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A Declaração de Independência dos Estados Unidos é considerada na

atualidade como um documento de alta importância, não só por ter sido à base de
formação para um país como também por ter influenciado outras nações que emergiram
dos tumultuados anos que se seguiram tanto à Segunda Guerra quanto ao fim da Guerra
Fria.

Porém, como todo o texto considerado histórico, a Declaração é cercada de


uma mítica própria de documentos antigos, escritos por indivíduos aclamados e em
momentos de grande comoção ou expectativa, ou seja, quando se mistura o real e o
imaginário; o que de fato ocorreu e o que se desejou que tivesse acontecido. E é nesse
exato ponto que o livro “A Declaração de Independência dos Estados Unidos, de
Stephanie Schwartz Driver”, abordará com sua narrativa sobre os passos da construção
de tal texto revelando ao leitor as nuances da História.

Stephanie inicia com um contexto histórico precedente a formulação do


documento, expondo de maneira direta os acontecimentos que levaram, de uma forma
ou de outra, a emergência da consciência americana quanto a sua situação colonial e seu
possível futuro.

A autora aborda a Declaração como um texto que de início teve a função


imediata de instigar o público americano a questionar os exageros e abusos da Coroa
Britânica por parte do Rei Jaime III 1, quando não havia mais espaço para um acerto
entre as partes, no tocante a como vingaria a relação colonial, sobrando apenas a idéia
de independência. Para tal, de acordo com o livro, usou-se “... uma obra prima de prosa
escrita e é lembrada tanto por sua importância histórica quanto por seu hábil uso da
retórica.” 2

Ainda nesse espectro, Driver expõe uma longa descrição dos autores do texto
oficial, contrastando com a idéia de que Thomas Jefferson foi seu único criador,

1
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 45 e 54-57.
2
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 43.

1
colocando como discordaram entre si, ao contrário da crença geral de que tal documento
tivesse sido feito em meio a uma aura de verdade e revelação.

Muitos dos envolvidos ainda não estavam diretamente comprometidos com o


conceito de ruptura com a Metrópole, a qual viam como uma “mãe” e ainda rendiam
respeito. A propósito, o livro deixa claro que durante as batalhas que se seguiram à
Declaração, o povo não estava completamente consciente, apesar de o intuito da
Declaração ser este, dos objetivos pelos quais estavam se sacrificando. Tanto, que após
a independência ser alcançada, o documento ficaria esquecido por quase cem anos,
sendo retomado durante a guerra de 1812 e por Abraham Lincoln, constantemente,
durante sua vida política.

Outro ponto interessante a ser considerado. O impacto da Declaração na


sociedade americana e no mundo, durante e depois da guerra de independência
americana.

Antes vale ressaltar o que a autora explica no livro. De que a data real do
documento seria em 2 de agosto de 1776, ao contrário do popular 4 de julho do mesmo
ano. Isso se deve ao fato de a declaração somente ter sido declarada unânime em 19 de
julho e ser assinada de fato pelo presidente do Congresso, John Hancock e os outros
delegados em agosto. O 4 de julho seria a data da primeira impressão feita para
divulgação das idéias, estas ainda não totalmente aceitas pelos dignitários de cada
estado americano. Driver coloca que mesmo assim, a data 4 de julho acabou por ser
imbuída da emoção da construção e passou a ser tida como data oficial (apesar de
demorar longos anos até que todos os estados da federação a incluísse em seus
calendários locais oficiais).

Feita a Declaração, essa passou a ser divulgada de todas as formas possíveis.


O livro destaca desde a leitura em voz alta nas frentes de combates e nas principais
cidades como a divulgação tanto para a Inglaterra quanto para outros países europeus.
Nesse momento, critica-se o real impacto do documento nas opiniões tanto nacionais
quanto internacionais. De imediato, Stephanie mostra que a aceitação não fora total.

2
Isso porque muitos não tinham o preparo para tal ação, que rompesse com o senso
comum e a tradição. Nos Estados Unidos, muitos cidadãos lutaram por causas próprias e
noções locais de liberdade diferindo do que a Declaração explicitava. Outros eram
contrários, mas acabaram por aceitar o documento resignadamente.

