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NACIONAIS NA EUROPA
Anne-Marie Thiesse
RESUMO
Aborda a concepção moderna da nação como resultado da
junção de um princípio político - universal e abstrato - e uma
determinação cultural - singular e concreta -, e a elaboração
do modelo de construção das identidades nacionais, no século
XIX. Destaca a dificuldade de considerar novos fundamentos
para a organização política sem ter por base uma comunidade
cultural e, nesse sentido, a relação entre o político e o cultural
permanece como um dos pontos cruciais da reflexão sobre o
nacional, inclusive na perspectiva de sua superação no global.
Palavras-chave: nação – política - cultura
ABSTRACT
The origins of the modern idea of nation and national identity
in the 19th century reveal the conjunction of a political
principle – universal and abstract – and a cultural
determination – singular and concret. In the absence of a
cultural community difficulties will arise to consider new
fundaments for the political organization. In this sense, the
relationships between the political and cultural remain as one
of the crucial aspects in the analysis of the national sphere,
even in the perspective of its suppression by the global.
Key words: nation – politics - culture
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povo e rechaçou a divisão da sociedade em estamentos distintos. A Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada no início da Revolução francesa (26 de
agosto de 1789) enuncia de forma efetiva esta definição política da nação:
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intelectuais e escritores participaram, de maneira patriótica, na elaboração dos
patrimônios culturais nacionais cujo conhecimento e culto foram difundidos de forma
progressiva entre a população.
1
Cf.: GELLNER, Ernst. Nations et Nationalismes. Paris: Payot, 1989 (ed. original: Oxford, 1983).
2
Ver: LÖFGREN, Orvar. The Nationalization of Culture. In? National Cultere as Process Ethnologica
Europea XIX, 1, 1989.
3
Ver: ANDERSON, Benedict. Imagined Communauties. London: Verso, 1983.
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Foi no século XIX que se elaborou, em sua essência, o modelo transnacional de
construção de identidades nacionais, a partir da recomposição e reorganização dos
elementos culturais pré-existentes e de seu enriquecimento através de novas criações. E,
efetivamente, foi em uma escala transnacional que este trabalho gigantesco se realizou,
por uma série de intercâmbios, observações cruzadas, transferências de idéias e de
conhecimentos entre os vários “edificadores” de cultura nacional.
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o uso da nova língua. O “despertar nacional” na maioria dos países eslavos, ou na
Finlândia, foi ligado, dessa maneira, a uma enorme empreitada de reconstrução
lingüística, de produção de obras literárias na nova língua e de fundação de associações
tendo por objetivo financiar e sustentar a impressão de livros e periódicos com o
objetivo de criar um público. Saraus literários e peças de teatro também exerceram,
freqüentemente, um papel importante na elaboração da versão oral da nova língua. A
difusão, no conjunto da população, entretanto, efetuou-se apenas lentamente, pela
instalação de um sistema de educação nacional, pela migração do campo rumo às
cidades e pelos meios de comunicação de massa.
Histórias nacionais
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século XIX em 17 nações européias. Como indicaram nesta ocasião os historiadores
Etienne François e Hagen Schulze:
Não é apenas a concepção da nação que é comum a toda a Europa, mas, também,
sua representação. De fato, os contatos entre eruditos, escritores e artistas engajados na
construção cultural das identidades nacionais, bem como a transferência de idéias e
conhecimentos, são constantes. A observação crítica das iniciativas realizadas aqui ou
ali, a emulação e imitação dos êxitos estão no centro da produção da identidade. Os
intelectuais franceses, aliás, incessantemente lamentam que sua nação esteja atrasada
neste campo; enumerando os avanços ingleses, alemães, russos ou espanhóis,
consideram lamentável que sua nação não ocupe neste campo a primeira posição e
lançam insistentes apelos aos poderes públicos. Entretanto, é principalmente a seus
concidadãos (em especial, certamente, quando a construção da nação precede seu
reconhecimento como Estado) que os militantes endereçam suas exortações.
4
FRANÇOIS, Etienne & SCHULZE, Hagen. Das emotionale Fundament der Nationen. Dans Mythen der
Nationen, ein eurpäisches Panorama. Catálogo da exposição de mesmo nome, do Deutsches Historisches
Museum, 1998, p. 20.
