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IPH UFRGS

Agosto 2008
Versão

6
Introduzindo hidrologia

WALTER COLLISCHONN – IPH UFRGS


RUTINÉIA TASSI – IPH UFRGS
Capa: Andreas Collischonn
Ilustrações: Fernando Dornelles
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

1
Introdução
O conceito de Hidrologia o estudo da Hidrologia nas Engenharias.

H idrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrênca, circulação,


distribuição espacial, suas propriedades físicas e químicas e sua relação com
o ambiente, inclusive com os seres vivos. A Hidrologia é o estudo da água
na superfície terrestre, no solo e no sub-solo. De uma forma simplificada
pode-se dizer que hidrologia tenta responder à pergunta: O que acontece com a água
da chuva?

A Hidrologia pode ser tanto uma ciência como um ramo da engenharia e tem muitos
aspectos em comum com a meteorologia, geologia, geografia, agronomia, engenharia
ambiental e a ecologia. A Hidrologia utiliza como base os conhecimentos de hidráulica,
física e estatística.

Existem outras ciências que também estudam o comportamento da água em diferentes


fases, como a meteorologia, a climatologia, a oceanografia, e a glaciologia. A diferença
fundamental é que a Hidrologia estuda os processos do ciclo da água em contato com
os continentes.

Hidrologia nas Engenharias


A humanidade tem se ocupado com a água como uma necessidade vital e como uma
ameaça potencial pelo menos desde o tempo em que as primeiras civilizações se
desenvolveram às margens dos rios. Primitivos engenheiros construíram canais, diques,
barragens, condutos subterrâneos e poços ao longo do rio Indus, no Paquistão, dos
rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, do Hwang Ho na China e do Nilo no Egito, há
pelo menos 5000 anos.

Enquanto a Hidrologia é a ciência que estuda a água na Terra e procura responder à


pergunta sobre o que ocorre com a água da chuva uma vez que atinge a superfície, a
Engenharia Hidrológica é a aplicação dos conhecimentos da Hidrologia para resolver
problemas relacionados aos usos da água.

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Entre os principais usos humanos da água estão: o abastecimento humano; irrigação;


dessedentação animal; geração de energia elétrica; navegação; diluição de efluentes;
pesca; recreação e paisagismo.

As preocupações com o uso da água aumentam a cada dia porque a demanda por água
cresce à medida que a população cresce e as aspirações dos indivíduos aumentam.
Estima-se que no ano 2000 o mundo todo usou duas vezes mais água do que em 1960.
Enquanto as demandas sobem, o volume de água doce na superfície da terra é
relativamente fixo. Isto faz com que certas regiões do mundo já enfrentem situações de
escassez. O Brasil é um dos países mais ricos em água, embora existam problemas
diversos.

A Engenharia Hidrológica também estuda situações em que a água não é exatamente


utilizada pelo homem, mas deve ser manejada adequadamente para minimizar
prejuízos, como no caso das inundações provocadas por chuvas intensas em áreas
urbanas ou pelas cheias dos grandes rios. Relacionados a estes temas estão os estudos
de Drenagem Urbana e de Controle de Cheias e Inundações.

A água também é importante para a manutenção dos ecossistemas existentes em rios,


lagos e ambientes marginais aos corpos d’água, como banhados e planícies
sazonalmente inundáveis. Nos últimos anos a Hidrologia e a Engenharia Hidrológica
têm se aproximado de ciências ambientais como a limnologia e a ecologia, visando
responder questões como: Qual é a quantidade de água que pode ser retirada de um rio
sem que haja impactos significativos sobre os seres vivos que habitam este rio?

É possível que no futuro a água venha a ter um papel cada vez mais importante, num
mundo em que a energia renovável vai ser fundamental: no caso de produção
(hidroelétrica, energia de ondas e marés); no caso de armazenamento (para
complementar energia de vento ou solar); e no caso de produção de biocombustíveis
(irrigação).

Usos da água
Os usos da água são normalmente classificados em consuntivos e não consuntivos.
Usos consuntivos alteram substancialmente a quantidade de água disponível para
outros usuários. Usos não-consuntivos alteram pouco a quantidade de água, mas
podem alterar sua qualidade. O uso de água para a geração de energia hidrelétrica, por
exemplo, é um uso não-consuntivo, uma vez que a água é utilizada para movimentar as
turbinas de uma usina, mas sua quantidade não é alterada. Da mesma forma a
navegação é um uso não-consuntivo, porque não altera a quantidade de água
disponível no rio ou lago. Por outro lado, o uso da água para irrigação é um uso
consuntivo, porque apenas uma pequena parte da água aplicada na lavoura retorna na
forma de escoamento. A maior parte da água utilizada na irrigação volta para a

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atmosfera na forma de evapotranspiração. Esta água não está perdida para o ciclo
hidrológico global, podendo retornar na forma de precipitação em outro local do
planeta, no entanto não está mais disponível para outros usuários de água na mesma
região em que estão as lavouras irrigadas.

Os usos de água também podem ser divididos de acordo com a necessidade ou não de
retirar a água do rio ou lago para que possa ser utilizada. Alguns usos da água que
podem ser feitos sem retirar a água de um rio ou lago são a navegação, a geração de
energia hidrelétrica, a recreação e os usos paisagísticos. Alguns usos da água que exigem
a retirada de água, ainda que parte dela retorne, são o abastecimento humano e
industrial, a irrigação e a dessedentação de animais.

Os parágrafos que seguem descrevem com um pouco mais de detalhe alguns dos
principais usos de água.

Abastecimento humano
O uso da água para abastecimento humano é considerado o mais nobre, uma vez que
o homem depende da água para sua sobrevivência. A água para abastecimento humano
é utilizada diretamente como bebida, para o preparo dos alimentos, para a higiene
pessoal e para a lavagem de roupas e utensílios. No ambiente doméstico a água
também é usada para irrigar jardins, lavar veículos e para recreação.

O consumo de água em ambiente doméstico é estimado em 200 litros por habitante


por dia. Aproximadamente 80% deste consumo retorna das residências na forma de
esgoto doméstico, obviamente com uma qualidade bastante inferior. A apresenta uma
estimativa aproximada das quantidades de água em cada um dos usos domésticos.

Abastecimento industrial
O uso industrial da água está relacionado aos processos de fabricação, ao uso no
produto final, a processos de refrigeração, à produção de vapor e à limpeza. A
fabricação de diferentes produtos tem diferentes consumos de água. Assim, a indústria
de produção de papel, por exemplo, é reconhecidamente uma das que mais consomem
água.

Irrigação
A irrigação é o uso de água mais importante do mundo em termos de quantidade
utilizada. A irrigação é utilizada na agricultura para obter melhor produtividade e para
que a atividade agrícola esteja menos sujeita aos riscos climáticos. Em algumas regiões
áridas, semi-aridas, ou com uma estação seca muito longa, a irrigação é essencial para
que possa existir a agricultura. No Brasil o uso de água para irrigação vem aumentando
a cada ano.

A quantidade de água utilizada na irrigação depende das características da cultura, do


clima e dos solos de uma região, bem como das técnicas utilizadas na irrigação.

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Figura 1. 1: Proporção aproximada dos usos da água em ambiente doméstico (Clarke e King, 2005).

Navegação
A navegação é um uso não-consuntivo que pode ser bastante atrativo do ponto de
vista econômico, principalmente para cargas com baixo valor por tonelada, como
minérios e grãos. A navegação requer uma profundidade adequada do corpo d’água e
não pode ser praticada em rios com velocidade de água excessiva.

Assimilação e transporte de poluentes


Os corpos de água são utilizados para transportar e assimilar os despejos neles
lançados, como o esgoto doméstico e industrial. Mesmo em regiões em que o esgoto
doméstico e industrial é tratado, as concentrações de alguns poluentes podem ser
superiores às concentrações encontradas nos rios. Assim, utiliza-se a capacidade de
diluição dos rios e lagos para diminuir a concentração dos poluentes. Também utiliza-
se os rios para transportar os poluentes e, assim, afastá-los de onde são gerados.

A capacidade de assimilação de um corpo d’água é limitada, e quando o lançamento de


dejetos é excessivo, a qualidade de água de um rio não é mais suficiente para outros
usos, como a recreação e a preservação dos ecossistemas.

Recreação
Um uso de água não consuntivo realizado no próprio curso d’água é a recreação. Este
uso é bastante freqüente em rios com qualidade de água relativamente boa, e inclui
atividades de contato direto, como natação e esportes aquáticos como a vela e a

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canoagem. Também podem existir atividades de recreação de contato indireto, como a


pesca esportiva.

Preservação de ecossistemas
Além de todos os usos humanos mais diretos, é do interesse das sociedades que os rios
e lagos mantenham sua flora e fauna relativamente bem preservadas. A manutenção
dos ecossistemas aquáticos implica na necessidade de que uma parcela da água
permaneça no rio, e que a qualidade desta água seja suficiente para a vida aquática.

Geração de energia
A água é utilizada para a geração de energia elétrica em usinas hidrelétricas que
aproveitam a energia potencial existente quando a água passa por um desnível do
terreno. A potência de uma usina hidrelétrica é proporcional ao produto da descarga
(ou vazão) pela queda. A queda é definida pela diferença de altitude do nível da água a
montante (acima) e a jusante (abaixo) da turbina. A descarga em um rio depende das
características da bacia hidrográfica, como o clima, a geologia, os solos, a vegetação.

Em projetos de centrais hidrelétricas os estudos hidrológicos são necessários para:

• Escolha das turbinas adequadas e determinação da potência instalada.

• Análise da variação temporal da disponibilidade de energia.

• Determinação da energia garantida ou firme.

• Estimativa de vazões máximas em eventos extremos para


dimensionamento das estruturas extravasoras.

• Otimização da operação de sistemas interligados de geração elétrica


que incluem hidrelétricas e termoelétricas.

• Análise das relações entre o uso da água para geração de energia e


outros usos, como irrigação, abastecimento urbano, navegação,
preservação do meio ambiente e recreação.

No Brasil a geração de energia elétrica está fortemente ligada à hidrologia porque a


quase totalidade da energia gerada e consumida é oriunda de usinas hidrelétricas.
Considerando os dados da década de 1990, o Brasil é o terceiro maior produtor de
energia hidrelétrica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá e a frente
da China, da Rússia e da França. Entretanto, a energia hidrelétrica no Brasil
corresponde a mais de 97% do total da energia elétrica gerada, enquanto que, na maior
parte dos outros países, a energia hidrelétrica corresponde a percentuais muito menores
do total, conforme a Tabela 1. 1. Destes países apenas a Noruega apresenta uma
dependência semelhante da água no setor de energia, com 99% da energia de origem

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hidrelétrica. A dependência mundial da energia hidrelétrica é de apenas 20%, conforme


pode ser observado na última linha da tabela.

Tabela 1. 1: Os dez países maiores produtores de energia hidrelétrica do mundo e a importância relativa da hidreletricidade na energia
total produzida (Gleick, 2000).

País Capacidade Energia Hidrelétrica Percentual da energia


Instalada(MW) produzida (GW.hora/ano) total produzida (%)
Estados Unidos 74.860 296.380 10
Canadá 64.770 330.690 62
China 52.180 166.800 18
Brasil 51.100 250.000 97
Rússia 39.990 162.800 27
Noruega 26.000 112.680 99
França 23.100 65.500 15
Japão 21.170 91.300 9
Índia 20.580 72.280 25
Suécia 16.540 63.500 52
Total dos 10 países 390.290 1.611.030 22
Mundo 633.730 2.445.390 20

Mesmo em usinas termelétricas a água tem um papel fundamental e é consumida em


quantidades significativas. Neste caso a água é utilizada nos ciclos internos de
resfriamento e geração de vapor. Nos Estados Unidos as usinas termelétricas utilizam
cerca de 260 bilhões de metros cúbicos por ano, o que corresponde a 47% da
utilização total de água neste país. Deve se ressaltar, entretanto, que nem toda esta água
é consumida, e grande parte retorna aos rios. Por este motivo, também as usinas
termelétricas são construídas junto a fontes abundantes e confiáveis de água, e são
necessários estudos hidrológicos para avaliar a sua disponibilidade.

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Capítulo

2
Propriedades da água e o
ciclo hidrológico
Os conceitos fundamentais do ciclo hidrológico.

A água é uma substância com características incomuns. É a substância mais


presente na superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O
corpo humano é composto por água mais ou menos na mesma proporção. Já
um tomate é composto por mais de 90 % de água, assim como muitos outros
alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para sobreviver. A água é a
única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida, sólida e gasosa. A
mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo em que
os dinossauros habitavam o planeta, há milhões de anos atrás. A busca de vida em
outros planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água.

Propriedades físicas e químicas da água


As propriedades físicas e químicas da água são bastante incomuns e estas características
condicionam seu comportamento no meio ambiente. Entre as propriedades da água
estão sua massa específica, color específico, calor latente de fusão e vaporização,
viscosidade, propriedades moleculares e inter-moleculares. A existência da água na
Terra em todas as três fases (vapor, líquido e sólido) é um dos aspectos que torna o
planeta único.

Massa específica da água


A massa específica, ou densidade, é a massa por unidade de volume de uma substância
e o peso específico é o peso por unidade de volume. Para a massa específica
normalmente é usado o símbolo ρ, e nas unidades do SI é dada em Kg.m-3. O peso
específico é simbolizado pela letra grega γ dado em unidades de N.m-3. As duas
variáveis estão relacionadas pela segunda lei de Newton, usando a aceleração da
gravidade (g):

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γ = ρ⋅g

onde g é a aceleração da gravidade (m.s-2).

A variação do valor da massa específica da água com a temperatura é bastante


incomum, e tem um importante papel no meio ambiente. Por exemplo, a água líquida a
0oC é mais densa que o gelo. Por outro lado, quando a água líquida a 0oC é aquecida
sua densidade inicialmente aumenta até a temperatura de 3,98oC, quando a sua massa
-3
A massa específica da água a específica atinge 1000 Kg.m . A partir desta
3,98 oC é de 1000 Kg.m-3. A do temperatura a densidade da água diminui com o
gelo é de aproximadamente aumento da temperatura, como acontece com a
920 Kg.m-3. maior parte das substâncias.

A massa específica da água líquida a diferentes temperaturas pode ser estimada pela
equação abaixo (Dingman, 2002):
1, 68
ρ = 1000 − 0,019549 ⋅ T − 3,98

onde T é a temperatura em oC e ρ é a massa específica em Kg.m-3.

A presença de substâncias dissolvidas ou em suspensão na água pode alterar a sua


massa específica. Assim, a água salgada é mais densa do que a água doce, e a água com
alta concentração de sedimentos de alguns rios pode ter densidade significativamente
diferente da água limpa a mesma temperatura.

Calor específico da água


A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental
da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma
lenta. O sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia,
entretanto as variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste
aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem
as características que conhecemos.

O calor específico é a propriedade de uma substância que relaciona a variação do


conteúdo de energia à variação da sua temperatura. É definido como a quantidade de
energia absorvida ou liberada (∆H) por uma massa M de uma substância enquanto sua
temperatura aumenta ou diminui por um valor de ∆T. Cada grama de água precisa
receber cerca de uma caloria para aumentar sua temperatura em 1 oC. Em unidades do
SI o calor específico da água (cp) é de 4216 J.Kg-1.K-1. Isto significa que é necessário
fornecer 4216 Joules de energia para cada Kg de água ter sua temperatura aumentada
em 1 grau Kelvin.

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Calor latente de fusão


A quantidade de energia liberada pela água congelada a 0oC durante o processo de
fusão é denominada calor latente de fusão. O valor do calor latente de fusão da água é de,
aproximadamente, 334 KJ.Kg-1.

Calor latente de vaporização


A quantidade de energia absorvida pela água na passagem da fase líquida para a gasosa
(vapor) é o calor latente de vaporização. A temperaturas abaixo de 100 oC algumas
moléculas de água na superfície podem romper as ligações inter-moleculares com as
moléculas vizinhas e escapar do meio líquido, vaporizando-se. Assim, a vaporização
pode ocorrer a temperaturas inferiores à do ponto de ebulição. A 100 oC o calor latente
de vaporização é de 2,261 MJ.Kg-1, o que corresponde a cinco vezes mais energia do
que a necessária para aquecer a água de 0 a 100 oC.

O calor latente de vaporização decresce com o aumento da temperatura. Esta relação


pode ser aproximada pela equação abaixo:

λ = 2,501 − 0,002361 ⋅ T

onde λ é o calor latente de vaporização (MJ.Kg-1) e T é a temperatura em oC.

A grande capacidade de armazenar calor da água na forma de vapor tem um papel


importante no transporte de energia na atmosfera, das regiões mais tropicais para as
regiões mais próximas dos pólos. A liberação de energia que ocorre durante a
condensação tem um papel fundamental na formação das nuvens e no processo de
formação das chuvas.

A hidrosfera
O termo hidrosfera refere-se a toda a água do mundo, que é estimada em
aproximadamente 1,4 . 1015 metros cúbicos. Cerca de 97 % da água do mundo está nos
oceanos. Dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma de
geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares. A água doce de rios, lagos e aqüíferos
(reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total.

Em valores totais a água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos
continentes na forma de chuva é suficiente para atender todas as necessidades
humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal
e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é, de longe, o continente com a
maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge nosso continente é
altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de precipitação
enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo.

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Tabela 1. 1: A água na Terra (Gleick, 2000).

Percentual água do planeta (%) Percentual da água doce (%)


Oceanos/água salgada 97
Gelo permanente 1,7 69
Água subterrânea 0,76 30
Lagos 0,007 0,26
Umidade do solo 0,001 0,05
Água atmosférica 0,001 0,04
Banhados 0,0008 0,03
Rios 0,0002 0,006
Biota 0,0001 0,003

No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há


crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do
Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde a disponibilidade de água pode ser
considerada alta, ocorrem anos secos em que a vazão de alguns rios não é suficiente
para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação.

O ciclo hidrológico
O ciclo hidrológico é o conceito central da hidrologia. O ciclo hidrológico está
ilustrado na Figura 1. 1. A energia do sol resulta no aquecimento do ar, do solo e da
água superficial e resulta na evaporação da água e no movimento das massas de ar. O
vapor de ar é transportado pelo ar e pode condensar no ar formando nuvens. Em
circunstâncias específicas o vapor do ar condensado nas nuvens pode voltar à
superfície da Terra na forma de precipitação. A evaporação dos oceanos é a maior
fonte de vapor para a atmosfera e para a posterior precipitação, mas a evaporação de
água dos solos, dos rios e lagos e a transpiração da vegetação também contribuem. A
precipitação que atinge a superfície pode infiltrar no solo ou
A energia que escoar por sobre o solo até atingir um curso d’água. A água que
movimenta o ciclo infiltra umedece o solo, alimenta os aqüíferos e cria o fluxo de
hidrológico é água subterrânea.
fornecida pelo sol.
O ciclo hidrológico é fechado se considerado em escala global.
Em escala regional podem existir alguns sub-ciclos. Por exemplo, a água precipitada
que está escoando em um rio pode evaporar, condensar e novamente precipitar antes
de retornar ao oceano.

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Figura 1. 1: O ciclo hidrológico.

A água também sofre alterações de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo
hidrológico. A água salgada do mar é transformada em água doce pelo processo de
evaporação. A água doce que infiltra no solo dissolve os sais aí encontrados e a água
que escoa pelos rios carrega estes sais para os oceanos, bem como um grande número
de outras substâncias dissolvidas e em suspensão.

Exercícios
1) Mostre que o calor latente de vaporização da água a 100 oC corresponde a mais
de cinco vezes a energia necessária para aquecer a água de 0 a 100 oC.

2) Calcule o aumento de temperatura médio da água em uma piscina com 100 m2


de área e 2 m de profundidade devido à absorção de radiação de 7 MJ.dia-1.
Considere que a temperatura inicial é de 20 oC, e que não existem perdas de
calor na água da piscina.

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Capítulo

3
Bacia hidrográfica e
balanço hídrico

O
ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase
terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica. A
bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água originados
a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único
ponto de saída, seu exutório. A definição de uma bacia hidrográfica requer a definição
de um curso d’água, de um ponto ou seção de referência ao longo deste curso d’água e
de informações sobre o relevo da região.

Uma bacia hidrográfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias
pode ser considerada uma bacia hidrográfica.

A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de
água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e
evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no
tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída no tempo (escoamento).

As características fundamentais de uma bacia que dependem do relevo são:

• Área

• Comprimento da drenagem principal

• Declividade

A área é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma
vez que a bacia é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia
multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o
volume de água recebido ao longo deste intervalo de tempo. A área de uma bacia
hidrográfica pode ser estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um
mapa topográfico.
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Um exemplo de bacia delimitada é apresentado na Figura 3. 1. A bacia delimitada


corresponde à bacia do Arroio Quilombo, próximo a Lomba Grande e Novo
Hamburgo, até a seção que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa.
O divisor de águas apresentado como uma linha pontilhada separa as regiões do mapa
em que a água da chuva vai escoar até a seção da ponte das regiões em que a água da
chuva não vai escoar até esta seção. O divisor de águas passa, em geral, pelas regiões
mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas não
necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de águas
intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutório da
bacia (no exemplo é a seção da ponte).

Figura 3. 1: Exemplo de uma bacia hidrográfica delimitada sobre um mapa topográfico.

A área da bacia pode ser medida através de um instrumento denominado planímetro


ou utilizando representações digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informação
Geográfica.

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O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia


hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o
sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota
da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de
concentração da bacia.
Tempo de concentração é o
tempo que uma gota de A declividade média da bacia e do curso d’água
chuva que atinge a região principal também são características que afetam
mais remota da bacia leva diretamente o tempo de viagem da água ao longo do
para atingir o exutório. sistema. O tempo de concentração de uma bacia
diminui com o aumento da declividade.

A equação de Kirpich, apresentada abaixo, pode ser utilizada para estimativa do tempo
de concentração de pequenas bacias:
0 ,385
 L3 
t c = 57 ⋅  
 ∆h 

onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água


principal em km; e ∆h é a diferença de altitude em metros ao longo do curso d’água
principal.

A equação de Kirpich, apresentada acima, foi desenvolvida empiricamente a partir de


dados de bacias pequenas (menores do que 0,5 Km2). Para estimar o tempo de
concentração de bacias maiores pode ser utilizada a equação de Watt e Chow,
publicada em 1985 (Dingman, 2002):
0, 79
 L 
t c = 7,68 ⋅  0, 5 
S 

onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água


principal em Km; e S é a declividade do rio curso d’água principal (adimensional). Esta
equação foi desenvolvida com base em dados de bacias de até 5840 Km2.

Outras características importantes da bacia


Os tipos de solos, a geologia, a vegetação e o uso do solo são outras características
importantes da bacia hidrográfica que não estão diretamente relacionadas ao relevo. Os
tipos de solos e a geologia vão determinar em grande parte a quantidade de água
precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A
vegetação tem um efeito muito grande sobre a formação do escoamento superficial e
sobre a evapotranspiração. O uso do solo pode alterar as características naturais,

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modificando as quantidades de água que infiltram, que escoam e que evaporam,


alterando o comportamento hidrológico de uma bacia.

Representação digital de uma bacia hidrográfica


Tradicionalmente os estudos de hidrologia estiveram baseados em mapas topográficos
para a caracterização de bacias hidrográficas. A partir da década de 1970 a
popularização dos computadores permitiu que fossem criadas formas de representar o
relevo digitalmente, permitindo a armazenagem e processamento de dados
topográficos de uma forma prática para análises hidrológicas.

Existem três formas principais de representar o relevo em um computador. Em


primeiro lugar, o relevo pode ser representado em um computador utilizando linhas
digitalizadas representando as curvas de nível. Esta forma de representação é muito útil
para a geração de mapas.

Em segundo lugar o relevo pode ser representado utilizando faces triangulares


inclinadas formadas a partir de três pontos com cotas e coordenadas conhecidas. Esta
forma de representação é muito utilizada para ferramentas de visualização em três
dimensões do terreno. A Figura 3. 2 apresenta um exemplo de um TIN (Triangular
Irregular Network) representando o relevo de uma região.

Figura 3. 2: Representação digital do terreno através de triângulos (TIN).

A terceira forma de armazenar dados topográficos é baseada na utilização de uma


grade ou matriz em que cada elemento contém um valor que corresponde à altitude
local. Esta forma de armazenar dados topográficos, denominada Modelo Digital de
Elevação (MDE), é a forma de representação do relevo mais utilizada para extrair
informações úteis para estudos hidrológicos. Para a visualização, as altitudes são
convertidas em cores, ou níveis de cinza.

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Figura 3. 3: Representação do relevo na forma de uma matriz (MDE) com sobreposição de curvas de nível de separadas por 10 m.

Um MDE pode ser obtido a partir da digitalização e interpolação de mapas em papel,


através da interpolação de dados obtidos em levantamentos topográficos de campo
(GPS); ou com sensores remotos, a bordo de aviões ou satélites.

Uma característica fundamental de um MDE é sua resolução espacial, que corresponde


ao tamanho do elemento em unidades reais do terreno. Um MDE de alta resolução de
uma bacia urbana poderia ter uma resolução espacial de 2m. Isto significa que cada
célula representaria um quadrado de 2 m por 2 m de extensão. Em grandes bacias
rurais não há necessidade de informações tão detalhadas, neste caso um MDE de
resolução espacial de 100 m seria, em geral, adequado.

Utilizando um MDE é possível identificar, para cada elemento da matriz, qual é a


direção preferencial de escoamento. Admite-se que a água deve escoar de uma célula
para uma das oito células vizinhas, de acordo com o critério de maior declividade. Este

16
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

cálculo é repetido para todas as células de uma matriz. O resultado é uma nova matriz
em que cada célula recebe um valor que é um código de direção de escoamento.

A partir da matriz com os códigos de direção de escoamento é possível definir os


divisores de uma bacia hidrográfica automaticamente. Contando o número de células
existentes dentro de uma bacia delimitada é possível calcular a área da bacia.

A Figura 3. 4 apresenta as direções de escoamento da água sobre um terreno


representado na forma de uma grade, ou matriz, com altitudes indicadas em cada
célula.

Figura 3. 4: Determinação das direções de escoamento sobre o relevo representado na forma de uma grade (Modelo Digital de
Elevação): a) altitudes; b) códigos utilizados para definir as direções de fluxo; c) grade com direções de fluxo codificadas; d) grade com
direções de fluxo indicadas por setas.

Supondo que o objetivo da análise seja determinar a área da bacia a montante da célula
localizada na penúltima linha e na penúltima coluna, conforme indicado na Figura 3. 5,
seria fácil identificar as células que conduzem a água até este local, simplesmente

17
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

analisado as direções das setas. Este tipo de procedimento pode ser automatizado em
um programa de computador, permitindo a análise de bacias muito mais complexas.

a) b)
Figura 3. 5: Delimitação de uma bacia hidrográfica sobre uma grade com direções de fluxo calculadas a partir do MDE. A figura da
esquerda mostra a célula definida como o exutório da bacia. A figura da direita mostra a área da bacia até este exutório.

A representação do relevo em grade obviamente resulta numa aproximação da forma


real que pode conduzir a erros. A Figura 3. 6 mostra a diferença entre o contorno de
uma bacia hidrográfica real e o contorno aproximado para duas resoluções espaciais
diferentes. Observa-se que quanto maior a resolução espacial, menores os quadrados e
melhor é a aproximação do contorno real da bacia.

Figura 3. 6: Aproximação do contorno real de uma bacia hidrográfica sobre uma grade de (a) baixa resolu;cão e (b) alta resolução
espacial. (a região hachurada é a área da bacia real e a linha escura apresenta o contorno aproximado sobre a grade regular).

18
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Exemplo
1) Determine as direções de escoamento para as células do MDE da figura
abaixo, considerando que a resolução espacial é de, aproximadamente, 90 x 90
m e que as altitudes estão em metros.

Começamos considerando que as células do contorno drenam para o interior da figura. Assim, para a
primeira célula (canto superior esquerdo) é necessário definir qual é a direção de maior declividade. A
altitude da primeira célula é de 355 m. A altitude da célula localizada ao leste é de 359m, o que
significa que a água não pode escoar para o leste. As duas células localizadas ao sul e a sudeste
apresentam altitudes mais baixas. A declividade a partir da primeira célula para o sul pode ser
calculada por:

355 − 348
S= = 0,0778
90

A declividade a partir da primeira célula para o sudeste pode ser calculada por (considera-se que a
distância no sentido diagonal é igual à resolução vezes a raiz de 2):

355 − 344
S= = 0,0864
90 ⋅ 2

Portanto a direção de fluxo na primeira célula (canto superior esquerdo) é para sudeste.

Este procedimento é repetido para cada uma das células. Para as células centrais é preciso calcular a
declividade para um número maior de vizinhas antes de escolher a direção de maior declividade. A
figura abaixo mostra o MDE original e as direções de fluxo determinadas para todas as células.

19
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Num SIG pode-se utilizar a capacidade do computador para representar bacias


hidrográficas de forma bastante detalhada. Um modelo digital de elevação obtido
durante uma missão do ônibus espacial da NASA está disponível gratuitamente na
Internet. Este MDE, denominado SRTM (sigla para Shuttle Radar Topography
Mission), apresenta uma resolução espacial de cerca de 90 m, e pode ser no endereço
http://srtm.csi.cgiar.org/. Uma versão deste MDE com alguns produtos derivados
para aplicações em hidrologia é denominada Hydrosheds, e é distribuída no sítio
http://hydrosheds.cr.usgs.gov/. No Brasil, o Laboratório de Geoprocessamento do
Centro de Ecologia da UFRGS
(http://www.ecologia.ufrgs.br/labgeo/SRTM_BR.php) disponibiliza um MDE para
cada um dos estados brasileiros, obtido a partir do SRTM, previamente analisado e
com alguns erros corrigidos.

O MDE do SRTM é adequado para a análise de bacias hidrográficas de escala


relativamente grande. Para bacias pequenas bacias urbanas a resolução espacial de 90 m
obviamente não é adequada. Além disso, o MDE do SRTM apresenta erros devido à
presença de prédios, o que inviabiliza sua aplicação em bacias urbanas.

Balanço hídrico numa bacia


O balanço entre entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica é denominado
balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia é a precipitação. A saída de
água da bacia pode ocorrer por evapotranspiração e por escoamento. Estas variáveis
podem ser medidas com diferentes graus de precisão. O balanço hídrico de uma bacia
exige que seja satisfeita a equação:

dV
= P − E −Q
dt

ou, num intervalo de tempo finito:

∆V
= P −E −Q
∆t

onde ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de


tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q
é o escoamento (m3.s-1).

20
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 3. 7: Relevo de uma bacia hidrográfica e as entradas e saídas de água: P é a precipitação; ET é a evapotranspiração e Rs é o
escoamento (adaptado de Hornberger et al., 1998).

Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento


pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em
unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia.

P= E+Q

onde P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o


escoamento em mm.ano-1.

As unidades de mm são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração.


Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma
área de 1 m2.

O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de


escoamento de longo prazo e é dado por:

Q
C=
P

O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os


valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias.

21
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

A Tabela 3. 1 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de


acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do
Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a
precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio
Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de
vazão média nesta bacia, que tem área de 178.000 km2. Na bacia do Atlântico Sul, em
que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto
a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de
escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de
40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo
processo de evapotranspiração.

Tabela 3. 1: Características de balanço hídrico das grandes regiões hidrográficas do Brasil (valores em mm correspondem às laminas
médias precipitadas, escoadas e evaporadas ao longo de um ano).

A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas
do Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água (vazão em mm por
ano) é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as
regiões mais secas da região Nordeste do Brasil.

Leituras adicionais
A representação de bacias hidrográficas em ambiente computacional é um assunto
muito explorado em livros sobre Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Alguns
softwares de SIG apresentam ferramentas poderosas para analisar e extrair

22
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

informações úteis em hidrologia a partir de um MDE de uma região. Os manuais


destes softwares, como ArcGIS e Idrisi podem ser utilizados como consulta adicional.

Exemplos
2) Qual seria a vazão de saída de uma bacia completamente impermeável, com
área de 60km2, sob uma chuva constante à taxa de 10 mm.hora-1?

Cada mm de chuva sobre a bacia de 60km2 corresponde a um volume total de 60.000 m3 lançados
sobre a bacia, o que significa que em uma hora são lançados 600.000 m3 de água sobre esta bacia.
Como a bacia é impermeável toda a água deve sair pelo exutório a uma vazão constante de 167 m3.s-1.

3) A região da bacia hidrográfica do rio Taquari recebe precipitações médias


anuais de 1600 mm. Em Muçum (RS) há um local em que são medidas as
vazões deste rio e uma análise de uma série de dados diários ao longo de 30
anos revela que a vazão média do rio é de 340 m3.s-1. Considerando que a área
da bacia neste local é de 15.000 Km2, qual é a evapotranspiração média anual
nesta bacia? Qual é o coeficiente de escoamento de longo prazo?

O balanço hídrico de longo prazo de uma bacia é dado por

P = E + Q onde P é a chuva média anual; E é a evapotranspiração média anual e Q é o escoamento


médio anual.

A vazão média de 340 m3.s-1 em uma bacia de 15.000 km2 corresponde ao escoamento anual de uma
lâmina dada por:

Q( m 3 .s −1 ) ⋅ 3600 ⋅ 24 ⋅ 365( s .ano −1 )


Q( mm / ano ) = 2
⋅ 1000( mm.m −1 )
A( m )

ou

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365
Q( mm / ano ) = Q( m 3 .s −1 )
A( km 2 )

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365
Q( mm / ano ) = 340 ⋅ ≅ 715 mm.ano −1
15000

e a evapotranspiração é dada por E = P – Q =1600 – 715 = 885 mm.ano-1.

O coeficiente de escoamento de longo prazo é dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447.

23
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Exercícios
1) Uma bacia de 100 km2 recebe 1300 mm de chuva anualmente. Qual é o
volume de chuva (em m3) que atinge a bacia por ano?

2) Uma bacia de 1100 km2 recebe anualmente 1750 mm de chuva, e a vazão


média corresponde a 18 m3/s. Calcule a evapotranspiração total desta bacia
(em mm/ano).

3) A região da bacia hidrográfica do rio Uruguai recebe precipitações médias


anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de
escoamento de longo prazo é de 0,42 nesta região. Qual é a vazão média
esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seção em que a área
da bacia é de 230 km2.

4) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de água


que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de água por dia.
Qual é a área de captação de água da chuva necessária para abastecer uma casa
de 4 pessoas em uma cidade com precipitações anuais de 1400 mm, como
Porto Alegre? Considere que a área de captação seja completamente
impermeável.

24
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

4
Água e energia na
atmosfera

A
fase atmosférica do ciclo hidrológico é responsável pela redistribuição da
água em termos globais. A presença de vapor de água na atmosfera também
influencia e é influenciada pela radiação solar.

O ar atmosférico
O ar atmosférico é uma mistura de gases em que predomina o nitrogênio (78%) e o
oxigênio (21%). O vapor de água no ar atmosférico varia até um máximo próximo de
4%. Em percentagens menores o ar atmosférico também contém partículas orgânicas e
inorgânicas, que têm um papel fundamental no ciclo hidrológico, pois formam os
núcleos de condensação do vapor de água nas nuvens.

A maior parte do ar atmosférico e do vapor de água encontra-se na camada mais


próxima à superfície, chamada troposfera. Esta camada tem uma espessura de 10 a 12
Km. A temperatura do ar na troposfera é maior ao nível do mar e menor no topo da
camada. O gradiente de temperatura é de aproximadamente 6,5 oC a cada quilômetro.
Assim, se ao nível do mar a temperatura é de 20 oC, no topo da troposfera a
temperatura é de, aproximadamente, -45 oC.

Vapor de água no ar atmosférico


O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A
máxima quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada
concentração de saturação (ou pressão de saturação). De acordo com lei de Dalton
cada gás que compõe uma mistura exerce uma pressão parcial, independente da
pressão dos outros gases, igual à pressão que exerceria se fosse o único gás a ocupar o
volume.
A pressão de saturação de vapor de água no ar varia com a temperatura do ar, como
mostra a Figura 4. 1. Este comportamento segue, aproximadamente, a equação 4.1.

 17,27 ⋅ T 
e s = 611 ⋅ exp  (4.1)
 237,3 + T 

onde es é a pressão de saturação do vapor no ar em Pascal (Pa) e T é a temperatura do


ar em oC.

Figura 4. 1: Pressão de saturação do vapor da água no ar em função da temperatura do ar.

A umidade específica, ou concentração de saturação de vapor de água no ar varia de


acordo com a temperatura do ar, como mostra a Figura 4. 2.

A umidade relativa é a medida do conteúdo de vapor de água do ar em relação ao


conteúdo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equação 4.2). Assim, ar com
umidade relativa de 100% está saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% está
completamente isento de vapor.

w
UR = 100 ⋅ em % (4.2)
ws

onde UR é a umidade relativa; w é a massa de vapor pela massa de ar e ws é a massa de


vapor por massa de ar no ponto de saturação.

26
Figura 4. 2: Relação entre o conteúdo de água no ar no ponto de saturação e a temperatura do ar.

A umidade relativa também pode ser expressa em termos de pressão parcial de vapor.
No ponto de saturação a pressão parcial do vapor corresponde à pressão de saturação
do vapor no ar, e a equação 4.3 pode ser reescrita como:

e
UR = 100 ⋅ em % (4.3)
es

onde UR é a umidade relativa; e é a pressão parcial de vapor no ar e es é pressão de


saturação.

A temperatura de ponto de orvalho é definida como a temperatura a qual o ar deve ser


resfriado para que atinja o ponto de saturação de vapor. Este processo de resfriamento
pode ser identificado como uma linha horizontal na Figura 4. 3.

A concentração máxima de
Considere o ar a temperatura (T) de pouco mais
vapor de água no ar a 20 oC é de 25 oC e com pressão de vapor (e) próxima de 2
de, aproximadamente, 20 g.m-3. KPa (ponto A na Figura 4. 3). A pressão de
saturação do ar nesta situação é identificada pelo
ponto B, que mantém a mesma temperatura que o ponto A, e mostra a situação em
que o ar estaria saturado de vapor de água. A pressão de vapor no ponto B é es, que é a
pressão de saturação de vapor para a temperatura T.

O ponto C na Figura 4. 3 é a temperatura de ponto de orvalho (Td), pois representa a


temperatura na qual o ar inicialmente no ponto A ficaria saturado de vapor se fosse
resfriado.

27
Figura 4. 3: Identificação dos pontos que correspondem à temperatura de ponto de orvalho e à pressão de saturação de vapor no ar
para uma dada situação de temperatura e umidade (veja texto).

Para uma dada pressão de vapor (e) inferior à pressão de saturação (es), a temperatura
de ponto de orvalho pode ser calculada pela equação 4.4 (Dingman, 2002):

ln (e ) + 0,4926
Td = (4.4)
0,0708 − 0,00421 ⋅ ln (e )

onde Td está em oC e e em KPa.


EXEMPLO

1) Medições em uma estação meteorológica indicam que a temperatura do ar é de


25oC e que a umidade relativa é de 60%. Qual é a pressão parcial de vapor da
água nesta temperatura? Qual é a pressão de saturação de vapor nesta
temperatura?

A pressão de saturação pode ser calculada pela equação 4.1 usando a informação da temperatura do
ar.

 17,27 ⋅ T   17,27 ⋅ 25 
e s = 611 ⋅ exp  = 611 ⋅ exp  = 3,17 KPa
 237,3 + T   237,3 + 25 

e a pressão parcial de vapor pode ser calculada usando a equação 4.3:

28
e UR ⋅ e s 60 ⋅ e s
UR = 100 ⋅ →e= = = 1,90 KPa
es 100 100

Portanto a pressão parcial de vapor a esta temperatura e umidade relativa é de 1,9 KPa. Observe que
esta situação é parecida com a do ponto A na Figura 4. 3.

Radiação solar e balanço de energia


O sol emite radiação como um corpo negro a 6000 K, numa faixa de comprimentos de
onda que vai desde ultravioleta até o infravermelho, com um máximo na faixa da
radiação visível.

Gases existentes na alta atmosfera bloqueiam a radiação solar nos comprimentos de


onda mais longos. Assim, a maior quantidade de energia solar que atinge a Terra no
topo da atmosfera está na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre
a radiação solar é refletida e sofre transformações, de acordo com a Figura 4. 4.

A radiação solar que atinge o topo da atmosfera dividida pela área do círculo definido
pela projeção da Terra no plano (1,28.1014 m2) é de cerca de 1367 W.m-2. Em um
balanço de energia médio em toda a atmosfera, parte da energia incidente é refletida
pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens
(19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de volta para o espaço ainda
sob a forma de ondas curtas (4% do total de enegia incidente no topo da atmosfera).

A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas
superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das
superfícies contribui para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de
calor sensível (ar quente). A vaporização da água líquida no solo, nas plantas ou na
superfície e a transferência deste vapor para a atmosfera é o chamado fluxo de calor
latente (evaporação).

Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor
latente e sensível pode retornar ao espaço na forma de radiação de onda longa,
fechando o balanço de energia. A Figura 4. 5 apresenta, qualitativamente, a radiação
que chega e a que deixa a Terra, de acordo com o comprimento de onda.

29
ondas ondas

incidente
Radiação Solar
curtas longas
Espaço

100
6 20 4 6 38 26

Atmosfera

l o da
Emitida pelas

p e fl e ti
ar
nuvens

re

ens
v
pe letida
nu
Absorvida pelo Emitida pelo

las
ar e poeira 16 vapor de H2O

r ef
e CO2

ie
erfíc
s up
Absorvida pelas Absorvida pelo

pela
nuvens vapor de H2O
Fluxo de calor

tida
e CO2
latente

refle
3 15

Fluxo de calor
sensível
Absorvida na
Emitida pela
superfície
superfície

51 21 7 23
Superfície (Terra + Oceanos)

Figura 4. 4: Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra (Dingman, 2002).


Fluxo de energia

5 10 15 20 25
Comprimento de onda (µm)

Figura 4. 5: Espectro de radiação incidente (entrada) e de saída da Terra (Dingman, 2002).

30
Radiação no topo da atmosfera
Devido ao ângulo relativo entre a radiação solar e o plano tangente à Terra, a energia
por unidade de área que atinge o topo da atmosfera varia com a latitude e com a época
do ano. A Figura 4. 6 apresenta valores de energia recebida por radiação no topo da
atmosfera de acordo com a época do ano e a latitude. Os valores são dados em MJ por
m2 de área na superfície da Terra, recebidos ao longo de um dia. Observa-se que a
energia recebida por unidade de área é maior na região equatorial (latitudes baixas) e
menor nas regiões polares (latitudes altas). As regiões escuras mostram a situação em
que a Terra não recebe radiação (inverno nas regiões polares).

A insolação máxima (horas de sol) em um determinado ponto do planeta,


considerando que o céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

24
N= ⋅ ωs (4.5)
π

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer


(depende da latitude e da época do ano), e é dado por:

ωs = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ ) (4.6)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul);


ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar, dada por:

 2⋅π 
δ = 0,4093 ⋅ sin  ⋅ J − 1,405  (4.7)
 365 

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a


partir de 1˚ de janeiro).

A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do


ano:

ρW ⋅ λ
S TOP = 15,392 ⋅ ⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ωs ) (4.8)
1000

onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no


topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a declinação
solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr [-] é a
distância relativa da terra ao sol, dada por:

 2⋅π 
d r = 1 + 0,033 ⋅ cos ⋅ J (4.9)
 365 

31
onde J é o dia do calendário Juliano.

