como eu podia sabê

Ele veio dançá comigo


Parecia não acreditá
Depois do ombro amigo
Só me faltou foi chorá

Agora que ele já sabe


Quanto nóis dois se gosta
É amor a palavra que cabe
Intão aceito sua proposta

Cornélio Pires

Palmas pra Inezinha!

Veneno

Inté me alembrei de uma moda... Vamos todos cantá...

(Todos cantam – CABECINHA NO OMBRO – de Paulo Borges)

Cabecinha No Ombro
Tom: A

A E7 A A7
Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora
D A
E conta logo a tua mágoa toda para mim
E7 D A
Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora,
E7
que não vai embora
A
que não vai embora
E7 D A
Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora,
E7
que não vai embora
A A7

45
porque gosta de mim

D A E7 A
Amor, eu quero o teu carinho, porque eu vivo tão sozinho
Bm D A
Não sei se a saudade fica ou se ela vai embora,
E7 A
se ela vai embora,se ela vai embora
Bm D A
Não sei se a saudade fica ou se ela vai embora,
E7 A
se ela vai embora,porque gosta de mim

(Dorfinho se aproxima de Inezinha)

Dorfinho

Ocê qué casá comigo, Inezinha?

Inezinha

Agora não, Dorfinho, tenho que pedi a bença do meu paizinho.


Mais nóis se casa na festa do Padroeiro, no dia de São Bastião.

(Dorfinho vai e abraça Inezinha. Todos aplaudem)

Cuitelinho--Paulo Vanzolin e Xandó "Folclore Paulista"

Tom: G
G
Cheguei na beira do porto
D
Onde as ondas se espáia
G
As garça dá meia volta
D
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
G DCDG
Que o botão de rosa caia, ai, ai, ai
G
Aí quando eu vim de minha terra
D
Despedi da parentaia
G

46
Eu entrei no Mato Grosso
D
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
G DCDG
Enfrentei fortes bataia, ai, ai, ai
G
A tua saudade corta
D
Como aço de navaia
G
O coração fica aflito
D
Bate uma, a outra faia
Os óio se enche d`água
G DCDG
Que até a vista se atrapaia, ai, ai, ai

Cornélio Pires

Esta festa está me trazendo surpresa e alegria pro meu coração.


Cada moda mais bonita!
Viva o casar de pombinho, que se paixonô na festa de São João.
Viva todos os cantadô!

Vamos agorinha arecebê outro corajoso decramadô. Com oceis,


Elias, meu afiado de verdade, filho de um grande amigo meu lá das
beradas do Piracicaba.

Elias

Eu nunca pensei que fosse fazê poesia. Mais coração a gente não
controla. Os verso vão parecendo quando a gente menos ispera.

Fiz uns versos, são capenga, mais são feito com tanta emoção. Fiz
pra quem eu tamém amo, com toda força do meu coração.

Tenho que lê, pois num sei decorá dereito.


Premero uns versos, que meu padrinho inspirô:

Ai, seu moço, eu só quiria,


Pra minha filicidade,
Um bão fandango por dia
E um pala de qualidade

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Pórva, espingarda e cutia,
Um facão fala-verdade,
E uma viola de harmunia,
Pra mata minha sodade.

Um rancho da bêra d´água


Vara de anzó, pôca mágua,
Pinga boa e bão café

Fumo forte de sobejo;


Pra cumpretá meu desejo,
Cavalo bão e muié

(todos batem palmas. Os versos lidos por Elias são de Cornélio Pires e do poeta Emiliano
Perneta – A uma desconhecida- do livro Ilusão e Outros Poemas – páginas 150/160)

Elias

Cumpretando minha decramação, uns versos que eu mermo copiei,


de palavras tão difíci de lê e intendê, mais o padrinho disse que era
coisa das boa, de um livro lá do Paraná.

Tua beleza é como essa estação que passa,


Cujo encanto fugaz inda brilha e palpita,
Cheio de frutos bons, leve de aroma e graça,
De um aroma ideal, de uma graça esquisita

(enquanto Elias está lendo, Mocinha abre a bolsa e pega os papéis e acompanha cada verso)

Ainda ao tronco gentil o desejo entrelaça


As rosas do prazer e a doçura infinita;
Quanto, porém, a luz vai se tornando escassa...
Quanta folha caiu dessa árvore bendita!

Em te vendo passar, ó doce fim de outono,


Fechando na estamenha escura do abandono,
Como zéfiro fala ao ouvido da rosa!

(Mocinha se impacienta ao ouvir os versos lidos por Elias)

Ah, pudesse eu falar-te, um dia, voluptuosa,


Sem palavras, assim como uma sobra estranha,

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Como zéfiro fala ao ouvido da rosa!

Cornélio Pires

Bravo! Bravíssimo! Que bela página poética!


Meu afilhado estava inspirado ao colhê versos de tão boa lavra!
Intão cite o autor, meu caro Elias.

(Mocinha se antecipa com os papéis na mão se aproxima de Elias, contrariada)

Mocinha

Que coisa mais feia!


Ocê copiô os verso do Cróvis.
Ele me mandô os mermo verso que ocê!
Coisa mais das feia, ficá robando os verso dos outro!