5
Cf.: POULOT, Dominique. Musée, Nation, Patrimoine, 1789-1815. Paris: NRF-Gallimard, 1997.
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dans l'ancienne France, 6 ricamente ilustradas com litografias, produz um vasto resumo
de monumentos históricos e indica, também, quais são os conhecimentos e o olhar a
serem dirigidos a estas edificações. E, em 1831, aparece em Paris um romance histórico
cuja heroína epônima é uma catedral. Nele, o autor ministra um curso de arquitetura e
história nacionais, antes de lançar um apelo à ação e à pedagogia patrimoniais:
“Conservemos os monumentos nacionais. Inspiremos na nação, se for possível, o amor
à arquitetura nacional”. É interessante notar que, no mesmo ano, o erudito Sulpiz
Boisserée tenha publicado seu Domwerk à glória da catedral de Colônia e tenha sido
constituída uma Associação para a conclusão da catedral renana, tornada metáfora da
nação alemã. Efetivamente, em todas as nações européias começa então a formação de
um suntuoso conjunto de monumentos históricos, patriótica e abundantemente
restaurados no século XIX, para tornarem-se mais autênticos, isto é, mais próximos de
suas representações. Por fim, a progressiva definição da arquitetura nacional acaba
fornecendo, também, as referências para a realização de novas edificações.
A natureza nacional
Hoje em dia é bem simples evocar uma nação através de uma paisagem: a
publicidade, os cartazes turísticos o fazem regularmente. 7 Se a leitura é geralmente
imediata e sem ambigüidade, é porque uma codificação da natureza em termos
nacionais foi traçada no último século. O trabalho de elaboração da paisagem nacional é
obra coletiva, conduzida igualmente por poetas e romancistas como por pintores.
Estabelecem, entre os recursos naturais e segundo uma estética coerente, as visões
plenas de sentido e portadoras de sentimento. Mas, para representar a nação, como
escolher entre montanha e planície, mar, lago ou rio, floresta e charneca, sabendo que
todos os países possuem uma gama tão extensa de possibilidades? Com freqüência é só
um princípio de diferenciação que está colocado. Para marcar uma tomada de distância
radical com a Áustria e seus cumes alpinos, pintores e escritores húngaros exaltam a
paisagem, a priori ingrata, da Grande Planície (a Puszta). A Suíça, em contrapartida,
cujo território é pequeno em comparação ao de seus extensos vizinhos, é ilustrada por
6
TAYLOR, Isidore; NODIER, Charles & CAILLEUX, Alphonse de. Voyages pittoresques et
romantiques dans l’ancienne France. Paris: Didot, 1820-1878, 21 t. Pintores como Géricault, Vernet,
Ingres e Daguerre, ou cenográfos foram solicitados para a iconografia dos monumentos.
7
A determinação de uma paisagem como representação de uma nação explica porque o Ministério do
Patrimônio Cultural italiano tenha, há alguns anos, protestado contra a utilização de paisagens da Toscana
numa campanha publicitária de automóveis de marca sueca.
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cumes prodigiosos e cintilantes. A paisagem nacional norueguesa assume a forma do
fiorde de neve imaculada, cuja brancura e verticalidade contrastam com as verdes
pastagens do antigo dominador dinamarquês e as não menos verdes florestas do novo
dominador sueco. Uma paisagem nacional freqüentemente é associada a uma estação
(os países mediterrâneos são pouco representados no inverno; os do Norte são pintados
principalmente no outono ou inverno). A determinação de uma vegetação nacional
precisa a estereotipa (pinheiros finlandeses, eucaliptos russos, carvalhos alemães,
ciprestes italianos). A paisagem nacional francesa é mais complexa, porquanto aparece
essencialmente sob a forma de um conjunto de paisagens regionais bastante diversas.