A equação 4.8 e a apresentam a radiação que atinge o topo da atmosfera, em unidades


de energia recebida por dia, por unidade de área da superfície da Terra.

EXEMPLO

2) A cidade de Porto Alegre está localizada próxima à latitude 30oS. Use a


estimativa do calor latente de vaporização da água, apresentado no capítulo 2,
para calcular qual seria a taxa de evaporação diária no mês de agosto nesta
cidade se toda a energia incidente no topo da atmosfera fosse utilizada para a
evaporação.

Na figura anterior pode-se observar que a energia recebida por radiação incidente no topo da atmosfera
ao longo de um dia, num local a 30oS, no mês de agosto é de aproximadamente 25 MJ.m-2. Não há
uma informação sobre a temperatura em que a água está antes de evaporar, assim, podemos assumir
um calor latente de vaporização de 2,53 MJ.Kg-1. Considerando que toda a energia é utilizada para
evaporar a água, a taxa de evaporação pode ser calculada por:

25MJ .m −2
E= −1
= 9,9 Kg .m − 2
2,53MJ .Kg

Considerando que a massa específica da água é de, aproximadamente, 1 Kg para cada litro, e que 1
litro distribuído sobre 1 m2 corresponde a uma lâmina de 1 mm, a evaporação é de 9,9 mm.dia-1.

32
Figura 4. 6: Energia recebida ao longo de um dia por radiação solar no topo da atmosfera (MJ.m-2) em função da latitude e da época
do ano (Dingman, 2002)

Radiação através da atmosfera


Nem toda a radiação solar que atinge o topo da atmosfera chega até a superfície da
Terra. A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria
atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais
responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre
depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

 n
SSUP =  a s + b s ⋅  ⋅ STOP (4.10)
 N

33
onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n
[horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; SSUP
[MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da radiação que atinge a
superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a fração da radiação que
atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N).

Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são
recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs
(Shuttleworth, 1993).

Balanço de energia na superfície


De acordo com a primeira lei da Termodinâmica, a energia recebida por radiação na
superfície da Terra deve ser conservada. Pode-se imaginar um volume de controle na
superfície da Terra, que envolve a vegetação, como mostra a Figura 4. 7. Neste volume
de controle a principal entrada de energia é a radiação líquida (Rn), que é o balanço
entre a radiação incidente menos a radiação refletida pela superfície e menos a radiação
emitida. As saídas de energia ocorrem na forma de fluxo de calor sensível (H), fluxo de
calor latente (E) e fluxo de calor para o solo (G).

Rn

H λE
Ao Ai
S

Figura 4. 7: Balanço de energia na superfície Terrestre. A energia solar recebida na forma de radiação (Rn) deve ser igual à soma das
energias que deixam o volume de controle e à variação da energia armazenada.

A energia líquida disponível para aquecer a superfície, aquecer o ar e vaporizar a água


depende da energia irradiada pelo sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela
atmosfera, da energia que é refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada
pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao solo.

34
A radiação líquida Rn envolve um balanço de radiação de ondas curtas e ondas longas.
Nas ondas curtas o balanço é definido pela energia incidente menos refletida, e é
normalmente positiva (mais energia entrando do que saindo do volume de controle).
Na faixa de ondas longas o balanço de energia é definido pela radiação emitida pela
superfície para a atmosfera e pela radiação emitida pela atmosfera para a superfície, e é
normalmente negativa (mais energia deixando o volume de controle).

Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a


superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de
insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens
(n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida disponível para
evapotranspiração depende do tipo de dados disponível.

A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados medidos de


radiação incidente na superfície, normalmente expressos em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-
2
.dia-1. Neste caso, a radiação líquida de ondas curtas é estimada pela equação abaixo:

Rnc = S SUP ⋅ (1 − α ) (5.14)

onde Rnc [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida de ondas curtas líquida na superfície; SSUP
[MJ.m-2.s-1] é a radiação de ondas curtas que atinge a superfície (valor medido ou
estimado pela equação 4.10); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação incidente
que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo).

O albedo de uma superfície depende do tipo de vegetação, do grau de umidade e do


ângulo da radiação incidente. Alguns valores aproximados são apresentados na Tabela
4. 1

35
Tabela 4. 1: Valores aproximados de albedo de superficies (Brutsaert, 2005).

Tipo de superfície Albedo mínimo Albedo máximo

Água profunda 0,04 0,08

Solo úmido escuro 0,05 0,15

Solos claros 0,15 0,25

Solos secos 0,20 0,35

Areia branca 0,30 0,40

Grama, vegetação baixa 0,15 0,25

Savana 0,20 0,30

Floresta 0,10 0,25

Neve 0,35 0,90

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de


nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a
como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da
região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo, como mostrado no item anterior.

Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já
descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de
0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de
radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm.

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de


quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a
superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço
negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir
descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre.
4
Rnl = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273, 2) (5.21)

onde Rnl [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-] é
um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura média do ar
a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é uma constante
(σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

36
A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.

ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d ) (5.22)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa].

O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode
ser estimado com base na equação a seguir:

n
f = 0,1 + 0,9 ⋅ (5.23)
N

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n
[horas] é a insolação medida.

Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo (G) pode ser considerado nulo. Assim, o
balanço de energia na superfície de um dia para outro pode ser dado por :

∆S = RL − H − E (5.24)

onde RL é a radiação líquida que entra no volume de controle [MJ.m-2.dia-1]; H é o fluxo


de calor sensível [MJ.m-2.dia-1]; E é o fluxo de calor latente [MJ.m-2.dia-1];, e S é a energia
armazenada no volume de controle [MJ.m-2].

A radiação líquida total é dada pela radiação líquida de ondas curtas menos a radiação
líquida de ondas longas, conforme a equação abaixo:

RL = Rnc − Rnl (5.25)

O fluxo de calor sensível é o fluxo de calor por convecção, que ocorre porque a
superfície se aquece e, assim, aquece o ar atmosférico em contato direto com a
superfície. A turbulência provocada pelo vento se encarrega de redistribuir o ar
aquecido para camadas mais altas da atmosfera, resultando num fluxo de energia. O
fluxo de calor sensível recebe este nome porque está relacionado à temperatura do ar,
que pode ser “sentida” (Hornberger et al., 1998).

O calor latente é a parte da energia interna que não pode ser “sentida”, ou seja, não
está relacionada à temperatura, mas sim ao calor latente de vaporização. O fluxo de
calor latente é o fluxo de energia associado ao fluxo de água para camadas mais altas da
atmosfera, a partir da superfície. O fluxo de calor latente está, portanto, relacionado ao
fluxo de água da superfície para a atmosfera por evapotranspiração.

37
Circulação atmosférica
Em conseqüência do aquecimento desigual das diferentes regiões da Terra, gradientes
de energia são gerados e provocam o aquecimento diferencial das massas de ar. A ar
aquecido tem uma densidade menor e tende a ascender na atmosfera, provocando a
circulação das massas de ar (vento).

Leituras adicionais
Os capítulos 2 e 3 do livro Handbook of Hydrology apresentam uma visão mais
completa sobre a circulação de água e o balanço de energia na atmosfera e na superfície
da Terra. A apostila da disciplina de Climatologia, de autoria de Julio Sanchez também
aprofunda os processos descritos neste capítulo. O capítulo 3 do livro Physical
Hydrology de Dingman (2002) também é excelente.

Exercícios
1) Estime a taxa de evaporação da água em mm por dia num local sobre a linha
do Equador, no mês de junho, se toda a radiação incidente no topo da
atmosfera estivesse disponível para produzir evaporação.

2) Determine a temperatura de ponto de orvalho do ar atmosférico próximo ao


nível do mar a 23 oC e 70% de umidade relativa.

38
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

5
Precipitação

A água da atmosfera que atinge a superfície na forma de chuva, granizo, neve,


orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. Na realidade brasileira
a chuva é a forma mais importante de precipitação, embora grandes prejuízos
possam advir da ocorrência de precipitação na forma de granizo e em alguns
locais possa eventualmente ocorrer neve.

Importância da precipitação
Conforme mencionado quando abordado o assunto balanço hídrico, a precipitação é a
única forma de entrada de água em uma bacia hidrográfica. Assim sendo, ela fornece
subsídios para a quantificação do abastecimento de água, irrigação, controle de
inundações, erosão do solo, etc., e é fundamental para o adequado dimensionamento
de obras hidráulicas, entre outros.

A chuva é a causa mais importante dos processos hidrológicos de interesse da


engenharia e é caracterizada por uma grande aleatoriedade espacial e temporal.

Formação das chuvas


A água existente na atmosfera está, em sua maior parte, na forma de vapor. A
quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. Ar a 20º C pode conter uma
quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico.
Quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando.

A quantidade máxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a


concentração de saturação. Uma característica muito importante da concentração de
saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, ar mais
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

quente pode conter mais vapor do que ar frio. A figura a seguir apresenta a variação da
concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a
10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C.

O ar atmosférico apresenta um forte gradiente de temperatura, com temperatura


relativamente alta junto à superfície e temperatura baixa em grandes altitudes. O
processo de formação das nuvens de chuva está associado ao movimento ascendente
de uma massa de ar úmido. Neste processo a temperatura do ar vai diminuindo até que
o vapor do ar começa a condensar. Isto ocorre porque a quantidade de água que o ar
pode conter sem que ocorra condensação é maior para o ar quente do que para o ar
frio. Quando este vapor se condensa, pequenas gotas começam a se formar,
permanecendo suspensas no ar por fortes correntes ascendentes e pela turbulência.
Porém, em certas condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo tamanho e peso
suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água
das nuvens se precipita para a superfície da Terra, na forma de chuva.

Figura 5. 1: Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de saturação.

A formação das nuvens de chuva está, em geral, associada ao movimento ascendente


de massas de ar úmido. A causa da ascensão do ar úmido é considerada para
diferenciar os principais tipos de chuva: frontais, convectivas ou orográficas.

Chuvas frontais
As chuvas frontais ocorrem quando se encontram duas grandes massas de ar, de
diferente temperatura e umidade. Na frente de contato entre as duas massas o ar mais
quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima, onde atinge

40
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor. As massas de ar que


formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e movimentam se
de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais caracterizam-se
pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas frontais são
muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro Oeste e,
por vezes, o Nordeste.

Chuvas frontais têm uma intensidade relativamente baixa e uma duração relativamente
longa. Am alguns casos as frentes podem ficar estacionárias, e a chuva pode atingir o
mesmo local por vários dias seguidos.

Figura 5. 2: Tipos de chuvas

Chuvas orográficas
As chuvas orográficas ocorrem em regiões em que um grande obstáculo do relevo,
como uma cordilheira ou serra muito alta, impede a passagem de ventos quentes e
úmidos, que sopram do mar, obrigando o ar a subir. Em maiores altitudes a umidade
do ar se condensa, formando nuvens junto aos picos da serra, onde chove com muita
freqüência. As chuvas orográficas ocorrem em muitas regiões do Mundo, e no Brasil
são especialmente importantes ao longo da Serra do Mar.

41
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Chuvas convectivas
As chuvas convectivas ocorrem pelo aquecimento de massas de ar, relativamente
pequenas, que estão em contato direto com a superfície quente dos continentes e
oceanos. O aquecimento do ar pode resultar na sua subida para níveis mais altos da
atmosfera onde as baixas temperaturas condensam o vapor, formando nuvens. Este
processo pode ou não resultar em chuva, e as chuvas convectivas são caracterizadas
pela alta intensidade e pela curta duração. Normalmente, porém, as chuvas convectivas
ocorrem de forma concentrada sobre áreas relativamente pequenas. No Brasil há uma
predominância de chuvas convectivas, especialmente nas regiões tropicais.

Os processos convectivos produzem chuvas de grande intensidade e de duração


relativamente curta. Problemas de inundação em áreas urbanas estão, muitas vezes,
relacionados às chuvas convectivas.

Medição da chuva
A chuva é medida utilizando instrumentos chamados pluviômetros que nada mais são
do que recipientes para coletar a água precipitada com algumas dimensões
padronizadas. O pluviômetro mais utilizado no Brasil tem uma forma cilíndrica com
uma área superior de captação da chuva de 400 cm2, de modo que um volume de 40
ml de água acumulado no pluviômetro corresponda a 1 mm de chuva. O pluviômetro
é instalado a uma altura padrão de 1,50 m do solo (Figura 5. 3) e a uma certa distância
de casas, árvores e outros obstáculos que podem interferir na quantidade de chuva
captada.

Nos pluviômetros da rede de observação mantida pela Agência Nacional da Água


(ANA) a medição da chuva é realizada uma vez por dia, sempre às 7:00 da manhã, por
um observador que anota o valor lido em uma caderneta. A ANA tem uma rede de
2473 estações pluviométricas distribuídos em todo o Brasil. Além da ANA existem
outras instituições e empresas que mantém pluviômetros, como o Instituto Nacional
de Meteorologia (INMET), empresas de geração de energia hidrelétrica e empresas de
pesquisa agropecuária. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br) estão
cadastradas 14189 estações pluviométricas de diversas entidades, mas apenas 8760
estão em atividade atualmente (2007).

Existem pluviômetros adaptados para realizar medições de forma automática,


registrando os dados medidos em intervalos de tempo inferiores a um dia. São os
pluviógrafos, que originalmente eram mecânicos, utilizavam uma balança para pesar o
peso da água e um papel para registrar o total precipitado. Os pluviógrafos antigos com
registro em papel foram substituídos, nos últimos anos, por pluviógrafos eletrônicos
com memória (data-logger).

42
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

O pluviógrafo mais comum atualmente é o de cubas basculantes, em que a água


recolhida é dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A
água é dirigida inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma
quantidade de água equivalente a 20 g, aproximadamente, o conjunto báscula em torno
do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia começa a receber água. Cada movimento
das cubas basculantes equivale a uma lâmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o
aparelho registra o número de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento.

A principal vantagem do pluviógrafo sobre o pluviômetro é que permite analisar


detalhadamente os eventos de chuva e sua variação ao longo do dia. Além disso, o
pluviógrafo eletrônico pode ser acoplado a um sistema de transmissão de dados via
rádio ou telefone celular.

Figura 5. 3: Características de um pluviômetro.

A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de


chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são
refletidos pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do
sinal refletido. A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada
refletividade, é correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A
principal vantagem do radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de
precipitação em uma grande região no entorno da antena emissora e receptora, embora
existam erros consideráveis quando as estimativas são comparadas com dados de
pluviógrafos.

No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de
São Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a
Inglaterra e a Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radar para
estimativa de chuva.

43
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por


sensores instalados em satélites. A temperatura do topo das nuvens, que pode ser
estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação. Além disso,
existem experimentos de radares a bordo de satélites que permitem aprimorar a
estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem.

Análise de dados de chuva


As variáveis que caracterizam a chuva são a sua altura (lâmina precipitada), a
intensidade, a duração e a freqüência.

Duração é o período de tempo durante o qual a chuva cai. Normalmente é medida em


minutos ou horas.

A altura é a espessura média da lâmina de água que cobriria a região atingida se esta
região fosse plana e impermeável. A unidade de medição da altura de chuva é o
milímetro de chuva. Um milímetro de chuva corresponde a 1 litro de água distribuído
em um metro quadrado.

Intensidade é a altura precipitada dividida pela duração da chuva, e é expressa,


normalmente, em mm.hora-1.

Freqüência é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao evento de


chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem
raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 5. 1 apresenta a análise
de freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de
um período de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observa-
se que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é,
em 67% dos dias do período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do
período ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida
em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqüência de ocorrência.

A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos


O Tempo de Retorno é extremos como chuvas muito intensas é o tempo de
igual ao inverso da retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma
probabilidade. estimativa do tempo em que um evento é igualado ou
superado, em média. Por exemplo, uma chuva com
intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos
é igualada ou superada somente uma vez a cada dez anos, em média. Esta última
ressalva “em média” implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR
10 anos em dois anos subseqüentes.

44
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabela 5. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto pluviométrico no interior do Paraná ao
longo de um período de, aproximadamente, 23 anos.

Bloco Freqüência
P = zero 5597
P < 10 mm 1464
10 < P < 20 mm 459
20 < P < 30 mm 289
30 < P < 40 mm 177
40 < P < 50 mm 111
50 < P < 60 mm 66
60 < P < 70 mm 38
70 < P < 80 mm 28
80 < P < 90 mm 20
90 < P < 100 mm 8
100 < P < 110 mm 7
110 < P < 120 mm 2
120 < P < 130 mm 5
130 < P < 140 mm 2
140 < P < 150 mm 1
150 < P < 160 mm 1
160 < P < 170 mm 1
170 < P < 180 mm 2
180 < P < 190 mm 1
190 < P < 200 mm 0
P > 200 mm 0
Total 8279

O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de


ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva
de 130 mm em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que
seu Tempo de Retorno é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com
chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer é de 10%, ou seja:

1
TR =
Pr obabilidade

Variabilidade espacial da chuva


Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas
em áreas muito restritas (400 cm2), quase pontuais. Porém a chuva caracteriza-se por
uma grande variabilidade espacial. Assim, durante um evento de chuva um
pluviômetro pode ter registrado 60 mm de chuva enquanto um outro pluviômetro, a
30 km de distância registrou apenas 40 mm para o mesmo evento. Isto ocorre porque

45
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial, principalmente se é originada por


um processo convectivo.

A forma de representar a variabilidade espacial da chuva para um evento, para um ano


inteiro de dados ou para representar a precipitação média anual ao longo de um
período de 30 anos são as linhas de mesma precipitação (isoietas) desenhadas sobre um
mapa. As isoietas são obtidas por interpolação dos dados de pluviômetros ou
pluviógrafos e podem ser traçadas de forma manual ou automática. A Figura 5. 4
apresenta um mapa de isoietas de chuva média anual do Estado de São Paulo, com
base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva média anual sobre a maior
parte do Estado é da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas há uma região próxima
ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regiões onde as isoietas
ficam muito próximas entre si é caracterizada por uma grande variabilidade espacial.

Variabilidade sazonal da chuva


Um dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma região é a época
de ocorrência das chuvas. Existem regiões com grande variabilidade sazonal da chuva,
com estações do ano muito secas ou muito úmidas. Na maior parte do Brasil o verão é
o período das maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva é
relativamente bem distribuída ao longo de todo o ano (em média). Isto não impede,
entretanto, que em alguns anos ocorram invernos ou verões extremamente secos ou
extremamente úmidos.

A variabilidade sazonal da chuva é representada por gráficos com a chuva média


mensal, como o apresentado na Figura 5. 5 para Porto Alegre e para Cuiabá. Observa-
se que no Sul do Brasil existe uma distribuição mais homogênea das chuvas ao longo
do ano, enquanto no Centro-Oeste ocorrem verões muito úmidos e invernos muito
secos.

46
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 5. 4: Exemplo de representação da variabilidade especial da chuva com um mapa de isoietas.

Figura 5. 5: Variabilidade sazonal da chuva em Porto Alegre e Cuiabá, representada pelas chuvas médias mensais no período de 1961 a
1990.

47
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Chuvas médias numa área


Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de
400 cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas
médias que atingem uma região, como a bacia hidrográfica.

O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da
média aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação
em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs).

O método mais simples é o da média aritmética, em que se calcula a média das chuvas
ocorridas em todos os pluviômetros localizados no interior de uma bacia.

EXEMPLO

1) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 5. 6?

Utilizando o método da média aritmética considera-se os pluviômetros que estão no interior da bacia. A
média da chuva é Pm = (66+50+44+40)/4 = 50 mm.

Figura 5. 6: Mapa de uma bacia com as chuvas observadas em cinco pluviômetros.

O método das isoietas parte de um mapa de isoietas, como o da Figura 5. 4, e calcula a


área da bacia que corresponde ao intervalo entre as isoietas. Assim, considera-se que a
área entre as isoietas de 1200 e 1300 mm receba 1250 mm de chuva. Em todo o resto
ele é semelhante ao método de Thiessen, descrito a seguir.

48
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Método dos polígonos de Thiessen


Um dos métodos mais utilizados, entretanto, é o método de Thiessen, ou do vizinho
mais próximo. Neste método é definida a área de influência de cada posto e é calculada
uma média ponderada da precipitação com base nestas áreas de influência.

Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que
unem os postos pluviométricos mais próximos entre si. A seguir é determinado o
ponto médio em cada uma destas linhas e, a partir desse ponto é traçada uma linha
perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia
definem a área de influência de cada um dos postos. A chuva média é uma média
ponderada utilizando as áreas de influência como ponderador. Este método pode ser
melhor compreendido através de um exemplo, como o que segue.

Figura 5. 7: Mapa da bacia com chuvas nos postos pluviométricos para o exemplo 2.

EXEMPLO

2) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 5. 7?

Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos
pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e
traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia
vão definir a área de influência de cada um dos postos. A seqüência é apresentada na próxima página.

Área total = 100 km2

Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2

Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2

Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2

Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2

49
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2

Precipitação média na bacia:

Pm = 120x0,15+70x0,40+50x0,30+75x0,05+82x0,10 = 73 mm.

Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da bacia, com
uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão fora da bacia
chegaríamos a 79,5 mm.

50
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Traçar linhas que unem os postos


pluviométricos mais próximos
entre si.

Traçar linhas médias


perpendiculares às linhas que
unem os postos pluviométricos.

Definir a região de influência de


cada posto pluviométrico e medir a
sua área.

Figura 5. 8: Exemplo de definição dos polígonos de Thiessen.

51
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Método da interpolação ponderada pela distância


A chuva média em uma bacia hidrográfica pode ser calculada facilmente em um
computador se a bacia for dividida em um grande número de células quadradas, como
nas análises do relevo usando um Modelo Digital de Elevação, no capítulo 3. Neste
caso é possível fazer uma estimativa de chuva para cada uma das células por um
método de interpolação espacial, e a média dos valores de precipitação de todas as
células corresponde à chuva média na bacia.

Um dos métodos de interpolação mais utilizados é baseado numa ponderação por


inverso da distância. Este método considera que a chuva em um local (ponto) pode ser
calculada como uma média ponderada das chuvas registradas em pluviômetros da
região. A ponderação é feita de forma que os postos pluviométricos mais próximos
sejam considerados com um peso maior no cálculo da média.

Considere a figura abaixo, onde a bacia hidrográfica é aproximada por um conjunto de


células quadradas, um posto pluviométrico é identificado por um ponto cinza e o
centro de uma célula está identificado por um ponto preto.

yi
d ij

yj

x
xi xj

Figura 5. 9: Ilustração do método de interpolação ponderada por inverso da distância.

52
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

A distância entre o posto pluviométrico (ponto cinza) e o centro da célula (ponto


preto) é calculada a partir das coordenadas dos pontos, de acordo com a equação
abaixo:

2 2
d ij = (x i − x j ) + (yi − y j )

onde dij é a distância entre o centro da célula e o posto pluviométrico, xj e yj são as


coordenadas do pluviômetro e xi e yi são as coordenadas do centro da célula.

Havendo mais de um posto pluviométrico, a precipitação média numa célula i pode ser
calculada pela equação a seguir:

NP Pj
∑ (d )
j =1
b
ij
Pmi = NP
1
∑ (d )
j =1
b
ij

onde NP é o número de postos pluviométricos com dados disponíveis; Pj é a chuva


observada no posto j; e b um expoente. Quando o valor do expoente b é 2, o método
de interpolação é conhecido como ponderado pelo inverso da distância ao quadrado. Este
valor é normalmente arbitrado para o expoente b, mas não é certo que produza os
melhores resultados.

Este método de interpolação pode ser aplicado para todas as NC células que
representam uma bacia, obtendo-se o valor da chuva média para cada uma delas. A
chuva média da bacia é calculada como a média de todas as células que compõe a
bacia, de acordo com a equação que segue:
NC

∑ Pm
i =1
i
Pm =
NC

onde Pm é a chuva média na bacia e NC é o número de células que compõe a bacia.

Tratamento de dados pluviométricos e


identificação de erros
O objetivo de um posto de medição de chuvas é o de obter uma série ininterrupta de
precipitações ao longo dos anos. Em qualquer caso pode ocorrer a existência de
períodos sem informações ou com falhas nas observações, devido a problemas com os

53
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

aparelhos de registro ou com o operador do posto. A seguir são descritos os processos


empregados na consistência dos dados.

Identificação de erros grosseiros


As causas mais comuns de erros grosseiros nas observações são: a) preenchimento
errado do valor na caderneta de campo; b) soma errada do número de provetas,
quando a precipitação é alta; c) valor estimado pelo observador, por não se encontrar
no local no dia da amostragem; d) crescimento de vegetação ou outra obstrução
próxima ao posto de observação; e) danificação do aparelho; f) problemas mecânicos
no registrador gráfico.

Após esta análise as séries poderão apresentar falhas, que devem ser preenchidas por
alguns dos métodos indicados a seguir.

Preenchimento de falhas
Em alguns casos pode haver falha na leitura ou no arquivamento de dados
pluviométricos, resultando em falha de informação para alguns períodos. Em alguns
casos é possível fazer o preenchimento destas falhas, utilizando dados de postos
pluviométricos da vizinhança. Este tipo de preenchimento não substitui os dados
originais, e somente pode ser aplicado para dados em intervalo de tempo mensal ou
anual.

Método da ponderação regional


É um método simplificado, de fácil aplicação, e normalmente utilizado para o
preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações.

Para exemplificar o método, considere um posto Y, que apresenta as falhas a serem


preenchidas. É necessário selecionar pelo menos três postos da vizinhança que
possuam no mínimo dez anos de dados (X1, X2 e X3). Para preencher as falhas do
posto Y, adota-se a equação a seguir:

 PMy PMy PMy 1


PY =  .PX 1 + .PX 2 + .PX 3 .
 PMX 1 PMX 2 PMX 3 3

onde PY é a precipitação do posto Y a ser estimada; PX1, PX2 e PX3 são as


precipitações correspondentes ao mês (ou ano) que se deseja preencher nos outros três
postos; PMy é a precipitação média do posto Y; PMX1 a PMX3 são as precipitações
médias nas três estações vizinhas.

Os postos vizinhos escolhidos devem estar numa região climática semelhante ao posto
a ser preenchido. O preenchimento efetuado por esta metodologia é simples e
apresenta algumas limitações, quando cada valor é visto isoladamente. Para o
preenchimento de valores diários de precipitação não se deve utilizar esta metodologia,
pois os resultados podem ser muito ruins. Normalmente valores diários são de difícil

54
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

preenchimento devido a grande variação espacial e temporal da precipitação para os


eventos de freqüências médias e pequenas.

Método da regressão linear


Também é um método simplificado, que utiliza uma regressão linear simples ou
múltipla para gerar informação no período com falha.

Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falhas (Y) e de um posto


vizinho (X) são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação
podem ser obtidas graficamente ou através do critério de mínimos quadrados.

Para o ajuste da regressão linear simples, correlaciona-se o posto com falhas (Y) com
outro vizinho (X). A correlação produz uma equação, cujos parâmetros podem ser
estimados por métodos como o de mínimos quadrados, ou graficamente através da
plotagem cartesiana dos pares de valores (X, Y), traçando-se a reta que melhor
representa os pares de pontos. Uma vez definida a equação semelhante à apresentada
abaixo, as falhas podem ser preenchidas.

Y = a + b. X

Por exemplo, considerando as duas séries de precipitação dos postos P1 (código ANA
03252006) e P2 (código ANA 03252008), ambos localizados próximos à Estação
Ecológica do Taim/RS, apresentadas na Tabela 5. 2. O preenchimento das falhas dos
meses de Abril e Maio no posto P1 pode ser feito com base na regressão linear
simples. A equação obtida é apresentada no gráfico da Figura 5. 10.
Tabela 5. 2: Dados de chuva mensal de dois postos pluviométricos no Sul do RS para exemplo de preenchimento de falhas.

Precipitação mensal (mm)


Mês/Ano
Posto 03252006 Posto 03252008
1/2001 211.1 106.5
2/2001 58.9 75.2
3/2001 178.1 256.3
4/2001 Falha 109.6
5/2001 Falha 113.1
6/2001 183.6 161.0
7/2001 164.1 180.8
8/2001 27.6 24.8
9/2001 209.0 139.4
10/2001 144.4 161.7
11/2001 135.8 116.0
12/2001 127.9 142.6

55
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

P2xP1 P1 = 0.9706.P2 + 2.2754


250

200

150
P1
100

50

0
0 50 100 150 200 250
P2

Figura 5. 10: Relação linear entre as precipitações mensais de dois postos pluviométricos no Sul do RS, para preenchimento de falhas.

Com base na equação ajustada por mínimos quadrados (Figura 5. 10), os valores de
chuva dos meses de Abril e Maio no posto P1 seriam 108,7 e 112,1 mm,
respectivamente.

Na regressão linear múltipla as informações pluviométricas do posto Y são


correlacionadas com as correspondentes observações de vários postos vizinhos
através de equações como a apresentada abaixo:

Y = a + b. X 1 + c. X 2 + d . X 3 + e. X 4 + ...

onde: a, b, c, d, e,... são os coeficientes a serem estimados a partir dos dados


disponíveis.

Análise de consistência de dados pluviométricos


A análise de consistência de dados pluviométricos é um conjunto de procedimentos
que é aplicado aos dados para verificar se são coerentes e se estão isentos de desvios
sistemáticos e erros diversos. A análise de consistência completa inclui um grande
número de métodos, e apenas uma breve introdução é apresentada neste texto.

Método Dupla-massa
Um dos métodos mais conhecidos para a análise de consistência dos dados de
precipitação é o Método da Dupla-Massa, desenvolvido pelo Geological Survey (USA).
A principal finalidade da aplicação do método é identificar se ocorreram mudanças no
comportamento da precipitação ao longo do tempo, ou mesmo no local de
observação.

56
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

O Método da Dupla-Massa é baseado no princípio que o gráfico de uma quantidade


acumulada, plotada contra outra quantidade acumulada, durante o mesmo período,
deve ser uma linha reta, sempre que as quantidades sejam proporcionais. A declividade
da reta ajustada nesse processo representa então, a constante de proporcionalidade.

Especificamente, devem ser selecionados os postos de uma região, acumular para cada
um deles os valores mensais (ou anuais), e plotar num gráfico cartesiano os valores
acumulados correspondentes ao posto a consistir (nas ordenadas) e de um outro posto
confiável adotado como base de comparação (nas abscissas). Pode-se também
modificar o método, considerando valores médios das precipitações mensais
acumuladas em vários postos da região, e plotar esses valores no eixo das abscissas.

Quando não se observa o alinhamento dos dados segundo uma única reta, podem ter
ocorrido as seguintes situações: alterações de condições climáticas ou condições físicas
do local, mudança de observador, ou erros sistemáticos de leitura.

Tendo sido constatada uma inconsistência nos dados é necessário identificar o fator
causador da mudança de declividade na curva de Dupla-Massa. A seguir é possível
tentar corrigir os dados suspeitos, usando um método semelhante ao de
preenchimento de falhas, mas fazendo uso dos dados suspeitos. Estes métodos são
explicados de forma mais completa em livros como o de Tucci (1993).

Chuvas totais anuais


A chuva média anual é uma das variáveis mais importantes na definição do clima de
uma região, bem como sua variabilidade sazonal. O total de chuva precipitado ao
longo de um ano influencia fortemente a vegetação existente numa bacia e as
atividades humanas que podem ser exercidas na região.

Na região de Porto Alegre, por exemplo, chove aproximadamente 1300 mm por ano,
em média. Em muitas regiões da Amazônia chove mais do que 2000 mm por ano,
enquanto na região do Semi-Árido do Nordeste há áreas com menos de 600 mm de
chuva por ano.

O clima, entretanto, não é constante, e ocorrem variações importantes em torno da


média da precipitação anual. A Figura 5. 11 apresenta um histograma de freqüências de
chuvas anuais de um posto localizado no interior de Minas Gerais, no período de 1942
a 2001. A chuva média neste período é de 1433 mm, mas observa-se que ocorreu um
ano com chuva inferior a 700 mm, e um ano com chuva superior a 2300 mm. A
distribuição de freqüência da Figura 5. 11 é aproximadamente gaussiana (parecida com
a distribuição Normal).

57
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Conhecendo o desvio padrão das chuvas e considerando que a distribuição é Normal,


podemos estimar que 68% dos anos apresentam chuvas
Chuvas anuais têm uma entre a média menos um desvio padrão e a média mais
distribuição de um desvio padrão. Da mesma forma podemos
freqüências semelhante a
considerar que 95% dos anos apresentam chuvas entre a
Normal.
média menos duas vezes o desvio padrão e a média mais
duas vezes o desvio padrão. O desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico
da Figura 5. 11 é de 298,8 mm.

Figura 5. 11: Histograma de freqüência de chuvas anuais no posto 02045005, no município de Lamounier (MG).

EXEMPLO

3) O desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico da Figura 5. 11 é de


298,8 mm e a média de 1433 mm. Estime qual o valor de precipitação anual
que é igualado ou superado apenas 5 vezes a cada 200 anos, em média.

A faixa de chuva entre a média menos duas vezes o desvio padrão e a média mais duas vezes o desvio
padrão inclui 95% dos anos em média, e 2,5 % dos anos tem precipitação inferior à média menos duas
vezes o desvio padrão, enquanto 2,5% tem precipitação superior à média mais duas vezes o desvio
padrão, o que corresponde a 5 anos a cada 200, em média. Assim, a chuva anual que é superada ou
igualada apenas 5 vezes a cada 200 anos é:

P2,5% = 1433+2x298,8 = 2030 mm

58
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Chuvas máximas
As chuvas intensas são as causas das cheias e as cheias são causas de grandes prejuízos
quando os rios transbordam e inundam casas, ruas, estradas, escolas, podendo destruir
plantações, edifícios, pontes etc. e interrompendo o tráfego. As cheias também podem
trazer sérios prejuízos à saúde pública ao disseminar doenças de veiculação hídrica.

Por estes motivos existe o interesse pelo conhecimento detalhado de chuvas máximas
no projeto de estruturas hidráulicas como bueiros, pontes, canais e vertedores.

O problema da análise de freqüência de chuvas máximas é calcular a precipitação P que


atinge uma área A em uma duração D com uma dada probabilidade de ocorrência em
um ano qualquer. A forma de relacionar quase todas estas variáveis é a curva de
Intensidade – Duração – Freqüência (curva IDF).

A curva IDF é obtida a partir da análise estatística de séries longas de dados de um


pluviógrafo (mais de 15 anos, pelo menos). A metodologia de desenvolvimento da
curva IDF baseia-se na seleção das maiores chuvas de uma duração escolhida (por
exemplo 15 minutos) em cada ano da série de dados. Com base nesta série de tamanho
N (número de anos) é ajustada uma distribuição de freqüências que melhor represente
a distribuição dos valores observados. O procedimento é repetido para diferentes
durações de chuva (5 minutos; 10 minutos; 1 hora; 12 horas; 24 horas; 2 dias; 5 dias) e
os resultados são resumidos na forma de um gráfico, ou equação, com a relação das
três variáveis: Intensidade, Duração e Freqüência (ou tempo de retorno).

A Figura 5. 12 apresenta uma curva IDF obtida a partir da análise dos dados de um
pluviógrafo que esteve localizado no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Cada uma
das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal estão as durações e no
eixo vertical estão as intensidades. Observa-se que quanto menor a duração maior a
intensidade da chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a
intensidade da chuva. Por exemplo, a chuva de 1 hora de duração com tempo de
retorno de 20 anos tem uma intensidade de 60 mm.hora-1.

59
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 5. 12: Curva IDF para a cidade de Porto Alegre, com base nos dados coletados pelo pluviógrafo do DMAE localizado no
Parque da Redenção, publicada pelo DMAE em 1972 (adaptado de Tucci, 1993).

Evidentemente as curvas IDF são diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF
do Parque da Redenção em Porto Alegre vale para a região próxima a esta cidade.
Infelizmente não existem séries de dados de pluviógrafos longas em todas as cidades,
assim, muitas vezes, é necessário considerar que a curva IDF de um local é válida para
uma grande região do entorno. No Brasil existem estudos de chuvas intensas com
curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades do interior,
apenas.

60
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Uma curva IDF também pode ser resumida na forma de uma equação. De maneira
geral as equações IDF tem a forma apresentada a seguir:

a ⋅ TR b
I=
(t d + c )d
onde I é a intensidade da chuva (mm.hora-1); a, b, c e d são parâmetros característicos
da IDF de cada local; TR é o tempo de retorno em anos; td é a duração da precipitação
em minutos.

Um trabalho recente revisou as curvas IDF baseada em dados do Aeroporto e do 8º.


Distrito de Meteorologia (DISME) de Porto Alegre (Bemfica, 1999), chegando às
equações dadas na Tabela 5. 3. Estas curvas foram ajustadas para durações de até 1440
minutos, e para tempos de retorno de até 100 anos.

Tabela 5. 3: Exemplos de equações de curves IDF.

Local Equação Fonte

8º. DISME – Porto Alegre, RS 1297,9 ⋅ TR 0,171 Bemfica, 1999


I=
(t d + 11,619 )0,85
Aeroporto – Porto Alegre, RS 826,806 ⋅ TR 0,143 Bemfica, 1999
I=
(t d + 13,326 )0,793

Em termos práticos, para a utilização de uma IDF é necessário informar o tempo de


retorno de projeto e a duração da chuva. O tempo de retorno a ser utilizado é um
critério relacionado com o tipo de obra de engenharia. Por exemplo, no projeto de um
sistema de drenagem pluvial urbano as bocas-de-lobo são em geral dimensionadas para
chuvas de 3 a 5 anos de período de retorno, enquanto que o vertedor de uma barragem
como Itaipú no rio Paraná, é dimensionado para uma vazão de 10.000 anos de período
de retorno. Com relação à duração da chuva, normalmente adota-se o critério de
utilização da duração da chuva igual ao tempo de concentração da bacia hidrográfica
para a qual será desenvolvido o estudo. Em alguns casos especiais, a duração da chuva
também pode seguir um critério pré-estabelecido, como por exemplo, a duração
máxima de 10 minutos é utilizada para o dimensionamento de redes de micro-
drenagem em Porto Alegre.

É interessante comparar as intensidade de chuva das curvas IDF apresentadas com as


chuvas da Tabela 5. 4, que apresenta as chuvas mais intensas já registradas no mundo,

61
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

para diferentes durações. Observa-se que existem regiões da China em que já ocorreu
em 10 horas a chuva de 1400 mm, que é equivalente ao total anual médio de
precipitação em Porto Alegre.

Tabela 5. 4: Chuvas mais intensas já registradas no Mundo (adaptado de Ward e Trimble, 2003).

Duração Precipitação Local e Data


(mm)

1 minuto 38 Barot, Guadeloupe 26/11/1970

15 minutos 198 Plumb Point, Jamaica 12/05/1916

30 minutos 280 Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974

60 minutos 401 Shangdi, Mongólia, China 03/07/1975

10 horas 1400 Muduocaidang, Mongólia, China 01/08/1977

24 horas 1825 Foc Foc, Ilhas Reunião 07 e 08/01/1966

12 meses 26461 Cherrapunji, Índia Ago. de 1860 a Jul. de 1861

Chuvas de projeto
Em projetos de drenagem urbana freqüentemente são geradas estimativas de vazão a
partir de informações de chuvas intensas. Para isto são gerados cenários com eventos
de chuva idealizados, denominados “eventos de chuva de projeto” ou “chuvas de
projeto”. As curvas IDF podem ser utilizadas para gerar chuvas de projeto, a partir da
obtenção de valores de precipitação em intervalos de tempo menores do que a duração
total da chuva.

Por exemplo, deseja-se obter a precipitação com 20 minutos de duração e 2 anos de


tempo de retorno da cidade de Porto Alegre, utilizando uma discretização temporal de
5 minutos. Na Tabela 5. 5 é apresentado esse processo usando uma curva IDF
desenvolvida a partir de dados medidos no IPH-UFRGS, para a qual os parâmetros
são a=509,86; b=0,196; c=10; d=0,72.

Na primeira coluna da tabela a duração respectiva de cada precipitação até os 20


minutos; na segunda coluna é apresentada a intensidade da precipitação
correspondente a cada duração; na terceira coluna é apresentada a lâmina de água

62
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

acumulada de chuva (=I*Tempo/60); e na última coluna é apresentada a precipitação de


forma desacumulada (Pacumt-Pacumt-1).
Tabela 5. 5: Exemplo da determinação da precipitação em intervalos de 5 minutos a partir da curva IDF.

Tempo (min) I (mm/h) Pacum (mm) P (mm)


5 83,11 6,93 6,93
10 67,56 11,26 4,33
15 57,54 14,38 3,12
20 50,46 16,82 2,44

É interessante observar que na última coluna da tabela anterior a precipitação encontra-


se “desagregada”, isto é, aparecem apenas os valores incrementais para o intervalo de
tempo de 5 minutos, no entanto, distribui-se do maior para o menor valor, como se
houvesse ocorrido uma “pancada” de chuva no início do tempo, e gradativamente a
mesma foi diminuindo. Isto pode não representar o comportamento real de uma
chuva. Assim, para gerar uma chuva de projeto existem alguns procedimentos para
fazer a redistribuição temporal da chuva gerada a partir de uma IDF, que serão
discutidos adiante no texto.

Leituras adicionais
Análise da aplicabilidade de padrões de chuva de projeto a Porto Alegre – Dissertação
de mestrado de Daniela da Costa Bemfica, IPH-UFRGS, 1999.

Exercícios
1) Qual é a diferença entre um pluviômetro e um pluviógrafo?

2) Além do pluviômetro e do pluviógrafo, quais são as outras opções para medir


ou estimar a precipitação?

3) Uma análise de 40 anos de dados revelou que a chuva média anual em um


local na bacia do rio Uruguai é de 1800 mm e o desvio padrão é de 350 mm.
Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuição normal, qual
é o valor de chuva anual de um ano muito seco, com tempo de recorrência de
40 anos?

4) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviográfico do Parque


da Redenção, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que
tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em
Porto Alegre?

63
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

5) Considerando a curva IDF do Aeroporto de Porto Alegre, qual é a intensidade


da chuva com duração de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser
igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre?

6) Admita que os dados do posto pluviométrico Hospital em Arroio Grande


(RS), apresentados na tabela abaixo, seguem uma distribuição normal. Calcule
a chuva total anual de um ano muito úmido, com tempo de retorno de 100
anos.

ANO P total annual (mm)


1954 1673,3
1955 1474,3
1956 1402,8
1957 1928,6
1958 1404,5
1959 1025,1
1960 1224.9
1961 1410,6
1962 1178,2
1963 1392,4
1964 918,5
1965 1383,7
1966 1633,0
1967 1223,7
1968 851,2
1969 1530,4
1970 1493,8
1971 1433,3
1972 1472,0
1973 1519,3
1974 1191,9
1975 1549,5
1976 1374,0
1977 1374,8
1978 1272,2
1979 1430,1
1980 1807,1
1981 1151,2
1982 1408,6
1983 2160,7
1984 1825,7

7) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviográfico do Parque


da Redenção, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que
tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em
Porto Alegre?

64
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

8) No dia 03 de janeiro de 2007 uma chuva intensa atingiu Porto Alegre. Na


Zona Sul a medição em um pluviômetro indicou 111 mm em 2 horas, e no
centro outro pluviômetro indicou 80 mm em 2 horas. Qual foi o tempo de
retorno da chuva em cada um destes locais? Considere intensidade constante e
utilize a curva IDF do Parque da Redenção.

9) Qual é a diferença entre a chuva de 10 anos de tempo de retorno e 15 minutos


de duração em Porto Alegre e a maior chuva já registrada no mundo com esta
duração? Utilize a equação da curva IDF do 8º. DISME de Porto Alegre.