Elias

Ara... num copiei nada do Cróvis...


Eu mi isqueci de dizê que é uns verso do Emiliano Perneta, no
poema “A uma desconhecida”, do grande poeta paranaense, que tá
num livro que o padrinho me deu.

Aliás, ele me deu vários livro pra eu estudá.


Intão foi o Cróvis que cupiô di mim ou foi do mermo livro.

(Cróvis se aproxima de Elias e Mocinha)

Cróvis

Eu num cupiei foi nada. Nem lê dereito eu sei. Só sei anotá


mercadoria e os preço. Fazê contas é o que mais sei.

Mocinha

Mais eu disse procê me escrevê poesia e ocê me mandou estes


versos que tão na minha mão. E ocê me disse que...

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Cróvis

Óia...Ocê me disse que gostô das jóias que eu mandei. Intão, eu


cunfirmei que havia mandado integrá uns presentes pro cê. Mais
num mandei verso ninhum!

Ocê que confundiu toda minha cabeça... Ocê veio falando em


beleza, alegria no coração... Jóias, pérolas...Pensei que ocê falava
nos presente que mandei a Zurmira integrá pro cê.

Mocinha

Mais num ganhei presente ninhum da Zurmira. Falando na tár, cadê


ocê, muié? Que confusão ocê armô!

(Zurmira tenta se afastar e sair de cena, mas volta e enfrenta a situação, exibindo o anel e a
pulseira)

Cróvis

Zurmira, sua mardita, sua marvada, sua arcovitera! O que ocê fez
com meus presente, que mandei ocê integrar pra Mocinha? Ocê me
inganô, dizendo que tinha intregue os presentinho pra Mocinha.

Zurmira

Ocê num mandô eu integrá nadica de nada. Ocê me deu este anér
e esta purseira como prova do seu amor por mim, se isqueceu,
gióta de uma figa?
Agora tá sartando fora do nosso cumpromisso de noivado?
Ocê me deu as jóia para me alegrá e casá com ocê!

Cróvis

Fui inganado por todos oceis. Passaram a perna ni mim. Estou todo
esfolado com os gorpe! Me estriparo todo, tô todo estrupiado! Me
tiraro o côro! Gente marvada!

(Inezinha se aproxima de Mocinha)


Inezinha

Eu bem que falei que o Cróvis num sabia nem iscrevê dereito... Eu
avisei, ocê ficou toda animada com os versos...

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Intão, quem mandô foi o Elias, não o Cróvis.
Ocê desfaça o malentendido e peça descurpa pro Elias que deve tá
ofendido com a confusão que ocê criou.

(Inezinha pega Elias pela mão e o traz para perto de Mocinha)

Elias

Mocinha, ocê me descurpa a confusão, mais eu imaginei que ocê ia


reconhecê minha letra de carrerinha, que eu treino todo dia pra
iscrevê uma carta de amor pro cê.

Mocinha

Ocê não tem discurpa pra pedi. Foi tudo farta de atenção. Agora
que eu descobri que ocê é um home dos bão, que merece todo meu
respeito e consideração.

Mais, da próxima vez, coloque o seu nome escrito de carreirinha,


numa letra bem bonitinha...

Elias

Eu não quero o már de ninguém. Só queria aprendê a iscrevê pra


agradá a pessoa do meu doce querê.

Intão, assim tudo expricado não vou deixar ninguém magoado.


Eu quero namora com ocê, dona Mocinha e aproveito a festa de
São João pra pedir a sua mão.

Ocê qué casá comigo?

Mocinha

Se eu quero? É a coisa que mais quero e se ocê quisé nóis se casa


hoje mermo, ocê já tem um padrinho e o meu vai ser o Dorfinho.

(Todos batem palmas e os músicos começam a tocar músicas de quadrilha. Enquanto a dança
começa, Mocinha e Elias saem de cena. Veneno segue todos. Mocinha veste um vestido de
noiva caipira, Elias veste um paletó apertadinho e põe um chapéu de palha na cabeça. Veneno
veste roupa de padre. Todos voltam para dançar o final da quadrilha, fazem o túnel, e a
festança acaba com o casamento caipira).

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Veneno / padre

É de livre vontade ocês se casarem? Ocê, sinhô Elias da Sirva


Abrahão, aceita se casá com dona Mocinha, digo, dona Eugênia
Felomena da Cruz? E ocê, dona Eugênia Felomena da Cruz, aceita
se casá com Elias da Sirva Abrahão?

Mocinha

Sim, cráro que quero mi casá com o Elias.

Elias

Eu tamém quero mi casá com a Mocinha. Sim, eu quero!

Veneno

Como disseram que sim, estão os dois agora casados.

Viva a noiva! Viva o noivo! Viva São João!

Viva o povo caipira! Viva tudo que nos inspira!

Um viva pra viola, pra sanfora e pro violão!

Um viva pra nóis tudo, tudo caipirinha dos bão!

(Os noivos se abraçam e se beijam. A quadrilha continua. Todos formam uma fila e vão saindo
do palco, enquanto a luz vai se apagando).

FIM

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