No exterior, apesar de aceitarem as intenções americanas, as nações não


estavam de total acordo com o texto, pois ele dava embasamento para questionamentos
de poder e até princípios revolucionários ao expor que um governo deveria ser
constituído por pessoas escolhidas pelo povo, para trabalhar para o povo e caso não o
fizesse, seriam removidas do poder pelo mesmo, idéia esta, claramente influenciada
pelo Iluminismo. Isso gerou certo impacto na Europa, pois “... Os liberais europeus da
época (na França ou nos estados alemães, por exemplo) não buscavam destituir os
3
monarcas, mas sim garantir direitos individuais dentro do sistema vigente.”
Interessando-se mais por documentos práticos como uma constituição.

Apesar dessa situação, a autora ressalta que para a Europa, as ações militares
dos colonos americanos durante a guerra, foram mais importantes para estimular uma
ajuda européia à causa americana do que o texto oficial de independência.

Essa radicalidade da Declaração fez alguns países ficarem em situação


sensível. Outros, porém utilizaram de partes do texto para compor suas próprias
declarações. O Japão do século XIX onde “... A Declaração de Independência exerceu
grande influência entre grupos radicais e mesmo políticos experientes...” 4 e o Vietnã do
século XX, “... quando Ho Chi Minh a incluiu em sua própria declaração de
independência para o povo vietnamita, em 2 de setembro de 1945,...” 5·, foram
exemplos dessa influência, ao usarem a linguagem dinâmica e emotiva do documento
americano para seus propósitos.

3
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 79.
4
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 82.
5
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 84.

3
Driver trabalha com certos contrastes tanto da Declaração com a
Constituição, quanto da Declaração consigo mesma. Na primeira, a autora reflete sobre
como a proposta de independência ficava em ideais e projetos, mas tudo no campo do
imaginário e intelectual, útil antes e durante a guerra, mas pouco prático no pós.
Enquanto a Carta tinha um compromisso com a estruturação de uma nação, o que
passou a importar mais nos anos diretamente após o fim do conflito independentista.

Apesar do vocabulário e das idéias e ideais à frente do seu tempo, Thomas


Jefferson refletiu influências de sua época no documento. Schwartz expõe que ao
colocar “... que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de
certos Direitos inalienáveis...” 6 abriu-se nas gerações futuras ao texto um amplo debate
sobre o termo homens e seu significado no documento.

Após a sua formulação e ainda mais no século XIX, viria à discussão sobre a
escravidão, que ia diretamente contra as idéias da Declaração e acabava por macular sua
imagem como uma ode à liberdade, autodeterminação e respeito de um povo. Ela seria
utilizada tanto para os abolicionistas, Lincoln entre eles, quanto para os que defendiam
o regime escravocrata. Driver cita tanto o caso do navio Amistad quanto o de Dred
Scott para ilustrar ambos os lados respectivamente desse debate.

Essa lacuna seria utilizada por vários movimentos sociais, o feminismo do


século XIX com Elizabeth Cady Stanton e os grupos negros, sendo o Dr. Martin Luther
King Jr um de seus expoentes, por reformas político-sociais nos Estados Unidos do
século XX.

Por fim, o livro A Declaração de Independência dos Estados Unidos parte da


premissa de desmistificar acontecimentos que rodearam o preparo, a divulgação e a
consolidação desse importante documento assim como os indivíduos que participaram
dele. Quase que totalmente, esse objetivo é alcançado escorregando apenas em um
momento ou outro por parte da autora ao usar de certos tons patrióticos em sua narrativa
afastando-se assim, um pouco da objetividade esperada. Se salva, no entanto, ao mostrar
que apesar de ser um documento imutável por sua limitação física, no campo dos

6
DRIVER, S.Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. RJ: Jorge Zahar Editor,
2006. p. 53

4
debates e das idéias, ainda invoca temas que estarão longe de serem completamente e
perfeitamente interpretados e finalizados.

Bibliografia:

DRIVER, S. Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006

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