10) Mostre que o cálculo de chuva média numa bacia usando o método de
interpolação ponderado pelo inverso da distância se o expoente b for igual a
zero é equivalente ao método da média aritmética.

11) Qual é a chuva média na bacia da figura abaixo considerando que a chuva
observada em A é de 1300 mm, a chuva observada em B é de 900 mm e a
chuva observada em C é de 1100 mm? Utilize o método dos polígonos de
Thiessen. Depois utilize o método da interpolação pelo inverso da distância ao
quadrado, aproximando a forma da bacia com células de 10 x 10 km, sendo
que a grade sobreposta ao desenho tem resolução de 1 x 1 km.

65
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

6
Interceptação

A
interceptação é a retenção de água da chuva antes que esta atinja o solo. A
interceptação é produzida pela cobertura vegetal e armazenamento em
depressões. O volume de água retido por interceptação fica disponível para a
evaporação, e, portanto, o principal efeito da interceptação em uma bacia é
aumentar a evaporação e reduzir o escoamento.

Relações entre interceptação e vegetação


A capacidade de interceptação depende das características da precipitação (intensidade,
duração, volume), das características da própria cobertura vegetal (vegetação de folhas
maiores possuem maior capacidade de interceptação), das condições climáticas
(quando há muito vento a capacidade de interceptação é diminuída), da época do ano
(por exemplo, no outono a capacidade de interceptação é praticamente nula em
árvores de folhas caducas), entre outros.

O papel da interceptação no balanço hídrico de uma bacia é mais importante em


regiões em que predominam chuvas de baixa intensidade. Nestes casos, a evaporação
da água interceptada ocorre durante o próprio evento chuvoso. Em regiões com
chuvas mais intensas o papel da interceptação no balanço hídrico é menor.

Alguns valores estimados para perdas por interceptação de acordo com o tipo de
vegetação são:

• prados, de 5 a 10% da precipitação anual;

• bosques espessos, cerca de 25% da precipitação anual.

Alguns autores sugerem que se a chuva total de um evento for inferior a 1 mm, ela será
interceptada em sua totalidade, e se for superior a 1 mm, a interceptação pode variar
entre 10 e 40%.

A quantificação de perdas devido à interceptação vegetal em uma floresta pode deve


ser feita através do monitoramento acima e abaixo da copa das árvores. Neste caso é
importante, também, monitorar o volume de água que escoa pelo tronco das árvores.
A diferença do volume total precipitado e volume de água que atravessa a vegetação
(considerando o volume escoado pelos troncos) fornece uma estimativa da
interceptação do local.

Em alguns casos são utilizadas relações entre a capacidade de interceptação e o tipo de


vegetação, com base no Índice de Área Foliar. O Índice de Área Foliar (IAF) é a
relação entre a área das folhas – todas as folhas – da vegetação de uma região e a área
do solo. Um valor de IAF igual a 2, por exemplo, significa que cada m2 de área de solo
está coberto por uma vegetação em que a soma das áreas das folhas individuais é de 2
m2.

Dados obtidos na literatura sugerem que o IAF tem valores em torno de 2 e 3 para
campo e pastagem, valores em torno de 6 a 9 para florestas, e valores de 0 (durante o
preparo de solo) a 6 (no mês de desenvolvimento máximo) em cultivos anuais. As
variações não são muito grandes e estes valores são relativamente confiáveis, dada a sua
repetição em diversas medições e estimativas apresentadas na literatura.

Tabela 6. 1: Valores do Índice de Área Foliar para diferentes tipos de vegetação.

Tipo de cobertura IAF Fonte


Coníferas 6 Bremicker (1998)
Floresta decídua 6* Bremicker (1998)
Soja irrigada 7,5* Fontana et al. (1992)
Soja não irrigada 6,0* Fontana et al. (1992)
Floresta amazônica 6 a 9,6* Honzák et al. (1996)
Pastagem amazônica (estiagem) 0,5 Roberts et al. (1996)
Pastagem amazônica (época úmida) 3,9 Roberts et al. (1996)
Savana Africana (região semi-árida -Sahel) 1,4* Kabat et al. (1997)
Cerrado (estiagem) 0,4 Miranda et al. (1996)
Cerrado (época úmida) 1,0 Miranda et al. (1996)

A lâmina interceptada durante um evento de chuva pode ser estimada com base no
valor de IAF para uma dada vegetação através da equação a seguir:

S IL = Fi ⋅ IAF (6.1)

onde SIL [mm] capacidade do reservatório de interceptação; Fi [mm] parâmetro de


lâmina de interceptação (Fi = 0,2 mm); IAF [-] índice de área foliar.

67
EXEMPLO

1) Um evento de chuva de 15 mm e de 4 horas de duração atinge uma bacia com


cobertura vegetal de florestas. Qual é a parcela da chuva que é interceptada?

Utilizando a relação entre o índice de área foliar e o volume interceptado (equação 6.1), e considerando
que o IAF da floresta é igual a 6 (ver tabela acima) a lâmina interceptada é calculada como:

SIL = 0,2 . 6 = 1,2 mm

Portanto a interceptação corresponde a 1,2 mm do total de 15 mm.

Armazenamento em depressões
Em áreas urbanas uma parcela grande da chuva é retida em depressões do terreno, e
não produz escoamento. As áreas das depressões normalmente são impermeáveis e,
portanto, também não existe infiltração significativa no solo. A água retida nestas
depressões, como poças da água, fica disponível para evaporar.

Leituras adicionais
A interceptação tem um papel importante quando se analisa as conseqüências da
mudança de cobertura vegetal em uma bacia sobre a hidrologia. Textos que revisam o
impacto do desmatamento ou do reflorestamento sobre a vazão dos rios podem ser
uma excelente fonte de informações adicionais. Recomenda-se aqui um artigo
publicado por Tucci e Clarke (Tucci, C. E. M.; Clarke, R. T. 1997 Impacto das
mudanças de cobertura vegetal no escoamento: Revisão. Revista Brasileira de Recursos
Hídricos. Vol 2. No.1. pp. 135-152.). Outra fonte adicional mais recente é o artigo de
Andréassian, V. (2004) Waters and forests: from historical controversy to scientific
debate, publicado no Journal of Hydrology Vol. 291 (1-27).

Exercícios
1) Qual é o impacto esperado do reflorestamento de uma bacia sobre a
interceptação? E sobre o escoamento?

2) Se durante um ano ocorrem 60 eventos de chuva com mais de 2 mm, qual é o


impacto da substituição de florestas por pastagens sobre o escoamento anual
em uma bacia onde a chuva anual é de 1200 mm?

68
Capítulo

7
Infiltração e água no
solo

I
nfiltração é definida como a passagem da água através da superfície do solo,
passando pelos poros e atingindo o interior, ou perfil, do solo. A infiltração de
água no solo é importante para o crescimento da vegetação, para o
abastecimento dos aquíferos (reservatórios de água subterrânea), para
armazenar a água que mantém o fluxo nos rios durante as estiagens, para reduzir o
escoamento superficial, reduzir as cheias e diminuir a erosão.

Composição do solo
A água infiltrada no solo preenche os poros originalmente ocupados pelo ar.
Assim, o solo é uma mistura de
materiais sólidos, líquidos e gasosos.
Na mistura também encontram-se
muitos organismos vivos (bactérias,
fungos, raízes, insetos, vermes) e
matéria orgânica, especialmente nas
camadas superiores, mais próximas
da superfície. A Figura 7. 1
apresenta a proporção das partes
mineral, água, ar e matéria orgância
tipicamente encontradas na camada
superficial do solo (horizonte A).
Aproximadamente 50% do solo é
composto de material sólido,
enquanto o restante são poros que
podem ser ocupados por água ou
Figura 7. 1: Composição típica do solo (Lepsch, 2004). pelo ar. O conteúdo de ar e de água
é variável.
A parte sólida mineral do solo normalmente é analisada do ponto de vista do
diâmetro das partículas. De acordo com o diâmetro as partículas são classificadas
como argila, silte, areia fina, areia grossa, e cascalhos ou seixos. A Tabela 7. 1
apresenta a classificação das partículas adotada pela Sociedade Internacional de
Ciência do Solo, de acordo com seu diâmetro.

Geralmente, os solos são formados por misturas de materiais das diferentes classes.
As características do solo e a forma com que a água se movimenta e é armazenada
no solo dependem do tipo de partículas encontradas na sua composição. Cinco
tipos de textura de solo são definidas com base na proporção de materiais de
diferentes diâmetros, conforme a Figura 7. 2.
Tabela 7. 1: Classificação das partículas que compõe o solo de acordo com o diâmetro.

diâmetro (mm) Classe


0,0002 a 0,002 Argila
0,002 a 0,02 Silte
0,02 a 0,2 Areia fina
0,2 a 2,0 Areia grossa

Figura 7. 2: Os cinco tipos de textura do solo, de acordo com a proporção de argila, areia e silte (Lepsch, 2004).

A porosidade do solo é definida como a fração volumétrica de vazios, ou seja, o


volume de vazios dividido pelo volume total do solo. A porosidade de solos
arenosos varia entre 37 a 50 %, enquanto a porosidade de solos argilosos varia
entre, aproximadamente, 43 a 52%. É claro que estes valores de porosidade podem
variar bastante, dependendo do tipo de vegetação, do grau de compactação, da

70
estrutura do solo (resultante da combinação das partículas finas em agregados
maiores) e da quantidade de material orgânico e vivo.

Água no solo
Quando um solo tem seus poros completamente ocupados por água, diz se que
está saturado. Ao contrário, quando está completamente seco, seus poros estão
completamente ocupados por ar. É desta forma que normalmente é medido o
grau de umidade do solo. Uma amostra de solo é coletada e pesada na condição de
umidade encontrada no campo. A seguir
esta amostra é seca em um forno a 105
o
C por 24 horas para que toda a
umidade seja retirada e a amostra é
pesada novamente. A umidade do solo é
calculada a partir da diferença de peso
encontrada.

Além deste método, denominado


gravimétrico, existem outras formas de
medir a umidade do solo. Um método
bastante utilizado é o chamado TDR
(Time Domain Reflectometry). Este
método está baseado na relação entre a
Figura 7. 3: Curva de retenção de água no solo (Ward e Trimble, 2004)
umidade do solo e a sua constante
dielétrica. Duas placas metálicas são
inseridas no solo e é medido o tempo de transmissão de um pulso eletromagnético
através do solo, entre o par de placas. A vantagem deste método é que não é
necessário destruir a amostra de solo para medir a sua umidade, e o monitoramento
pode ser contínuo.

Uma importante forma de analisar o comportamento da água no solo é a curva de


retenção de umidade, ou curva de retenção de água no solo (Figura 7. 3). Esta
curva relaciona o conteúdo de umidade do solo e o esforço (em termos de pressão)
necessário para retirar a água do solo.
Saturação: condição em que todos os Como uma esponja mergulhada em um balde, o solo
poros estão ocupados por água que é completamente imerso em água fica
completamente saturado. Ao ser suspensa no ar, a
Capacidade de campo: Conteúdo de
esponja perde parte da água que escoa devido à força
umidade no solo sujeito à força da
da gravidade. Da mesma forma o solo tem parte da sua
gravidade
umidade retirada pela ação da gravidade, atingindo uma
Ponto de murcha permanente: umidade situação denominada capacidade de campo. A partir
do solo para a qual as plantas não daí, a retirada de água do solo é mais difícil e exige a
conseguem mais retirar água e morrem ação de uma pressão negativa (sucção). As plantas
conseguem retirar água do solo até um limite de
sucção, denominado ponto de murcha permanente, a partir do qual não se
recuperarão mais mesmo se regadas.

71
A curva de retenção de água no solo é diferente para diferentes texturas de solo.
Solos argilosos tendem a ter maior conteúdo de umidade na condição de saturação
e de capacidade de campo, o que é positivo para as plantas. Mas, da mesma forma,
apresentam maior umidade no ponto de murcha. Observa-se na curva relativa à
argila que a umidade do solo argiloso no ponto de murcha permanente é de quase
20%, o que significa que nesta condição ainda há muita água no solo, entretanto
esta água está tão fortemente ligada às partículas de argila que as plantas não
conseguem retirá-la do solo, e morrem.

Balanço de água no solo


Em condições naturais a umidade do solo varia ao longo do tempo, sob o efeito
das chuvas e das variações sazonais de temperatura, precipitação e
evapotranspiração. Uma equação de balanço hídrico de uma camada de solo pode
ser expressa pela equação

∆V = P − Q − G − ET

onde ∆V é a variação de volume de água armazenada no solo; P é a precipitação; Q


é o escoamento superficial; G é a percolação e ET é a evapotranspiração.

A percolação (G) é a passagem da água da camada superficial do solo para camadas


mais profundas. A evapotranspiração é a retirada de água por evaporação direta do
solo e por transpiração das plantas. A infiltração é a diferença entre a precipitação
(P) e o escoamento superficial (Q).

Movimento de água no solo e infiltração


O solo é um meio poroso, e o movimento da água em meio poroso é descrito pela
equação de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu esta relação básica
realizando experimentos com areia, concluindo que
o fluxo de água através de um meio poroso é
proporcional ao gradiente hidráulico.

∂h ∂h
q=K⋅ e Q = K ⋅ A⋅
∂x ∂x

onde Q é o fluxo de água (m3.s-1); A é a área (m2) q


é o fluxo de água por unidade de área (m.s-1); K é a
condutividade hidráulica (m.s-1); h é a carga
Figura 7. 4: Termos do balanço de água no solo. hidráulica e x a distância.

A condutividade hidráulica K é fortemente

72
dependente do tipo de material poroso. Assim, o valor de K para solos arenosos é
próximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em
solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06 cm.hora-1. Portanto os solos
arenosos conduzem mais facilmente a água do que os solos argilosos, e a infiltração
e a percolação da água no solo são mais intensas e rápidas nos solos arenosos do
que nos solos argilosos.

Uma chuva que atinge um solo inicialmente seco será inicialmente absorvida quase
totalmente pelo solo, enquanto o solo apresenta muitos poros vazios (com ar). À
medida que os poros vão sendo preenchidos, a infiltração tende a diminuir, estando
limitada pela capacidade do solo de transferir a água para as camadas mais
profundas (percolação). Esta capacidade é dada pela condutividade hidráulica. A
partir deste limite, quando o solo está próximo da saturação, a capacidade de
infiltração permanece constante e aproximadamente igual à condutividade
hidráulica.

Uma equação empírica que descreve este comportamento é a equação de Horton,


dada abaixo:

f = fc + ( fo − fc ) ⋅ e − βt

onde f é a capacidade de infiltração num instante qualquer (mm.hora-1); fc é a


capacidade de infiltração em condição de saturação (mm.hora-1); fo é a capacidade
de infiltração quando o solo está seco (mm.hora-1); t é o tempo (horas); e β é um
parâmetro que deve ser determinado a partir de medições no campo (hora-1).

Esta equação é uma função exponencial assintótica ao valor fc, conforme


apresentado na Figura 7. 5.

Figura 7. 5: Curvas de infiltração de acordo com a equação de Horton, para solos argilosos e arenosos.

73
Os parâmetros de uma equação de infiltração, como a de Horton, podem ser
estimados a partir de experimentos no campo, sendo o mais comum o de medição
de capacidade de infiltração com o método dos anéis concêntricos.

O infiltrômetro de anéis concêntricos é constituído de dois anéis concêntricos de


chapa metálica (Figura 7. 6), com diâmetros variando entre 16 e 40 cm, que são
cravados verticalmente no solo de modo a restar uma pequena altura livre sobre
este. Aplica-se água em ambos os cilindros, mantendo uma lâmina líquida de 1 a 5
cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos de
tempo bem como o nível da água ao longo do tempo. A finalidade do cilindro
externo é manter verticalmente o fluxo de água do cilindro interno, onde é feita a
medição da capacidade de campo.

Figura 7. 6: Medição de infiltração utilizando o infiltrômetro de anéis concêntricos, e esquema do fluxo de água no solo.

Exercícios
1) Qual é o efeito esperado do pisoteamento do solo pelo gado sobre a
capacidade de infiltração?

2) Considere uma camada de solo de 1 m de profundidade cujo conteúdo de


umidade é 35% na capacidade de campo e de 12% na condição de ponto
de murcha permanente. Quantos dias a umidade do solo poderia sustentar
a evapotranspiração constante de 7 mm por dia de uma determinada
cultura?

3) Uma camada de solo argiloso, cuja capacidade de infiltração na condição de


saturação é de 4 mm.hora-1 , está saturado e recebendo chuva com
intensidade de 27 mm.hora-1. Qual é o escoamento (litros por segundo) que
está sendo gerado em uma área de 10m2 deste solo?

74
4) Uma medição de infiltração utilizando o método dos anéis concêntricos
apresentou o seguinte resultado. Utilize estes dados para estimar os
parâmetros fc, fo e β da equação de Horton.

Tempo (minutos Total infiltrado (mm)


0 0
1 30
2 40
3 45
4 49
5 51
6 52
7 54
8 56
9 57
10 59
15 63
20 66
25 70

75
Capítulo

8
Evapotranspiração

O
retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo
hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A
importância do processo de evapotranspiração permaneceu mal-
compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou
que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios,
posteriormente, como precipitação.

A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração.


Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar
diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas
de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode
ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste
caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A
transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte
da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera
através dos estômatos da folha.

Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a


evaporação é importante pelas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que
regularizam a vazão para as usinas. Além disso, a evapotranspiração é um processo
que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em
vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia,
portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água.

Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para


gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado
líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente
para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas
moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o
caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é
maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação.

As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de


atração intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que
na água líquida, e a força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de
evaporação a separação média entre as moléculas aumenta muito, o que significa
que é realizado trabalho em sentido contrário ao da força intermolecular, exigindo
grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molécula de água
líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de
evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de
água, como na equação 8.1:

λ = 2,501 − 0,002361⋅ Ts em MJ.kg-1 (8.1)

onde Ts é a temperatura da superfície da água em oC.

Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na


natureza, é provido pela radiação solar.

O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A


quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada
concentração de saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação
de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostrado
no capítulo 4. Quando o ar acima de um corpo d’água está saturado de vapor o
fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar esteja fornecendo a
energia do calor latente de evaporação.

Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições:

1. que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de
evaporação – esta energia (calor) pode ser recebida por radiação ou por
convecção (transferência de calor do ar para a água)

2. que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água.

Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa
de evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar
acima da superfície, maior a taxa de evaporação.

Fatores atmosféricos que afetam a evaporação


Os principais fatores atmosféricos que afetam a evaporação são a temperatura, a
umidade do ar, a velocidade do vento e a radiação solar.

Radiação solar
A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa
das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e
sofre transformações, como apresentado no capítulo 4.

O processo de fluxo de calor latente é onde ocorre a evaporação. A intensidade


desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Regiões mais próximas ao
Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de
evapotranspiração. Da mesma forma, em dias de céu nublado, a radiação solar é

77
refletida pelas nuvens, e nem chega a superfície, reduzindo a energia disponível para
a evapotranspiração.

Temperatura
A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar
mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a
evaporação.

Umidade do ar
Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está
evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera
próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação
diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor.

Velocidade do vento
O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar
úmido diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando.
O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por
difusão, isto é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à
superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este
processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência
causada pelo vento.

Medição de evaporação
A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de
mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de
tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o
Evaporímetro de Piche.

O tanque Classe A é um recipiente metálico que tem forma circular com um


diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro
galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de
madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre
5,0 e 7,5 cm da borda superior.

A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente


numa régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são
compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é
instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

78
Figura 8. 1: Tanque Classe A para medição de evaporação.

O evaporímetro de Piche é constituído por um tubo cilíndrico, de vidro, de


aproximadamente 30 cm de comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado
na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada, depois do
tubo estar cheio com água destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de
diâmetro, que deve ser previamente molhado com água. Este disco é fixo depois
com uma mola. A seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um
gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão.

Em geral, as medições de evaporação do Tanque Classe A são consideradas mais


confiáveis do que as do evaporímetro de Piche.

Transpiração
A transpiração é a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da
água através das plantas até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através
dos estômatos da folha.

A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela


umidade relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso intervém outras
variáveis, como o tipo de vegetação e o tipo de solo.

Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das


variáveis mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as
plantas transpiram livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis
atmosféricas. Porém, quando o solo começa a secar o fluxo de transpiração começa
a diminuir. As próprias plantas têm um certo controle ativo sobre a transpiração ao
fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na superfície das folhas por onde
ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.

79
Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que
ocorre em condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração
Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condições reais de umidade do solo é a
Evapotranspiração Real. A evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à
evapotranspiração potencial.

Medição da evapotranspiração
A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a
medição da evaporação. Existem dois métodos principais de medição de
evapotranspiração: os lisímetros e as medições micrometeorológicas.

Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os


quais são preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja
medir a evapotranspiração. O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo
do aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente,
assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por
orifícios no fundo do lisímetro. A evapotranspiração é calculada por balanço
hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a equação 8.2, onde ∆V é a
variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida num
pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e
Qb é o escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque).

E = P - Qs – Qb - ∆V (8.2)

Figura 8. 2: Lisímetros para medição de evapotranspiração.

A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a


medição das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta
freqüência. Próximo à superfície a velocidade do vento é paralela à superfície, o que
significa que o movimento médio na vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar
em movimento causa flutuações na velocidade vertical, que na média permanece
zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na
média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade
ascendente pode ser dada por w’.

80
A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste
valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente
superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente
inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar
mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao
mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido
para próximo da superfície.

De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e


pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto
sensores de resposta muito rápida para medir a velocidade do ar e sua umidade, e
um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo.

Estimativa da evapotranspiração por balanço


hídrico
A evapotranspiração pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis
que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante
ao apresentado na equação 8.2, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço
hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as
estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas
apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a
água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de
sair escoando pelo exutório.

Para estimar a evapotranspiração por balanço hídrico de uma bacia é necessário


considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período
relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível
considerar que a variação de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a
equação de balanço hídrico se reduz à equação 8.3.

E=P–Q (8.3)

EXEMPLO

1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão


média corresponde a 700 mm. Qual é a evapotranspiração anual?

A evapotranspiração pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do
armazenamento na bacia E = 1600 – 700 = 900 mm.

81
Equação de Thornthwaite
Uma equação muito utilizada para a estimativa da evapotranspiração potencial
quando se dispõe de poucos dados é a equação de Thornthwaite. Esta equação
serve para calcular a evapotranspiração em intervalo de tempo mensal, a partir de
dados de temperatura.
a
 10 ⋅ T 
E = 16 ⋅   (8.4)
 I 

onde E é a evapotranspiração potencial (mm.mês-1); FC é um fator de correção; T é


a temperatura média do mês (oC); e a e I são coeficientes calculados segundo as
equações que seguem:
1, 514
12
T j 
I = ∑  (8.5)
j =1  5 

a = 6,75 ⋅ 10 −7 ⋅ I 3 − 7,71 ⋅ 10 −5 ⋅ I 2 + 1,792 ⋅ 10 −2 ⋅ I + 0,49239

onde j é cada um dos 12 meses do ano; e Tj é a temperatura média de cada um dos


12 meses.

A equação de Thorntwaite foi desenvolvida com dados restritos do hemisfério


norte e se tornou popular mais pela sua simplicidade – usa apenas a temperatura –
do que pela sua precisão. Sua aplicação nas demais regiões do mundo exigiu a
adaptação de um fator de correção que depende do mês do ano e da latitude. Uma
tabela com os valores deste fator de correção pode ser encontrada no livro
Hidrologia: Ciência e Aplicação (Tucci, 1993). Para uma latitude baixa o fator de
correção não tem muita importância, mas para uma latitude de 30oS, como no RS,
os valores do fator de correção sugeridos podem alterar o valor original em mais de
20%.

EXEMPLO

2) Calcule a evapotranspiração potencial mensal do mês de Agosto de 2006


em Porto Alegre, onde as temperaturas médias mensais são dadas na figura
abaixo. Suponha que a temperatura média de agosto de 2006 tenha sido de
16,5 oC.

Mês Temperatura
Janeiro 24,6
Fevereiro 24,8
Março 23,0
Abril 20,0
Maio 16,8
Junho 14,4

82
Julho 14,6
Agosto 15,3
Setembro 16,5
Outubro 17,5
Novembro 21,4
Dezembro 25,5

O primeiro passo é o cálculo do coeficiente I a partir das temperaturas médias mensais obtidas da
tabela. O valor de I é 96. A partir de I é possível obter a = 2,1. Com estes coeficientes, a
evapotranspiração potencial é:
2 ,1
10 ⋅ 16,5 
E = 16 ⋅   =53,1 mm/mês
 96 

Portanto, a evapotranspiração potencial estimada para o mês de agosto de 2006 é de 53,1


mm/mês.

Equação de Penman-Monteith
As equações para cálculo da evapotranspiração são do tipo empírico ou de base
física. A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de
Penman-Monteith (equação 8.6).

 
 ∆ ⋅ (R L − G ) + ρ A ⋅ c p ⋅ (e s − e d ) 
 ra  1
E= ⋅ (8.6)
  rs   λ ⋅ρW
∆ + γ ⋅ 1 + 
 
  ra  

onde E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água; λ [MJ.kg-1] é o calor latente de


vaporização; ∆ [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com
a temperatura do ar; RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida que incide na superfície; G
[MJ.m-2.s-1] é o fluxo de energia para o solo; ρA [kg.m-3] é a massa específica do ar;
ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; cp [MJ.kg-1.ºC-1] é o calor específico do ar
úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1);es [kPa] é a pressão de saturação do vapor ; ed
[kPa] é a pressão real de vapor de água no ar; γ [kPa.ºC-1] é a constante
psicrométrica (γ = 0,66); rs [s.m-1] é a resistência superficial da vegetação; e ra [s.m-1]
é a resistência aerodinâmica.

Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações:


λ = (2,501 − 0,002361⋅ T ) (8.7)

PA
ρ A = 3,486 ⋅ (8.8)
275 + T

83
4098 ⋅ e s
∆= (8.9)
(237,3 + T )2
 17,27 ⋅ T 
e s = 0,6108 ⋅ exp  (8.10)
 237,3 + T 

UR
e d = es ⋅ (8.11)
100

PA
γ = 0,0016286 ⋅ (8.12)
λ

onde UR [%] é a umidade relativa do ar; PA [kPa] é a pressão atmosférica; e T [ºC] é


a temperatura do ar a 2 m da superfície.

Há uma analogia de parte da equação 8.6 com um circuito elétrico, em que o fluxo
evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no
ar (pressão de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é
uma combinação de resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência
superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática
das folhas. Mudanças na temperatura do ar e velocidade do vento vão afetar a
resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são enfrentadas pelas
plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou
superficial.

O valor de E, calculado pela 8.6, é convertido para as unidades de lâmina diária pela
equação a seguir.

E a = E ⋅ fc (8.13)

onde Ea [mm.dia-1] é a lâmina de evapotranspiração; E [m.s-1] é a taxa de


evaporação da água e fc [mm.s.dia-1.m-1] é um fator de conversão de unidades (fc =
8,64.107).

A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo


sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é
refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre
e da energia que é transmitida ao solo.

Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a


superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de
insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de
nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida
disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível.

A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação


medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo

84
RL da equação de Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que
desconta a parte da radiação refletida.

R L = SSUP ⋅ (1 − α ) (8.14)

onde RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida na superfície; SSUP [MJ.m-2.s-1] é a radiação


que atinge a superfície (valor medido); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação
incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do
solo).

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de


nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a
como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da
região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo.

A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o


céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

24
N= ⋅ ωs (8.15)
π

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer


(depende da latitude e da época do ano), e é dado por:

ω s = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ ) (8.16)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério


sul); ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar,
dada por:

 2⋅π 
δ = 0,4093 ⋅ sin  ⋅ J − 1,405 (8.17)
 365 

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a


partir de 1˚ de janeiro).

A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época


do ano:

ρW ⋅ λ
S TOP = 15,392 ⋅ ⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ω s ) (8.18)
1000

onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no


topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a
declinação solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr
[-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por:

85
 2⋅π 
d r = 1 + 0,033 ⋅ cos ⋅ J (8.19)
 365 

onde J é o dia do calendário Juliano.

A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria


atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais
responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície
terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

 n
SSUP =  a s + b s ⋅  ⋅ S TOP (8.20)
 N

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do


ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da
atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da
radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a
fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N).

Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas,
são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as
e bs (Shuttleworth, 1993).

Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é


utilizada com n medido e N estimado pela equação 8.15. Quando a estação dispõe
de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente.

Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme
já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas,
de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela
de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm.

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende,


basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera.
Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando
em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A
equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície
terrestre.
4
L n = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273,2 ) (8.21)

onde Ln [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-


] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura
média do ar a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é
uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.

86
ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d ) (8.22)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa].

O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f)


pode ser estimado com base na equação a seguir:

n
f = 0,1 + 0,9 ⋅ (8.23)
N

Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman-


Monteith – pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de
tempo é relativamente grande (1 dia).

Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas


resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência
superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a
dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é
dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido,
dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência
contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à
superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies
líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera.

A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos


enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência.
2
6,25   10  
ra = ⋅  ln    para h < 10 metros (8.24)
u m ,10   z0 

94
ra = para h > 10 metros (8.25)
u m ,10

onde ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica; um,10 [m.s-1] é a velocidade do vento a 10


m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície; h [m] é altura média da cobertura
vegetal.

A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da


vegetação.

As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento


medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de
10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998).

87
  10  
 ln   
 z 
u m ,10 = u m,2 ⋅   0   (8.26)
 ln  2  
 z 
  0 

onde um,10[m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; um,2 [m.s-1] é a velocidade


do vento a 2 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície.

A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da


resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao
fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é
diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como
a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior
parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e,
portanto, pode controlar a resistência superficial.

A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em


condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de
resistência superficial são mínimos.

A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode


ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama
utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência
superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade.
Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de
umidade do solo.

Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada
por evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a
evapotranspiração diminui. A redução da evapotranspiração não ocorre
imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um
limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspiração não é
afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração é diminuída,
atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente.
Neste ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve
tender ao infinito).

Evapotranspiração potencial de referência


A evapotranspiração potencial de referência pode ser obtida utilizando a equação
de Penman-Monteith considerando o valor do parâmetro rs (resistência superficial)
de 69 s.m-1. Este valor corresponde ao apresentado por um tipo de grama utilizada
como referência em medições de evapotranspiração de lisímetro, em boas
condições de umidade do solo.

88
Evapotranspiração real e potencial
A evapotranspiração real é o fluxo de calor latente para atmosfera que realmente
ocorre em uma dada situação. A evapotranspiração real depende dos fatores
atmosféricos, de características do solo e das plantas e da disponibilidade de água.
Em uma área com a vegetação bem suprida de água a evapotranspiração real é igual
à potencial. Porém a evapotranspiração potencial é diferente para cada tipo de
vegetação. Para simplificar a análise freqüentemente se utiliza o conceito da
evapotranspiração potencial da vegetação de referência. E, a partir desta, são
calculados os valores de evapotranspiração potencial de outros tipos de vegetação,
utilizando um ponderador denominado “coeficiente de cultivo” (Kc), como mostra
a equação 8.27:

EV = E R ⋅ K c (8.27)

onde EV é a evapotranspiração potencial de um tipo de vegetação; ER


evapotranspiração potencial de referência; Kc é o coeficiente de cultivo.

A vegetação de referência normalmente adotada para os cálculos é um tipo de


grama, e a sua evapotranspiração pode ser estimada a partir de dados de um
lisímetro ou usando uma equação como a de Penman-Monteith (veja item
anterior).

Caso se considere que os valores de Kc variam de acordo com a umidade do solo,


então a estimativa EV, calculada pela equação 8.27 pode representar uma estimativa
da evapotranspiração real.

Valores de Kc para diferentes tipos de vegetação, especialmente culturas agrícolas,


estão disponíveis na literatura especializada. O valor de Kc raramente supera 1,
porém alguns tipos de vegetação tem evapotranspiração potencial superior à da
grama de referência, e, nestes casos, o valor de Kc pode se chegar até cerca de 1,2.

Evaporação em reservatórios
A evaporação da água de reservatórios é de especial interesse para a engenharia,
porque afeta o rendimento de reservatórios para abastecimento, irrigação e geração
de energia. Reservatórios são criados para regularizar a vazão dos rios, aumentando
a disponibilidade de água e de energia nos períodos de escassez. A criação de um
reservatório, entretanto, cria uma vasta superfície líquida que disponibiliza água
para evaporação, o que pode ser considerado uma perda de água e de energia.

A evaporação da água em reservatórios pode ser estimada a partir de medições de


Tanques Classe A, entretanto é necessário aplicar um coeficiente de redução em
relação às medições de tanque. Isto ocorre porque a água do reservatório
normalmente está mais fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno
e está completamente exposta à radiação solar.

89
Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar
que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em
Tanque Classe A na mesma região, isto é:

Elago = Etanque . Ft

Onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8.

O reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem


uma área superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do
mundo, está numa das regiões mais secas do Brasil. Em conseqüência disso, a
evaporação direta deste reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a
cerca de 10% da vazão regularizada do rio São Francisco. Esta perda de água por
evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de transposição do rio São
Francisco, idealizado pelo governo federal.

Leituras adicionais
Uma boa fonte de referência para ampliar os conhecimentos sobre o processo de
evapotranspiração e sobre a estimativa da evapotranspiração para diferentes tipos
de vegetação, especialmente os cultivos agrícolas, é o FAO Irrigation and Drainage
Paper no. 56, de autoria de Richard G. Allen; Luis S. Pereira; Dirk Raes; e Martin
Smith, que pode ser encontrado em formato PDF na Internet.

Exercícios
1) Um rio cuja vazão média é de 34 m3.s-1 foi represado por uma barragem
para geração de energia elétrica. A área superficial do lago criado é de 5000
hectares. Considerando que a evaporação direta do lago corresponde a 970
mm por ano, qual é a nova vazão média a jusante da barragem?

2) Uma bacia de 2300 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão


média corresponde a 14 m3.s-1. Calcule a evapotranspiração total desta
bacia. Calcule o coeficiente de escoamento anual desta bacia.

3) A vegetação tem um papel importante no processo de


evapotranspiração, exercendo algum controle sobre a quantidade de
água que passa através das raízes, caule e folhas. Tipos diferentes de
plantas atuam de forma diferente, controlando o processo de
transpiração com maior ou menor intensidade. Entretanto, a
evapotranspiração real de qualquer tipo de vegetação normalmente não
supera a evapotranspiração potencial, que está limitada pela
disponibilidade de energia solar e pelas condições da atmosfera
(umidade relativa, velocidade do vento e temperatura). Em torno da
questão da evapotranspiração de uma espécie em particular, o
eucalipto, cultivado para produzir madeira e celulose, existe um intenso
debate. Um antigo trabalho afirma que o consumo de cada eucalipto

90
em uma floresta no RS é de 36,6 mil litros de água por ano. Faça um
comentário sobre esta estimativa, considerando:

a. Florestas de eucalipto são plantadas com espaçamento entre as


plantas que varia entre 2 m entre linhas e entre colunas, o que
representa uma planta a cada 4 m2 e 2x3 m (representando uma
planta a cada 6 m2).

b. Uma estimativa do limite superior para o valor da


evapotranspiração potencial de qualquer tipo de vegetação é
energia recebida no topo da atmosfera. As latitudes da região
sul do RS estão ao sul de 30 S.

91
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

9
Água subterrânea

A água subterrânea corresponde a, aproximadamente, 30% das reservas de água


doce do mundo. Desconsiderando a água doce na forma de gelo, a água
subterrânea corresponde a 99% da água doce do mundo. Seu uso é
especialmente interessante porque, em geral, exige menos tratamento antes
do consumo do que a água superficial, em função de uma qualidade inicial melhor. Em
regiões áridas e semi-áridas a água subterrânea pode ser o único recurso disponível para
consumo.

Armazenamento de água subterrânea


A água no subsolo fica contida em formações geológicas consolidadas ou não, em que
os poros estão saturados de água, denominadas aqüíferos. A capacidade de um
aqüífero de conter água é definida pela sua porosidade, definida como a relação entre o
volume de vazios e o volume total.

Uma formação geológica que é pouco porosa, contém pouca água e, principalmente,
que impede a passagem da água, é denominada aqüitardo.

Existem dois tipos de aqüíferos: confinados e não-confinados, ou livres. Um aqüífero


confinado está inserido entre duas camadas impermeáveis (aquitardos). Um aqüífero
livre é o aquífero que pode ser acessado desde a superfície, sem a necessidade de passar
através de uma camada impermeável.

A porosidade é a medida relativa do volume de vazios em um meio poroso. É


calculada pela divisão entre o volume de vazios e o volume total:

Vvazios
φ=
Vtotal
A pressão, ou carga hidráulica em um determinado ponto de um aqüífero depende do
tipo de aqüífero e da posição em que está sendo medida. A carga hidráulica é medida
através de piezômetros, que são poços estreitos para medição do nível da água. Em
aqüíferos livres a carga hidráulica pode ser considerada igual à cota do lençol freático,
como mostra a Figura 9. 1. Em aqüíferos confinados, a carga hidráulica pode ser maior
do que a altura da água. Isto ocorre quando a água no aqüífero está sob pressão (ver
figura do exemplo a seguir).

Figura 9. 1: Piezômetros para medição de nível da água subterrânea em um aqüífero livre.

Fluxo de água subterrânea


A água subterrânea se movimenta através dos espaços vazios interconectados do solo e
do subsolo e ao longo de linhas de fratura das rochas. O fluxo da água em um meio
poroso pode ser descrito pela equação de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu
esta relação básica realizando experimentos com areia, concluindo que o fluxo de água
através de um meio poroso é proporcional ao gradiente hidráulico, ou às diferenças de
pressão.

∂h ∂h
q=K⋅ e Q = K ⋅ A⋅
∂x ∂x

onde Q é o fluxo de água (m3.s-1); A é a área (m2) q é o fluxo de água por unidade de
área (m.s-1); K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h é a carga hidráulica e x a distância.

A condutividade hidráulica K é fortemente dependente do tipo de material poroso.


Assim, o valor de K para solos arenosos é próximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos
este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06
cm.hora-1. Portanto os solos arenosos conduzem mais facilmente a água do que os

93
solos argilosos, e a infiltração e a percolação da água no solo são mais intensas e rápidas
nos solos arenosos do que nos solos argilosos.

A condutividade hidráulica das rochas também depende do tipo de rocha, sendo maior
em rochas sedimentares, como o arenito , e menor em rochas ígneas ou metamórficas,
exceto quando estas são muito fraturadas, neste caso sua condutividade pode ser
relativamente alta.

A Tabela 9. 1 apresenta faixas de valores de condutividade hidráulica normalmente


encontrados em diferentes tipos de solos e rochas.

Tabela 9. 1: Condutividade hidráulica de materiais porosos e rochas.

Material Limite inferior (mm.s-1) Limite superior (mm.s-1)


Karst 10-3 103
Rochas ígneas e metamórficas fraturadas 10-5 10
Arenito 10-8 10-4
Rochas ígneas e metamórficas não fraturadas 10-10 10-4
Areia 10-2 102
Seixos 10-1 103

A transmissividade de um aquífero é definida como a condutividade hidráulica vezes a


espessura do aquífero. As unidades da transmissividade hidráulica são m2.s-1, ou cm2.s-1,
ou m2.dia-1. Assim, um aqüífero com condutividade de 10-4 cm.s-1, e com uma
espessura de 10 m, tem uma transmissividade de 10-1 cm2.s-1.

EXEMPLO

1) Considere um aqüífero confinado entre duas camadas impermeáveis, como


mostra a figura a seguir. Dois piezômetros, instalados a uma distância dL de
1000 metros mostram níveis de 42,1 (A) e 38,3 (B) metros? A espessura do
aqüífero (m) é de 10,5 metros, e a condutividade hidráulica é de 83,7 m.dia-1.
Calcule a transmissividade do aqüífero e a vazão através do aqüífero, por
unidade de largura, em m3.dia-1.m-1.

94
O gradiente de pressão no aqüífero é

dh 42,1 − 38,3 3,8


= = = 0,0038 m.m-1
dL 1000 1000

a transmissividade é o produto da condutividade e da espessura do aqüífero:

T = K ⋅ m = 83,7 ⋅ 10,5 = 879 m2.dia-1

A vazão através do aqüífero é

dh
Q = A⋅ K ⋅
dL

Considerando a área A como o produto da espessura m e da largura (B) a vazão é calculada por

dh dh 42.1 − 38.3
Q = B⋅m⋅ K ⋅ = B ⋅T ⋅ = B ⋅ 879 ⋅ = B ⋅ 3,34 m3.dia-1
dL dL 1000

Considerando uma largura unitária do aqüífero (1m) a vazão é de 3,34 m3.dia-1.m-1.

Assim, se a largura do aqüífero for de 100 m, a vazão é de 334 m3.dia-1.

Equação de continuidade
Considerando um volume de controle em um aqüífero como o ilustrado na figura a
seguir, a massa de água que entra no volume de controle menos a quantidade de água
que deixa um volume de controle ao longo de um intervalo de tempo deve ser igual à
variação da massa de água armazenada no volume de controle durante este intervalo de
tempo.

95
Figura 9. 2: Princípio da conservação de massa em um volume de controle de um aqüífero.

A massa de água entrando no volume de controle é o produto da massa específica e da


vazão de entrada. A massa de água saindo do volume é o produto da massa específica e
da vazão de saída. A variação da massa de água armazenada é dada por:


(ρV )
∂t

Assim, a a equação da continuidade para este volume de controle é:


ρ ⋅ q x − ρ ⋅ q x + ∆x = − (ρV )
∂t

Reescrevendo esta equação para um volume de controle infinitesimal:

∂q ∂
= − (ρV )
∂x ∂t

Considerando um volume de controle tridimensional, a equação fica:

∂q ∂q ∂q ∂
+ + = − ( ρV )
∂x ∂y ∂z ∂t

E, introduzindo a equação de Darcy, a equação acima pode ser escrita como:

∂  ∂h  ∂  ∂h  ∂  ∂h  ∂
 K x ⋅  +  K y ⋅  +  K z ⋅  = − ( ρV )
∂x  ∂x  ∂y  ∂y  ∂z  ∂z  ∂t

em que h é a pressão, ou carga hidráulica e onde Kx, Ky e Kz correspondem à


condutividade hidráulica nas direções x, y e z, respectivamente.

96
Considerando o escoamento em regime permanente, não há variação de volume
armazenado, por isso o lado direito da equação acima é nulo. Além disso,
considerando um meio saturado e isotrópico, isto é, em que a condutividade hidráulica
é constante e igual em todas as direções, a equação acima pode ser reescrita como:

∂2h ∂2h ∂2h


+ + =0
∂x 2 ∂y 2 ∂z 2

que é conhecida como equação de Laplace.

Se o aqüífero tem um comportamento bidimensional, a equação acima pode ser


reduzida para:

∂2h ∂2h
+ =0
∂x 2 ∂y 2

As equações acima podem ser resolvidas para algumas situações típicas de muito
interesse na hidrologia, como o fluxo de água entre dois canais, e o fluxo de água para
um poço.

Fluxo de água em regime permanente entre dois canais – aqüífero livre


Em um aqüífero não-confinado localizado entre dois poços ou canais, com recarga
constante (Figura 9. 3), a solução das equações de movimento da água subterrânea em
regime permanente pode ser obtida pela aproximação de Dupuit.

Figura 9. 3: Aquífero livre entre dois cursos de água, com recarga constante (w).