Verdadeiramente a França é um grande berço de formação de pintores europeus e
algumas de suas paisagens (floresta de Fontainebleau, costa da Bretanha e, mais tarde, a
costa mediterrânea) serviram de matrizes para a constituição das paisagens nacionais de
outros países. Mas é também no decorrer do século XIX que se põe em prática uma
concepção da especificidade francesa fundada sobre a variedade de recursos naturais do
país. A representação da França como síntese excepcional da diversidade do continente,
resumo ideal da Europa, torna-se, sob a Terceira República, um topos universitário e
político. Aliás, ela tem um corolário: a França, aliança harmoniosa de contrastes é, por
excelência, terreno da moderação. O que, em matéria paisagística, exprime-se por um
vale ligeiramente ondulante, uma aldeia à distância, inteiramente sob um céu sereno
mas sem claridade esmagadora. Será esta a paisagem escolhida para o célebre cartaz do
candidato socialista François Miterrand na eleição presidencial de 1981, intitulado “A
Força Tranqüila”.
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social. A partir das coleções de costumes pitorescos, alfaiates e costureiras podem
elaborar modelos para uma rica clientela. Entre as nações em construção, o uso desse
tipo de costume “nacional” pode fazer figura de manifesto político, na ocasião, por
exemplo, de “bailes patrióticos”, que são organizados na Europa central e oriental. A
burguesia urbana e até mesmo o campesinato abastado, o adotam progressivamente,
principalmente num contexto festivo. O mais original desses costumes nacionais, o kilt
escocês, foi objeto de uma intensa promoção para a qual Walter Scott contribuiu: 8 a
própria família real inglesa acabou por usá-lo, nas ocasiões de sua estadia em
Balmoral. 9
8
Sobre a criação do kilt e a codificação dos tártaros, ver: TREVOR-ROPER, Hugh. The Invention of
Tradition: The Highland Tradition of Scotland. In: HOBSBAWM, Eric J. & RANGER, Terence (dir). The
Invention of Tradition. Cambridge: Cambrigde University Press, 1983 (já traduzido e publicado no Brasil
pela Editora Paz e Terra).
9
É em 1842 que a rainha Vitória, descendente da dinastia Hannover, e seu marido, o príncipe Albert,
nascido Saxe-Cobourg-Gotha, se apoderam do domínio de Balmoral. O casal real, que insiste em que a
decoração do castelo neo-gótico seja em estilo escocês, igualmente toma lições de dança escocesa.
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A primeira Exposição Internacional foi inaugurada em Londres no ano de 1851.
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1889. As capitais européias são rapidamente dotadas de museus nacionais de etnografia.
Oslo (1894) e Praga (1895) são igualmente deles dotadas antes de qualquer
reconhecimento estatal das nações norueguesa e tchecoslovaca. Nesse mesmo tempo
são fundadas as sociedades nacionais de etnografia, com suas revistas que publicam
instruções de coleta e explicam ao público cultivado porque e como se interessar pela
cultura popular numa perspectiva patriótica.
No momento em que termina o século XIX, a maioria das nações européias são
dotadas de identidades e de culturas bem estabelecidas. Os grandes ancestrais são
identificados, a língua nacional estabelecida, a história nacional escrita e ilustrada, a
paisagem nacional descrita e pintada. As grandes músicas nacionais, que em certos
casos se apresentam como ilustrações sinfônicas da história e da paisagem nacional
foram compostas (por exemplo, o conjunto Ma Vlat – Meu País – de Smetana ou
Finlandia de Sibelius). Os grandes monumentos históricos já estão inventariados e
restaurados, as literaturas nacionais em plena atividade e providas de uma história. O
folclore é coletado e museografado. As produções simbólicas e materiais das épocas
pré-nacionais foram alvo de uma nacionalização retroativa. A representação identitária
nacional começa a entrar na era da cultura de massa. Sobretudo, os processos de
constituição de uma identidade nacional são daí em diante bem constituídos, o que
permite às nações emergentes suprir rapidamente seu atraso. E o modelo europeu de
identidades nacionais começa a ser exportado para fora da Europa.
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chama Organização das Nações Unidas e os movimentos de descolonização do segundo
pós-guerra tiveram que se apresentar como Frentes de Libertação Nacional. A
dificuldade de constituição de culturas nacionais comuns nos Estados saídos da
descolonização resulta aliás, provavelmente, menos da heterogeneidade cultural inicial
das populações reunidas (heterogeneidade muito presente na Europa pré-nacional, e
ainda mais entre as nações de imigração como o Brasil) que de um contexto geopolítico
e limitando fortemente a realização de um projeto político nacional democrático.
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