97
O nível da água h, em um ponto qualquer x, a partir do canal da esquerda, como
mostra a figura, pode ser calculado a partir da equação:
2
(h − h22 ⋅ x w
)
h 2 = h12 − 1
+ ⋅ (L − x ) ⋅ x
L K

onde h é o nível da água do aqüífero livre num ponto qualquer x; h1 é o nível da água
constante no canal da esquerda da figura; h2 é o nível constante no canal a direita da
figura; x é a distância a partir do canal da esquerda; L é a distância total entre os canais;
w é a taxa de recarga (m.s-1); e K é a condutividade hidráulica (m.s-1).

A distância d onde ocorre o máximo nível da água no aqüífero pode ser estimada por:

L K h12 − h22
( )
d= −
2 w 2⋅L

A vazão por unidade de largura do aqüífero (q) em um ponto qualquer x pode ser
calculada por:

K ⋅ h12 − h22
( ) L 
q= − w ⋅  − x
2⋅L 2 

e a vazão total do aqüífero, considerando uma largura B, pode ser estimada por:

Q = q.B

Se h1 e h2 forem iguais, d deve ser igual a L/2. E, em qualquer situação de h1 e h2, na


posição x = d o fluxo de água é igual a zero (q=0).

EXEMPLO

2) Dois canais paralelos, distantes entre si 200 m estão interligados por um


aqüífero cuja condutividade hidráulica é de 10 mm.dia-1, de forma semelhante à
situação da Figura 9. 3. O nível da água nos dois canais é igual a 10m. Calcule o
nível da água máximo no aqüífero, considerando uma recarga constante e igual
a 0.3 mm.dia-1. E se a recarga for igual a zero?

A condutividade hidráulica do arenito consolidado varia entre 10-5 e 10-2 m.dia-1. Assumindo o valor
de 10-4 m.dia-1 e transformando para mm.dia-1 temos K = 0.1 mm.dia-1.

98
A recarga w corresponde a 0.3 mm.dia-1.

Neste tipo de problema é possível calcular o nível da água em qualquer ponto pela equação
2
(h − h22 ⋅ x w
)
h 2 = h12 − 1
+ ⋅ (L − x ) ⋅ x
L K

O nível da água máximo nesta situação vai ocorrer a uma distância d igual a L/2. Substituindo x por
L/2 na equação acima, e resolvendo para h, encontramos

L
(10 2
)
− 10 2 ⋅
2 + 0,3 ⋅  L − L  ⋅ L = 100 + 0,3 ⋅ (100 )2 = 400
h 2 = 10 2 −
L 10  2 2 10

e h=20 m.

Ou seja, o nível da água máximo no aqüífero é de 20 m. Já se a recarga for zero, o nível da água
máximo é igual ao nível da água nos canais.

Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero confinado


Em um aqüífero confinado em torno de um poço, que retira água a uma taxa
constante Q, sem recarga significativa em torno do poço (Figura 9. 4), a solução das
equações de movimento da água subterrânea em regime permanente resulta na
equação de Theim:

2 ⋅ π ⋅ T ⋅ (h2 − h1 )
Q=
r 
ln  2 
 r1 

onde T é a transmissividade hidráulica (m2.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas


distantes respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo
retirada do poço (m3.s-1).

A uma distância R do poço a altura piezométrica do aqüífero não sofre influência da


extração de água do poço e permanece em seu valor original H (Figura 9. 4).

A equação anterior pode ser utilizada, entre outras coisas, para estimar o rebaixamento
do nível piezométrico em função da extração de água de um poço.

99
Figura 9. 4: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero confinado.

EXEMPLO

3) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma


semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o
raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é
igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. A vazão retirada do poço é
de 6 m3.hora-1. Calcule o rebaixamento do nível piezométrico que deve ocorrer
no local do poço.

A vazão retirada do poço equivale a 0,001667 m3.s-1. A transmissividade T pode ser calculada pelo
produto da espessura (30 m) e da condutividade hidráulica (10-6 m.s-1). O rebaixamento do aqüífero
pode ser encontrado reorganizando a equação de Theim, considerando que o rebaixamento é a diferença
entre h2 e h1, e considerando que r1 é o raio do poço e que r2 é o raio do poço (R).

Q R
(h2 − h1 ) = ⋅ ln  
2 ⋅ π ⋅ T  r1 

0,001667  500 
(h2 − h1 ) = −6
⋅ ln   = 69,2 m
2 ⋅ π ⋅ 30 ⋅ 10  0 ,2 

Assim, o rebaixamento do nível piezométrico no local do poço será de 69,2 m.

100
Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero livre
Uma solução semelhante pode ser encontrada para o fluxo de água em regime
permanente para um poço que retira água de um aqüífero livre. Neste caso a equação a
seguir descreve a relação entre a vazão do poço (Q) e as outras variáveis:

π ⋅ K ⋅ (h22 − h12 )
Q=
r 
ln  2 
 r1 

onde K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas distantes


respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo retirada do
poço (m3.s-1).

Figura 9. 5: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero não-confinado.

Recarga de água subterrânea


A recarga de água subterrânea ocorre por percolação da água da camada superior do
solo que normalmente não está saturada. Em geral a recarga de um aqüífero não é

101
contínua, mas depende dos eventos de chuva. Durante os períodos de mais chuva e ou
menos evapotranspiração é que ocorre a recarga mais significativa dos aqüíferos.

A recarga de um aqüífero pode ser estimada por cálculos de balanço hídrico da camada
superior do solo, entretanto este método não é muito preciso em função do grande
número de variáveis que precisam ser estimadas.

Para valores médios de longo prazo, um método indireto de estimar a recarga dos
aqüíferos de uma bacia hidrográfica é baseado na separação de escoamento superficial
e subterrâneo nos hidrogramas observados.

Interação rio-aquífero
As águas superficiais e subterrâneas são parte de um único ciclo hidrológico. Sua
interface, normalmente ocorre na forma de infiltração e percolação e na ocorrência de
nascentes, ou fontes.

Normalmente, durante as estiagens a vazão dos rios é mantida pela descarga de


aqüíferos. Isto ocorre pontualmente em alguns locais em que existe descarga do
aqüífero ou de forma distribuída, ao longo do curso de água, como mostra a Figura 9.
6a. Em alguns casos pode ocorrer o inverso: o rio abastece o aqüífero com água Figura
9. 6b.

(a) (b)
Figura 9. 6: Rio recebendo água do aqüífero durante uma estiagem (a); e rio abastecendo o aquífero de água.

Considerando que toda a água, superficial e subterrânea, faz parte do mesmo ciclo
hidrológico, pode-se imaginar que a extração de água em poços deve causar impactos
sobre a disponibilidade de água superficial.

102
A Figura 9. 7 apresenta situações em que a presença de um poço diminui o aporte de
água do aqüífero para um rio. Na situação da Figura 9. 7a não existe extração de água
superficial e o aqüífero descarrega para o rio, mantendo a vazão do rio na estiagem. Na
situação da Figura 9. 7b a extração de água do poço ocorre e influencia o fluxo de água
subterrânea. Parte do fluxo que seguiria para o rio é desviado para o poço, mas não há
fluxo do rio para dentro do aqüífero. Já na situação da Figura 9. 7c a vazão retirada
pelo poço é tão alta que além de modificar o fluxo subterrâneo, a extração de água gera
uma recarga induzida do aqüífero.

Figura 9. 7: Interação entre um rio e um aquífero que descarrega para um rio na ausência de poços (a); na presença de um poço que elimina parte do
aporte do aqüífero para o rio (b); e na presença de um poço que induz recarga do aqüífero (c).

Exercícios
1) Um fazendeiro A acusa o seu vizinho B de que a extração de água de um novo
poço de B afetou a vazão do poço de A. Os dois poços estão distantes cerca
de 1 Km em uma região relativamente plana. Os dois poços tem raio de 30
cm, e estão retirando água do mesmo aqüífero livre, cuja condutividade
hidráulica é de 10-2 m.dia-1. O vizinho B retira 40 m3.dia-1 do seu novo poço e o
nível da água se estabilizou 10 m abaixo do original. Verifique se a acusação
pode ter fundamento utilizando a equação da vazão para um poço em aqüífero
livre.

2) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma


semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o
raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é
igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. Qual é a máxima vazão que
pode ser retirada para que o rebaixamento do nível piezométrico no local do
poço não exceda 20 m. E qual é a vazão máxima que pode ser retirada para
que o rebaixamento do nível piezométrico não exceda 2 m a 500 m do local do
poço?

103
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

10
Geração de escoamento

V azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio
dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o
tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de
litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual
expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1
corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo).

A vazão de um rio é o resultado da interação entre a precipitação e a bacia, e depende


das características da bacia que influenciam a infiltração, armazenamento e
evapotranspiração.

O escoamento em uma bacia é, normalmente, estudado em duas partes: geração de


escoamento e propagação de escoamento. O escoamento tem origens diferentes
dependendo se está ocorrendo um evento de chuva ou não.

Durante as chuvas intensas, a maior parte da vazão que passa por um rio é a água da
própria chuva que não consegue penetrar no solo e escoa
Escoamento superficial imediatamente, atingindo os cursos d’água e aumentando a vazão. É
ocorre durante e desta forma que são formados os picos de vazão e as cheias ou
imediatamente após a chuva. enchentes. O escoamento rápido que ocorre em conseqüência direta
Escoamento subterrâneo é o das chuvas é chamado de escoamento superficial (figura 10.1).
que mantém a vazão dos rios
durante as estiagens. Nos períodos secos entre a ocorrência de eventos de chuva a vazão
de um rio é mantida pelo esvaziamento lento da água armazenada na
bacia, especialmente da água subterrânea. Assim, o escoamento lento que ocorre
durante as estiagens pode ser chamado de escoamento subterrâneo, porque a maior
parte da água está chegando ao rio via fluxo de água através do subsolo.
Figura 10.1: Hidrograma de um rio como resposta a um evento de chuva: durante e imediatamente após a chuva predomina
o escoamento superficial, enquanto durante a estiagem predomina o escoamento subterrâneo.

Geração de escoamento durante a chuva


No capítulo 7 é analisado o processo de infiltração de água da chuva no solo.
Dependendo da intensidade da chuva, parte da água não consegue infiltrar no solo e
começa a se acumular na superfície. Em determinadas condições a água começa a
escoar sobre a superfície, formando pequenos córregos temporários ou escoando na
forma de uma lâmina em superfícies mais lisas. O escoamento gerado desta forma é
denominado escoamento superficial, e é importante porque gera os picos de vazão nos
rios, como resposta aos eventos de chuva.

A geração do escoamento é um dos temas mais complexos da hidrologia porque a


variabilidade das características da bacia é muito grande, e porque a água pode tomar
vários caminhos desde o momento em que atinge a superfície, na forma de chuva, até
o momento em que chega ao curso d’água.

Existem dois principais processos reconhecidos na formação do escoamento


superficial: precipitação de intensidade superior à capacidade de infiltração; e
precipitação sobre solos saturados.

105
Se uma chuva com intensidade de 30 mm.h-1 atinge um solo cuja capacidade de
infiltração é de 20 mm.h-1, uma parte da chuva (10 mm.h-1) se transforma em
escoamento superficial. Este é o processo de geração de escoamento por excesso de
chuva em relação à capacidade de infiltração, também conhecido como processo
Hortoniano, porque foi primeiramente reconhecido por Horton (1934).

O processo Hortoniano é importante em bacias urbanas, em áreas com solo


modificado pela ação do homem, ou em chuvas muito intensas, mas é raramente visto
em bacias naturais durante chuvas menos intensas, onde o escoamento superficial é
quase que totalmente originado pela parcela da precipitação que atinge zonas de solo
saturado.

Solos saturados são normalmente encontrados próximos à rede de drenagem, onde o


nível do lençol freático está mais próximo da superfície.

Volume de escoamento: método SCS


Um dos métodos mais simples e mais utilizados para estimar o volume de escoamento
superficial resultante de um evento de chuva é o método desenvolvido pelo National
Resources Conservatoin Center dos EUA (antigo Soil Conservation Service – SCS).

De acordo com este método, a lâmina escoada durante uma chuva é dada por:

Q=
(P − Ia )2 quando P > Ia e Q = 0 quando P ≤ Ia
(P − Ia + S )
25400
S= − 254
CN

onde Q é a lâmina escoada ou volume de escoamento dividido pela área da bacia (mm)
também chamada “chuva efetiva”; P é a precipitação durante o evento (mm); S é um
parâmetro que depende da capacidade de infiltração e armazenamento do solo
(parâmetro adimensional CN – veja tabela 10.1); e Ia é uma estimativa das perdas
iniciais de água, dado por Ia=S/5.

106
Tabela 10.1: Valores aproximados do parâmetro CN para diferentes condições de
cobertura vegetal, uso do solo e tipos de solos (A: solos arenosos e de alta capacidade
de infiltração; B: solos de média capacidade de infiltração; C solos com baixa
capacidade de infiltração; D solos com capacidade muito baixa de infiltração).

Condição A B C D
Florestas 41 63 74 80
Campos 65 75 83 85
Plantações 62 74 82 87
Zonas comerciais 89 92 94 95
Zonas industriais 81 88 91 93
Zonas residenciais 77 85 90 92
(adaptado de Tucci et al., 1993)

EXEMPLO

1) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante um evento de chuva de


precipitação total P = 70 mm numa bacia com solos do tipo B e com
cobertura de florestas?

A bacia tem solos do tipo B e está coberta por florestas. Conforme a tabela anterior o valor do
parâmetro CN é 63 para esta combinação. A partir deste valor de CN obtém-se o valor de S:

25400
S= − 254 = 149,2 mm
CN

A partir do valor de S obtém-se o valor de Ia:

S
Ia = = 29,8
5

Como P > Ia, o escoamento superficial é dado por:

Q=
(P − Ia )2 = 8,5 mm.
(P − Ia + S )
Portanto, a chuva de 70 mm provoca um escoamento de 8,5 mm.

O método do SCS também pode ser utilizado para calcular o escoamento superficial
de uma bacia durante um evento de chuva complexo, em que existem informações de

107
precipitação para vários intervalos de tempo. Esta alternativa é interessante quando se
deseja saber, além do valor do escoamento total, como foi sua distribuição temporal.

Para calcular o escoamento em diferentes intervalos de tempo, utilizando o método do


SCS, deve se primeiramente calcular valores acumulados de chuva. A partir dos valores
acumulados de chuva são calculados os valores acumulados de escoamento superficial,
usando a mesma metodologia do exemplo anterior. Finalmente, a partir dos valores
acumulados de escoamento superficial são calculados os valores incrementais de
escoamento superficial.

EXEMPLO

2) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante o evento de chuva dado na


tabela abaixo numa bacia com solos com média capacidade de infiltração e
cobertura de pastagens?

Tempo (min) Precipitação (mm)


10 5
20 6
30 14
40 11

A bacia tem solos de média capacidade de infiltração, o que corresponde ao tipo B. A cobertura vegetal
é de pastagens. Conforme a tabela anterior o valor do parâmetro CN é 75 para esta combinação. A
partir deste valor de CN obtém-se o valor de S:

25400
S= − 254 = 84,7 mm
CN

A partir do valor de S obtém-se o valor de Ia = 16,9.

A chuva de cada intervalo de tempo é somada à chuva total até o final do intervalo de tempo anterior,
resultando na chuva acumulada, como mostra a tabela a seguir.

Tempo (min) Precipitação (mm) Precipitação acumulada (mm)


10 5 5
20 6 11
30 14 25
40 11 36
Para cada intervalo de tempo, pode se usar o método do SCS para calcular o escoamento total
acumulado até o final do intervalo de tempo. Enquanto a precipitação acumulada é inferior a Ia, o

108
escoamento acumulado é zero. A partir do intervalo de tempo em que a precipitação acumulada supera
o valor de Ia, o escoamento acumulado é calculado por

Q=
(P − Ia )2
(P − Ia + S )
como mostra a tabela a seguir.

Tempo (min) Precipitação (mm) Precipitação acumulada (mm) Escoamento acumulado (mm)
10 5 5 0,0
20 6 11 0,0
30 14 25 0,7
40 11 36 3,5
Observa-se que o momento de máximo escoamento superficial ocorre entre os 30 e 40 minutos da
duração da chuva. Nestes 10 minutos o escoamento é de 3,5 mm. É interessante observar que este não
é o momento de máxima intensidade de precipitação.

O método do SCS pode ser utilizado quando uma bacia não tem cobertura vegetal
homogênea, ou quando existem dois ou mais tipos de solos na bacia. Neste caso, o
valor do CN é calculado como uma média ponderada dos valores de CN.

EXEMPLO

3) Qual é o valor do coeficiente CN de uma bacia em que 30% da área é


urbanizada e em que 70% é rural? Considere que os solos são extremamente
argilosos e rasos.

Solos rasos e muito argilosos normalmente tem capacidade de infiltração baixa ou muito baixa, por isso
pode-se considerar que os solos são do tipo D, de acordo com a classificação do SCS.

Na área rural não está especificado se são plantações (CN=87), campos (CN=85) ou florestas
(CN=80). Considerando que a área rural é coberta por campos, adota-se o CN=85.

Na área urbana não está especificado se são áreas industriais, comerciais ou residenciais, mas os valores
de CN são sempre relativamente próximos de 93, por isso adotamos este valor.

O CN médio da bacia pode ser obtido por

CN = 0,3 . 93 + 0,7 . 85 = 87,4

109
Exercícios
1) Como se origina o escoamento superficial em uma bacia durante as chuvas?

2) Em que parte de uma bacia hidrográfica ocorre preferencialmente a geração de


escoamento superficial?

3) O que é a chuva efetiva?

4) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante um evento de chuva de


precipitação total P = 60 mm numa bacia com solos do tipo B e com
cobertura de florestas?

5) O que ocorreria com o escoamento no problema anterior caso as florestas


fossem substituídas por plantações?

6) Qual é a lâmina escoada superficialmente a cada intervalo de tempo durante o


evento de chuva dado na tabela abaixo numa bacia rural com solos com alta
capacidade de infiltração? Qual é o intervalo de tempo em que é gerado o
máximo escoamento superficial?

Tempo (min) Precipitação (mm)


10 5
20 16
30 14
40 11
50 5

7) Qual o incremento de escoamento total que ocorre se a bacia do exercício


anterior for urbanizada? E qual o incremento no escoamento máximo?

110
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

11
O Hidrograma Unitário

U ma bacia pode ser imaginada como um sistema que transforma chuva em


vazão. A transformação envolve modificações no volume total da água, já
que parte da chuva infiltra no solo e pode retornar à atmosfera por
evapotranspiração, e modificações no tempo de ocorrência, já que existe um
atraso na ocorrência da vazão em relação ao tempo de ocorrência da chuva.

No capítulo sobre geração de escoamento está descrito o processo da separação da


chuva em uma parte que infiltra no solo e outra que escoa superficialmente. A fração
da chuva ocorrida num evento que gera escoamento superficial é conhecida como
chuva efetiva.

A chuva efetiva é responsável pelo crescimento rápido da vazão de um rio durante e


após uma chuva. No capítulo anterior foi apresentado um método simplificado para
estimar a chuva efetiva, com base em um parâmetro que está relacionado às
características da bacia, como o tipo de solo e o tipo de vegetação ou ocupação
humana.

Nem toda a chuva efetiva gerada numa bacia chega imediatamente ao curso d’água. A
partir dos locais em que é gerado, o escoamento percorre um caminho, com
velocidades variadas de acordo com características como a declividade e o
comprimento dos trechos percorridos, e a resposta da bacia a uma entrada de chuva
depende destas características.

Em particular, se imaginamos um pulso de chuva de curta duração, a bacia hidrográfica


é um sistema que transforma uma entrada quase imediata em uma saída distribuída ao
longo do tempo, como mostrado na figura a seguir. A figura mostra um gráfico de
vazão (hidrograma) resultante de uma chuva efetiva na bacia. Considera-se que o
hidrograma corresponda a medições realizadas na saída (exutório) da bacia.
Imediatamente após, e mesmo durante a ocorrência da chuva a vazão começa a
aumentar, refletindo a chegada da água que começou a escoar na região mais próxima
do exutório, como indicado. Após algum tempo é atingido o valor máximo e,
finalmente, inicia uma recessão, quando a água da chuva efetiva gerada na região mais
distante da bacia atinge o exutório. No final da recessão o escoamento superficial cessa.

Figura 11. 1: Imaginando uma bacia hidrográfica como um sistema que transforma um evento de chuva em um hidrograma
distribuído no tempo.

A resposta de uma bacia a um evento de chuva depende das características físicas da


bacia e das características do evento, como a duração e a intensidade da chuva. Chuvas
de mesma intensidade e duração tendem a gerar respostas de vazão (hidrogramas)
semelhantes. Chuvas mais intensas tendem a gerar mais escoamento e hidrogramas
mais pronunciados, enquanto chuvas menos intensas tendem a gerar hidrogramas mais
atenuados, com menor vazão de pico.

Para simplificar a análise e para simplificar os cálculos, é comum admitir-se que existe
uma relação linear entre a chuva efetiva e a vazão, lembrando que a chuva efetiva é a
parcela da chuva que gera escoamento superficial.

Uma teoria útil, mas não inteiramente correta, baseada na relação linear entre chuva
efetiva e vazão em uma bacia é a teoria do Hidrograma Unitário.

Conceitualmente o Hidrograma Unitário (HU) é o hidrograma do escoamento direto,


causado por uma chuva efetiva unitária (por exemplo, uma chuva de 1mm ou 1 cm),
por isso o método é chamado de Hidrograma Unitário. A teoria do hidrograma

112
unitário considera que a precipitação efetiva e unitária tem intensidade constante ao
longo de sua duração e distribui-se uniformemente sobre toda a área de drenagem.

Adicionalmente, considera-se que a bacia hidrográfica tem um comportamento linear.


Isso significa que podem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e
superposição, descritos a seguir. Com a teoria do hidrograma unitário é possível
calcular a resposta da bacia a eventos de chuva diferentes, considerando que a resposta
é uma soma das respostas individuais.

Proporcionalidade
Para uma chuva efetiva de uma dada duração, o volume de chuva, que é igual ao
volume escoado superficialmente, é proporcional à intensidade dessa chuva. Como os
hidrogramas de escoamento
superficial correspondem a
chuvas efetivas de mesma
duração, têm o mesmo
tempo de base, considera-se
que as ordenadas dos
hidrogramas serão
proporcionais à intensidade
da chuva efetiva, como
mostra a Figura 11. 2.

Na figura observa-se que o


hidrograma resultante da
precipitação efetiva de 2
mm é duas vezes maior do
que o hidrograma resultante
da chuva efetiva de 1 mm,
que é o hidrograma
unitário. A vazão do ponto
A é duas vezes menor do
que a vazão no ponto B e a
vazão no ponto D é duas
vezes maior do que a do
ponto C, e assim para todos
Figura 11. 2: Ilustração do princípio da proporcionalidade na teoria do hidrograma unitário. os valores de vazão dos
hidrogramas é respeitada a
mesma proporção.

Superposição
As vazões de um hidrograma de escoamento superficial, produzidas por chuvas
efetivas sucessivas, podem ser encontradas somando as vazões dos hidrogramas de
escoamento superficial correspondentes às chuvas efetivas individuais.

113
A Figura 11. 3 ilustra o princípio da
25 superposição, mostrando como o
P1 P2
hidrograma de resposta de duas chuvas
20 Q1=f (P1)
unitárias sucessivas pode ser obtido
Q2=f (P2)
somando dois hidrogramas unitários
Vazão (l/s)

15 Q total
deslocados no tempo por uma
10 diferença D, que, neste caso, é a
duração da chuva.
5

0
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25
Tempo (horas)

Figura 11. 3: Ilutração do princípio da superposição de hidrogramas.

Convolução
Aplicando os princípios da proporcionalidade e da superposição é possível calcular os
hidrogramas resultantes de eventos complexos, a partir do hidrograma unitário. Este
cálculo é feito através da convolução. Em matemática, particularmente na área de
análise funcional, convolução é um operador que, a partir de duas funções, produz
uma terceira. O conceito de convolução é crucial no estudo de sistemas lineares
invariantes no tempo, como é o caso da teoria do hidrograma unitário (veja definição
na Wikipedia).

O hidrograma unitário é, normalmente, definido como uma função em intervalos de


tempo discretos. A vazão em um intervalo de tempo t é calculada a partir da
convolução entre as funções Pef (chuva efetiva) e h (ordenadas do hidrograma unitário
discreto).

t
Q t = ∑ Pef i ht −i +1 para t < k
i =1
t
Qt = ∑ Pef i ht −i +1 para t ≥ k
i =t − k+1

onde: Qt é a vazão do escoamento superficial no intervalo de tempo t; h é a vazão por


unidade de chuva efetiva do HU; Pef é a precipitação efetiva do bloco i; k é o número
de ordenadas do hidrograma unitário, que pode ser obtido por k = n – m +1, onde m
é o número de pulsos de precipitação e n é o número de valores de vazões do
hidrograma.

114
A convolução discreta fica mais clara quando colocada na forma matricial.
Considerando uma chuva efetiva formada por 3 blocos de duração D cada um,
ocorrendo em seqüência, e uma bacia cujo hidrograma unitário para a chuva de
duração D é dado por 9 ordenadas de duração D cada uma, a aplicação da convolução
para calcular as vazões Qt no exutório da bacia seria:

Q1 = Pef1.h1

Q2 = Pef2.h1+ Pef1.h2

Q3 = Pef3.h1 +Pef2.h2+ Pef1.h3

Q4 = Pef3.h2+ Pef2.h3+Pef1.h4

Q5 = Pef3.h3+Pef2.h4+Pef1.h5

Q6 = Pef3.h4+Pef2.h5+Pef1.h6

Q7 = Pef3.h5+Pef2.h6+Pef1.h7

Q8 = Pef3.h6+Pef2.h7+Pef1.h8

Q9 = Pef3.h7+Pef2.h8+Pef1.h9

Q10 = Pef3.h8+Pef2.h9

Q11= Pef3.h9

Neste caso m=3 porque a chuva é definida por três blocos, k=9 porque o hidrograma
unitário tem 9 ordenadas e n=11 porque a duração total do escoamento resultante é de
11 intervalos de duração D cada um.

A convolução para o cálculo das vazões usando o HU é uma tarefa trabalhosa.


Normalmente o HU é utilizado como um módulo dentro de um modelo hidrológico, e
sua aplicação é facilitada.

EXEMPLO

1) Repetidas medições mostraram que uma pequena bacia respondia sempre da


mesma forma à chuvas efetivas de 10 mm e de meia hora de duração,

115
apresentando um hidrograma unitário definido pela tabela A abaixo. Calcule
qual é a resposta da bacia ao evento de chuva definido pela tabela B.

Tabela A: Hidrograma unitário

Intervalo de tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Tempo (horas) 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5
H (m3.s-1/10mm) 0,5 2,0 4,0 7,0 5,0 3,0 1,8 1,5 1,0

Tabela B: Evento de chuva

Intervalo Tempo Chuva efetiva


de Tempo (horas) (mm)
1 0,5 20
2 1,0 25
3 1,5 10

Ordenadas do Hidrograma unitário


Intervalo Chuva Chuva efetiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9
de efetiva (multiplos de 10
Tempo mm mm) 0.5 2.0 4.0 7.0 5.0 3.0 1.8 1.5 1.0 Q
1 20 2.0 1.0 1.0
2 25 2.5 1.3 4.0 5.3
3 10 1.0 0.5 5.0 8.0 13.5
4 2.0 10.0 14.0 26.0
5 4.0 17.5 10.0 31.5
6 7.0 12.5 6.0 25.5
7 5.0 7.5 3.6 16.1
8 3.0 4.5 3.0 10.5
9 1.8 3.8 2.0 7.6
10 1.5 2.5 4.0
11 1.0 1.0

A resposta da bacia é calculada por convolução da função Pef que é a chuva efetiva e da função H que é
a função que descreve o hidrograma unitário, como mostrado abaixo.

Portanto o hidrograma de saída tem 11 intervalos de tempo de meia hora cada um, e a vazão máxima
ocorre no quinto intervalo, atingindo 31,5 m3.s-1.

116
Obtenção do Hidrograma Unitário em uma bacia
com dados de chuva e vazão
O hidrograma unitário de uma bacia hidrográfica pode ser estimado observando a sua
resposta a chuvas de curta duração. A forma do hidrograma unitário depende da
duração da chuva.

Para determinar o HU em uma bacia hidrográfica, é necessário dispor de registros de


vazão e precipitação simultâneos. Recomenda-se identificar eventos causados por
chuvas que tenham uma duração entre 1/3 a 1/5 do tempo de concentração. De
preferência são utilizados eventos simples, com chuvas de curta duração e mais ou
menos constantes.

Para cada evento de chuva e vazão com estas características, o hidrograma unitário
para esta duração de chuva pode ser obtido através dos passos descritos a seguir.

1) Calcular o volume de água precipitado sobre uma bacia hidrográfica, que é dado por

Vtot = Ptot . A

onde: Vtot é o volume total precipitado sobre a bacia; Ptot: é a precipitação; e A é a


área de drenagem da bacia.

2) Fazer a separação do escoamento superficial, onde para cada instante t, a vazão que
escoa superficialmente é a diferença entre a vazão observada e a vazão de base

Qe = Qobs – Qb

onde: Qe é a vazão que escoa superficialmente; Qobs é a vazão observada no posto


fluviométrico; e Qb é a vazão base.

3) Determinar o volume escoado superficialmente, calculando a área do hidrograma


superficial, que pode ser obtida conforme

Ve = ΣQei . ∆t

onde: Vê é o volume escoado superficialmente; Qei é a vazão que escoa


superficialmente; e ∆t: intervalo de tempo dos dados.

4) Determinar o coeficiente de escoamento

Ve
C=
Vtot

117
onde: Ve é o volume escoado superficialmente; Vtot: volume total precipitado sobre a
bacia hidrográfica.

5) Determinar a chuva efetiva, multiplicando-se a chuva total pelo coeficiente de


escoamento

Pef = C . Ptot

onde: Pef é a chuva efetiva; C é o coeficiente de escoamento e Ptot é a precipitação


total.

6) Determinar as ordenadas do HU

Pu
Qu = × Qe
Pef

onde: Qu é a ordenada do hidrograma unitário; Pu é a chuva chuva unitária (10 mm, 1


mm); Pef é a precipitação efetiva; Qe é a ordenada do hidrograma de escoamento
superficial.

Analisando graficamente
vários hidrogramas de
eventos de chuvas intensas e
de duração curta, todos eles
apresentando mais ou menos
a mesma duração de chuva, é
possível identificar as
características do hidrograma
unitário da bacia para esta
duração, como mostra a
Figura 11. 4. Neste caso estão
apresentados 4 hidrogramas
resultantes de chuvas de
curta duração em uma
mesma bacia. Embora a
intensidade das chuvas tenha
sido diferente em cada um
dos eventos, e as vazões
máximas tenham sido
diferentes em cada caso, os
Figura 11. 4: Hidrogramas observados adimensionalizados sobrepostos para gerar o HU de uma bacia com dados hidrogramas foram
(adaptado de Dingman, 2002). adimensionalizados pelo total
de chuva efetiva, conforme
descrito antes, e apresentam
mais ou menos a mesma vazão de pico e o mesmo volume.

118
Outro método para obter o hidrograma unitário em uma bacia com dados de chuva e
vazão é baseado na deconvolução, ou a convolução inversa. Neste caso repete-se o
procedimento descrito no exemplo de aplicação da convolução, porém considerando
como incógnitas as ordenadas do hidrograma unitário, e como conhecidas as vazões de
saída do hidrograma em cada intervalo de tempo.

Os valores das ordenadas do hidrograma unitário podem ser obtidos por otimização,
minimizando as diferenças entre as vazões finais calculadas e observadas. Para eventos
relativamente simples é possível utilizar a ferramenta Solver da planilha Excel para
resolver este problema. Neste caso o objetivo da otimização pode ser minimizar a
soma das diferenças entre as vazões calculadas e observadas elevadas ao quadrado.
Uma planilha Excel disponível na página Web da disciplina ilustra este procedimento.

Existem muitas dificuldades para a obtenção do hidrograma unitário a partir dos dados
de chuva e vazão observados na bacia. Em primeiro lugar, os dados são de chuva
observada não de chuva efetiva. É necessário estimar a chuva efetiva em cada intervalo
de tempo. Em segundo lugar, a vazão observada inclui parte de escoamento
subsuperficial ou subterrâneo (escoamento de base), e por isso o HU obtido vai
depender das hipóteses feitas na separação de escoamento.

Hidrograma Unitário sintético


A situação mais freqüente, na prática, é o da inexistência de dados históricos. Neste
caso é necessário utilizar um hidrograma unitário sintético, ou um hidrograma unitário
obtido a partir da análise do
relevo, denominado hidrograma
unitário geomorfológico.

Os hidrogramas unitários
sintéticos foram estabelecidos
com base em dados de algumas
bacias e são utilizados quando
não existem dados que permitam
estabelecer o HU, conforme
apresentado no item a seguir. Os
métodos de determinação do HU
baseiam-se na determinação do
valor de algumas características
do hidrograma, como o tempo de
concentração, o tempo de pico, o
tempo de base e a vazão de pico.
Figura 11. 5: Características importantes do hidrograma para a definição de HU sintético.

A Figura 11. 5 apresenta um


hidrograma resultante da ocorrência de uma chuva, em que se conhece o valor da
chuva efetiva em três intervalos de tempo.

119
O tempo de concentração é definido como o intervalo de tempo entre o final da
ocorrência de chuva efetiva e o final do escoamento superficial, conforme mostrado na
figura.

O tempo entre picos é definido como o intervalo entre o pico da chuva efetiva e o pico
da vazão superficial.

O tempo de retardo é definido como o intervalo de tempo entre os centros de


gravidade do hietograma (chuva efetiva) e do hidrograma superficial.

O tempo de pico é definido como o tempo entre o centro de gravidade do hietograma


(chuva efetiva) e o pico do hidrograma.

Com base nestas definições é que pode-se caracterizar o Hidrograma Unitário Sintético
adimensional do SCS.

Hidrograma Unitário Sintético triangular do SCS


A partir de um estudo com um grande número de bacias e de hidrogramas unitários
nos EUA, técnicos do Departamento de Conservação de Solo (Soil Conservation
Service – atualmente Natural
Resources Conservation Service)
verificaram que os hidrogramas
unitários podem ser aproximados por
relações de tempo e vazão estimadas
com base no tempo de concentração
e na área das bacias.

Para simplificar ainda mais, o


hidrograma unitário pode ser
aproximado por um triângulo,
definido pela vazão de pico e pelo
tempo de pico e pelo tempo de base,
conforme a Figura 11. 6.

As relações identificadas, que


permitem calcular o hidrograma
triangular são descritas abaixo, de
acordo com o texto de Chow et al.
(1988).
Figura 11. 6: Forma do hidrograma unitário sintético triangular do SCS.
O tempo de pico tp do hidrograma
pode ser estimado como 60% do
tempo de concentração:

t p = 0,6 ⋅ t c

120
onde tp é o tempo de pico (veja Figura 11. 6) e tc é o tempo de concentração da bacia,
que pode ser estimado por uma das equações apresentadas no capítulo 3.

O tempo de subida do hidrograma Tp pode ser estimado como o tempo de pico tp


mais a metade da duração da chuva D, assim:

D
Tp = t p +
2

O tempo de base do hidrograma (tb) é aproximado por:

t b = T p + 1,67 ⋅ T p

o que significa que o tempo de recessão do hidrograma triangular, a partir do pico até
retornar a zero, é 67% maior do que o tempo de subida.

A vazão de pico do hidrograma unitário triangular é estimada por:

0,208. A
qp =
Tp

onde Tp é dado em horas, a área da bacia (A) é dada em Km2, e o resultado qp é a vazão
de pico por mm de chuva efetiva.

EXEMPLO

2) Construa um hidrograma unitário para a chuva de duração de 10 minutos em


uma bacia de 3,0 Km2 de área de drenagem, comprimento do talvegue de 3100
m, ao longo do qual existe uma diferença de altitude de 93 m.

A primeira etapa é calcular o tempo de concentração da bacia. Utilizando a equação de Watt e Chow
(ver capítulo 3) temos:
0 ,79
 
0 ,79
 
 L   3,1 
t c = 7 ,68 ⋅  0 , 5  = 7 ,68 ⋅   = 1,25 horas
S 
0 ,5
  93  
 3100 
  

A duração da chuva D é de 10 minutos, conforme definido no enunciado do problema. O tempo de


subida do hidrograma Tp, pode ser calculado a partir da duração da chuva e do tempo de pico. Na
elaboração do HUT do SCS admite-se que o tempo de pico é igual a 60% do tempo de concentração.

121
t p = 0,6 ⋅ t c = 0,75 horas

e o tempo de subida do hidrograma é:

D 10
Tp = t p + = 0,75 + = 0,833horas
2 60 ⋅ 2

O tempo de base do hidrograma (tb) é aproximado por:

t b = T p + 1,67 ⋅ T p = 2,67 ⋅ T p = 2, 22horas

A vazão de pico do hidrograma unitário triangular é:

0,208. A 0, 208.3,0 m3 1
qp = = = 0,749 ⋅
Tp 0,833 s mm

A figura e a tabela a seguir mostram o hidrograma unitário triangular resultante.

122
Tempo Vazão
(minutos) (m3/s por mm)
0 0.00
10 0.15
20 0.30
30 0.45
40 0.60
50 0.75
60 0.66
70 0.57
80 0.48
90 0.39
100 0.30
110 0.21
120 0.12
130 0.03

Hidrograma Unitário Sintético adimensional do SCS


O hidrograma unitário sintético adimensional do SCS é semelhante em alguns aspectos
com o hidrograma unitário triangular, porém apresenta uma forma mais suave,
definida pelos valores da Tabela 11. 1 e pela Figura 11. 7.

O HU sintético adimensional é mais realista do que o hidrograma triangular, porque


aproxima a resposta como uma curva suavizada, mas o HU triangular é muito popular,
porque é simples.

Tabela 11. 1: Hidrograma unitário sintético adimensional do SCS.

t/Tp q/qp t/Tp q/qp t/Tp q/qp


0 0,000 1,1 0,990 2,4 0,147
0,1 0,030 1,2 0,930 2,6 0,107
0,2 0,100 1,3 0,860 2,8 0,077
0,3 0,190 1,4 0,780 3,0 0,055
0,4 0,310 1,5 0,680 3,2 0,040
0,5 0,470 1,6 0,560 3,4 0,029
0,6 0,660 1,7 0,460 3,6 0,021
0,7 0,820 1,8 0,390 3,8 0,015
0,8 0,930 1,9 0,330 4,0 0,011
0,9 0,990 2,0 0,280 4,5 0,005
1,0 1,000 2,2 0,207 5,0 0,000

123
Figura 11. 7: Hidrograma unitário sintético adimensional do SCS.

Histograma Tempo-Área
Uma forma de estimar a resposta de uma bacia hidrográfica às chuvas é o Histograma
Tempo-Área. Neste método procura-se definir os tempos de deslocamento do
escoamento superficial desde o local de origem até o exutório da bacia. Como cada
porção da bacia tem um tempo de deslocamento diferente, em função da distância e da
declividade, a resposta da bacia pode ser analisada na forma de um histograma.

O Histograma Tempo-Área (HTA) pode ser obtido identificando linhas isócronas


sobre a bacia e medindo a área entre cada par de isócronas, ou analisando uma bacia
através do modelo digital de elevação. As isócronas são as linhas que definem um
mesmo tempo de deslocamento até o exutório da bacia.

É possível construir um Hidrograma Unitário a partir do Histograma Tempo-Área,


porém o HU resultante pode ter uma resposta muito rápida e resultar em
superestimativas da vazão máxima. Isto ocorre porque o HTA representa o processo
de translação da água na bacia, mas subestima o armazenamento ao longo dos cursos
d’água.

124
Uma forma de corrigir os problemas do HU obtido a partir do HTA é combinar o
HTA com um reservatório linear simples. Este procedimento é conhecido como
Hidrograma Unitário de Clark.

Hidrograma Unitário e a vazão de base


O HU é aplicado para representar a resposta da bacia à entrada de chuva efetiva. A
vazão calculada pelo HU refere-se somente ao escoamento superficial. Normalmente, a
bacia também apresenta uma vazão de base, cuja origem é o escoamento subterrâneo,
que não é levada em conta nos cálculos com o HU.

Para considerar a vazão de base é necessário somar a resposta da bacia, calculada


usando o HU, aos valores da vazão de base.

Em muitos casos a vazão de base representa apenas uma pequena fração da vazão total
durante um evento de chuva mais intenso. Assim, quando o objetivo do cálculo é
estimar a vazão máxima em uma pequena bacia, a vazão de base pode até mesmo ser
desprezada, especialmente se a bacia for fortemente urbanizada.

EXEMPLO

3) Uma bacia tem um HU para o evento de 10 mm de chuva efetiva e meia hora


de duração dado na tabela A. Calcule qual é a resposta da bacia ao evento de
chuva definido pela tabela B. Considere uma vazão de base constante e igual a
2 m3.s-1.

Tabela A: Hidrograma unitário

Intervalo de tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Tempo (horas) 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5
H (m3.s-1/10mm) 0,5 2,0 4,0 7,0 5,0 3,0 1,8 1,5 1,0

Tabela B: Evento de chuva

Intervalo Tempo Chuva efetiva


de Tempo (horas) (mm)
1 0,5 20
2 1,0 25
3 1,5 10

125
A resposta da bacia é calculada por convolução da função Pef que é a chuva efetiva e da função H que é
a função que descreve o hidrograma unitário, como no exemplo 1, e ao final é acrescido o valor da vazão
de base.

P efet. P efet. 1 2 3 4 5 6 7 8 9
t mm (mult. 10 mm) 0.5 2.0 4.0 7.0 5.0 3.0 1.8 1.5 1.0 Qsup Qbase Qtotal
1 20 2.0 1.0 1.0 2.0 3.0
2 25 2.5 1.3 4.0 5.3 2.0 7.3
3 10 1.0 0.5 5.0 8.0 13.5 2.0 15.5
4 2.0 10.0 14.0 26.0 2.0 28.0
5 4.0 17.5 10.0 31.5 2.0 33.5
6 7.0 12.5 6.0 25.5 2.0 27.5
7 5.0 7.5 3.6 16.1 2.0 18.1
8 3.0 4.5 3.0 10.5 2.0 12.5
9 1.8 3.8 2.0 7.6 2.0 9.6
10 1.5 2.5 4.0 2.0 6.0
11 1.0 1.0 2.0 3.0

Hidrograma Unitário para chuvas de diferentes


durações
O HU depende da duração da chuva. Uma bacia pode ter um HU para o evento de
chuva de 1 hora de duração e outro, ligeiramente diferente, para o evento de chuva de
2 horas de duração.

Quando o HU para uma determinada duração de chuva é conhecido, é possível


calcular o HU para outra duração qualquer. Se a duração desconhecida for um múltiplo
da duração conhecida basta aplicar os princípios da superposição e proporcionalidade.

Se existe um HU de 1 hora (entende-se causado por uma chuva de 1 hora de duração),


é possível achar o HU resultante de uma chuva unitária de 2 h, plotando dois HUs de 1
hora, deslocados de 1 hora e extraindo a média aritmética das ordenadas.

Nos casos gerais o HU para uma duração de chuva qualquer pode ser obtido através
da curva S. A curva S é o HU de resposta de uma bacia a uma precipitação unitária de
duração infinita. A curva S pode ser obtida a partir de um HU conhecido, acumulando
progressivamente as ordenadas do HU original.

A grande utilidade da curva S é que ela permite o cálculo de HUs de qualquer duração;
para isso se desloca a curva S um intervalo de tempo D2, igual à duração do HU

126
desejado. As ordenadas desse HU procurado são calculadas pela diferença entre as
duas curvas S, corrigidas pela relação D1/D2 (onde D1 é a duração da chuva que
originou a curva S e D2 é a duração da chuva do novo HU).

EXEMPLO

4) Use o HU obtido para a chuva de 1 hora de duração para estimar o HU


correspondente à chuva de 1 ½ hora de duração no mesmo local.

Tabela A: Hidrograma unitário

Intervalo de tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Tempo (horas) 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5
H (m3.s-1/10mm) 0,5 2,0 4,0 7,0 5,0 3,0 1,8 1,5 1,0

Em construção...

Limitações do Hidrograma Unitário


A idéia do Hidrograma Unitário é muito útil para representar o comportamento de
uma bacia no que se refere à geração de escoamento. Hidrogramas Unitários sintéticos
formam a base de muitos modelos hidrológicos amplamente utilizados para calcular
vazões máximas de projeto, e tem funcionado relativamente bem. Entretanto, boa
parte das premissas utilizadas não são inteiramente corretas: tempo de base igual; chuva
efetiva gerada uniformemente na bacia; chuva efetiva gerada de forma idêntica em
todos os eventos; lineariedade (podemos somar efeitos).

O escoamento não é gerado de forma uniforme em toda a bacia. As áreas preferenciais


de geração de escoamento são as áreas impermeabilizadas por ação do homem ou as
áreas com solos saturados ou próximos da saturação, localizadas na região próxima à
rede de drenagem.

O escoamento ocorre mais rapidamente para eventos maiores do que para eventos
menores. Assim a lineariedade não se mantém.

127
Exercícios
1) Elabore o Histograma Temp-Área para a bacia da figura abaixo, considerando
que o escoamento de cada célula segue a direção das setas e que o tempo de
passagem através de cada célula é de 20 minutos, independentemente da
direção do escoamento. O exutório está identificado pela seta mais escura.

2) Utilize o Excel para calcular o hidrograma de resposta de uma bacia com HU


conhecido (tabela A), considerando conhecida a chuva total (não efetiva) sobre
a bacia (tabela B). Considere que o valor do coeficiente CN é 80.

Tabela A: Hidrograma unitário

Intervalo de tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Tempo (horas) 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5
3 -1
H (m .s /10mm) 0,5 2,0 4,0 7,0 5,0 3,0 1,8 1,5 1,0

Tabela B: Chuva total ocorrida na bacia.

Tempo (min) Precipitação (mm)


30 9
60 18
90 24
120 16
150 9

128
3) Construa um hidrograma unitário para a chuva de duração de 15 minutos em
uma bacia de 7,0 Km2 de área de drenagem, comprimento do talvegue de 10
Km, ao longo do qual existe uma diferença de altitude de 200 m.

4) Calcule a resposta da bacia do problema anterior à chuva total dada na tabela


abaixo. Considere que o valor do coeficiente CN é 75.

Tabela C: Chuva total ocorrida na bacia.

Tempo (min) Precipitação (mm)


15 29
30 28
45 4
60 26

129
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

12
Escoamento de base

O conhecimento do comportamento da vazão de um rio durante longos


períodos de estiagem é fundamental em diversos problemas na hidrologia e
gestão de recursos hídricos. É durante as estiagens que, em geral, ocorrem as
situações mais críticas do ponto de vista ambiental. Também é durante as
estiagens que os conflitos entre os diferentes usos da água tendem a ser mais intensos.

Durante os períodos sem chuva, o escoamento natural nos rios é, as vezes,


denominado escoamento de base, porque apresenta uma variação muito menor do que
a variação observada durante os eventos chuvosos. O escoamento de base é mantido
pela água subterrânea existente nos aqüíferos da bacia.

A água subterrânea tem sua origem principal na água da chuva que infiltra no solo e
percola para camadas mais profundas. Ao longo de um período longo de chuvas é
grande a quantidade de água que atinge os aqüíferos, especialmente o aqüífero
superficial. Durante estes períodos o nível da água subterrânea se eleva. Por outro lado,
ao longo de períodos secos, a água armazenada no subsolo vai sendo descarregada para
as nascentes dos rios e o nível da água subterrânea diminui. Entretanto, ao contrário do
escoamento superficial, o fluxo de água subterrânea é, normalmente, muito lento.

A parte decrescente de um hidrograma após um evento de chuva, conhecida como


recessão do hidrograma, reflete a diminuição do nível da água no ou nos aqüíferos de
uma bacia ao longo do tempo. O momento a partir do qual pode se dizer que toda a
vazão de um rio tem origem subterrânea corresponde ao momento final da chuva mais
o período de tempo correspondente ao tempo de concentração da bacia,
aproximadamente.

A recessão dos hidrogramas freqüentemente tem a forma de uma exponencial


decrescente. Em regiões com chuvas marcadamente sazonais isto pode ser facilmente
verificado. Como exemplo, a próxima figura apresenta um hidrograma de vazões
observadas no rio dos Bois, no Estado de Goiás, ao longo de quatro anos entre 1990 e
1993. Nesta região as chuvas se concentram no período de dezembro a março e os
meses de junho a setembro são extremamente
secos. O hidrograma reflete esta característica
climática apresentando vários picos de vazão
nos meses de verão e uma longa recessão,
raramente interrompida por pequenos
aumentos da vazão, ao longo dos meses de
inverno.

Destacando o período de estiagem de junho a


setembro de 1991, é possível verificar o
comportamento típico da recessão do
hidrograma deste rio, como mostra a próxima
figura.

Quando representado em escala logarítmica, o


Figura 12. 1: Hidrograma do rio dos Bois, em Goiás, de 1990 a 1993, com respostas às
chuvas de verão e recessões durante os meses de inverno. hidrograma durante a estiagem mostra um
comportamento semelhante a uma linha reta.
Isto sugere que o comportamento da vazão
do rio dos Bois ao longo deste período pode ser representado por uma equação do
tipo:
−t

Q(t ) = Q0 ⋅ e k (12.1)

onde t é o tempo; Q0 é a vazão num instante t0; Q(t) é a vazão num instante t (por
exemplo: t dias após t0); e é a base dos logaritmos naturais; e k é uma constante (em
unidades de t).

Esta aproximação da
curva de recessão de
vazão utilizando uma
equação exponencial
decrescente é válida para
um grande número de
casos e pode ser utilizada
para prever qual será a
vazão de um rio após
alguns dias, conhecendo a
vazão no tempo atual,
Figura 12. 2: a) Hidrograma do rio dos Bois (GO) durante os meses de estiagem de 1991; b) o mesmo hidrograma considerando que não
representado em escala logarítmica e aproximado por uma linha reta.
ocorra nenhuma chuva.
A maior dificuldade para
resolver este tipo de

131
problema é estimar o valor da constante k, mas isto pode ser feito utilizando dois
valores conhecidos de vazão espaçados por um intervalo de tempo ∆t., e rearranjando
a equação exponencial, como mostra a equação a seguir:

− ∆t
k= (12.2)
 Q(t + ∆t ) 
ln  
 Q 
 ( t ) 

O valor de k depende das características físicas da bacia, em especial as suas


características geológicas. Bacias localizadas em regiões onde predominam as rochas
sedimentares normalmente tem maior capacidade de armazenamento de água
subterrânea e os rios que drenam estas áreas apresentam valores de k relativamente
altos. Bacias localizadas em regiões de rochas pouco porosas, como o basalto, tendem
a apresentar valores de k mais baixos.

EXEMPLO

1) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão,
com quatro dias de intervalo entre si, conforme a tabela abaixo. Qual seria a
vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não
ocorre nenhum evento de chuva neste período?

Data Vazão
14/agosto 60.1
15/agosto -
16/agosto -
17/agosto -
18/agosto 57.6

Espera-se que o comportamento do hidrograma na recessão seja bem representado por uma curva
exponencial decrescente. A constante k pode ser estimada considerando os dois valores de vazão
conhecidos (60,1 e 57,6), separados por 4 dias.

−4
k= ≅ 94
 57,6 
ln  
 60,1 

Portanto, a constante k tem valor de 94 dias. A vazão no dia 31 de agosto pode ser estimada a partir
da vazão do dia 18, considerando a diminuição que ocorre ao longo dos 13 dias que separam estas
duas datas:

132
−13

Q(t ) = 57,6 ⋅ e 94 ≅ 50,2

Portanto, a vazão esperada no dia 31 de agosto seria de 50,2 m3.s-1.

A idéia do reservatório linear simples


O balanço hídrico geral de água subterrânea em uma bacia hidrográfica pode ser
representado pelas mesmas equações apresentadas nos capítulos iniciais:

∆V
= G − E −Q
∆t

onde ∆V é a variação do volume de água armazenado no aqüífero da bacia (m3); ∆t é o


intervalo de tempo considerado (s); G é a percolação do solo para o aquífero (m3.s-1); E
é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1).

Normalmente a evapotranspiração diretamente a partir do aqüífero é nula e num


período de estiagem o fluxo de percolação entre o solo e o subsolo (G) pode ser
considerado desprezível. Assim, a equação acima pode ser reescrita, para um intervalo
de tempo infinitesimal:

dV
= −Q
dt

Aproximar a curva de recessão de um hidrograma durante uma longa estiagem por


uma equação exponencial decrescente equivale a admitir a idéia que a relação entre
armazenamento de água subterrânea e descarga do aqüífero para o rio é linear, como
na equação a seguir:

V
Q= ou V = Q ⋅ k
k

onde V é o volume de água armazenado pelo aqüífero (m3); Q é a vazão que passa pelo
rio durante a estiagem, que é equivalente à descarga do aqüífero (m3.s-1); e k é uma
constate com unidades de tempo (s).

Substituindo a relação linear na equação de balanço hídrico simplificada, obtém-se a


relação:

dQ
k =Q
dt

133
A solução desta equação diferencial resulta numa equação exponencial decrescente,
como apresentada na seção anterior deste capítulo:
−t −t

Q(t ) = c ⋅ e k ou Q(t ) = Q0 ⋅ e k

Durante uma estiagem uma bacia Isto significa que, apesar de toda a complexidade existente no
se comporta de forma armazenamento e no fluxo de água subterrânea de uma bacia, a
semelhante a um reservatório relação entre volume de água armazenado e vazão é
linear simples, em que a vazão aproximadamente linear. Esta afirmação é válida para condições de
descarregada é proporcional ao estiagem, na maior parte dos rios do mundo.
volume armazenado.

Separação de escoamento
Hidrogramas observados em postos fluviométricos podem ser analisados com o
objetivo de identificar a parcela do escoamento que tem origem no escoamento
superficial e a parcela do escoamento que tem origem no escoamento subterrâneo.
Esta análise é baseada em métodos de separação de escoamento. Ao longo do tempo
diversos métodos foram propostos para a separação do escoamento.

A separação de escoamento pode servir para separar apenas o escoamento superficial


de uma bacia, o que é importante em estimativas do hidrograma unitário. Por outro
lado, o cálculo da parcela do escoamento subterrâneo pode ser utilizado para estimar a
recarga média dos aqüíferos em uma análise regional.

Em estimativas expeditas, não muito confiáveis, a relação entre a Q90 e a Q50 de uma
curva de permanência de um rio (veja capítulo de estatística) pode ser usada para
estimar a proporção de escoamento de base, ou subterrâneo, em relação ao
escoamento total.

Em estimativas mais complexas podem ser utilizados isótopos, ou análises químicas,


para identificar as diferentes origens da água que escoam num rio a cada momento.

Mais comuns, entretanto, são os métodos de separação de escoamento baseados na


análise dos hidrogramas. Estes métodos têm uma certa base física, mas têm, também,
uma boa dose de componentes arbitrários para definir a linha que separa o escoamento
subterrâneo do superficial durante um evento de chuva.

Um método muito utilizado está ilustrado na Figura 12. 3 e supõe que o escoamento
superficial termina D dias após o pico de vazão, sendo que D pode ser estimado por
uma equação empírica proposta por Linsley:

D = 0,827 ⋅ A0 , 2 (12.3)

134
onde A é a área da bacia em Km2
e D é dado em dias.

A duração D permite identificar o


ponto c na figura, que é o
momento a partir do qual o
escoamento subterrâneo volta a
responder por 100% da vazão do
rio. O ponto a é identificado
como o momento em que inicia a
ascensão do hidrograma, e o
ponto b é obtido estendendo a
curva de recessão a partir do
ponto a até o tempo em que
Figura 12. 3: Separação de escoamento superficial e subterrâneo através da análise da forma do ocorre o pico de vazão.
hidrograma e de estimativa de duração do escoamento superficial.

Outros métodos de separação de


escoamento, definem o ponto de
término do escoamento superficial como o ponto de inflexão (derivada segunda igual a
zero) ou de máxima curvatura (derivada segunda máxima) da recessão do hidrograma.
Alguns destes métodos estão ilustrados na
Figura 12. 4.

Os métodos de separação de escoamento


ilutrados nestas figuras podem ser aplicados
com relativa facilidade a eventos isolados de
chuva, que provocam um hidrograma
simples, com ascensão, pico e recessão bem
caracterizados. No entanto, em hidrogramas
mais extensos, ao longo de um ano ou mais
de observações, por exemplo, estas técnicas
são um pouco limitadas. Neste caso é mais
adequado estimar o escoamento de base
usando filtros digitais, ou filtros numéricos.
Figura 12. 4: Métodos de separação de escoamento superficial.

Separação de escoamento usando filtros


Filtros numéricos ou digitais podem ser utilizados para separar hidrogramas em suas
componentes superficial e subterrânea, de forma aproximada. Na aplicação de filtros
supõe-se que a vazão total do hidrograma (y) num certo intervalo de tempo (i) é

135
formada por duas componentes: escoamento superficial (f) e escoamento subterrâneo
(b). Isto significa que num intervalo de tempo qualquer:

y i = f i + bi (12.4)

onde i representa o intervalo de tempo considerado.

Considerando que existe uma relação linear entre armazenamento de água nos
aqüíferos e vazão, durante os períodos de estiagem, pode-se considerar que, nos
períodos sem recarga do aqüífero a equação abaixo é válida:
− ∆t

bi +1 = bi ⋅ e k
(12.5)

onde k é a constante de recessão e ∆t é o tamanho do intervalo de tempo entre i e i+1.

Esta mesma equação pode ser expressa por:

bi +1 = bi ⋅ a (12.6)

onde
− ∆t

a=e k
(12.7)

Uma forma simples de estimar o valor de bi para cada intervalo de tempo i foi proposta
por Lyne e Hollick em 1979 e depois modificada por Chapman, em 1991 (veja
Eckhardt, 2008):

a 1− a
bi = ⋅ bi −1 + ⋅ yi (12.8)
2−a 2−a

onde o termo a está explicado acima no texto. Se a aplicação desta equação resultar em
um valor bi > yi, então bi = yi.

Este tipo de filtro funciona relativamente bem para bacias com relativamente pouca
contribuição de escoamento subterrâneo no escoamento total. No caso de bacias com
contribuição subterrânea maior, um filtro com dois parâmetros foi proposto por
Eckhardt (2005):

bi =
(1 − BFI max ) ⋅ a ⋅ bi −1 + (1 − a ) ⋅ BFI max ⋅ yi (12.9)
1 − a ⋅ BFI max

limitado a valores bi menores ou iguais a yi, como no caso anterior, e onde a está
definido acima e BFImax é o máximo percentual de escoamento subterrâneo que o filtro
permite calcular. Os valores sugeridos para BFImax são:

136
BFImax = 0,80 (rios perenes e aqüíferos porosos);

BFImax = 0,50 (rios efêmeros ou intermitentes e aqüíferos porosos);

BFImax = 0,25 (rios perenes e aqüíferos impermeáveis).

Uma forma alternativa de estimar BFImax poderia ser obtida estendendo a curva de
recessão, de trás para frente no tempo:

bi +1
bi = (12.10)
a

limitado a valores bi menores ou iguais a yi, como nos casos anteriores.

A Figura 12. 5 mostra o


hidrograma do rio dos Bois
durante um período chuvoso
entre duas estações secas. A
aplicação do filtro A (equação
12.8) resulta num escoamento
de base extremamente afastado
do hidrograma observado, o
que está incorreto,
especialmente no período de
recessão a partir do mês de
maio. A aplicação do filtro B
(equação 12.9) resulta num
escoamento de base mais
próximo do hidrograma
observado, e com boa
concordância no período de
Figura 12. 5: Hidrograma do rio dos Bois com separação de escoamento segundo diferentes métodos.
recessão a partir de maio. Para
a aplicação da equação 12.9 foi
utilizado o valor de k
(coeficiente de recessão) calculado como no exemplo 1, e o valor de BFImax foi
calculado a partir de uma separação inicial do escoamento por uma equação de
recessão aplicada inversamente no tempo (equação 12.10), de acordo com a equação a
seguir:
N

∑r
i =1
i
BFI max ≈ N
(12.11)
∑y
i =1
i

137
onde ri é o hidrograma obtido a partir da aplicação da recessão (equação 12.10) e N é o
número de intervalos de tempo do hidrograma.

No exemplo da figura anterior o valor de BFImax obtido pela aplicação das equações
12.10 e 12.11 foi de 0,81. A aplicação do filtro da equação 12.9 com BFImax=0,81
resultou num hidrograma de escoamento de base cujo volume total representa 75% do
volume total (BFI = 0,75). Este resultado sugere que 74% da vazão média anual do rio
dos Bois neste local tenha origem no escoamento subterrâneo.

EXEMPLO

2) No período de 06 a 29 de junho de 2002 o rio Pelotas (SC e RS) no posto


fluviométrico Passo do Socorro apresentou a série de vazões apresentada na
tabela abaixo. Com base em recessões do hidrograma em períodos secos o
valor da constante de recessão k foi estimado em 20 dias. Utilize um filtro para
estimar o hidrograma da vazão de base.
data Qobs
06/06/2002 58,8
07/06/2002 69,5
08/06/2002 284,0
09/06/2002 787,5
10/06/2002 773,5
11/06/2002 633,5
12/06/2002 1355,0
13/06/2002 2275,0
14/06/2002 1571,0
15/06/2002 1503,5
16/06/2002 914,2
17/06/2002 791,0
18/06/2002 1071,0
19/06/2002 433,2
20/06/2002 320,2
21/06/2002 279,0
22/06/2002 261,6
23/06/2002 220,0
24/06/2002 187,4
25/06/2002 164,0
26/06/2002 142,6
27/06/2002 137,5
28/06/2002 125,6
29/06/2002 113,7

A bacia do rio Pelotas apresenta solos e geologia que não favorecem a infiltração da água. Portanto
espera-se um escoamento de base relativemente baixo. Neste caso pode ser utilizado o filtro da equação
12.8. Considerando que k=20 dias, e que o intervalo de tempo entre os dados observados é de 1 dia:
− ∆t −1
a=e k
= e 20 ≅ 0,95

138
Com base neste valor o filtro fica:

a 1− a
bi = ⋅ bi −1 + ⋅ y i = 0,907 ⋅ bi −1 + 0,047 ⋅ y i
2−a 2−a

Considerando que no primeiro intervalo de tempo 100% da vazão tem origem subterrânea a equação
acima pode ser utilizada para estimar a vazão de base nos intervalos de tempo seguintes:

b1 = y1 = 58,8

b2 = 0,907b1+0,047y2 =56,5

e assim por diante, resultando na tabela


abaixo:
data Dia Qobs Filtro
06/06/2002 1 58,8 58,8
07/06/2002 2 69,5 56,5
08/06/2002 3 284,0 64,5
09/06/2002 4 787,5 95,1
10/06/2002 5 773,5 122,2
11/06/2002 6 633,5 140,3
12/06/2002 7 1355,0 190,3
13/06/2002 8 2275,0 278,4
14/06/2002 9 1571,0 325,5
15/06/2002 10 1503,5 365,2
16/06/2002 11 914,2 373,7
17/06/2002 12 791,0 375,8
18/06/2002 13 1071,0 390,6
19/06/2002 14 433,2 374,4
20/06/2002 15 320,2 320,2
21/06/2002 16 279,0 279,0
22/06/2002 17 261,6 261,6
23/06/2002 18 220,0 220,0
24/06/2002 19 187,4 187,4
25/06/2002 20 164,0 164,0
26/06/2002 21 142,6 142,6
27/06/2002 22 137,5 135,7
28/06/2002 23 125,6 125,6
29/06/2002 24 113,7 113,7

O gráfico correspondente está apresentado na figura acima. A soma das duas últimas colunas da tabela
permite calcular o percentual da vazão total que corresponde ao escoamento de base (cerca de 35%). A
subtração da vazão total menos a vazão de base permite estimar o escoamento superficial em cada
intervalo de tempo.

139
Leituras adicionais
O assunto dos filtros para separação de escoamento é clássico em hidrologia e um
texto interessante sobre este assunto é “How to construct recursive digital filters for
baseflow separation” de K. Eckhardt, publicado em Hydrological Processes Vol. 19
pp. 507-515 em 2005.

Exercícios
1) Explique como os filtros para separação de escoamento podem ser utilizados
para estimar recarga de aqüíferos.

2) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão,
conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto
do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste
período?

Vazão
data (m3.s-1)
14/ago 60.4
15/ago -
16/ago -
17/ago -
18/ago -
19/ago 51.7

3) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas seis medições de vazão,
conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto
do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste
período? Considere que durante a estiagem a bacia se comporte como um
reservatório linear.

Data vazão
14/ago 123.1
15/ago 116.2
16/ago 109.6
17/ago 103.2
18/ago 97.3
19/ago 91.8

140
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

13
Medição de vazão

V azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio
dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o
tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de
litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual
expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1
corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo).

Escoamento permanente e uniforme em canais


O escoamento em rios e canais abertos é um fenômeno bastante complexo, sendo
fortemente variável no espaço e no tempo. As variáveis fundamentais são a velocidade,
a vazão, e o nível da água. Quando estas variáveis não variam ao longo do tempo em
um determinado trecho do canal, o escoamento é chamado permanente. Quando as
variáveis vazão, velocidade média e nível não variam no espaço o escoamento pode ser
chamado de uniforme.

A velocidade média de escoamento permanente uniforme em um canal aberto com


declividade constante do fundo e da linha da água pode ser estimada a partir de
equações relativamente simples, como as de Chezy e de Manning. A equação de
Manning, apresentada a seguir, relaciona a velocidade média da água em um canal com
o nível da água neste canal e a declividade.
2 1
R 3 ⋅S 2

u= h
n

onde u é a velocidade média da água em m.s-1; Rh é o raio hidráulico da seção


transversal (descrito a seguir); S é a declividade (metros por metro, ou adimensional); e
n é um coeficiente empírico, denominado coeficiente de Manning.
A Figura 13. 1 apresenta um perfil longitudinal de um canal escoando em regime
permanente e uniforme.

Figura 13. 1: Perfil de um trecho de canal em regime de escoamento permanente e uniforme.

A Figura 13. 2 apresenta uma seção transversal do canal, supondo que o canal tem a
forma retangular. A profundidade de escoamento é y e a largura do canal é B.

Figura 13. 2: Seção transversal de um canal em regime de escoamento permanente e uniforme.

Denomina-se perímetro molhado a soma dos segmentos da seção transversal em que a


água tem contato com as paredes, isto é:

P = B + 2y

onde P é o perímetro molhado (m); B é a largura do canal (m); e y é a profundidade ou


nível da água (m).

O raio hidráulico é a relação entre a área de escoamento e o perímetro molhado, ou


seja:

142
A
Rh =
P

onde A é a área (B.y) e P o perímetro molhado.

Das equações anteriores se deduz que quanto maior o nível da água y, maior a
velocidade média da água no canal.

O coeficiente n de Manning varia de acordo com o revestimento do canal. Canais com


paredes muito rugosas, como os canais revestidos por pedras irregulares e os rios
naturais com leito rochoso tem valores altos de n. Canais de laboratório, revestidos de
vidro , por exemplo, podem ter valores relativamente baixos de n. Alguns valores de n
de Manning para diferentes tipos de canais são dados na tabela a seguir.
Tabela 13. 1: Valores de n de Manning para canais com diferentes tipos de revestimento de fundo e paredes (Hornberger et al., 1998).

Tipo de revestimento n de Manning


Vidro (laboratório) 0,01
Concreto liso 0,012
Canal não revestido com boa manutenção 0,020
Canal natural 0,024 a 0,075
Rio de montanha com leito rochoso 0,075 a >1,00

A vazão em um canal pode ser calculada pelo produto da velocidade média vezes a
área de escoamento, ou seja:
2 1
R 3 ⋅S 2

Q = u ⋅ A = A⋅ h
n

EXEMPLO

1) Qual é a vazão que escoa em regime permanente e uniforme por um canal de


seção transversal trapezoidal com base B = 5 m e profundidade y = 2 m,
considerando a declividade de 25 cm por km? Considere que a parede lateral
do canal tem uma inclinação dada por m = 2, e que o canal não é revestido
mas está com boa manutenção.

Em um canal trapezoidal a área de escoamento é dada por

A=
(B + B + 2 ⋅ m ⋅ y ) ⋅ y
2

onde B é a largura da base, y é a profundidade e m = cotg α, de acordo com a figura abaixo.

143
O perímetro molhado é dado por

2
P = B + 2 ⋅ y 2 + (m ⋅ y )

Portanto A = 18 m2 e P = 13,9 m. O raio hidráulico é Rh = 1,3 m.

A declividade de 25 cm por km corresponde a S = 0,00025 m.m-1,o coeficiente de Manning para um


canal não revestido com boa manutenção é de 0,020, então a vazão no canal é dada por
2 1 2 1
R 3 ⋅S 2
(1,3) ⋅ (0.00025)
3 2

Q = A⋅ h = 18 ⋅ = 16,9 m3.s-1
n 0,020

Portanto, a vazão no canal é de 16,9 m3.s-1.

Medição de vazão
A medição de vazão em cursos d’água é realizada, normalmente, de forma indireta, a
partir da medição de velocidade ou de nível. Os instrumentos mais comuns para
medição de velocidade de água em rios são os molinetes, que são pequenos hélices que
giram impulsionados pela passagem da água. Em situações de medições expeditas, ou
de grande carência de recursos, as medições de velocidade podem ser feitas utilizando
flutuadores, com resultados muito menos precisos.

Os molinetes são instrumentos projetados para girar em velocidades diferentes de


acordo com a velocidade da água. A relação entre velocidade da água e velocidade de
rotação do molinete é a equação do molinete. Esta equação é fornecida pelo fabricante
do molinete, porém deve ser verificada periodicamente, porque pode ser alterada pelo
desgaste das peças.

144
Figura 13. 3: Molinete para medição de velocidade da água.

A velocidade da água é, normalmente, maior no centro de um rio do que junto às


margens. Da mesma forma, a velocidade é mais baixa junto ao fundo do rio do que
junto à superfície. Em função desta variação da velocidade nos diferentes pontos da
seção transversal, utilizar apenas uma medição de velocidade pode resultar em uma
estimativa errada da velocidade média. Por exemplo, a velocidade medida junto à
margem é inferior à velocidade média e a velocidade medida junto à superfície, no
centro da seção, é superior à velocidade média.

Para obter uma boa estimativa da velocidade média é necessário medir em várias
verticais, e em vários pontos ao longo das verticais, de acordo com a Figura 13. 4 e a
Figura 13. 5. A Tabela 13. 2, adaptada de Santos et al. (2001), apresenta o número de
pontos de medição em uma vertical de acordo com a profundidade do rio e a Tabela
13. 3 apresenta o número de verticais recomendado para medições de vazão de acordo
com a largura do rio.

A Tabela 13. 2 mostra que são recomendados muitas medições na vertical, porém,
freqüentemente, as medições são feitas com apenas dois pontos na vertical, mesmo em
rios com profundidade maior que 1,20 m.

Figura 13. 4: Perfil de velocidade típico e pontos de medição recomendados.

145
Figura 13. 5: Seção transversal com indicação de verticais onde é medida a velocidade.

Tabela 13. 2: Número e posição de pontos de medição na vertical recomendados de acordo com a profundidade do rio (Santos et al.
2001).

Profundidade (m) Número de pontos Posição dos pontos


0,15 a 0,60 1 0,6 p
0,60 a 1,20 2 0,2 e 0,8 p
1,20 a 2,00 3 0,2; 0,6 e 0,8 p
2,00 a 4,00 4 0,2; 0,4; 0,6 e 0,8 p
> 4,00 6 S; 0,2; 0,4; 0,6; 0,8 p e F

Tabela 13. 3: Distância recomendada entre verticais, de acordo com a largura do rio (Santos et al., 2001).

Largura do rio (m) Distância entre verticais (m)


<3 0,3
3a6 0,5
6 a 15 1,0
15 a 30 2,0
30 a 50 3,0
50 a 80 4,0
80 a 150 6,0
150 a 250 8,0
> 250 12,0

Portanto, a medição de vazão está baseada na medição de velocidade em um grande


número de pontos. Os pontos estão dispostos segundo linhas verticais com distâncias
conhecidas da margem (d1, d2, d3, etc.) (Figura 13. 6). A integração do produto da
velocidade pela área é a vazão do rio. Considera-se que a velocidade média calculada
numa vertical é válida numa área próxima a esta vertical de acordo com a Figura 13. 7.

146
Figura 13. 6: Exemplo de medição de vazão em uma seção de um rio, com a indicação das verticais, distâncias (d) e profundidades (p)
– os pontos indicam as posições em que é medida a velocidade no caso de utilizar apenas dois pontos por vertical.

Figura 13. 7: Detalhe da área da seção do rio para a qual é válida a velocidade média da vertical de número 2.

A área de uma sub-seção, como apresentada na Figura 13. 7 é calculada pela equação
abaixo:

 (d + d i +1 ) (d i −1 + d i )   (d − d i −1 ) 
Ai = pi ⋅  i −  = p i ⋅  i +1 
 2 2   2 

onde o índice i indica a vertical que está sendo considerada; p é a profundidade; d é a


distância da vertical até a margem. Na anterior, por exemplo, a área da sub-seção da
vertical 2 é dada por:

147
 (d − d 1 ) 
A2 = p 2 ⋅  3 
 2 

As pequenas áreas próximas às margens que não são consideradas nas sub-seções da
primeira nem da última vertical (Figura 13. 8) não são consideradas no cálculo da
vazão. Assim, a vazão total do rio é dada por:
N
Q = ∑ vi ⋅ Ai
i =1

onde Q é a vazão total do rio; vi é a velocidade média da vertical i; N é o número de


verticais e Ai é a área da sub-seção da vertical i.

Figura 13. 8: As áreas sombreadas junto às margens não são consideradas na integração da vazão.

EXEMPLO

2) Uma medição de vazão realizada em um rio teve os resultados da tabela


abaixo. A largura total do rio é de 23 m. Qual é a vazão total do rio? Qual é a
velocidade média?

Vertical 1 2 3 4 5

Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0


Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82
Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32
Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20
Para cada uma das verticais de medição é determinada a área da sub-seção correspondente. Considera-
se, para isso, que as velocidades medidas na vertical ocorrem em uma região retangular de profundidade
pi e largura 0,5x(di+1 – di-1) . A vazão total é dada pela soma das vazões de cada sub-seção.

148
Vertical 1 2 3 4 5 Total

Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 23


Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82
Largura da vertical (m) 2,50 3,0 6,0 7,0 3,0
Área da sub-seção (m2) 1,75 4,62 12,06 16,24 2,46 37,13
Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32
Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20
Velocidade média na vertical (m.s-1) 0,19 0,63 0,71 0,66 0,26
Vazão na sub-seção (m3.s-1) 0,33 2,91 8,56 10,72 0,64 23,16

A vazão total é de 23,16 m3.s-1. Este valor pode ser arredondado para 23,2 m3.s-1 porque
normalmente os erros das medições de velocidade, distância e profundidade não justificam tanta precisão.

A velocidade média é igual à vazão total dividida pela área total, ou seja,

23 ,16
v= = 0 ,62
37 ,13

A velocidade média é de 0,62 m.s-1.

A curva-chave
O ciclo hidrológico é um processo dinâmico, governado por processos bastante
aleatórios, como a precipitação. Para caracterizar o comportamento hidrológico de um
curso d’água ou de uma bacia não basta dispor de uma medição de vazão, mas sim de
uma série de medições. É desejável que esta série estenda-se por, pelo menos, alguns
anos, e é necessário que o intervalo de tempo entre medições seja adequado para
acompanhar os principais processos que ocorrem na bacia, isto é, permitam
acompanhar as cheias e estiagens. Em um rio muito grande, de comportamento lento,
isto pode significar uma medição por semana. Por outro lado, em um rio com uma
área de drenagem pequena, em uma região montanhosa, com rápidas respostas durante
as chuvas, pode ser necessária uma medição a cada minuto.

A medição de vazão, conforme descrita no item anterior, é um processo caro, o que


impede medições de vazão muito freqüentes. Normalmente a medição de vazão em
rios exige uma equipe de técnicos qualificados e equipamentos como molinete,
guincho e barcos. Em função disso, as medições de vazão são realizadas com o
objetivo de determinar a relação entre o nível da água do rio em uma seção e a sua
vazão. Esta relação entre o nível (ou cota) e a vazão é denominada a curva-chave de
uma seção. Com a curva-chave é possível transformar medições diárias de cota, que
são relativamente baratas, em medições diárias de vazão.

149
Para gerar uma curva-chave representativa é necessário medir a vazão do rio em
situações de vazões baixas, médias e altas. A Figura 13. 9 apresenta, de forma gráfica, o
resultado de 62 medições de vazão realizadas entre 1992 e 2002, no rio do Sono no
posto fluviométrico Cachoeira do Paredão, no Estado de Minas Gerais. Cada ponto no
gráfico corresponde a uma medição de vazão. Observa-se que há mais medições de
vazão na faixa de cotas e vazões baixas. Isto ocorre porque as vazões altas ocorrem
apenas durante as cheias, que podem ser bastante rápidas e raramente coincidem com
os dias programados para as medições de vazão.

Figura 13. 9: Dados de medição de vazão do rio do Sono, de 1992 a 2002.

A curva chave é uma equação ajustada aos dados de medição de vazão. Normalmente
são utilizadas equações do tipo potência, como a equação a seguir:
Q = a ⋅ (h − h 0 )b

onde Q é a vazão; h é a cota; h0 é a cota quando a vazão é zero; e a e b são parâmetros


ajustados por um critério, como erros mínimos quadrados.

A Figura 13. 10 apresenta uma equação do tipo acima ajustada aos dados do rio do
Sono.

150
Figura 13. 10: Equação do tipo potência ajustada aos dados de medição de vazão do rio do Sono de 1992 a 2002.

A curva chave de uma seção de rio pode se alterar com o tempo, especialmente em
rios de leito arenoso. Modificações artificiais, como aterros e pontes, também podem
modificar a curva chave. Por isto é necessário realizar medições de vazão regulares,
mesmo após a definição da curva.

Em trechos de rios próximos à foz, junto ao mar, lago ou outro rio, a relação entre
cota e vazão pode não ser unívoca, isto é, a mesma vazão pode ocorrer para cotas
diferentes, e cotas iguais podem apresentar vazões diferentes. Nestes casos o
escoamento no rio está sob controle de jusante. O nível do rio, lago ou oceano,
localizado a jusante, controla a vazão do rio e não é possível definir uma única curva-
chave. Este problema pode ser superado gerando uma família de curvas-chave, através
da combinação da vazão, da cota local e da cota de jusante (Santos et al., 2001). É claro
que esta alternativa é bastante trabalhosa e deve ser evitada, dando-se preferência à
instalação de postos fluviométricos em locais livres da influência da maré, ou do nível
de jusante.

Extrapolação da curva-chave
A curva-chave é a forma de obter informações sobre a vazão de um rio em um dado
local com base na observação da cota da superfície da água neste mesmo local, o que
simplifica a medição, já que é mais fácil medir cotas do que vazões.

Uma extrapolação da curva-chave é necessária quando as cotas observadas no posto


fluviométrico superam as máximas cotas medidas simultaneamente às medições de

151
vazão, ou quando as cotas observadas são inferiores às menores cotas medidas
simultaneamente às medições de vazão, como mostra a Figura 13. 11.

Figura 13. 11: Curva chave com extrapolação para cotas acima de, aproximadamente, 670 cm (Sefione, 2002).

Quando a extrapolação é para cotas observadas superiores às utilizadas na elaboração


da curva-chave, denomina-se extrapolação superior. Quando é para cotas inferiores às
cotas utilizadas na elaboração da curva-chave, a extrapolação é chamada inferior.

A extrapolação superior de curvas-chave é muito importante porque dificilmente


existirão medições de vazão coincidentes com as maiores cheias observadas. Além
disso, quando ocorrem as grandes cheias o rio extravasa da sua calha normal,
inundando a região adjacente, modificando diversos aspectos do escoamento. Nesta
situação a rugosidade aumenta devido à presença de obstáculos e vegetação, e a relação
entre área da seção transversal e nível da água se modifica, pelo alargamento da largura
inundada.

Existem vários métodos para extrapolação superior da curva-chave. Um dos métodos


mais conhecidos e utilizados é chamado de método de Stevens.

Neste método considera-se que existe uma relação constante entre a vazão e o produto
da área da seção vezes a raiz quadrada do raio hidráulico (como na equação de Chezy).

152
Figura 13. 12: Ilustração do princípio utilizado no Método de extrapolação da curva chave de Stevens (Sefione, 2002).

Vertedores e calhas
Em cursos d’água de menor porte é possível construir estruturas no leito do rio que
facilitam a medição de vazão. Este é o caso das calhas Parshal e dos vertedores de
soleira delgada.

Vertedores de soleira delgada são estruturas hidráulicas que obrigam o escoamento a


passar do regime sub-crítico (lento) para o regime super-crítico (rápido) para as quais a
relação entre cota e vazão é conhecida. Assim, o nível a água medido a montante com
uma régua ou linígrafo pode ser utilizado para estimar diretamente a vazão (Figura 13.
13).

153
Figura 13. 13: Vertedor triangular para medição de vazão em pequenos cursos d’água.

Um vertedor triangular de soleira delgada com ângulo de 90º (Figura 13. 14), por
exemplo, tem uma relação entre cota e vazão dada por:

Q = 1,42 ⋅ h 2 ,5

onde Q é a vazão em m3.s-1 e h é a carga hidráulica em metros sobre o vertedor que é a


distância do vértice ao nível da água (Figura 13. 14), medido a montante do vertedor,
conforme indicado na Figura 13. 13.

Esta relação pode ser utilizada diretamente, embora na maioria dos casos seja desejável
a verificação em laboratório.

Figura 13. 14: Vertedor triangular com soleira delgada em ângulo de 90º.

A Calha Parshal é um trecho curto de canal com geometria de fundo e paredes que
acelera a velocidade da água e cria uma passagem por escoamento crítico. A medição
de nível é feita a montante da passagem pelo regime crítico, e pode ser relacionada
diretamente à vazão. As calhas Parshal são dimensionadas com diferentes tamanhos,
de forma a permitir a medição em diferentes faixas de vazão.

A principal vantagem das calhas e dos vertedores é que existe uma relação direta e
conhecida, ou facilmente calibrável, entre a vazão e a cota. A calha ou o vertedor tem a

154
desvantagem do custo relativamente alto de instalação. Além disso, durante eventos
extremos estas estruturas podem ser danificadas ou, até mesmo, inutilizadas.

Figura 13. 15: Calha Parshall para medição de vazão em pequenos córregos ou canais.

Medição de vazão com equipamento Doppler


Nos últimos anos as medições de velocidade de água com molinetes tem sido
substituídas por medições de velocidade por efeito Doppler em ondas acústicas.

Estes medidores funcionam emitindo pulsos acústicos (ultrasom) em uma freqüência


conhecida, e recebendo de volta o eco do ultrasom, refletido nas partículas imersas na
água A diferença das freqüências dos sons emitidos e refletidos é proporcional à
velocidade relativa entre o barco e as partículas imersas na água.

A suposição básica desse método é que as partículas dissolvidas na água se deslocam


com a mesma velocidade do fluxo.

Um sistema como o apresentado na Figura 13. 16, com um emissor de ultrasom e três
receptores, dispostos da maneira apresentada na figura, permite estimar a velocidade da
água num volume de controle segundo três eixos, perpendiculares aos sensores. A

155
partir destas componentes da velocidade no sistema de eixos do instrumento são
calculadas as componentes transversal, longitudinal e vertical de velocidade na seção do
rio.

O medidor de velocidade pode ser utilizado com uma haste, como o ilutrado na Figura
13. 16, quando se deseja conhecer a velocidade de um ponto específico, ou quando o
curso d’água é pequeno.

Figura 13. 16: Medidor de velocidade Doppler para pequenos cursos d’água, com indicação do transmissor acústico, dos três
receptores acústicos, e do volume de controle para o qual é válida a medida de velocidade.

Em rios médios ou grandes, alguns medidores de velocidade usando o mesmo


princípio do efeito Doppler são usados para estimar a velocidade em vários pontos de
uma vertical e em várias verticais automaticamente, e substituem os molinetes com
grandes vantagens. Estes instrumentos são chamados perfiladores, porque permitem
medir o perfil de velocidades, desde a superfície até o fundo, com muita rapidez. Além
disso, estes instrumentos comunicam-se diretamente a microcomputadores, transferem
os dados de velocidade e calculam a vazão automaticamente, reduzindo
substancialmente o tempo necessário para preencher planilhas no campo e para digitar
estes dados, posteriormente, no escritório. A grande desvantagem destes instrumentos
é o custo de aquisição. Apesar disto, estes equipamentos vêm se tornando cada vez
mais comuns, e possivelmente levarão, em poucos anos, ao abandono completo das
medições com molinetes.

156
No caso dos medidores perfiladores, a velocidade da água é medida em vários volumes
de controle. A posição do volume de controle é controlada pelo tempo de viagem do
pulso de ondas acústicas. O volume de controle aumenta de tamanho a medida que o
local medido se afasta do instrumento, como mostra a Figura 13. 17.

Figura 13. 17: Perfilador acústico por efeito Doppler para medir velocidade da água em várias posições.

Os perfiladores podem ser utilizados acoplados a uma embarcação, tripulada ou não,


que percorre a seção do rio de uma margem até a outra, lentamente. A velocidade da
embarcação é medida pelo próprio perfilador, com base na resposta (eco) recebido do
fundo do rio, cuja intensidade é maior do que o eco das partículas imersas na água e,
portanto, fácil de distinguir pelo aparelho.

A Figura 13. 18 apresenta uma medição de vazão realizada com um perfilador acústico
Doppler no rio Solimões (Amazonas) no posto fluviométrico de Manacapuru (AM).
Observa-se que uma faixa próxima à superfície não apresenta medições válidas e uma
faixa junto ao fundo (entre as linhas pretas) também não apresenta medições válidas. A
espessura desta faixa depende da freqüência com que trabalha o equipamento. Para
equipamentos de baixa freqüência, adequados para rios profundos, esta faixa é
relativamente grande. Para equipamentos de alta freqüência esta faixa é relativamente
estreita.

A faixa sem medições próxima à superfície deve-se ao fato que o aparelho precisa de
um tempo mínimo para distinguir as respostas, o que exige uma distância mínima até o
primeiro volume de controle. A faixa sem medições junto ao fundo ocorre porque
nesta região começa a haver um efeito forte do eco junto ao fundo do rio. As medições
acústicas são complementadas nestas faixas por estimativas baseadas em perfis teóricos
de velocidade. O impacto destas estimativas na exatidão das vazões medidas é

157
relativamente pequeno se o equipamento utilizado tiver uma freqüência compatível
com a profundidade do rio.

Figura 13. 18: Resultado de medição de vazão com perfilador acústico Doppler no rio Solimões em Manacapuru (AM).

Estimativas de vazão em locais sem dados


Normalmente não existem dados de vazão exatamente no local necessário. Assim,
muitas vezes é necessário estimar valores a partir de informações de postos
fluviométricos próximos. A este procedimento, quando realizado de forma cuidadosa e
detalhada, dá se o nome de regionalização hidrológica. A forma mais simples de
regionalização hidrológica é o estabelecimento de uma relação linear entre vazão e área
de drenagem da bacia.

Suponha que é necessário estimar a vazão média em um local sem dados localizado no
rio Camaquã, denominado ponto A. A área de drenagem no ponto A é de 1700 km2.
Dados de um posto fluviométrico localizado no mesmo rio, no ponto B, cuja área de
drenagem é de 1000 km2 indicam uma vazão média de 200 m3.s-1. A vazão média no
ponto A pode ser estimada por

AA
Q A = QB ⋅
AB

158
onde AA é a área de drenagem do ponto A e AB é a área de drenagem do ponto B, e QA
é a vazão média no ponto A e QB é a vazão média no ponto B.

Esta forma de estimativa pode ser aplicada também para estimar vazões mínimas,
como a Q90 e a Q95. Obviamente, este método tem muitas limitações e não pode ser
usado quando a bacia for muito heterogênea quanto às características de relevo, clima,
solo e geologia. Para estimar vazões máximas em locais sem dados este método tende a
superestimar as vazões quando a área de drenagem do ponto sem dados é maior do
que a área de drenagem do ponto com dados.

Métodos de regionalização mais complexos incluem variáveis como a precipitação


média, características de comprimento e declividade do rio principal, tipos de solos e
geologia, e podem gerar informações relativamente confiáveis para locais sem dados.

Os detalhes da regionalização hidrológica são apresentados de forma aprofundada em


livros como Tucci (1998). Em resumo, a regionalização de vazões busca identificar
relações entre os valores de vazões máximas, mínimas e médias com a área da bacia e
outras características físicas da região. As relações normalmente são da forma
apresentada na equação apresentada abaixo:

Qref = a ⋅ A b

onde a e b são constantes para uma região hidrológica homogênea, isto é, que tem
aproximadamente as mesmas características geológicas e climáticas.

Leituras adicionais
Este texto apresenta uma introdução às técnicas de medição de vazão e determinação
da curva chave. Maiores detalhes podem ser encontrados em textos específicos, como
Hidrometria Aplicada, de Santos et al. (2001). A dissertação de mestrado de André
Sefione, intitulada Estudo comparativo de métodos de extrapolação superior de curva-
chave (disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3258). No que se
refere à estimativa de vazão em locais sem dados uma leitura adicional interessante é o
livro Regionalização de vazões (Tucci, 1998).

Exercícios
1) O que é a curva-chave?

2) Para que servem as calhas Parshal?

159
3) Qual é a vazão que escoa em regime permanente e uniforme por um canal de
concreto liso com seção transversal trapezoidal com largura da base B = 2 m e
largura no topo de 5 m, com altura total de 2 m e com profundidade y = 1,5
m, considerando a declividade de 15 cm por km?

4) Qual é a vazão que faria transbordar o canal do exercício anterior?

5) A tabela abaixo apresenta dados de medição de vazão em uma seção


transversal de um rio. Deseja-se ajustar uma equação do tipo Q = a.(h-h0)b a
estes dados para gerar uma curva-chave. Estime o valor dos coeficientes a, b e
h0. usando sua calculadora ou o software Excel.

Q h (cm)
0.37 54
2.52 73
0.48 58
1.86 75
1.02 67
2.15 73
1.25 68
0.30 44
0.78 64
0.27 49
0.43 58
0.45 59

160
Capítulo

14
Hidrologia Estatística

A s variáveis hidrológicas como chuva e vazão têm como característica básica


uma grande variabilidade no tempo. Para analisar a vazão de um rio ou a
precipitação em um local ou região, incluindo a sua variabilidade temporal, é
necessário utilizar alguns valores estatísticos que resumem, em grande parte, o
comportamento hidrológico do rio ou da bacia. Entre as estatísticas mais importantes
estão a média, a média mensal, a variância, os mínimos e máximos.

A média
A vazão ou precipitação média é a média de toda a série de vazões ou precipitações
registradas, e é muito importante na avaliação da disponibilidade hídrica total de uma
bacia.
n

∑x
i =1
i
x=
n

A vazão média específica é a vazão média dividida pela


área de drenagem da bacia.

As vazões médias mensais representam o valor médio


da vazão para cada mês do ano, e são importantes para
analisar a sazonalidade de um rio. A figura ao lado
apresenta um gráfico das vazões médias mensais do rio
Cuiabá na seção da cidade de Cuiabá, com base nos
dados de 1967 a 1999.

Figura 14. 1 : Vazões médias por mês do ano no rio Cuiabá, em Cuiabá.
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Observa-se nesta figura que há uma sazonalidade marcada, com estiagem no inverno e
vazões altas no verão. As maiores vazões mensais médias ocorrem em Fevereiro e as
menores em Agosto, o que é conseqüência direta da sazonalidade das chuvas, que
ocorrem de forma concentrada no período de verão.

A mediana
A mediana é o valor que é superado em 50% dos pontos da amostra. A média e a
mediana podem ter valores relativamente próximos, porém não iguais.

A mediana pode ser obtida organizando os n valores xi da amostra em ordem


crescente.

Sendo x k com k = 1 a n, os valores de x organizados em ordem decrescente, a


mediana é obtida por:

n −1
Mediana = x p com p = + 1 se n for ímpar;
2

x p + x p +1
e Mediana = se n for par.
2

O desvio padrão
O desvio padrão é uma medida de dispersão dos valores de uma amostra em torno da
média. O desvio padrão é dado por:

∑ (x
2
i −x )
i =1
s=
n −1

o quadrado do desvio padrão s2 é chamada variância da amostra.

O coeficiente de variação
O coeficiente de variação é uma relação entre o desvio padrão e a média. O coeficiente
de variação é uma medida da variabilidade dos valores em torno da média,
relativamente à própria média.

162
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

s
cv =
x

EXEMPLO

1) O seguinte conjunto de valores apresenta a chuva anual ocorrida em uma


cidade ao longo de 30 anos. Calcule a média, o desvio padrão e o coeficiente
de variação destes dados.
ano P (mm) ano P (mm) ano P (mm)
1954 1671 1964 2024 1974 1357
1955 1485 1965 1305 1975 2023
1956 1766 1966 1644 1976 1390
1957 1565 1967 1908 1977 1641
1958 2082 1968 1913 1978 1585
1959 1370 1969 1485 1979 1526
1960 1926 1970 1693 1980 1962
1961 2042 1971 1313 1981 1672
1962 1691 1972 1567 1982 1404
1963 1491 1973 1493 1983 1352

A média é de 1645,1 mm por ano, o desvio padrão é de 241,9 mm por ano e o coeficiente de variação
é de 0,15.

O coeficiente de assimetria
O coeficiente de assimetria é um valor que caracteriza o quanto uma amostra de dados
é assimétrica com relação à média. Uma amostra é simétrica com relação à média se o
histograma dos dados revela o mesmo comportamento de ambos os lados da média.
n

∑ (x
i =1
i
3
− x)
G=
n ⋅ s3

A assimetria é chamada positiva quando o valor de G é positivo e a assimetria é


negativa quando o valor de G é negativo. Algumas variáveis importantes na hidrologia,
como as vazões máximas anuais em rios, apresentam uma assimetria positiva.

163
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Assimetria Valor de G Exemplo de histograma

Nula 0 ou próximo
de zero

Positiva G>0

Negativa G<0

O cálculo da assimetria de uma amostra é um pouco mais complexo do que o da


média e do desvio padrão. A maior parte das calculadoras simples não permite calcular
diretamente o coeficiente de assimetria. No programa Excel a função chamada
“Distorção” permite calcular o coeficiente de assimetria.

Quartis e quantis
Quantis separam a amostra de forma semelhante à mediana, porém em intervalos
diferentes. Enquanto a mediana separa a amostra em dois grupos, com 50% dos dados
com valores inferiores e 50% dos dados com valores superiores à mediana, os quartis e
os quantis divdem a amostra em grupos de tamanhos diferentes. O primeiro Quartil é
o valor que separa a amostra em dois grupos em que 25% dos pontos tem valor
inferior ao quartil e 75% tem valor superior ao quartil. O terceiro Quartil é o valor que
separa a amostra em dois grupos em que 75% dos pontos tem valor inferior ao quartil
e 25% tem valor superior ao quartil. Já o segundo quartil é a própria mediana.

Além dos três quartis, que separam a amostra em quatro, podem ser definidos quantis
arbitrários, que dividem a amostra arbitrariamente em frações diferentes. Por exemplo,

164
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

o quantil 90 % divide a amostra em dois grupos. O primeiro (90% dos dados) tem
valores inferiores ao quantil 90% e o segundo (10% dos dados) tem valores superiores
ao quantil 90%.

A curva de permanência
A elaboração da curva de permanência é uma das análises estatísticas mais simples e
mais importantes na hidrologia. A curva de permanência auxilia na análise dos dados
de vazão com relação a perguntas como as destacadas a seguir.

• O rio tem uma vazão aproximadamente constante ou extremamente variável


entre os extremos máximo e mínimo?

• Qual é a porcentagem do tempo em que o rio apresenta vazões em


determinada faixa?

• Qual é a porcentagem do tempo em que um rio tem vazão suficiente para


atender determinada demanda?

A curva de permanência expressa a relação entre a vazão e a freqüência com que esta
vazão é superada ou igualada. A curva de permanência pode ser elaborada a partir de
dados diários ou dados mensais de vazão.

A Figura 14. 2 apresenta o hidrograma de vazões diárias do rio Taquari, em Muçum


(RS), e a curva de permanência que corresponde aos mesmos dados apresentados no
hidrograma. Observa-se que a vazão de 1000 m3.s-1 é igualada ou superada em menos
de 10% do tempo. Apesar de apresentar picos de cheias com 7000 m3.s-1 ou mais, na
maior parte do tempo as vazões do rio Taquari neste local são bastante inferiores a 500
m3.s-1.

Para destacar mais a faixa de vazões mais baixas a curva de permanência é apresentada
com eixo vertical logarítmico, como mostra a Figura 14. 3.

165
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 14. 2: Hidrograma de vazões diárias do rio Taquari em Muçum (RS) e a curva de permanência correspondente.

Figura 14. 3: Curva de permanência do rio Taquari em Muçum com eixo das vazões logarítmico para dar destaque à faixa de vazões
mais baixas.

Alguns pontos da curva de permanência recebem atenção especial:

• A vazão que é superada em 50% do tempo (mediana das vazões) é a chamada


Q50.

166
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

• A vazão que é superada em 90% do tempo é chamada de Q90 e é utilizada


como referência para legislação na área de Meio Ambiente e de Recursos
Hídricos em muitos Estados do Brasil.

• A vazão que é superada em 95% do tempo é chamada de Q95 e é utilizada para


definir a Energia Assegurada de uma usina hidrelétrica.

EXEMPLO

2) Os dados de vazão do rio Descoberto em Santo Antônio do Descoberto


(GO) foram organizados na forma de uma curva de permanência, como
mostra a figura abaixo. Um empreendedor solicita outorga de 2,5 m3.s-1 num
ponto próximo no mesmo rio. Considerando que a legislação permite outorgar
apenas 20% da Q90 a cada solicitante, responda: é possível atender a
solicitação?

Observa-se na curva de permanência que a vazão Q90 é de 7 m3.s-,1 aproximadamente. Portanto a


máxima vazão que pode ser outorgada para um usuário individual neste ponto corresponde a:

Qmax = 0 ,2 ⋅ 7 = 1,4 m 3 ⋅ s −1

Como o empreendedor solicitou 2,5 m3.s-,1 não é possível atender sua solicitação.

A curva de permanência também é útil para diferenciar o comportamento de rios e


para avaliar o efeito de modificações como desmatamento, reflorestamento,
construção de reservatórios e extração de água para uso consuntivo.

167
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

A Figura 14. 4 apresenta as curvas de permanência dos rios Cuiabá, em Cuiabá (MT), e
Taquari, em Coxim (MS), baseadas nos dados de vazão diária de 1980 a 1984. As duas
bacias tem áreas de drenagem de tamanho semelhante. A bacia do rio Cuiabá tem,
aproximadamente, 22.000 km2, e a do rio Taquari cerca de 27.000 km2. O relevo e a
precipitação média anual são semelhantes. A vazão média do rio Cuiabá é de 438 m3.s-1
neste período, enquanto a vazão média do rio Taquari é de 436 m3.s-1, ou seja, são
praticamente idênticas. Entretanto, observa-se que as vazões mínimas são mais altas no
rio Taquari do que no rio Cuiabá e as vazões máximas são maiores no rio Cuiabá.

O rio Cuiabá apresenta maior variabilidade das vazões, que se alternam rapidamente
entre situações de baixa e de alta vazão, enquanto o rio Taquari permanece mais tempo
com vazões próximas da média. Esta diferença ocorre basicamente porque a geologia
da bacia do rio Taquari favorece mais a infiltração da água no solo, e esta água chega ao
rio apenas após um longo período em que fica armazenada no subsolo. A vazão do rio
Taquari é naturalmente regularizada pelos aqüíferos existentes na bacia, enquanto que
na bacia do rio Cuiabá este efeito não é tão importante.

Figura 14. 4: Comparação entre as curvas de permanência dos rios Taquari (MS) e Cuiabá (MT).

A Figura 14. 5 apresenta as curvas de permanência de vazão afluente (entrada) e


efluente (saída) do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG). Este
reservatório tem um grande volume e uma grande capacidade de regularização,
permitindo reter grande parte das vazões altas que ocorrem durante o período do
verão, aumentando a disponibilidade de água no período de estiagem. Como resultado
observa-se que a vazão Q90 é alterada de 148 m3.s-1 para 379 m3.s-1 pelo efeito de
regularização do reservatório, enquanto a vazão Q95 é alterada de 120 m3.s-1 para 335
m3.s-1.

168
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 14. 5: Curvas de permanência de vazão afluente e efluente do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG).

Portanto o efeito da regularização da vazão sobre a curva de permanência é torná-la


mais horizontal, com valores mais próximos da mediana durante a maior parte do
tempo.

Séries temporais
A vazão de um rio é uma variável que se modifica de forma contínua no tempo, e pode
ser representada em um hidrograma, que é o gráfico que relaciona os valores de vazão
com o tempo, como na Figura 14. 6.

Diversas análises estatísticas de dados hidrológicos são realizadas de forma mais


conveniente sobre valores discretos no tempo, ao contrário das seqüências contínuas.
A partir de uma seqüência contínua de vazões é possível identificar séries temporais de
valores discretos, como, por exemplo, as vazões médias anuais, as vazões máximas
anuais e as vazões mínimas anuais, conforme representado na Figura 14. 7 e na Tabela
14. 1.

As séries discretas que são obtidas a partir da observação de alguns anos de dados de
vazão são tratadas como amostras do comportamento de um rio ou de uma bacia. A
população, neste caso, seriam todos os anos de existência de um rio. A vazão é
considerada uma variável aleatória porque depende de fenômenos climáticos
complexos e de difícil previsibilidade a partir de um certo horizonte.

169
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Figura 14. 6: As vazões variam continuamente no tempo (linha) mas a partir dos dados de vazão é possível gerar séries temporais
discretas, como as médias, máximas (triângulos) e mínimas (círculos) anuais (adaptado de Dingman, 2002).

Figura 14. 7: Gráfico das séries discretas de médias, mínimas e máximas anuais.

170
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabela 14. 1: Valores das séries temporais discretas de vazões médias, mínimas e máximas anuais relativos à figura anterior.

Ano Vazão média anual Vazão mínima anual Vazão máxima anual
1990 95 57 132
1991 93 69 126
1992 72 48 100
1993 86 60 113
1994 56 29 80
1995 73 53 88
1996 96 68 132

Risco, probabilidade e tempo de retorno


Séries temporais discretas são convenientes para avaliar riscos em hidrologia. Risco é
muitas vezes entendido como um sinônimo de probabilidade, mas em hidrologia é
mais adequado considerar o risco como a probabilidade de ocorrência de um evento
multiplicada pelos prejuízos que se espera da ocorrência deste evento.

Projetos de estruturas hidráulicas sempre são elaborados admitindo probabilidades de


falha. Por exemplo, as pontes de uma estrada são projetadas com uma altura tal que a
probabilidade de ocorrência de uma cheia que atinja a ponte seja de apenas 1% num
ano qualquer. Isto ocorre porque é muito caro dimensionar as pontes para a maior
vazão possível, por isso admite-se uma probabilidade, ou risco, de que a estrutura falhe.
Isto significa que podem ocorrer vazões maiores do que a vazão adotada no
dimensionamento.

A probabilidade admitida pode ser maior ou menor, dependendo do tipo de estrutura.


A probabilidade admitida para a falha de uma estrutura hidráulica é menor se a falha
desta estrutura provocar grandes prejuízos econômicos ou mortes de pessoas. Assim, a
probabilidade de falha admitida para um dique de proteção de uma cidade é a
probabilidade de que ocorra uma cheia em que o nível da água supere o nível de
proteção do dique. Diques que protegem grandes cidades deveriam ser construídos
admitindo uma probabilidade menor de falha do que diques de proteção de pequenas
áreas agrícolas. A Tabela 14. 2 apresenta o tempo de retorno em anos adotado,
normalmente, para diferentes tipos de estrutura.

171
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabela 14. 2: Tempo de retorno adotado para diferentes estruturas, de acordo com o risco associado.

Estrutura TR (anos)
Bueiros de estradas pouco movimentadas 5 a 10
Bueiros de estradas muito movimentadas 50 a 100
Pontes 50 a 100
Diques de proteção de cidades 50 a 200
Drenagem pluvial 2 a 10
Grandes barragens (vertedor) 10.000
Pequenas barragens 100

O risco também pode estar relacionado a situações de vazões mínimas. Por exemplo,
considere uma cidade que utilize a água de um rio para abastecimento da população.
Dependendo do tamanho da população e das características do rio, existe um sério
risco de que, num ano qualquer, ocorram alguns dias em que a vazão do rio é inferior à
vazão necessária para abastecer a população.

No caso da análise de vazões máximas, são úteis os conceitos de probabilidade de


excedência e de tempo de retorno de uma dada vazão. A probabilidade anual de excedência
de uma determinada vazão é a probabilidade que esta vazão venha a ser igualada ou
superada num ano qualquer. O tempo de retorno desta vazão é o intervalo médio de
tempo, em anos, que decorre entre duas ocorrências subseqüentes de uma vazão maior
ou igual. O tempo de retorno é o inverso da probabilidade de excedência como
expresso na seguinte equação:

1
TR = (14.1)
P

onde TR é o tempo de retorno em anos e P é a probabilidade de ocorrer um evento


igual ou superior em um ano qualquer. No caso de vazões mínimas, P refere-se à
probabilidade de ocorrer um evento com vazão igual ou inferior.

A equação acima indica que a probabilidade de ocorrência de uma cheia de 10 anos de


tempo de retorno, ou mais, num ano qualquer é de 0,1 (ou 10%).

A vazão máxima de 10 anos de tempo de retorno (TR = 10 anos) é excedida em média


1 vez a cada dez anos. Isto não significa que 2 cheias de TR = 10 anos não possam
ocorrem em 2 anos seguidos. Também não significa que não possam ocorrer 20 anos
seguidos sem vazões iguais ou maiores do que a cheia de TR=10 anos.

Existem duas formas de atribuir probabilidades e tempos de retorno às vazões


máximas e mínimas: métodos empíricos e métodos analíticos.

172
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Probabilidades empíricas podem ser estimadas a partir da observação das variáveis


aleatórias. Por exemplo, a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara”
virada para cima é de 50%. Esta probabilidade pode ser estimada empiricamente
lançando a moeda 100 vezes e contando quantas vezes cada uma das faces fica voltada
para cima.

O problema das probabilidades empíricas é que quando o tamanho da amostra é


pequeno, a estimativa tende a ser muito incerta. Suponha, por exemplo, que apenas 6
lançamentos sejam feitos para estimar a probabilidade de que uma moeda caia com a
face “cara” voltada para cima. É possível que seja estimada uma probabilidade muito
diferente de 50%.

Para contornar este problema é comum supor que os dados hidrológicos sejam
aleatórios e que sigam uma determinada distribuição de probabilidade analítica, como a
distribuição normal, por exemplo. Esta metodologia analítica permite explorar melhor
as amostras relativamente pequenas de dados hidrológicos, como se descreve na
seqüência deste capítulo.

Chuvas anuais e a distribuição normal


O total de chuva que cai ao longo de um ano pode ser considerado uma variável
aleatória com distribuição aproximadamente normal. Esta suposição permite explorar
melhor amostras relativamente pequenas, com apenas 20 anos, por exemplo.

A distribuição normal é descrita em qualquer livro introdutório de estatística e se aplica


a muitos tipos de informações da natureza. Um gráfico da função densidade de
probabilidade da distribuição normal tem uma forma de sino e é simétrica com relação
à média, que é o valor central. A forma em sino indica que existe uma probabilidade
maior de ocorrerem valores próximos à média do que nos extremos mínimo e
máximo.

A função densidade de probabilidade (PDF) da distribuição normal é uma expressão


que depende de dois parâmetros: a média e o desvio padrão da população, conforme a
equação seguinte:

1  1  x−µ 
2

f x (x ) = ⋅ exp − ⋅  x
  (14.2)
2 ⋅π ⋅σ x  2  σ x  

onde µx é a média da população e σx é o desvio padrão da população. Para o caso mais


simples, em que a média da população é zero e o desvio padrão igual a 1, a expressão
acima fica simplifcada:

173
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

1  z2 
f z (z ) = ⋅ exp −  (14.3)
2⋅π  2

onde z é uma variável aleatória com média zero e desvio padrão igual a 1.

O gráfico desta última é apresentado na Figura 14. 8. A área total sob a curva é igual a
1. A área hachurada representa a probabilidade de ocorrência de um valor maior do
que z (figura de cima) ou menor do que z (figura de baixo).

A área sob a curva pode ser calculada por integração analítica, mas resulta numa série
infinita. Por este motivo, as aplicações práticas são mais comuns na forma de tabelas
que relacionam o valor de z com a probabilidade de ocorrer um valor maior do que z
ou menor do que z. Existem, também, tabelas que fornecem valores da área entre 0 e
z, ou de –z a z.

No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição


normal. No programa Excel é possível obter os valores das probabilidades utilizando a
função DIST.NORMP(z), que dá a probabilidade de ocorrer um valor inferior a z.

Lembrando a relação entre probabilidades e tempos de retorno, é interessante saber os


valores de z que correspondem a alguns valores específicos de probabilidade, como 0,1
0,01 e 0,001. Estes valores correspondem aos tempos de retorno de 10, 100 e 1000
anos. No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição
normal, indicando os valores de z correspondentes aos tempos de retorno de 2 a 10000
anos.

Figura 14. 8: Gráfico da distribuição normal (na figura superior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer
um valor maior do que z; e na figura inferior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer um valor menor do
que z).

174
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Uma variável aleatória x com média µx e desvio padrão σx pode ser transformada em
uma variável aleatória z, com média zero e desvio padrão igual a 1 pela transformação
abaixo:

x − µx
z= (14.4)
σx

Esta transformação pode ser utilizada para estimar a probabilidade associada a um


determinado evento hidrológico em que a variável segue uma distribuição normal.

Considere, por exemplo, a chuva anual em um determinado local. Anos com chuva
próxima da média são relativamente freqüentes, enquanto anos muito chuvosos ou
muito secos são menos freqüentes. Em muitos locais as chuvas anuais seguem,
aproximadamente uma distribuição normal, como mostra a Figura 14. 9.

Figura 14. 9: Histograma de freqüências de chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, MG.

A probabilidade de ocorrência de chuvas anuais superiores a 2000 mm, por exemplo,


pode ser estimada a partir da análise dos dados de n anos, e da suposição de que os
dados seguem uma distribuição normal.

EXEMPLOS

3) As chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, em Minas


Gerais (Código 02045005) seguem, aproximadamente, uma distribuição

175
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

normal, com média igual a 1433 mm e desvio padrão igual a 299 mm. Qual é a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total superior a 2000 mm?

Considerando que a média e o desvio padrão da amostra disponível sejam boas aproximações da média
e do desvio padrão da população, pode se estimar o valor da variável reduzida z para o valor de 2000
mm:

x − µx x − x 2000 − 1433
z= ≅ = = 1,896
σx s 299

de acordo com a Tabela A, no final do capítulo, a probabilidade de ocorrência de um valor maior do


que z=1,896 é de aproximadamente 0,0287 (valor correspondente a z=1,9). Portanto, a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total superior a 2000 mm é de, aproximadamente,
2,87%. O tempo de retorno correspondente é de pouco menos de 35 anos. Isto significa que, em média,
um ano a cada 35 apresenta chuva total superior a 2000 mm neste local.

4) As chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, em Minas


Gerais (Código 02045005) seguem, aproximadamente, uma distribuição
normal, com média igual a 1433 mm e desvio padrão igual a 299 mm. Qual é a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total inferior a 550 mm?

A distribuição normal é simétrica. A probabilidade de ocorrer um valor superior a z é igual à


probabilidade de ocorrer um valor inferior a –z. Assim,

x − µx x − x 550 − 1433
z= ≅ = = −2,95
σx s 299

de acordo com a Tabela A, no final do capítulo, a probabilidade de ocorrência de um valor maior do


que z=2,95está entre 0,0012 e 0,0019. Portanto, a probabilidade de ocorrer um ano com chuva total
superior a 2000 mm é de, aproximadamente, 0,15%. O tempo de retorno correspondente é de pouco
menos de 666 anos. Isto significa que, em média, um ano a cada 666 apresenta chuva total inferior a
550 mm neste local.

Vazões máximas
Selecionando apenas as vazões máximas de cada ano em um determinado local, é
obtida a série de vazões máximas deste local e é possível realizar análises estatísticas
relacionando vazão com probabilidade. As séries de vazões disponíveis na maior parte
dos locais (postos fluviométricos) são relativamente curtas, não superando algumas
dezenas de anos.

176
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Distribuição empírica
Analisando as vazões do rio Cuiabá no período de 1984 a 1992, por exemplo,
podemos selecionar de cada ano apenas o valor da maior vazão, e analisar apenas as
vazões máximas (Tabela 14. 3). Reorganizando as vazões máximas para uma ordem
decrescente, podemos atribuir uma probabilidade de excedência empírica a cada uma
das vazões máximas da série, utilizando a fórmula de Weibull:

m
P= (14.5)
N +1

onde N é o tamanho da amostra (número de anos); e m é a ordem da vazão (para a


maior vazão m=1 e para a menor vazão m=N). O resultado é apresentado na Tabela
14. 4.

Figura 14. 10: Série de vazões do rio Cuiabá em Cuiabá, de 1984 ao final de 1991, evidenciando a vazão máxima de cada ano.

177
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabela 14. 3: Vazões máximas anuais entre 1984 e 1991.

Ano Q máx
1984 1796.8
1985 1492.0
1986 1565.0
1987 1812.0
1988 2218.0
1989 2190.0
1990 1445.0
1991 1747.0

Tabela 14. 4: Vazões máximas reorganizadas em ordem decrescente, com ordem e probabilidade empírica associada.

Ano Vazão (m3/s) Ordem Probabilidade TR (anos)


1988 2218.0 1 0.11 9.0
1989 2190.0 2 0.22 4.5
1987 1812.0 3 0.33 3.0
1984 1796.8 4 0.44 2.3
1991 1747.0 5 0.56 1.8
1986 1565.0 6 0.67 1.5
1985 1492.0 7 0.78 1.3
1990 1445.0 8 0.89 1.1

O problema da estimativa empírica de probabilidades é que não é possível extrapolar a


estimativa para tempos de retorno maiores. Por exemplo, se é necessário estimar a
vazão máxima de 100 anos de tempo de retorno, mas existem apenas 18 anos de dados
observados, as probabilidades empíricas permitem estimar vazões máximas de TR
próximo de 18 anos.

Distribuição normal
Para extrapolar as estimativas de vazão máxima é necessário supor que as vazões
máximas anuais seguem uma distribuição de probabilidades conhecida, como no caso
das chuvas anuais.

Vazões máximas segundo uma distribuição normal podem ser estimadas por:

x = x + K ⋅s (14.6)

onde x é a vazão máxima para uma dada probabilidade; x é a média das vazões
máximas anuais; e s é o desvio padrão das vazões máximas anuais. O valor de K é
obtido de tabelas de distribuição normal (equivalente ao z nas tabelas A e B ao final do
capítulo).

178
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Infelizmente, porém, as vazões máximas não seguem a distribuição normal.


Histogramas de vazões máximas anuais tendem a apresentar uma forte assimetria
positiva (longa cauda na direção dos maiores valores), o que invalida o uso da
distribuição normal (Figura 14. 11).

Figura 14. 11: Comparação entre um histograma de vazões máximas observadas do rio Cuiabá em Cuiabá entre 1967 e 1999 e a
distribuição normal.

Para superar este problema existem outras distribuições de probabilidade que são,
normalmente, utilizadas para a análise de vazões máximas. A mais simples destas
distribuições é a denominada log-normal. Nesta distribuição a suposição é que os
logaritmos das vazões seguem uma distribuição normal.

Distribuição log-normal
A distribuição normal parte da equação:

log( x ) = log( x ) + K ⋅ slog x (14.7)

onde log(x) é o logaritmo da vazão máxima; log ( x ) é a média dos logaritmos das
vazões máximas anuais observadas; slogx é o desvio padrão dos logaritmos das vazões
máximas anuais observadas. O valor de K é obtido das tabelas A e B do final do
capítulo (K é equivalente a z dado nas tabelas).

Se o objetivo da análise é determinar a vazão de 100 anos de tempo de retorno em um


determinado local, por exemplo, a seqüência de etapas para a estimativa supondo que
os dados correspondem a uma distribuição log-normal é a seguinte:

• Obter vazões máximas de N anos

179
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

• Calcular os logaritmos das vazões máximas

• Calcular a média e o desvio padrão dos logaritmos das vazões máximas

• Obter o valor de z para a probabilidade correspondente ao tempo de retorno


de 100 anos

• Obter o valor do logaritmo da vazão de tempo de retorno de 100 anos a partir


da equação 14.7.

• Obter o valor da vazão através da função inversa do logaritmo.

Esta seqüência de etapas fica mais clara na aplicação em um exemplo.

EXEMPLO

5) As vazões máximas anuais do rio Guaporé no posto fluviométrico Linha


Colombo são apresentadas na tabela abaixo. Utilize a distribuição log-normal
para estimar a vazão máxima com 100 anos de tempo de retorno.
ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA
1940 953 1950 1192 1960 falha 1970 365 1980 653 1990 falha
1941 1171 1951 356 1961 718 1971 671 1981 537 1991 falha
1942 723 1952 246 1962 503 1972 1785 1982 945 1992 falha
1943 267 1953 1093 1963 falha 1973 726 1983 1650 1993 1115
1944 646 1954 840 1964 457 1974 397 1984 1165 1995 639
1945 365 1955 622 1965 915 1975 480 1985 888
1946 1359 1956 falha 1966 742 1976 falha 1986 728
1947 411 1957 598 1967 840 1977 673 1987 809
1948 480 1958 646 1968 331 1978 760 1988 945
1949 365 1959 953 1969 320 1979 780 1989 1380

Este exemplo apresenta uma situação muito comum na análise de dados hidrológicos: as falhas. As
falhas são períodos em que não houve observação. As falhas são desconsideradas na análise, assim o
tamanho da amostra é N=48. Utilizando logaritmos de base decimal, a média dos logaritmos das
vazoes máximas é 2,831 e o desvio padrão é 0,206. Para o tempo de retorno de 100 anos a
probabilidade de excedência é igual a 0,01. Na tabela B, ao final do capítulo, pode-se obter o valor de
z correspondente (z=2,326). A vazão máxima de TR=100 anos é obtida por:

x−x
z≅
s

x − 2,831
2,326 ≅
0,206

x = 2,326 ⋅ 0,206 + 2,831 = 3,31

180
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Q = 10 3, 31 = 2041

Portanto, a vazão máxima de 100 anos de tempo de retorno é 2041 m3/s.

Este procedimento pode ser repetido para outros valores de TR, e o resultado pode ser apresentado na
forma de um gráfico, relacionando vazão com tempo de retorno, como na figura a seguir. Nesta figura
fica claro, também, que a suposição de uma distribuição log-normal é muito mais adequada do que a
suposição de uma distribuição normal.

As vazões máximas estimadas com as probabilidades empíricas são mostradas pelos pontos, a
distribuioção normal é apresentada como a linha pontilhada e a linha contínua mostra vazões máximas
estimadas com a distribuição log-normal.

Distribuição Log-Pearson Tipo III


A distribuição Log-Pearson Tipo III pode ser descrita por três parâmetros: a média, o
desvio padrão e o coeficiente de assimetria.

A equação utilizada para estimar a vazão máxima é igual à utilizada na distribuição Log-
Normal, entretanto o valor de K é obtido de outra tabela.

log( x ) = log( x ) + K ⋅ slog x

181
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

onde K depende do coeficiente de assimetria dos dados e pode ser obtido na tabela C,
no final do capítulo.

Distribuição de Gumbel
A probabilidade de que uma determinada vazão venha a ser igualada ou excedida em
um ano qualquer pode ser estimada usando a distribuição de Gumbel, de acordo com a
equação:
−b
P = 1 − e −e (14.8)

onde P é a probabilidade; e é a base dos logaritmos naturais e b é dado por:

1
b= ⋅ ( x − x + 0,45 ⋅ s ) (14.9)
0,7797 ⋅ s

onde x é a vazão máxima; x é a média das vazões máximas anuais; e s é o desvio


padrão das vazões máximas anuais.

A distribuição de Gumbel é também chamada de Distribuição de Valores Extremos do


tipo 1, e é amplamente utilizada em análise estatística de eventos extremos. Uma
vantagem desta distribuição é que não é necessário utilizar tabelas de probabilidades.

A vazão para um dado tempo de retorno TR (em anos) pode ser obtida por uma
forma inversa da equação 14.8:

   TR  
x = x − s ⋅ 0,45 + 0,7797 ⋅ ln ln   
   TR − 1  

Vazões mínimas
A análise de vazões mínimas é semelhante à análise de vazões máximas, exceto pelo
fato que no caso das vazões mínimas o interesse é pela probabilidade de ocorrência de
vazões iguais ou menores do que um determinado limite.

No caso da análise utilizando probabilidades empíricas, esta diferença implica em que


os valores de vazão devem ser organizados em ordem crescente, ao contrário da
ordem decrescente utilizada no caso das vazões máximas.

Normalmente, as análises estatísticas de vazões mínimas são realizadas sobre as vazões


mínimas de 7 dias, 15 dias ou 30 dias de duração. Neste caso, para cada ano do registro

182
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

histórico encontra-se a vazão mínima média de D dias (médias móveis de D dias). O


restante do procedimento de análise é semelhante ao apresentado aqui.

Uma vazão mínima obtida por análise estatística muito utilizada como vazão de
referência mínima é a Q7,10, ou 7Q10, que vem a ser a vazão média de 7 dias de duração
com tempo de retorno de 10 anos.

Distribuição normal
A aplicação da análise estatística usando a distribuição normal para vazões mínimas é
analisada através de um exemplo.
EXEMPLO

6) A tabela abaixo apresenta as vazões mínimas anuais observadas no rio Piquiri,


no município de Iporã (PR). Considerando que os dados seguem uma
distribuição normal, determine a vazão mínima de 5 anos de tempo de retorno.
A distribuição normal se ajusta bem aos dados observados?
Vazão
ano mínima
1980 202
1981 128.6
1982 111.4
1983 269
1984 158.2
1985 77.5
1986 77.5
1987 166
1988 70
1989 219.6
1990 221.8
1991 111.4
1992 204.2
1993 196
1994 172
1995 130.4
1996 121.6
1997 198
1998 320.6
1999 101.2
2000 118.2
2001 213

Os valores de vazão mínima são reorganizados em ordem crescente e a probabilidade empírica


para cada valor é calculada. A seguir é calculada a média e o desvio padrão do conjunto de
dados.

183
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

TR Vazão
ano ordem probabilidade empírico mínima
1988 1 0.04 23.0 70
1985 2 0.09 11.5 77.5
1986 3 0.13 7.7 77.5
1999 4 0.17 5.8 101.2
1982 5 0.22 4.6 111.4
1991 6 0.26 3.8 111.4
2000 7 0.30 3.3 118.2
1996 8 0.35 2.9 121.6
1981 9 0.39 2.6 128.6
1995 10 0.43 2.3 130.4
1984 11 0.48 2.1 158.2
1987 12 0.52 1.9 166
1994 13 0.57 1.8 172
1993 14 0.61 1.6 196
1997 15 0.65 1.5 198
1980 16 0.70 1.4 202
1992 17 0.74 1.4 204.2
2001 18 0.78 1.3 213
1989 19 0.83 1.2 219.6
1990 20 0.87 1.2 221.8
1983 21 0.91 1.1 269
1998 22 0.96 1.0 320.6

Média = 163
Desvio padrão = 65.2

Os valores da vazão para diferentes tempos de retorno são calculados por:

Q = Q − SQ ⋅ K

Onde K é o valor da tabela da distribuição normal para as probabilidades (veja tabela B ao final
do capítulo).
Tempo
de
retorno K Q
2 0 163.1
5 0.842 108.2
10 1.282 79.5
50 2.054 29.2
100 2.326 11.5

Na figura abaixo vê-se que o ajuste da distribuição normal não é muito bom para estes dados. A
vazão mínima com tempo de retorno de 5 anos é estimada em 108 m3/s.

184
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

350

300

.
250
Vazão mínima (m3/s)

200

150

100

50

0
1.0 10.0 100.0
Tempo de retorno (anos)

Distribuição Weibull
Uma distribuição de freqüências teórica mais adequada para a estimativa de vazões
mínimas de alto tempo de retorno é a distribuição de Weibull (veja em Naghettini e
Pinto, 2007).

Na análise de vazões mínimas usando a distribuição de Weibull é usada a mesma


equação:

x = x + K ⋅S (14.10)

e o valor de K é obtido por:

 1

  1  λ 
K = A(λ ) + B(λ ) ⋅  − ln  1 −  − 1 (14.11)
  T  
 

onde

T é o tempo de retorno em anos e

  1 
A(λ ) = 1 − Γ 1 +   ⋅ B(λ ) (14.12)
  λ 

185
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

e
−1
  2  1  2
B(λ ) = Γ 1 +  − Γ 2  1 +  (14.13)
  λ  λ 

onde

1
λ= para − 1,0 ≤ G ≤ 2 (14.14)
H0 + H1 ⋅G + H2 ⋅ G2 + H3 ⋅ G3 + H4 ⋅ G4

onde

H0 = 0,2777757913

H1 = 0,3132617714

H2 = 0,0575670910

H3 = -0,0013038566

H4 = -0,0081523408

e onde G é o coeficiente de assimetria; e onde Γ(.) é a função Gama, que é uma


generalização da função fatorial para números reais não inteiros.

Uma dificuldade da aplicação da distribuição de Weibul é a necessidade de calcular o


valor da função Gama. O valor da função Gama é dada por:

Γ(w ) = ∫ x w−1 ⋅ e − x dx
0

O programa Excel permite calcular o valor do logaritmo da função gama através da


função LnGama(x).

EXEMPLO

7) Refaça o exemplo anterior usando a distribuição de Weibull.

Os valores da média e desvio padrão são os mesmos calculados antes:

Média = 163

186
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Desvio padrão = 65.2


Além disso é calculado o coeficiente de assimetria. Usando a função do Excel (Distorção(x)) o
valor encontrado é
G=0,5662
A partir destes dados é calculado o valor de λ = 2,116
Usando a função do Excel LnGama(x) são calculados os valores de B(λ) e A(λ).
B(λ)=2,2726
A(λ)=0,2599
E com estes valores são calculados os termos K para cada tempo de retorno T em anos, conforme
a tabela abaixo:

TR Kt Vazão Weibull
2 -0.10153 156.5
5 -0.89405 104.8
10 -1.22803 83.0
25 -1.51140 64.6
50 -1.65317 55.3
100 -1.75422 48.7

A figura a seguir mostra os resultados comparados à distribuição empírica e à distribuição normal.


Observa-se que a distribuição de Weibull se adequa mais para a estimativa de vazões mínimas do que
a distribuição normal, especialmente para tempos de retorno altos, quando a distribuição normal tende a
valores negativos, o que é fisicamente impossível, já que as vazões mínimas são limitadas a valores
maiores do que zero.

187
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

A distribuição binomial
A distribuição de probabilidades binomial é adequada para avaliar o número (x) de
ocorrências de um dado evento em N tentativas.

As seguintes condições devem existir para que seja válida a distribuição binomial: 1)
são realizadas N tentativas; 2) em cada tentativa o evento pode ocorrer ou não, sendo
que a probabilidade de que o evento ocorra é dada por P enquanto a probabilidade de
que o evento não ocorra é dada por 1-P ; 3) a probabilidade de ocorrência do evento
numa tentativa qualquer é constante e as tentativas são independentes, isto é, a
ocorrência ou não do evento na tentativa anterior não altera a probabilidade de
ocorrência atual.

Estas propriedades ficam mais claras considerando o exemplo de um dado de seis


faces. A probabilidade de obter um “seis” num lançamento qualquer é de 1/6. A
probabilidade de não obter um “seis” num lançamento qualquer é de 5/6. Se um dado
é lançado uma vez, resultando em um “seis”, isto não altera a probabilidade de obter
um “seis” no lançamento seguinte.

De acordo com a probabilidade binomial, a probabilidade de que um evento ocorra x


vezes em N tentativas, é dada pela equação 14.15.

N! N −x
Px ( X = x) = ⋅ P x ⋅ (1 − P ) (14.15)
x!⋅( N − x )!

Nesta equação Px(X=x) é a probabilidade de que o evento ocorra x vezes em N


tentativas. P é a probabilidade que o evento ocorra numa tentativa qualquer e (1-P) é a
probabilidade que o evento não ocorra numa tentativa qualquer.

EXEMPLOS

8) Calcule a probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” em 10 lançamentos de


uma moeda.

Neste caso x =5 e N=10. A probabilidade de obter “coroa” num lançamento qualquer é de 50%, ou
1/2. A probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” pode ser calculada pela equação 14.15.
5 10 − 5
10! 1  1
Px ( X = 5) = ⋅   ⋅ 1 −  = 0,246
5!⋅(10 − 5)!  2   2 

188
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Portanto, a probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” em 10 lançamentos é de 24,6%.

9) A probabilidade da vazão de 10 anos de tempo de retorno seja igualada ou


excedida num ano qualquer é de 10%. Qual é a probabilidade que ocorram
duas cheias iguais ou superiores à cheia de TR = 10 anos em dois anos
seguidos?

Neste caso x =2 e N=2. A probabilidade de ocorrer a cheia num ano qualquer é de 10%, ou 1/10.
A probabilidade de ocorrer exatamente 2 cheias em 2 anos pode ser calculada pela equação 14.15.
2 2− 2 2
2! 1  1 1
Px ( X = 2) = ⋅   ⋅ 1 −  =   = 0,01
2!⋅(2 − 2 )!  10   10   10 

Portanto, a probabilidade de ocorrerem exatamente 2 cheias em 2 anos é 1%.

10) A probabilidade da vazão de 10 anos de tempo de retorno seja igualada ou


excedida num ano qualquer é de 10%. Qual é a probabilidade que ocorra pelo
menos uma cheia desta magnitude (ou superior) ao longo de um período de 5
anos?

Este problema poderia ser resolvido somando a probabilidade de ocorrência de 1 única vazão com estas
características ao longo dos 5 anos com a probabilidade de ocorrência de 2 vazões, e assim por diante
para 3, 4 e 5 casos. Porém, neste caso, a melhor forma de resolver o problema é pensar qual é a
probabilidade de que não ocorra nenhuma vazão igual ou superior ao longo dos 5 anos, que poderá ser
chamada de P(x=0). A probabilidade de que ocorra pelo menos uma cheia será dada por 1-P(x=0).
Sendo assim, calculamos primeiramente a probabilidade com x =0 e N=5.
0 5 −0
5! 1  1
Px ( X = 0) = ⋅   ⋅ 1 − 
0!⋅(5 − 0)!  10   10 

5
9
Px ( X = 0) = 1 ⋅   = 0,59
 10 

Portanto, a probabilidade de não ocorrer nenhuma vazão igual ou superior a vazão com TR=10 anos
ao longo de 5 anos é de 59%. Isto significa que a probabilidade de ocorrer pelo menos uma vazão assim
é de 41%.

189
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabelas de distribuições de probabilidades


Tabela A: Probabilidade de ocorrer um valor maior do que Z, considerando uma distribuição
normal com média zero e desvio padrão igual a 1.

Z Probabilidade
0.0 0.5000
0.1 0.4602
0.2 0.4207
0.3 0.3821
0.4 0.3446
0.5 0.3085
0.6 0.2743
0.7 0.2420
0.8 0.2119
0.9 0.1841
1.0 0.1587
1.1 0.1357
1.2 0.1151
1.3 0.0968
1.4 0.0808
1.5 0.0668
1.6 0.0548
1.7 0.0446
1.8 0.0359
1.9 0.0287
2.0 0.0228
2.1 0.0179
2.2 0.0139
2.3 0.0107
2.4 0.0082
2.5 0.0062
2.6 0.0047
2.7 0.0035
2.8 0.0026
2.9 0.0019
3.0 0.0013

190
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Tabela B: Probabilidade de ocorrer um valor maior do que z, considerando uma distribuição


normal com média zero e desvio padrão igual a 1.
z Probabilidade TR
0.000 0.5 2
0.842 0.2 5
1.282 0.1 10
1.751 0.04 25
2.054 0.02 50
2.326 0.01 100
2.878 0.002 500
3.090 0.001 1000
3.719 0.0001 10000

Tabela C: Valores de K para estimativa de vazões máximas usando a distribuição Log-Pearson


Tipo III (os valores do coeficiente de assimetria estão na primeira coluna e os valores de K estão
na região cinza escuro da tabela).
Tempo de retorno / Probabilidade
2 5 10 25 50 100
Coeficiente de assimetria 0,5 0,2 0,1 0,04 0,02 0,01
1,4 -0,225 0,705 1,337 2,128 2,706 3,271
1,0 -0,164 0,758 1,340 2,043 2,542 3,022
0,6 -0,099 0,800 1,328 1,939 2,359 2,755
0,2 -0,033 0,830 1,301 1,818 2,159 2,472
0,0 0,000 0,842 1,282 1,751 2,054 2,326
-0,2 0,033 0,850 1,258 1,680 1,945 2,178
-0,6 0,099 0,857 1,200 1,528 1,720 1,880
-1,0 0,164 0,852 1,128 1,366 1,492 1,588
-1,4 0,225 0,832 1,041 1,198 1,270 1,318

Leituras adicionais
Os métodos de estimativa de vazões máximas apresentados neste texto são
relativamente simples e a forma de apresentação é resumida. Para realizar análises de
vazões máximas mais rigorosas normalmente é necessário testar três ou mais
distribuições de probabilidade teóricas, e avaliar qual é a distribuição que melhor se
adequa aos dados. Livros sobre hidrologia estatística existem em grande número,
principalmente em língua inglesa. Um livro dedicado exclusivamente a este tema em
língua portuguesa, denominado Hidrologia Estatística, foi lançado recentemente no

191
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Brasil, e pode ser obtido gratuitamente através da Companhia de Pesquisas de


Recursos Minerais (CPRM), impresso ou em formato pdf (http://www.cprm.gov.br).
A leitura deste livro permitirá ao leitor aprofundar o conhecimento introduzido neste
capítulo.

Exercícios
1) Uma análise de 40 anos de dados revelou que a chuva média anual em um
local na bacia do rio Uruguai é de 1800 mm e o desvio padrão é de 350 mm.
Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuição normal, qual
é a chuva anual de um ano muito seco, com tempo de retorno de 10 anos?

2) O que é a curva de permanência?

3) Qual é a porcentagem do tempo em que é superada ou igualada a vazão Q90?

4) Se um rio intermitente passa mais da metade do tempo completamente seco,


qual é a sua Q80?

5) É correto afirmar que a vazão Q90 é sempre inferior a Q95 em qualquer ponto
de qualquer rio? E o inverso?

6) É correto dizer que a vazão Q95 é igual à soma das vazões Q40 e Q55? Explique.

7) Qual é o efeito de um reservatório sobre a curva de permanência de vazões de


um rio?

8) Considerando a idéia de risco como a probabilidade de ocorrência de um


evento associada aos prejuízos potenciais decorrentes deste evento, avalie qual
é a pior situação:

a. Uma cidade protegida por um dique dimensionado para a cheia de 100


anos de tempo retorno. Caso a cheia supere o dique, serão inundados
2 bairros, com prejuízo total estimado em 800 milhões de reais.

b. Uma ponte dimensionada para a cheia de 25 anos de tempo de


retorno. Caso a cheia atinja a ponte esta será destruída. A construção
de uma nova ponte e a interrupção temporária do tráfego totalizam
um prejuízo de 75 milhões de reais.

9) A tabela abaixo apresenta as vazões máximas do rio Xingu, em Altamira (PA),


de 1971 a 1990. Estime a vazão máxima de 50 anos de tempo de retorno
considerando válida a distribuição log-normal. Compare as estimativas usando
a distribuição de Gumbel e a distribuição Log-Pearson tipo III.

192
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Ano Vazão máxima (m3/s)


1971 15633
1972 19116
1973 22121
1974 30160
1975 22969
1976 16773
1977 21520
1978 28655
1979 24994
1980 32330
1981 17794
1982 31210
1983 19056
1984 22422
1985 26338
1986 23718
1987 20198
1988 21881
1989 23970
1990 24354

10) Calcule a vazão Q7,10 do rio Xingu em Altamira (PA) usando os dados da tabela
abaixo. Use a distribuição de Weibull e compare com a estimativa usando a
distribuição empírica.

Ano Mínimas 7 dias (m3/s)


1971 554
1972 608
1973 1048
1974 1106
1975 663
1976 646
1977 1017
1978 1317
1979 1229
1980 1008
1981 904
1982 1244
1983 1001
1984 1249
1985 1181
1986 1348
1987 964
1988 994

193
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

11) Na cidade de Porto Amnésia um apresentador de televisão defende a remoção


do dique que protege a cidade das cheias do rio Goiaba. Ele argumenta
afirmando que o dique foi dimensionado para a cheia de 50 anos, e que há 65
anos não ocorre na cidade nenhuma cheia que justificaria a construção de
qualquer dique. Analise as idéias do apresentador. Calcule qual é a
probabilidade de que não ocorra nenhuma cheia de tempo de retorno igual ou
superior a 50 anos ao longo de um período de 65 anos.

12) Na mesma cidade um arquiteto propõe a substituição de 2000 metros do dique


por uma estrutura composta por peças móveis removíveis de 10 m de
comprimento. Quando estas peças são expostas à pressão da água equivalente
a que ocorreria durante uma cheia, a probabilidade de falha (para cada uma) é
de 0,01 %. Qual é a probabilidade de que, durante uma cheia, pelo menos uma
das peças venha a falhar?

194
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

15
Regularização de vazão

A variabilidade temporal da precipitação e, conseqüentemente, da vazão dos


rios freqüentemente origina situações de déficit hídrico, quando a vazão dos
rios é inferior à necessária para atender determinado uso. Em outras situações
ocorre o contrário, ou seja, há excesso de vazão. A solução encontrada para
reduzir a variabilidade temporal da vazão é a regularização através da utilização de um
ou mais reservatórios. Os reservatórios têm por objetivo acumular parte das águas
disponíveis nos períodos chuvosos para compensar as deficiências nos períodos de
estiagem, exercendo um efeito regularizador das vazões naturais.

Em geral os reservatórios são formados por meio de barragens implantadas nos cursos
d‘água. Suas características físicas, especialmente a capacidade de armazenamento,
dependem das características topográficas do vale em que estão inseridos, bem como
da altura da barragem.

Características dos reservatórios


Um reservatório pode ser descrito por seus níveis e volumes característicos: o volume
morto; o volume máximo; o volume útil; o nível mínimo operacional; o nível máximo
operacional; o nível máximo maximorum. Outras características importantes são as
estruturas de saída de água, eclusas para navegação, escadas de peixes, tomadas de água
para irrigação ou para abastecimento, e eventuais estruturas de aproveitamento para
lazer e recreação.

Vertedores
Os vertedores são o principal tipo de estrutura de saída de água. Destinam-se a liberar
o excesso de água que não pode ser aproveitado para geração de energia elétrica,
abastecimento ou irrigação. Os vertedores são dimensionados para permitir a passagem
de uma cheia rara (alto tempo de retorno) com segurança.

Um vertedor pode ser livre ou controlado por comportas. O tipo mais comum de
vertedor apresenta um perfil de rampa, para que a água escoe em alta velocidade, e a
jusante do vertedor é construída uma estrutura de dissipação de energia, para evitar a
erosão excessiva.

Nas fotografias da figura abaixo é possível ver o vertedor da barragem de Itaipu em


operação. Na outra fotografia o vertedor da barragem Norris, nos EUA, não está
operando, o que significa que toda a vazão está passando através das turbinas.

Figura 15. 1: As barragens Norris (Clinch River, Tenessee, EUA) e Itaipu (Rio Paraná, Brasil-Paraguai).

A vazão de um vertedor livre (não controlado por comportas) é dependente da altura


da água sobre a soleira, conforme a Figura 15. 2 e a equação abaixo:
3
Q = C ⋅ L⋅h 2
(15.1)

onde Q é a vazão do vertedor (m3.s-1); L é o comprimento da soleira (m); h é a altura da


lâmina de água sobre a soleira (m); e C é um coeficiente com valores entre 1,4 e 1,8. É
importante destacar que a vazão tem uma relação não linear com o nível da água.

196
Figura 15. 2: Vertedor de soleira livre.

Figura 15. 3: Curva de vazão do vertedor da usina Corumbá III nas situações de comportas completamente ou parcialmente abertas.

Descarregadores de fundo
Descarregadores de fundo podem ser utilizados como estruturas de saída de água de
reservatórios, especialmente para atender usos da água existentes a jusante. Para
estimar a vazão de um descarregador de fundo pode ser utilizada uma equação de
vazão de um orifício, apresentada abaixo:

Q = C ⋅ A⋅ 2 ⋅ g ⋅ h (15.2)

197
onde A é a área da seção transversal do orifício (m2); g é a aceleração da gravidade (m.s-
2
); h é a altura da água desde a superfície até o centro do orifício (m) e C é um
coeficiente empírico com valor próximo a 0,6.

Da mesma forma que a vazão do vertedor, a vazão de um orifício tem uma relação não
linear com o nível da água.

Curva cota – área - volume


A relação entre nível da água, área da superfície inundada e volume armazenado de um
reservatório é importante para o seu dimensionamento e para a sua operação. O
volume armazenado em diferentes níveis define a capacidade de regularização do
reservatório, enquanto a área da superfície está relacionada diretamente à perda de água
por evaporação. A Tabela 15. 1 apresenta a relação cota – área – volume do
reservatório da usina Corumbá IV, construída recentemente no rio Corumbá, no
Estado de Goiás.

Devido às características topográficas da área inundada, a relação entre cota e área não
é, em geral, linear. Da mesma forma, a relação entre cota e volume também não é
linear.

Tabela 15. 1: Relação cota – área – volume do reservatório Corumbá IV, em Goiás.

Cota (m) Área (km2) Volume (hm³)


772,00 0,00 0,00
775,00 0,94 0,94
780,00 2,39 8,97
785,00 4,71 26,40
790,00 8,15 58,16
795,00 12,84 110,19
800,00 19,88 191,30
805,00 29,70 314,39
810,00 43,58 496,50
815,00 58,01 749,62
820,00 74,23 1.079,39
825,00 92,29 1.494,88
830,00 113,89 2.009,38
835,00 139,59 2.642,00
840,00 164,59 3.401,09
845,00 191,44 4.289,81

Volume morto e nível mínimo operacional


O Volume Morto é a parcela de volume do reservatório que não está disponível para
uso. Corresponde ao volume de água no reservatório quando o nível é igual ao mínimo
operacional. Abaixo deste nível as tomadas de água para as turbinas de uma usina
hidrelétrica não funcionam, seja porque começam a engolir ar além de água, o que

198
provoca cavitação nas turbinas (diminuindo sua vida útil), ou porque o controle de
vazão e pressão sobre a turbina começa a ficar muito instável.

O tamanho do volume morto é definido no projeto da barragem e do reservatório,


mas pode ser alterado com o tempo em função do assoreamento.

Em reservatórios de abastecimento de água o volume morto é o que se encontra


abaixo da tomada de água de bombeamento.

Volume máximo e nível máximo operacional


O nível máximo operacional corresponde à cota máxima permitida para operações
normais no reservatório. Níveis superiores ao nível máximo operacional podem
ocorrer em situações extraordinárias, mas comprometem a segurança da barragem.

Geralmente o nível máximo operacional concide com o nível da crista do vertedor ou


com o limite superior de capacidade das comportas do vertedor.

O nível máximo operacional define o volume máximo do reservatório.

Volume útil
A diferença entre o volume máximo de um reservatório e o volume morto é o volume
útil, ou seja, a parcela do volume que pode ser efetivamente utilizada para regularização
de vazão.

Nível máximo maximorum


Durante eventos de cheia excepcionais admite-se que o nível da água no reservatório
supere o nível máximo operacional por um curto período de tempo. A barragem e suas
estruturas de saída (vertedor) são dimensionados para uma cheia com tempo de
retorno alto, normalmente 10 mil anos no caso de barragens médias e grandes, e na
hipótese de ocorrer uma cheia igual à utilizada no dimensionamento das estruturas de
saída o nível máximo atingido é o nível máximo maximorum.

Nível meta
Na operação normal de um reservatório costumam ser utilizadas referências de nível
de água que devem ser seguidas para atingir certos objetivos de geração energia e de
segurança da barragem. O nível meta é tal que se o nível da água é superior ao nível
meta, deve ser aumentada o vertimento de vazão, para reduzir o nível da água no
reservatório, que deverá retornar ao nível meta.

199
Curva guia
A curva guia é semelhante ao nível meta, porém indica um nível da água no
reservatório variável ao longo do ano, que serve de base para a tomada de decisão na
operação. Uma curva guia pode indicar, por exemplo, o limite entre o uso normal da
água, quando o nível da água está acima do nível indicado pela curva guia, e o
racionamento, quando o nível da água está abaixo da curva guia.

Volume de espera
O volume de espera, ou volume para controle de cheias, corresponde à parcela do
volume útil destinada ao amortecimento das cheias. O volume de espera é variável ao
longo do ano e é definido pelo volume do reservatório entre o nível da água máximo
operacional e o nível meta.

Se um reservatório tem o uso exclusivo para controle de cheias, então o volume de


espera é maximizado, podendo ser igual ao volume total, ou igual ao volume útil. Se
um reservatório tem múltiplos usos, há um conflito entre a utilização para controle de
cheias e os outros usos.

A geração de energia elétrica é particularmente conflitante com o controle de cheias


porque a criação do volume de espera reduz o volume disponível para regularizar a
vazão, o que reduz a vazão que pode ser regularizada, afetando a potência, ou energia
firme. Além disso, a operação com um volume de espera, e com nível meta inferior ao
nível máximo operacional, reduz a diferença de altura (queda), que está diretamente
relacionada à potência da usina.

Cota da crista do barramento


A cota da crista do barramento é definida a partir do nível da água máximo
maximorum somado a uma sobrelevação denominada borda livre (free board) cujo
objetivo é impedir que ondas formadas pelo vento ultrapassem a crista da barragem.

A figura a seguir apresenta um esquema com os diferentes níveis e volumes que


caracterizam um reservatório.

Balanço hídrico de reservatórios


A equação de continuidade aplicada a um reservatório é dada por:

200
∂S
= I −Q (15.3)
∂t

onde S é o volume (m3); t é o tempo (s); I é a vazão afluente (m3.s-1) e Q é a vazão de


saída do reservatório (m3.s-1), incluindo perdas por evaporação, retiradas para
abastecimento, vazão turbinada e vertida.

Esta equação pode ser reescrita em intervalos discretos como:

St + ∆t − S t
= I −Q (15.4)
∆t

onde I e Q representam valores médios da vazão afluente e defluente do reservatório


ao longo do intervalo de tempo ∆t.

Considerando uma variação linear de I e Q ao longo de ∆t, a equação pode ser


reescrita como:

St +∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt + ∆t
= − (15.5)
∆t 2 2

onde It ; It+∆t ; Qt ; Qt+∆t são os valores no início e no final do intervalo de tempo. Esta
equação é utilizada quando o intervalo de tempo é relativamente pequeno (1 dia ou
menos), especialmente no caso de análise de propagação de cheias em reservatórios.

Quando o intervalo de tempo é longo (um mês, por exemplo) a equação é simplificada
para:

S t +∆t = St + entradas − saídas (15.6)

onde as saídas representam todo o volume retirado do reservatório ao longo do


intervalo de tempo, e as entradas representam todo o volume afluente ao longo do
intervalo de tempo.

Esta equação pode ser utilizada para dimensionamento e análise de operação de um


reservatório.

Dimensionamento de um reservatório
O dimensionamento de um reservatório pode ser realizado com base na equação:

S t +∆t = St + entradas − saídas

201
sujeita às restrições 0 < St+∆t < Vmax; onde Vmax é o volume útil do reservatório.

Neste caso as entradas são as vazões afluentes estimadas para o local em que se deseja
construir o reservatório e as saídas são incluem a demanda de água e as perdas.

Se o problema é dimensionar um reservatório com o volume necessário para


regularizar uma vazão D, os passos são:

a) Faça uma estimativa inicial do valor de Vmax

b) Aplique a equação abaixo para cada mês do período de dados de vazão


disponível (é desejável que a série tenha várias décadas). As perdas por
evaporação (E) variam com o mês e podem ser estimadas por dados de tanque
classe A. A demanda D pode variar com a época do ano. A vazão vertida Qt é
diferente de zero apenas quando a equação indica que o volume máximo será
superado.

S t + ∆t = S t + I t − Dt − Et − Qt

c) Em um mês qualquer, se St+∆t for menor que zero, a demanda Dt deve ser
reduzida até que St+∆t seja igual a zero, e é computada uma falha de
antendimento.

d) Calcule a probabilidade de falha dividindo o número de meses com falha pelo


número total de meses. Se esta probabilidade for considerada inaceitável,
aumente o valor do volume máximo Vmax e reinicie o processo.

Algumas hipóteses são feitas neste tipo de simulação:

1) o reservatório está inicialmente cheio;

2) as vazões observadas no passado são representativas do que irá acontecer no


futuro.

EXEMPLO

1) Um reservatório com volume útil de 500 hectômetros cúbicos (milhões de


m3) pode garantir uma vazão regularizada de 55 m3.s-1, considerando a
seqüência de vazões de entrada da tabela abaixo? Considere o reservatório
inicialmente cheio, a evaporação nula e que cada mês tem 2,592 milhões de
segundos.

202
mês Vazão (m3/s)
jan 60
fev 20
mar 10
abr 5
mai 12
jun 13
jul 24
ago 58
set 90
out 102
nov 120
dez 78

A solução é obtida montando a tabela que resulta da aplicação sucessiva da equação

S t + ∆t = S t + I t − Dt − Et − Qt

com It dado pela tabela acima; Et igual a zero e Qt igual a zero, exceto quando é necessário verter.

A demanda de 55 m3.s-1 é igual a 143 hm3 por mês. No primeiro mês observa-se que sobra água. No
segundo mês a demanda é maior do que a vazão de entrada e o volume no reservatório começa a
diminuir. O volume no início do terceiro mês é dado por S t + ∆t = 500 + 52 − 143 = 409 e assim
por diante.

No início do mês de julho o volume calculado é negativo, o que rompe a restrição, portanto o reservatório
não é capaz de regularizar a vazão de 55 m3.s-1.

Mês S (hm3) I (hm3) D (hm3) Q (hm3)


Jan 500 156 143 13
Fev 500 52 143 0
Mar 409 26 143 0
Abr 293 13 143 0
Mai 163 31 143 0
Jun 52 34 143 0
Jul -57 62 143 0

Em uma planilha de cálculo ou uma calculadora científica é fácil repetir o cálculo até
que o volume atenda a vazão regularizada desejada.

Da mesma forma é fácil determinar em uma planilha eletrônica qual é a maior vazão
que pode ser regularizada com um dado volume de reservatório.

203
Teoricamente, a máxima vazão que pode ser regularizada é a vazão média do rio no
local em que está a barragem. Este valor máximo é impossível de ser atingido porque a
criação do reservatório aumenta a perda de água por evaporação.

Figura 15. 4: Relação entre o volume do reservatório e a vazão regularizada em uma bacia cuja vazão média é 25,4 m3.s-1, sem
considerar a evaporação do reservatório.

Reservatórios de usinas hidrelétricas


No Brasil existem centenas de reservatórios construídos para a geração de energia
elétrica. Dependendo do volume do reservatório as usinas hidrelétricas podem ser:
centrais a fio d’água; centrais com reservatório de acumulação ou centrais reversíveis.

Usinas hidrelétricas com reservatórios cujo volume é pequeno em relação à vazão


afluente, são denominadas usinas a fio d’água, porque a energia que podem gerar
depende diretamente da vazão do rio. A regularização de vazão proporcionada por
reservatórios de usinas a fio d’água é desprezível. Nestes casos a barragem é construída
para aumentar a diferença de nível da água (queda) entre a tomada de água e a turbina.
Esta situação é típica das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).

Uma usina com reservatório de acumulação dispõe de um reservatório de tamanho


suficiente para acumular água na época das cheias para uso na época de estiagem e,

204
portanto, pode dispor de uma vazão substancialmente maior do que a vazão mínima
natural.

Uma usina reversível é utilizada para gerar energia durante o período em que ocorre o
pico da demanda no sistema elétrico, utilizando água previamente bombeada para um
reservatório temporário, aproveitando o excesso de oferta de energia nos períodos que
não coincidem com o pico de demanda.

A potência gerada em uma usina hidrelétrica depende da vazão, da queda líquida e da


eficiência da conversão de energia potencial em elétrica, de acordo com a equação a
seguir:

P = ρ ⋅ g ⋅Q ⋅ H ⋅e (15.7)

onde P é a potência em Watts; g é a aceleração da gravidade (9,81 m.s-2); Q é a vazão


(m3.s-1); H é a diferença de nível da água entre a tomada de água da turbina e no início
do canal de fuga, a jusante da turbina; e é a eficiência de conversão de energia potencial
hidráulica em energia elétrica (valores da ordem de 0,80); e r é a massa específica da
água (1000 Kg.m-3).

Quanto à potência as centrais hidrelétricas podem ser classificadas em:

• Micro – Potência inferior a 100 kW

• Mini – Potência entre 100 e 1000 kW

• Pequenas - Potência entre 1000 e 10000 ou 20000 kW

• Médias – Potência entre 10 e 100 MW

• Grandes – Potência maior do que 100 MW

Quanto à altura de queda da água (H) as centrais hidrelétricas podem ser classificadas
em:

• Baixíssima queda – H < 10 m

• Baixa queda – 10 < H < 50 m

• Média queda – 50 < H < 250 m

• Alta queda – H > 250 m

205
Impactos ambientais de reservatórios
No passado considerava-se que a geração hidrelétrica era uma forma de produção de
eletricidade com mínimos impactos ambientais. Atualmente, essa visão tem sido
questionada, embora em diversos aspectos os impactos ambientais são relativamente
pequenos em relação às formas alternativas normalmente utilizadas: usinas térmicas a
carvão ou nucleares.

Apesar destes impactos, a população muitas vezes vê com bons olhos a construção de
uma usina hidrelétrica na área de seu município. Isto ocorre porque existe uma
compensação financeira obrigatória, em que parte dos rendimentos auferidos na
geração de energia elétrica são pagos ao município, de acordo com o tamanho da área
inundada e com a potência da usina. Entre os impactos ambientais importantes das
usinas hidrelétricas encontram-se impactos sociais; impactos sobre a flora e a fauna do
local inundado; impactos sobre a fauna do rio a jusante; impactos sobre o sistema de
transportes; impactos sobre a geração de gases de efeito estufa.

Impactos sociais
Os impactos sociais mais evidentes da implantação de uma usina hidrelétrica decorrem
da remoção das pessoas que habitam a área inundada pelo reservatório. Os impactos
deste tipo iniciam mesmo antes da construção da obra em si, já que a perspectiva da
inundação futura reprime ou não incentiva o investimento no local. Esta situação pode
se estender por vários anos, em função de indefinições sobre a construção ou não da
obra. Durante este período as localidades sujeitas a inundação experimentam um
estado de estagnação.

Finalmente, quando a obra inicia e a inundação da área habitada passa a ser certa,
surgem dúvidas e discussões sobre o valor da indenização. Embora o valor comercial
da terra possa ser estimado de forma razoável, o apego dos habitantes à terra também é
devido a um valor afetivo, por questões históricas, que é intangível, ou seja, dificilmente
quantificável. Nesta situação é comum o surgimento de especulações e de confrontos
de cunho político.

Entre os impactos sociais também podem ser incluídos impactos culturais, como a
perda, provavelmente para sempre, de sítios arqueológicos, ou eventualmente de
lugares sagrados para culturas indígenas.

Durante a construção ocorrem alguns impactos sociais positivos, devido ao aumento


de oferta de emprego, e o aumento de consumo local, em função do grande número
de trabalhadores. Após a conclusão da obra, porém, surge um impacto negativo
porque muitos trabalhadores perdem seus empregos mas não deixam imediatamente o
local.

Impactos sobre a fauna e a flora do local inundado


Os impactos sobre a flora e a fauna do local inundado por um reservatório são os que
ganham maior atenção da mídia. Isto ocorre porque durante o primeiro enchimento do

206
reservatório a área seca vai se tornando restrita e os animais ficam concentrados em
pequenas ilhas. Campanhas de resgate de fauna são organizadas em que os animais são
capturados e levados para um novo habitat, após um período de adaptação. A sua
sobrevivência neste novo hábitat é incerta, uma vez que o espaço provavelmente já está
ocupado por outros indivíduos da mesma espécie, e os recursos dos quais a espécie
depende são limitados.

A vegetação inundada não apenas é extinta, como também pode provocar sérios
problemas de qualidade de água no lago, durante a sua decomposição. Isto ocorre
porque o oxigênio dissolvido (OD) na água é consumido durante o processo de
decomposição, e a concentração de OD é reduzida para níveis inferiores ao limite para
a sobrevivência dos peixes. Assim, o processo de enchimento pode resultar numa
grande mortandade de peixes e outras espécies aquáticas ou que dependem dos peixes
para sobreviver, como as aves.

Impactos sobre a fauna e a flora do rio a jusante


Os impactos da criação de um reservatório sobre a área inundada são fáceis de
perceber, e têm sido, há muitos anos, considerados na análise de viabilidade de um
empreendimento. Os impactos no rio a jusante começaram a ser reconhecidos a
menos tempo, e surgiram a partir da constatação de que a presença de certas espécies
de peixes, por exemplo, diminuía após alguns anos da existência do reservatório.

Os impactos no rio a jusante decorrem, entre outras causas, do obstáculo imposto pela
barragem à migração dos peixes, o que pode ser apenas parcialmente contornado pela
construção de uma escada de peixes.

Mais importante que isto é a alteração do regime hidrológico (sucessão de cheias e


estiagens), que modifica o habitat do rio a jusante.

Grandes reservatórios modificam, também, o fluxo de sedimentos e de nutrientes de


um rio. O melhor exemplo disso no Brasil ocorre no rio São Francisco, onde a
construção de uma série de usinas hidrelétricas, especialmente a de Sobradinho, com
um enorme reservatório, interrompeu o fluxo de sedimentos que ficam depositados no
reservatório e não atingem mais a foz. Em função disso, o equilíbrio entre a erosão
marinha na costa e o aporte de areia pelo rio foi alterado, resultando num recuo de
centenas de metros da linha da praia. Uma pequena vila de pescadores já foi destruída e
o processo não parece estar estabilizado ainda.

Os nutrientes básicos que mantém a cadeia alimentar na água são o nitrogênio e o


fósforo. Estes nutrientes estão dissolvidos na ou adsorvidos aos sedimentos, e são
retidos, em grande parte, nos grandes reservatórios. Em conseqüência disso, menos
nutrientes chegam até a região do estuário deste rio, o que limita o desenvolvimento do
fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar. Em conseqüência disso, a população
que vivia da pesca artesanal junto à foz do rio não mais consegue sobreviver desta
atividade.

207
Tempo de residência e eutrofização
Reservatórios que recebem água com alta concentração de nutrientes podem passar
por um processo denominado eutrofização.

A eutrofização é a situação em que um lago ou reservatório recebe nutrientes em


quantidade excessiva. Nesta situação o crescimento de algas e plantas flutuantes é
acelerado, resultando num aumento da turbidez da água. A alta concentração de
plantas e algas pode afetar os níveis de oxigênio, o que pode afetar os peixes. Em
reservatórios mais profundos, os restos de plantas no fundo do lago podem consumir
oxigênio durante sua decomposição, resultando em baixíssimos níveis de oxigênio nas
áreas mais profundas.

A possibilidade de um reservatório sofrer ficar ou não eutrofizado depende do aporte


de nutrientes, da disponibilidade de luz solar na coluna d’água, e do tempo de
residência da água no reservatório. O tempo de residência é definido como a relação
entre o volume total do reservatório e a vazão afluente.

V
Tr = (15.8)
Q

onde V é o volume máximo do reservatório (m3); Q é a vazão afluente (m3.s-1)e Tr é o


tempo de residência (s).

Normalmente a vazão utilizada no cálculo do tempo de residência é a vazão média de


longo prazo, mas pode ser utilizada também a vazão média do período de cheia ou do
período de estiagem.

Exercícios
1) Qual é a perda de energia na usina de Sobradinho devida à evaporação direta
do lago? Considere que a altura de queda H = 27,2 m; a eficiência e = 0,90; e
que uma evaporação de 10 mm por dia ocorre sobre a área da superfície do
lago, que corresponde a 4200 km2.

2) Um reservatório com volume útil de 500 hectômetros cúbicos (milhões de m3)


pode garantir uma vazão regularizada de 25 m3.s-1, considerando a seqüência de
vazões de entrada da tabela abaixo? Considere o reservatório inicialmente
cheio, a evaporação constante de 200 mm por mês, área superficial e que cada
mês tem 2,592 milhões de segundos.

208
Mês Vazão (m3/s)
Jan 55
Fev 27
mar 10
abr 5
mai 12
jun 13
jul 24
ago 51
set 78
Out 102
Nov 128
Dez 73

3) Um reservatório com volume útil de 150 hectômetros cúbicos é suficiente para


regularizar a vazão de 28 m3.s-1 num rio que apresenta a seqüência de vazões
da tabela abaixo para um determinado período crítico? Considere o
reservatório inicialmente cheio, 200 km2 de área superficial constante e que
cada mês tem 2,592 milhões de segundos. Os dados de evaporação de tanque
classe A são dados na tabela (veja capítulo 5).

Mês jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Vazão 98 45 32 27 24 20 19 18 17 14 78 130
(m3/s)
Evaporação 100 110 120 130 140 135 130 120 110 105 100 100
tanque
classe A
(mm/mês)

4) Qual é o tempo de residência do reservatório do exercício anterior?

209
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

16
Propagação de vazão em
reservatórios

R eservatórios podem ser utilizados para diminuir os impactos das cheias,


reduzindo as vazões máximas. O efeito de redução de intensidade das cheias
quando passam por reservatórios é chamado amortecimento de cheias, ou,
eventualmente, laminação de cheias.

Para calcular o efeito de um reservatório sobre uma cheia podem ser utilizadas as
técnicas de cálculo de propagação de cheias em reservatórios. Em reservatórios
relativamente curtos e profundos, em que a velocidade da água é baixa, pode-se
considerar que a superfície da água ao longo do reservatório é horizontal. Neste caso,
equações semelhantes às utilizadas no capítulo anterior podem ser aplicadas.

Propagação de cheias em reservatórios


A equação de continuidade aplicada a um reservatório é dada por:

dS
= I −Q
dt

onde S é o volume (m3); t é o tempo (s); I é a vazão afluente (m3.s-1) e Q é a vazão de


saída do reservatório (m3.s-1), incluindo perdas por evaporação, retiradas para
abastecimento, vazão turbinada e vertida.

Esta equação pode ser reescrita em intervalos discretos como:

St + ∆t − S t
= I −Q
∆t
onde I e Q representam valores médios da vazão afluente e defluente do reservatório
ao longo do intervalo de tempo ∆t.

Considerando uma variação linear de I e Q ao longo de ∆t, a equação pode ser


reescrita como:

St +∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt + ∆t
= −
∆t 2 2

onde It ; It+∆t ; Qt ; Qt+∆t são os valores no início e no final do intervalo de tempo.

Nesta equação, em cada intervalo de tempo são conhecidas a vazão de entrada no


tempo t e em t+∆t; a vazão de saída no intervalo de tempo t; e o volume armazenado
no intervalo t. Não são conhecidos os termos St+∆t e Qt+∆t , e ambos dependem do
nível da água.

Como tanto St+∆t e Qt+∆t são funções não lineares de ht+∆t , a equação de balanço pode
ser resolvida utilizando a técnica iterativa de Newton-Raphson, ou o método de
bissecção, a cada intervalo de tempo.

Uma forma mais simples de calcular a propagação de vazão num reservatório é o


método conhecido como Puls modificado. Neste método a equação acima é reescrita
como:

2 ⋅ St + ∆t 2 ⋅ St
+ Qt + ∆t = I t + I t +∆t + − Qt
∆t ∆t
onde os termos desconhecidos aparecem no lado esquerdo e os termos conhecidos
aparecem no lado direito.

Uma tabela da relação entre Qt+∆t e 2.(St+∆t )/∆t pode ser gerada a partir da relação
cota – área – volume do reservatório e através da relação entre a cota e a vazão, por
exemplo para uma equação de vertedor.

EXEMPLO

1) Calcule o hidrograma de saída de um reservatório com um vertedor de 25 m


de comprimento de soleira, com a soleira na cota 120 m, considerando a
seguinte tabela cota –volume para o reservatório e o hidrograma de entrada
apresentado na tabela abaixo, e considerando que nível da água no reservatório
está inicialmente na cota 120 m.

211
Tabela 8. 1: Relação cota volume do reservatório do exemplo.

Cota (m) Volume (104 m3)

115 1900
120 2000
121 2008
122 2038
123 2102
124 2208
125 2362
126 2569
127 2834
128 3163
129 3560
130 4029

Tabela 8. 2: Hidrograma de entrada no reservatório.

Tempo (h) Vazão (m3.s-1)

0 0
1 350
2 720
3 940
4 1090
5 1060
6 930
7 750
8 580
9 470
10 380
11 310
12 270
13 220
14 200
15 180
16 150
17 120
18 100
19 80
20 70

O primeiro passo da solução é criar uma tabela relacionando a vazão de saída com a cota.
Considerando um vertedor livre, com coeficiente C = 1,5 e soleira na cota 120 m, a relação é dada pela
tabela que segue:

212
Tabela A

H (m) Q (m3/s)
120 0.0
121 37.5
122 106.1
123 194.9
124 300.0
125 419.3
126 551.1
127 694.5
128 848.5
129 1012.5
130 1185.9

Esta tabela pode ser combinada à tabela cota – volume, acrescentando uma coluna com o valor do
termo 2.(St+∆t )/∆t , considerando o intervalo de tempo igual a 1 hora:

Tabela B
Volume (S) Q 2.S/∆t+Q
H (m) (104 m3) (m3/s) (m3/s)
120 2000 0.0 11111
121 2008 37.5 11193
122 2038 106.1 11428
123 2102 194.9 11873
124 2208 300.0 12567
125 2362 419.3 13542
126 2569 551.1 14823
127 2834 694.5 16439
128 3163 848.5 18421
129 3560 1012.5 20790
130 4029 1185.9 23569

No primeiro intervalo de tempo o nível da água no reservatório é de 120 m, e a vazão de saída é zero.
O volume acumulado (S) no reservatório é 2000.104 m3. O valor de 2.S-Q para o primeiro intervalo
de tempo é 11111 m3.s-1. Para cada intervalo de tempo seguinte a vazão de saída pode ser calculada
pelos seguintes passos:

a) calcular It + It+∆t

b) com o resultado do passo (a) e com base no valor de 2.(St)/∆t - Qt para o intervalo anterior,
calcular 2.(St+∆t)/∆t + Qt+∆t pela equação

213
2 ⋅ St + ∆t 2 ⋅ St
+ Qt + ∆t = I t + I t +∆t + − Qt
∆t ∆t

c) obter o valor de Qt+∆t pela tabela B, a partir da interpolação com o valor conhecido de
2.(St+∆t)/∆t + Qt+∆t calculado no passo (b)

d) calcular o valor de 2.(St+∆t)/∆t - Qt+∆t a partir da equação abaixo e seguir para o próximo
passo de tempo, repetindo os passos de (a) até (d)

 2 ⋅ S t + ∆t   2 ⋅ S t + ∆t 
 − Qt + ∆t  =  + Qt + ∆t  − 2(Qt + ∆t )
 ∆t   ∆t 

Os resultados são apresentados na tabela abaixo:

Tempo (h) I (m3.s-1) I1+I2 2S/dt-Q 2S/dt+Q Q


0 0 350 11111 11111 0
1 350 1070 11236 11461 113
2 720 1660 11785 12306 260
3 940 2030 12630 13445 407
4 1090 2150 13591 14660 534
5 1060 1990 14476 15741 633
6 930 1680 15073 16466 697
7 750 1330 15315 16753 719
8 580 1050 15224 16645 711
9 470 850 14914 16274 680
10 380 690 14495 15764 635
11 310 580 14019 15185 583
12 270 490 13543 14599 528
13 220 420 13093 14033 470
14 200 380 12682 13513 416
15 180 330 12341 13062 361
16 150 270 12045 12671 313
17 120 220 11791 12315 262
18 100 180 11580 12011 216
19 80 150 11415 11760 172
20 70 70 11298 11565 133
A figura abaixo mostra os hidrogramas de entrada e saída do reservatório.

214
O exemplo mostra que o reservatório tende a suavizar o hidrograma, reduzindo a
vazão de pico, embora sem alterar o volume total do hidrograma. É interessante
observar que no caso do exemplo, em que o reservatório tem um vertedor livre, a
vazão máxima de saída ocorre no momento em que a vazão de entrada e de saída são
iguais.

O cálculo de propagação de vazões em reservatórios, como apresentado neste


exemplo, pode ser utilizado para dimensionamento de reservatórios de controle de
cheias, e para análise de operação de reservatórios em geral. Mediante algumas
adaptações o método pode ser aplicado para reservatórios com vertedores controlados
por comportas e para outras estruturas de saída.

Exercícios
1) Em um córrego em área urbana foi construído um reservatório para redução
das vazões máximas durante as cheias. O reservatório ocupa uma área de 2
hectares e uma profundidade máxima de 1,5 m. Os dispositivos de saída de
água do reservatório são um descarregador de fundo, cujo funcionamento
pode ser considerado semelhante a de um orifício, e um vertedor. O orifício é
circular, tem 100 cm de diâmetro e seu eixo está numa altura correspondente
ao fundo do reservatório (h=0). O vertedor tem 10 metros e sua soleira está a
1,3 m do fundo. Considerando as paredes do reservatório verticais, qual é a
máxima vazão de saída deste reservatório para o hidrograma de entrada dado
abaixo?

215
Tempo Q
(min) (m3/s)
0 0.0
20 0.3
40 1.0
60 1.6
80 2.5
100 3.6
120 4.0
140 4.3
160 3.8
180 3.0
200 2.7
220 2.2
240 2.0
260 1.5
280 1.3
300 1.0
320 0.8
340 0.6
360 0.4
380 0.2
400 0.1

2) Quais as modificações que poderiam ser feitas no reservatório do exercício


anterior para que ele reduzisse ainda mais a vazão máxima de saída?

216
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

17
Propagação de vazão em
rios

O objetivo dos cálculos de propagação de vazão em rios é determinar o


hidrograma de vazões em uma seção transversal de um rio, com base no
hidrograma conhecido em uma ou mais seções transversais localizadas a
montante. A propagação de vazões é especialmente interessante quando é
necessário determinar o comportamento de uma onda de cheia ao longo de um rio
natural ou canal artificial.

Propagação de
cheias em rios
Os efeitos principais que ocorrem
quando uma cheia se propaga ao
longo de um rio são a translação
e o amortecimento, ilustrados na
Figura 17. 2.

Em um canal ideal e se a água


não tivesse viscosidade, uma
onda de cheia poderia se
propagar sem alteração na forma
do hidrograma. Neste caso
haveria apenas a translação da
Figura 17. 1: Hidrogramas do rio Uruguai em Garruchos e Itaqui (localizada cerca de 192 km a onda de cheia, com o pico de
jusante) em 1987.
vazão no ponto de jusante
ocorrendo algum tempo depois
do pico a montante. Entretanto,
existe perda de energia
devida ao contato e atrito
com as margens e com o
fundo. Além disso, os canais
e rios não são perfeitamente
regulares, e a água é retida e
armazenada em trechos mais
largos e nas áreas inundáveis,
sendo posteriormente
devolvida ao rio. Como
Translação resultado uma onda de cheia
é gradualmente amortecida
Q
enquanto se propaga para
Hidrograma em A
jusante.
Hidrograma em B A intensidade do
amortecimento de uma cheia
depende de diversos fatores,
t como a rugosidade do leito
do rio e das margens, da
Amortecimento presença de vegetação no
Q
leito, ilhas e planície, e na
quantidade de obstáculos
Hidrograma em A
como pilares de pontes e
Hidrograma em B
aterros.

Além da translação e do
amortecimento a onda de
t cheia em geral cresce de
montante para jusante em
Figura 17. 2: Efeitos de translação e amortecimento de uma onda de cheia se propagando ao longo de um rio. função da contribuição que
recebe dos afluentes.

Em rios em regiões muito planas podem ocorrer ainda efeitos de jusante, afetando a
vazão e o nível da água em função do que ocorre a jusante de um determinado local,
como no caso de trechos de rio próximo ao mar, que sofrem o efeito da maré.

Velocidade de propagação de ondas de cheias


Ondas de cheia se propagam para jusante com uma velocidade que é maior do que a
própria velocidade média da água. Assim, a velocidade de propagação da onde de cheia
em um rio cuja velocidade média, durante uma cheia, é de 1 m.s-1, é superior a 1 m.s-1,
podendo chegar a 1,6 m.s-1, por exemplo.

218
A velocidade de propagação da onda de cheia é importante para estimar o momento
de ocorrência do pico de vazão em locais a jusante de um ponto em que existe
monitoramento.

A velocidade de propagação das ondas de cheia em rios pode ser estimada pela
celeridade cinemática, que pode ser obtida com base nas características médias das seções
transversais do rio e de sua declividade.

A celeridade cinemática é definida como (ver Ponce, 1989 ou Dingman, 2009):

dQ
c= (17.1)
dA

A celeridade cinemática pode ser estimada considerando válida a equação de Manning


para o escoamento permanente e uniforme, isto é:
2 1
Rh 3 ⋅ S 2

Q = u ⋅ A = A⋅ (17.2)
n

onde A é a área molhada da seção transversal; u é a velocidade média da água em m.s-1;


Rh é o raio hidráulico da seção transversal (descrito a seguir); S é a declividade (metros
por metro, ou adimensional); e n é um coeficiente empírico, denominado coeficiente
de Manning.

Combinando as equações 17.1 e 17.2 em um rio largo, onde o raio hidráulico pode ser
aproximado pela profundidade média, obtém-se a seguinte aproximação para a
celeridade da onda de cheia:

5
c= ⋅u (17.3)
3

onde c é a velocidade de propagação da onda de cheia (celeridade cinemática - m.s-1); e


u é a velocidade média da água (m.s-1).

Da equação 17.3 se observa que a velocidade de propagação das ondas de cheia é


maior do que a própria velocidade média da água. Além disso, a velocidade de
propagação das cheias tende a ser maior para cheias maiores, porque o nível da água e
a velocidade média tendem a ser maiores.

Por outro lado, em rios com grandes planícies de inundação, a velocidade de


propagação das ondas de cheia tende a diminuir drasticamente no momento em que o
rio começa a transbordar.

219
Cálculos de propagação de cheias em rios
Historicamente, o objetivo dos cálculos de propagação de cheias ao longo de rios foi
prever a magnitude e o tempo de ocorrência de vazões para que pudessem ser
realizadas ações para proteger as vidas de pessoas e minimizar prejuízos materiais.
Desde o final do século XIX é conhecido um conjunto de equações diferenciais
parciais que descrevem o escoamento em rios, na condição que considera escoamento
unidimensional e baixa declividade, entre outras simplificações. Estas equações são
conhecidas como equações de Saint-Venant, em homenagem ao seu formulador, e são
apresentadas abaixo na forma atualmente mais utilizada.

∂A ∂Q
+ =0
∂t ∂x
∂Q ∂  Q 2  ∂h
+   + g ⋅ A ⋅ + g ⋅ A ⋅ S f = 0
∂t ∂x  A  ∂x
(17.4)

onde A é a área molhada da seção transversal (m2); h é o nível da água na superfície em


relação a um referencial (nível médio do mar) (m); Q é a vazão (m3.s-1); t é o tempo (s);
g é a aceleração da gravidade; x é a distância linear ao longo do rio (m); e Sf é a perda
de carga devida ao atrito com as margens e fundo (adimensional).

A primeira equação é a equação de continuidade aplicada a um trecho infinitesimal do


rio e a segunda equação é obtida a partir da equação de conservação de quantidade de
movimento para o mesmo trecho infinitesimal.

As equações de Saint-Venant permitem representar os efeitos de translação,


amortecimento e também os efeitos de jusante sobre o escoamento a montante.

Não existem soluções analíticas para as equações de Saint-Venant na maior parte das
aplicações úteis. Somente nas décadas mais recentes é que os métodos numéricos e os
computadores digitais permitiram a solução das equações completas de Saint-Venant.
Atualmente existem diversos programas computacionais de modelos matemáticos que
resolvem as equações de Saint-Venant numericamente para resolver problemas de
propagação de vazão em rios e canais.

Método Muskingum
Antes do surgimento dos computadores e das facilidades atuais para solução das
equações de Saint-Venant diversos métodos simplificados foram criados para
representar a propagação de ondas de cheias em rios. Um dos métodos simplificados
mais conhecidos é o método Muskingum, que recebeu este nome porque foi aplicado
inicialmente ao rio Muskingum, nos EUA na década de 1930.

220
O método Muskingum combina a equação da continuidade a uma equação
simplificada que relaciona o armazenamento em um trecho de rio às vazões de entrada
e saída do trecho.

A equação da continuidade de um trecho de rio:

dS
= I −Q (17.5)
dt

é aproximada em diferenças finitas como:

St +∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt + ∆t
= − (17.6)
∆t 2 2

onde S é o volume armazenado no trecho; I é a vazão de entrada; Q é a vazão de saída.

O método Muskingum está baseado em uma relação entre a vazão e o armazenamento


em que a vazão do trecho é representada por uma ponderação entre a vazão de entrada
e saída:

S = K ⋅ [ X ⋅ I + (1 − X ) ⋅ Q ] (17.7)

Combinando as equações 17.6 e 17.7, a vazão de saída de um trecho de rio ao final de


um intervalo de tempo ∆t pode ser relacionada às vazões de entrada e saída no início
do intervalo de tempo (Qt e It) e à vazão de entrada ao final do intervalo de tempo
(It+∆t), como mostra a equação seguinte:

Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt (17.8)

onde

∆t − 2 ⋅ K ⋅ X
C1 = (17.9)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

∆t + 2 ⋅ K ⋅ X
C2 = (17.10)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) − ∆t
C3 = (17.11)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

sendo que C1+C2+C3 = 1.

O método Muskingum tem dois parâmetros de cálculo (K e X) que devem ser


definidos antes dos cálculos.

221
O parâmetro X é um ponderador adimensional cujo valor deve estar entre 0 e 1, mas
na maior parte dos rios e canais naturais seu valor é próximo a 0,3. Dependendo do
valor de X ocorre mais ou menos amortecimento da onda de cheia. Para um valor de
X igual a 0,5 não ocorre amortecimento. Quando X é igual a zero o amortecimento é
máximo.

O parâmetro K têm unidades de tempo e deve ser expresso nas mesmas unidades de
∆t. O valor de K pode ser estimado pelo tempo de viagem do pico da cheia do início
ao final do trecho de rio, ou seja, a distância dividida pela celeridade. Quanto maior o
valor de K, mais afastados no tempo ficam os picos de vazão na entrada e saída do
trecho de canal.

Para evitar minimizar a possibilidade de erros, os valores de K e X devem ser


escolhidos de tal forma a satisfazer o seguinte critério:

∆t
X ≤ ≤ (1 − X )
2⋅K

EXEMPLO

1) Calcule o hidrograma de saída de um trecho de rio, ao longo do qual o tempo


de propagação da onda de cheia é de 2,4 horas. O hidrograma de entrada no
trecho é dado na tabela.

Tempo (horas) I (m3,s-1) Tempo (horas) I (m3,s-1)


1 1,00 13 3,51
2 1,20 14 2,87
3 1,53 15 2,32
4 2,03 16 1,90
5 2,67 17 1,60
6 3,43 18 1,39
7 4,20 19 1,25
8 4,78 20 1,15
9 5,05 21 1,10
10 5,01 22 1,05
11 4,69 23 1,00
12 4,16 24 1,00

O valor de K do método de Muskingum pode ser considerado igual ao tempo de viagem do pico entre o
início e o final do trecho (2,4 horas). O valor do ponderador X pode ser escolhido entre 0,1 e 0,3, que
são valores típicos para os rios. Adotando um valor de X = 0,2, que corresponde ao meio do intervalo,
os valores de C1, C2 e C3 ficam:

222
C1 = 0,008

C2=0,405

C3=0,587

∆t
O valor escolhido de X também satisfaz o critério X ≤ ≤ (1 − X ) .
2⋅K

Considerando que a vazão de saída no primeiro intervalo de tempo é igual à vazão de entrada, a vazão
no segundo intervalo de tempo pode ser calculada por:

Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt

ou seja

Qt + ∆t = 0,008 ⋅ 1,2 + 0,405 ⋅ 1,0 + 0,587 ⋅ 1,0 = 1,00

no segundo intervalo de tempo

Qt + ∆t = 0,008 ⋅ 1,53 + 0,405 ⋅ 1,20 + 0,587 ⋅ 1,00 = 1,08

E as vazões nos intervalos seguintes pode ser calculada de forma semelhante, resultando nos valores
apresentados na tabela que segue.

Tempo (horas) I (m3/s) Q (m3/s)


1 1.00 1.00
2 1.20 1.00
3 1.53 1.08
4 2.03 1.27
5 2.67 1.59
6 3.43 2.04
7 4.20 2.62
8 4.78 3.28
9 5.05 3.90
10 5.01 4.37
11 4.69 4.63
12 4.16 4.65
13 3.51 4.44
14 2.87 4.05
15 2.32 3.56
16 1.90 3.04
17 1.60 2.57
18 1.39 2.17
19 1.25 1.84

223
20 1.15 1.60
21 1.10 1.41
22 1.05 1.28
23 1.00 1.19
24 1.00 1.11

Em trechos longos de rios pode ser necessário fazer a divisão do comprimento total
em sub-trechos e realizar a propagação para cada um destes sub-trechos, de montante
para jusante.

Método Muskingum-Cunge
Um problema do método Muskingum para propagação de vazões é que para definir os
valores dos parâmetros K e de X é necessário dispor de dados observados de vazão
nos extremos de montante e jusante do trecho de rio, o que raramente se cumpre.

O método de Muskingum-Cunge permite contornar este problema através de


estimativas dos valores de K e X a partir de características físicas do rio.

No método Msukingum-Cunge as equações 17.8 a 17.11 continuam valendo, porém o


valor de K pode ser obtido dividindo o comprimento do trecho pela celeridade da
onda de cheia:

∆x
K= (17.12)
c

onde ∆x é o comprimento do trecho de rio (m); K é o parâmetro do modelo


Muskingum (s); e c é a celeridade cinemática da onda de cheia (m.s-1).

O valor de X ideal para a aplicação do método Muskingum-Cunge pode ser obtido a


partir da equação:

1  Q 
X = ⋅  1 −  (17.13)
2  B ⋅ c ⋅ S 0 ⋅ ∆x 

onde B é a largura do rio (m); S0 é a declividade de fundo do rio (m.m-1); c é a


celeridade da onda de cheia (m.s-1); Q é uma vazão de referência (m3.s-1) e ∆x é o
comprimento do trecho de rio (m).

224
O intervalo de tempo de cálculo ideal para o método Muskingum-Cunge deve ser
relativamente pequeno se comparado ao tempo de ascensão do hidrograma.

Tr
∆t ≤ (17.14)
5

onde Tr é o tempo de ascensão do hidrograma.

O valor de ∆x também deve ser cuidadosamente escolhido. Uma estimativa (Fread,


1993) é:

c ⋅ ∆t   2 
1

Q
∆x ≅ 1 +  1 + 1,5 ⋅   (17.15)
2   B ⋅ S 0 ⋅ ∆t ⋅ c 2  
  

onde Q é uma vazão de referência (m3.s-1) e c a celeridade cinemática (m.s-1).

A aplicação do método Muskingum-Cunge inicia pela definição do intervalo de tempo


adequado para a representação da onda de cheia. A seguir é definida uma vazão de
referência. Uma boa estimativa da vazão de referência pode ser uma vazão um pouco
inferior à vazão máxima do hidrograma de entrada do trecho.

A partir da definição da vazão de referência, pode ser calculada a celeridade, usando


uma equação de escoamento permanente uniforme, como a de Manning, e
considerando que o rio tem uma seção transversal simples (trapézio ou retângulo).

Com base na celeridade e no intervalo de tempo de cálculo é possível estimar o valor


de ∆x, pela equação 17.15. Se o valor de ∆x for próximo do comprimento total do
trecho (L), é adotado em lugar do ∆x calculado o comprimento total do trecho. Caso o
valor de ∆x calculado seja bastante inferior ao comprimento total do trecho (L), o
trecho deve ser dividido em sub-trechos.

Com base nos valores ideais de ∆x e ∆t são calculados os valores de K e X, e os valores


de C1, C2 e C3 para aplicação do método.

225
EXEMPLO

2) Determine o hidrograma 18 km a jusante de uma seção de um rio de 30 m de


largura, declividade de 70 cm por km, coeficiente de Manning n=0,045. Os
dados do hidrograma de entrada são dados na tabela.
Intervalo de Tempo
tempo (minutos) Vazão montante (m3/s)
1 40 20
2 80 30
3 120 60
4 160 90
5 200 100
6 240 130
7 280 115
8 320 95
9 360 80
10 400 60
11 440 40
12 480 20
13 520 20
14 560 20
15 600 20

O primeiro passo da solução é estimar a vazão de referência para o cálculo dos parâmetros.
Considerando que a vazão máxima do hidrograma de entrada no trecho de rio é 130 m3.s-1, uma opção
para a vazão de referência é 90 m3.s-1, que é ligeiramente inferior à vazão máxima (cerca de 70% do
pico).

Considerando um rio com seção transversal retangular, e considerando que o raio hidráulico pode ser
considerado igual à profundidade, a vazão de 90 m3.s-1 corresponde ao nível d’água 2,66 m. A
velocidade média na seção, nesta mesma vazão de referência, é de 1,13 m.s-1. A celeridade pode ser
obtida pela equação 17.3, o que resulta em 1,88 m.s-1.

O intervalo de tempo em que existem dados observados é de 40 minutos, o que corresponde a um sexto
do tempo de pico da onda de cheia. Assim, observa-se pela equação 17.14 que o intervalo de tempo de
40 minutos é adequado. Isto corresponde a ∆t=2400 s.

Com base nestes dados a equação 17.15 pode ser utilizada para determinar o ∆x ideal. O resultado é
∆x=5249 m. Com base neste ∆x ideal é necessário decidir como o comprimento total do trecho será
dividido. Uma primeira estimativa é calcular o número de sub-trechos necessários para atingir o ∆x
ideal:

226
L 18000
N= = = 3,43
∆x 5249

Assim, seriam necessários 3,43 sub-trechos. Como não é possível trabalhar com valores não inteiros de
sub-trechos, o número de sub-trechos adotado é N=3. Assim, cada um dos trechos tem ∆x=6000 m.

O valor de K pode ser calculado pelo tempo que uma onda com celeridade c leva para percorrer um ∆x,
isto é:

∆x 6000
K= = = 3190 s
c 1,88

e o valor de X pode ser calculado pela equação 17.13, resultando em X=0,31.

∆t
Observa-se que estes valores de X e K satisfazem o critério X ≤ ≤ (1 − X )
2⋅K

Com base nestes valores de X e K obtém-se C1=0,062; C2=0,644 e C3=0,294 usando as equações
17.9 a 17.11.

Considerando que no primeiro intervalo de tempo a vazão de saída de cada um dos 3 subtrechos é igual
à vazão de entrada do primeiro sub-trecho, pode ser iniciado o cálculo para o segundo intervalo de
tempo:

No primeiro sub-trecho:

Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt

ou seja

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 30 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,6

a vazão de saída deste sub-trecho passa a ser a vazão de entrada do subtrecho seguinte, assim a vazão
de saída do segundo subtrecho no segundo intervalo de tempo é calculada por:

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 20,6 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,0

e no terceiro sub-trecho segue que:

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 20 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,0

repetindo estes cálculos para cada intervalo de tempo são obtidas as vazões de saída de cada sub-trecho,
como mostra a tabela a seguir:

227
Tempo Vazão montante Vazão Vazão Vazão
Intervalo de tempo (minutos) (m3/s) subt 1 subt 2 subt 3
1 40 20 20.0 20 20
2 80 30 20.6 20.0 20.0
3 120 60 29.1 21.0 20.1
4 160 90 52.8 28.2 21.2
5 200 100 79.7 47.2 27.3
6 240 130 95.9 71.1 42.8
7 280 115 119.0 90.0 64.0
8 320 95 114.9 110.2 83.6
9 360 80 99.9 112.6 102.6
10 400 60 84.6 102.7 109.1
11 440 40 66.0 88.8 103.7
12 480 20 46.4 71.5 92.1
13 520 20 27.8 52.6 76.4
14 560 20 22.3 34.7 58.5
15 600 20 20.7 25.9 41.2

A vazão máxima na entrada do trecho é de 119 m3.s-1 e a vazão máxima na saída é de 109,1 m3.s-1.
O pico na vazão de saída ocorre 160 minutos (2 horas e 40 minutos) depois do pico de vazão na
entrada do trecho.

Leituras adicionais
A propagação de vazões em rios e canis é tema de livros dedicados exclusivamente ao
assunto. Em português uma referência útil é o livro Hidráulica Fluvial, de Rui Vieira da
Silva, Flávio Mascarenhas e Marcelo Miguez; além do livro Modelos Hidrológicos
(Tucci, 199).

Programas de computador comerciais ou distribuídos gratuitamente, como o HEC-


RAS, permitem calcular problemas de propagação de vazões em rios e canais usando
modelos hidrodinâmicos, que resolvem as equações de Saint-Venant numericamente.
Os manuais destes programas também podem servir de leitura complementar.

Exercícios

1) Refaça o exemplo 2 considerando que o rio tem uma seção transversal


trapezoidal com margens com inclinação de 50% e largura do fundo de 10 m e
declividade de 20 cm por km.

228
2) Utilize o método de Muskingum-Cunge para propagar o hidrograma dado pela
equação abaixo, em um rio com 15 km de extensão, largura média de 60 m,
coeficiente de Manning n = 0,030, com declividade de 0,0002. Utilize intervalo
de tempo horário.
β
 t  t 
Q(t ) = Qbase + (Q pico − Qbase ) ⋅  ⋅ exp 1 − 
 T p  T 
 p 

onde t é o tempo; Qbase=10 m3.s-1 ; Qpico=230 m3.s-1 ; Tp = 35 horas; β = 10

3) Utilize o método Muskingum-Cunge para calcular o hidrograma do rio


Uruguai em Itaqui, a partir dos dados observados em Garruchos, no período
de outubro e novembro de 1987 dado na tabela a seguir. Garruchos está
localizada 192 km a montante de Itaqui. Considere que a largura média do rio
neste trecho é de 900 m, a declividade do fundo é de 7 cm/km, coeficiente de
Manning n = 0,040 e que a seção transversal é retangular. Compare os
resultados aos valores observados em Itaqui. Se for necessário use um
intervalo de tempo de cálculo inferior a um dia, interpolando linearmente os
dados de entrada.

Data Vazão em Garruchos (m3.s-1) Vazão em Itaqui (m3.s-1)


16/10/1987 3597 3011
17/10/1987 5738 3537
18/10/1987 7194 4823
19/10/1987 8753 6269
20/10/1987 9489 7599
21/10/1987 10548 8712
22/10/1987 10372 9675
23/10/1987 8268 10174
24/10/1987 6539 9900
25/10/1987 4948 8841
26/10/1987 3993 7421
27/10/1987 3484 6124
28/10/1987 3155 4999
29/10/1987 3028 4192
30/10/1987 2862 3675
31/10/1987 2680 3308
01/11/1987 2524 3036
02/11/1987 2466 2837
03/11/1987 2315 2668
04/11/1987 2071 2551
05/11/1987 1881 2302

229
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

18
Estimativa de vazões máximas com
base na chuva

B acias hidrográficas pequenas, como as existentes em áreas urbanas, raramente


têm dados observados de vazão e nível de água. Assim, a estimativa de vazões
extremas nestas bacias não pode ser feita usando os métodos estatísticos
tradicionais, como os apresentados no capítulo 14. Para contornar este
problema, costuma-se utilizar métodos de estimativa de vazões máximas a partir das
características locais das chuvas intensas.

Os métodos para estimativa das vazões máximas a partir da chuva dependem do


tamanho da bacia. Em bacias muito pequenas pode ser utilizado um método
conhecido como método racional. O método racional permite estimar a vazão de pico,
mas não gera informações completas sobre o hidrograma. Em bacias maiores
normalmente são utilizados modelos de transformação chuva-vazão, que estão
baseados em métodos de cálculo de chuva efetiva semelhantes aos apresentados no
capítulo 10 e no hidrograma unitário, apresentado no capítulo 11.

Os métodos de estimativa de vazões máximas a partir da chuva são especialmente


importantes em bacias urbanas e em processo de urbanização. É possível utilizar estes
métodos para fazer previsões sobre as vazões máximas em cenários alternativos de
desenvolvimento, com diferentes graus de urbanização.

Chuvas de projeto
Os métodos de estimativa de vazões máximas a partir das chuvas podem ser aplicados
com eventos de chuva observados, mas é mais freqüente a sua aplicação com eventos
idealizados, denominados chuvas de projeto.
Uma chuva de projeto é um evento chuvoso idealizado, ao qual está associado um
tempo de retorno. Ao utilizar uma chuva de projeto com 10 anos de tempo der
retorno como base para a estimativa da vazão máxima usando um modelo de
transformação de chuva em vazão, supõe-se que a vazão máxima gerada por esta
chuva também tenha um tempo de retorno de 10 anos.

Chuvas de projeto são normalmente obtidas a partir das curvas IDF de pluviógrafos
ou a partir de dados de pluviômetros desagregados para durações menores do que um
dia.

As características principais das chuvas de projeto são: 1) duração; 2) intensidade


média; 3) distribuição temporal.

Duração das chuvas de projeto


Dado o fato que as intensidades das chuvas tendem a diminuir com a duração,
considera-se que as chuvas que potencialmente podem causar as maiores vazões no
exutório de uma bacia hidrográfica sejam as chuvas cuja duração é igual ao tempo de
concentração da bacia. Isto faz com que exista pelo menos um momento em que toda
a bacia esteja contribuindo para aumentar a vazão que está saindo no exutório.

Assim, normalmente se admite que as chuvas de projeto tenham duração igual, ou


muito semelhante, ao tempo de concentração da bacia.

Intensidade média das chuvas de projeto


A intensidade média de uma chuva de projeto pode ser obtida a partir de uma curva
IDF definida a partir de dados de um pluviógrafo instalado na região da bacia. No
Brasil existem curvas IDF definidas para as maiores cidades, que podem servir como
ponto de partida.

Definida a duração da chuva, com base no tempo de concentração da bacia, conforme


explicado no sub-item anterior, a intensidade da chuva é obtida a partir da curva IDF
para um dado tempo de retorno.

O tempo de retorno depende das características do projeto e dos potenciais prejuízos


que traria uma eventual falha, em que a vazão superasse a vazão utilizada no
dimensionamento. Caso os prejuízos potenciais sejam elevados, deve-se adotar um
tempo de retorno alto, em caso contrário deve-se adotar um tempo de retorno baixo.
A Tabela 18. 1 apresenta uma relação do tipo de estrutura com o TR normalmente
adotado.

231
Tabela 18. 1: Tempos de retorno adotados para projeto de estruturas.
Estrutura TR (anos)
Bueiros de estradas pouco movimentadas 5 a 10
Bueiros de estradas muito movimentadas 50 a 100
Pontes 50 a 100
Diques de proteção de cidades 50 a 200
Drenagem pluvial 2 a 10
Grandes barragens (vertedor) 10000
Pequenas barragens 100
Micro-drenagem de área residencial 2
Micro-drenagem de área comercial 5

Na ausência de curvas IDF para locais próximos à bacia em análise, pode-se recorrer à
análise estatística de dados de chuva de pluviômetros, coletados em intervalo de tempo
diário. A partir destes dados é possível obter estimativas de chuvas intensas de 1 dia de
duração com tempos de retorno de 2, 5, 10, 50, ... anos usando técnicas semelhantes às
aplicadas para estimativa de vazões máximas apresentadas no capítulo 14. As chuvas
intensas de 1 dia de duração são, posteriormente, desagregadas para durações inferiores
a 1 dia usando relações de altura pluviométrica entre durações consideradas típicas para
uma região. Estas relações são obtidas a partir de dados de pluviógrafos. A tabela a
seguir apresenta valores de relações entre durações que podem ser utilizados caso não
existam dados de curva IDF.

Tabela 18. 2: Relações de altura de chuva entre durações sugeridas pela CETESB para o Brasil, segundo Tucci (1993).

Duração original Duração final Relações entre alturas pluviométricas


30 minutos 5 minutos 0,34
30 minutos 10 minutos 0,54
30 minutos 15 minutos 0,70
30 minutos 20 minutos 0,81
30 minutos 25 minutos 0,91
1 hora 30 minutos 0,74
24 horas 1 hora 0,42
24 horas 6 horas 0,72
24 horas 8 horas 0,78
24 horas 10 horas 0,82
24 horas 12 horas 0,85
1 dia 24 horas 1,14

232
A chuva máxima para um dado tempo de retorno e tempo de duração pode ser
estimada usando dados de chuva máxima de 1 dia de duração e a tabela anterior. Por
exemplo, supondo que a chuva máxima anual com tempo de retorno de 10 anos e 1
dia de duração em um determinado local, obtida a partir dos dados de um pluviômetro,
seja 120 mm. Para estimar a chuva máxima com 30 minutos de duração neste local
podemos usar as relações da seguinte forma:

Chuva máxima de 1 dia: 120 mm

Chuva máxima de 24 horas: P24h=120 x 1,14=136,8

Chuva máxima de 1 hora: P1h=136,8 x 0,42 = 57,5

Chuva máxima de 30 minutos: P30min=57,5 x 0,74 = 42,5.

Assim, a chuva máxima de 30 minutos de duração e 10 anos de tempo de retorno seria


estimada em 42,5 mm. A intensidade média desta chuva é 85 mm/hora.

Distribuição temporal das chuvas de projeto


Uma vez definida a intensidade e a duração de uma chuva de projeto é necessário
definir sua distribuição temporal. A hipótese mais simples, utilizada no método racional
para o cálculo das vazões máximas, é que a intensidade não varia durante todo o
evento. Assim, a chuva tem uma distribuição temporal uniforme durante toda a sua
duração.

Por outro lado, na geração de chuvas de projeto mais longas, tipicamente utilizadas em
cálculos de vazões baseadas no método do hidrograma unitário, normalmente
considera-se que a intensidade da chuva varia ao longo do evento de projeto. Existem
vários métodos para criar uma distribuição temporal para chuvas de projeto, e nenhum
deles tem uma fundamentação mais profunda. Um método freqüentemente utilizado é
conhecido como método dos blocos alternados (Chow et al., 1988).

O método dos blocos alternados para definir a distribuição temporal das chuvas de
projeto está baseado no uso de uma curva IDF para diferentes durações de chuva,
menores do que a duração total da chuva de projeto. Por exemplo, considere que a
chuva de projeto deve ter uma duração total de 120 minutos, e que será dividida em 6
intervalos de 20 minutos. Se considerarmos o tempo de retorno de 10 anos e a curva
IDF do 8º. Distrito de Meteorologia, em Porto Alegre, cuja equação é dada no capítulo
3, temos a seguinte relação entre duração e intensidade: 20 minutos – 102,2 mm.hora-
1; 40 minutos – 67,4 mm.hora-1; 60 minutos – 51 mm.hora-1; 80 minutos – 41,4
mm.hora-1; 100 minutos – 35,0 mm.hora-1; 120 minutos – 30,4 mm.hora-1.

A altura total de chuva para cada duração é obtida multiplicando a intensidade pela
duração, e a altura incremental para cada intervalo de 20 minutos é dada pela subtração

233
entre a altura total para uma dada duração total menos o total da duração anterior,
como pode ser observado na tabela que segue.
Tabela 18. 3: Exemplo de elaboração de chuva de projeto a partir da curva IDF (primeira parte).

Duração (minutos) Intensidade (mm.hora-1) Altura total (mm) Incremento (mm)


20 102.2 34.1 34.1
40 67.4 44.9 10.8
60 51.0 51.0 6.1
80 41.4 55.1 4.2
100 35.0 58.3 3.1
120 30.4 60.8 2.5

Observa-se na tabela anterior


que os primeiros 20 minutos
apresentam o maior
incremento de chuva. Os 20
minutos seguintes
apresentam o segundo maior
incremento de chuva, e assim
por diante (Tabela 18. 4). No
método dos blocos
alternados, os valores
incrementais são
reorganizados de forma que
o máximo incremento
Figura 18. 1: Chuva de projeto com blocos em ordem decrescente. ocorra, aproximadamente, no
meio da duração da chuva
total. Os incrementos (ou
blocos de chuva) seguintes
são organizados a direita e a
esquerda alternadamente, até
preencher toda a duração
(Tabela 18. 5).

A Figura 18. 1 apresenta o


hietograma original, com os
blocos de chuva organizados
em ordem decrescente, como
na Tabela 18. 4. A Figura 18.
2 apresenta o hietograma
Figura 18. 2: Chuva de projeto com blocos reordenados pelo método dos blocos alternados. reorganizado pelo método
dos blocos alternados, e
corresponde aos valores
apresentados na Tabela 18. 5.

234
Tabela 18. 4: Blocos de chuva de 20 minutos de duração organizados em ordem decrescente.

Ordem Incremento (mm)


decrescente
1 34.1
2 10.8
3 6.1
4 4.2
5 3.1
6 2.5

Tabela 18. 5: Blocos de chuva de 20 minutos de duração reorganizados pelo método dos blocos alternados.

Ordem nova Posição original em ordem decrescente Incremento (mm)


1 5 3.1
2 3 6.1
3 1 34.1
4 2 10.8
5 4 4.2
6 6 2.5

Atenuação das chuvas com a área


Bacias hidrográficas grandes têm menor probabilidade de serem atingidas por chuvas
intensas simultaneamente em toda a sua área do que bacias pequenas. Chuvas de
projeto são definidas a partir de dados coletados em pluviógrafos. Para utilizar as
chuvas de projeto em bacias relativamente grandes é necessário compensar o fato que
a intensidade média das chuvas em grandes áreas é menor. Normalmente é utilizado
para isto um fator de redução pela área, como o desenvolvido em 1958, para algumas
regiões dos EUA, ilustrado na Figura 18. 3.

O fator de redução depende da área da bacia e da duração da chuva. O fator representa


a relação entre chuva de pluviógrafo e chuva média na bacia. Chuvas de curta duração,
que normalmente são mais localizadas, devem ser reduzidas por um fator mais intenso
e chuvas de longa duração tem menos redução.

O fator de redução apresentado na Figura 18. 3 foi desenvolvido originalmente com


base em dados de redes de pluviógrafos. Atualmente estas curvas de fator de redução
estão sendo revisadas com base em dados de radar. Na Figura 18. 3 estão sobrepostas
duas curvas de fator de redução para a duração de 1 hora e 2 horas geradas a partir de
dados de radar por Durrans et al. (2003) sobre as curvas originais, mostrando que
existem grandes diferenças no fator, de acordo com os dados utilizados para seu
cálculo.

235
Figura 18. 3: Fator de redução da chuva de projeto de acordo com a área da bacia e a duração da chuva – as linhas pretas foram
obtidas em 1958 para algumas regiões dos EUA com base em dados de pluviógrafos e as linhas cinza foram obtidas a partir de dados
de radar.

Vazões máximas com base em transformação


chuva-vazão
Os métodos mais comuns para calcular as vazões máximas a partir da transformação
de chuva em vazão são o método racional e os modelos baseados no hidrograma
unitário.

Em bacias pequenas, com chuvas de curta duração, pode ser adotado o hidrograma
unitário. Já em bacias maiores, com chuvas mais demoradas, ou em casos em que se
deseja, além da vazão máxima, o volume das cheias, é necessário utilizar modelos
baseados no hidrograma unitário.

O Departamento de Esgotos Pluviais (PORTO ALEGRE, 2005) sugere que, de


acordo com a área da bacia usam-se métodos diferentes para cálculo da vazão, como
apresenta o quadro 1.

236
Tabela 18. 6: Métodos de cálculo de vazão máxima, pelo Departamento de Esgotos Pluviais de PORTO ALEGRE.

A (ha) MÉTODO

A ≤ 200 Racional

A > 200 Hidrograma Unitário – SCS

Os limites de área que definem qual método utilizar não são gerais, de modo que cada
órgão governamental define seus limites de acordo com a aplicação. As duas
metodologias (Racional e do Hidrograma Unitário) estão em detalhes a seguir.

O método racional para estimativa de vazões


máximas
O método mais simples é conhecido como método racional, e é aplicável para bacias
de até, aproximadamente, 2 km2, embora alguns autores citem seu uso para bacias com
área inferior a 15 km2 (Brutsaert, 2005).

O método racional se baseia na seguinte expressão:

C ⋅i⋅ A
Q= (18.1)
3,6

onde Q é a vazão de cheia (m3.s-1); C é um coeficiente de escoamento superficial; i é a


intensidade da chuva (mm.hora-1); e A é área da bacia hidrográfica (km2).

A área de drenagem pode ser obtida a partir de mapas e de levantamentos


topográficos. O coeficiente de escoamento pode ser avaliado a partir de condições do
solo, vegetação e ocupação da bacia (veja tabelas seguintes).

237
Tabela 18. 7: Valores de C (coeficiente de escoamento do método racional) para diferentes superfícies.

Superfície intervalo valor esperado


Asfalto 0,70 a 0,95 0,83
Concreto 0,80 a 0,95 0,88
Calçadas 0,75 a 0,85 0,80
Telhado 0,75 a 0,95 0,85
grama solo arenoso plano 0,05 a 0,10 0,08
grama solo arenoso inclinado 0,15 a 0,20 0,18
grama solo argiloso plano 0,13 a 0,17 0,15
grama solo argiloso inclinado 0,25 a 0,35 0,30
áreas rurais 0,0 a 0,30

Tabela 18. 8: Valores de C (coeficiente de escoamento do método racional) de acordo com a ocupação da bacia.

Zonas C
Centro da cidade densamente construído 0,70 a 0,95
Partes adjacentes ao centro com menor densidade 0,60 a 0,70
Áreas residenciais com poucas superfícies livres 0,50 a 0,60
Áreas residenciais com muitas superfícies livres 0,25 a 0,50
Subúrbios com alguma edificação 0,10 a 0,25
Matas parques e campos de esportes 0,05 a 0,20

A intensidade da chuva é obtida a partir da curva IDF (veja capítulo 3) mais adequada
ao local da bacia. Para obter a intensidade i é preciso definir a duração da chuva e o
tempo de retorno.

A duração da chuva é considerada igual ao tempo de concentração (veja capítulo 2).


Esta hipótese é adotada para que o cálculo represente uma situação em que a vazão
máxima ocorre quando toda a bacia está contribuindo para o exutório.

238
Vazões máximas usando o hidrograma unitário
Modelos baseados no hidrograma unitário são utilizados para calcular vazões máximas
e hidrogramas de projeto com base nas chuvas de projeto. Neste caso, uma
metodologia de separação de escoamento, como a do SCS descrita no capítulo 10, e o
método do hidrograma unitário, descrito no capítulo 11, são utilizados considerando
eventos de chuva de projeto.

Admite-se, implicitamente, que uma chuva de T anos de tempo de retorno provoque


uma vazão máxima de T anos de tempo de retorno.

Os passos para obter a vazão máxima com base no hidrograma unitário são detalhados
a seguir:

1. Calcular área da bacia

2. Calcular tempo de concentração da bacia

3. Identificar posto pluviográfico com dados ou curva IDF válida em região


próxima.

4. Com base nas caracaterísticas da bacia (área e tempo de concentração) define-


se o hidrograma unitário sintético.

5. Com base em na curva IDF define-se a chuva de projeto, com duração igual
ao tempo de concentração da bacia, e organizada em blocos alternados, ou
metodologia semelhante.

6. A chuva de projeto deve ser multiplicada pelo fator de redução de área, de


acordo com a área da bacia e com a duração total da chuva.

7. Com base na chuva de projeto corrigida do passo anterior e usando uma


metodologia de separação de escoamento como o método do coeficiente CN,
calcula-se a chuva efetiva.

8. Com base na chuva efetiva e no hidrograma unitário é feita a convolução para


gerar o hidrograma de projeto.

9. A maior vazão do hidrograma de projeto é a vazão máxima estimada a partir


da chuva.

Estes passos podem ser repetidos para outros tempos de retorno e para outras
condições de ocupação da bacia. A utilização deste método é comum quando se deseja
saber quais serão as vazões máximas em uma bacia num cenário futuro, em que
aumentou a área urbanizada da bacia.

239
Os cálculos de vazão máxima a partir da chuva e do hidrograma unitário raramente são
realizados de forma manual, ou com base em planilhas e calculadora. A situação mais
normal atualmente é a utilização de modelos hidrológicos para a realização destes
cálculos. Os modelos hidrológicos utilizam técnicas como as descritas nos capítulos
anteriores para calcular as vazões a partir da chuva. Além de separação de escoamento
e hidrograma unitário, os modelos hidrológicos ainda permitem fazer os cálculos de
propagação de escoamento em rios e reservatórios, como os descritos nos capítulos
anteriores.

Um modelo hidrológico deste tipo é o modelo IPH-S1, desenvolvido no Instituto de


Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, que é disponibilizado em uma versão com interface
amigável, desenvolvida em cooperação com a UFPEL.

Exercícios
1) Defina a chuva de projeto de 3 horas de duração e tempo de retorno 5 anos
com base na curva IDF do Aeroporto de Porto Alegre (capítulo 3). Use o
método dos blocos alternados.

2) Estime a vazão máxima de projeto para um galeria de drenagem sob uma rua
numa área comercial de Porto Alegre, densamente construída, cuja bacia tem
área de 35 hectares, comprimento de talvegue de 2 km e diferença de altitude
ao longo do talvegue de 17 m.

3) Calcule o hidrograma de projeto e a vazão máxima de uma bacia próxima de


Porto Alegre, com área de 10 Km2, comprimento do talvegue de 5 Km, ao
longo do qual existe uma diferença de altitude de 300 m. A bacia tem solos
argilosos e vegetação de campos e florestas. Considere o tempo de retorno de
10 anos.

4) Qual é o aumento da vazão máxima da bacia anterior caso a bacia seja


urbanizada com áreas residenciais?

5) Qual é o aumento do volume do hidrograma resultante caso a bacia seja


urbanizada com áreas residenciais?

240
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

19
Qualidade da água

A
água é um elemento vital para as atividades humanas e para a manutenção da
vida. Para satisfazer as necessidades humanas e ambientais, é necessário que a
água tenha certas características que variam com o seu uso. A água utilizada
para análises clínicas, por exemplo, deve ser tanto quanto possível isenta de
sais e outras substâncias em solução ou suspensão. Já para a navegação e para a geração
de energia, por exemplo, a água deve apenas atender ao requisito de não ser
excessivamente agressiva às estruturas. Para os processos biológicos incluindo a
manutenção dos ecossistemas, a alimentação humana e a dessedentação animal, as
exigências são intermediárias.

Poluição da água
Entende-se por poluição da água a alteração de suas características por quaisquer ações
ou interferências sejam elas ou não provocadas pelo homem (Braga et al., 2005). A
origem da palavra poluição está relacionada à condição estética da água, que parece suja
quando a poluição pode ser percebida a olho nu. Entretanto, a alteração da qualidade
da água não se manifesta apenas em características estéticas. A água aparentemente
limpa pode conter micro-organismos patogênicos e substâncias tóxicas.

As fontes de poluentes da água são divididas em pontuais ou difusas, dependendo da


facilidade com que se visualiza o ponto em que os poluentes estão sendo lançados no
rio, lago ou corpo d’água receptor. Cargas pontuais de poluentes são introduzidas por
lançamentos facilmente identificáveis e individualizados, como os despejos de esgoto
de uma indústria. Poluentes difusos são lançados de forma distribuída e não é fácil
identificar como são produzidos, como no caso das substâncias provenientes de áreas
agrícolas, ou dos poluentes associados à drenagem pluvial urbana.

Parâmetros de qualidade de água


A qualidade da água é avaliada de acordo com algumas características físicas, químicas
ou biológicas denominadas parâmetros de qualidade de água. Freqüentemente, mas
não necessariamente, estes parâmetros são apresentados como concentração de certas
substâncias presentes na água. Os valores destes parâmetros são importantes para a
caracterização da água frente aos usos a que ela se destina. Por exemplo, para ser
bebida a água não pode ter uma concentração excessiva de sais.

Alguns dos principais parâmetros de qualidade de água são apresentados a seguir.

Temperatura
A temperatura é uma das características mais importantes da água de um rio ou lago
porque a temperatura da água afeta as características físicas e químicas da água, como,
por exemplo a solubilidade dos gases e a densidade.

A temperatura exerce um efeito sobre as reações químicas e a atividade biológica na


água. A velocidade das reações químicas duplica para cada 10º. C de aumento de
temperatura da água. A temperatura também controla a concentração máxima de
oxigênio dissolvido na água (Benetti e Bidone, 1993).

Poluição térmica pode existir se um corpo d’água recebe um efluente de alguma


atividade humana que altera profundamente a temperatura da água. Este é o caso típico
de usinas termoelétricas a carvão ou nucleares. Estas usinas normalmente são
construídas próximas a grandes corpos de água porque utilizam a água no seu processo
de resfriamento. A água é retirada de um rio, lago, ou mesmo do oceano, a temperatura
ambiente e é devolvida alguns graus acima da temperatura ambiente.

Outra fonte de poluição térmica é uma barragem em que a água descarregada para
jusante é retirada de camadas muito profundas do reservatório localizado a montante.
No fundo de um reservatório a temperatura da água pode ser bastante inferior à
temperatura normal da água do rio.

Oxigênio Dissolvido
O Oxigênio Dissolvido (OD) é necessário para manter as condições de vida dos seres
que vivem na água, e, portanto, é um parâmetro importante na análise da poluição de
um rio. O OD é consumido pelos seres vivos, especialmente os organismos
decompositores de matéria orgânica. A concentração de OD na água aumenta por
fotossíntese de plantas e algas aquáticas ou por reareação, no contato com a atmosfera.

O OD tem uma concentração máxima para dadas condições de temperatura e


salinidade da água, que é conhecida como concentração de saturação. A concentração
de saturação aumenta com a redução da temperatura da água. A tabela 19.1 apresenta
valores de concentração de saturação de Oxigênio Dissolvido na água com salinidade
zero e em condições de pressão atmosférica média ao nível do mar.

242
Tabela 19. 1: Concentração de OD de saturação para diferentes temperaturas da água. Valores correspondem à água doce (salinidade
zero) e pressão atmosférica média ao nível do mar.

Temperatura da água (oC) Concentração de OD (mg.l-1)


0 14,6
5 12,7
10 11,3
15 10,1
20 9,1
25 8,2
30 7,5
40 6,4

Um valor de concentração de 4 mg.l-1 é, normalmente, tomado como limite inferior de


tolerância para peixes, porém este valor depende da espécie. Valores inferiores a 3 mg.l-
1
tendem a ser prejudiciais para a maior parte dos vertebrados aquáticos.

A velocidade com que o OD é consumido pela decomposição da matéria orgânica, as


taxas de reoxigenação, e alguns cálculos simples em rios e lagos são apresentados nos
itens seguintes deste capítulo.

pH
O pH expressa o grau de acidez ou alcalinidade da água, em valores de 0 a 14, sendo
que valores inferiores a 7 indicam águas ácidas e valores superiores a 7 indicam águas
alcalinas (Benetti e Bidone, 1993). O pH do meio (água) controla as reações químicas
de muitos outros poluentes. Valores baixos de pH aceleram a decomposição de
materiais potencialmente tóxicos. Valores altos de pH podem levar a um aumento na
concentração de amônia, que é tóxica para os peixes

DBO
A água dos rios e de esgotos cloacais e industriais contém matéria orgânica. Esta
matéria orgânica é decomposta por microorganismos que, em geral, consomem
oxigênio no processo de decomposição. A DBO, ou Demanda Bioquímica de
Oxigênio, representa o consumo potencial de oxigênio para decompor a matéria
orgânica existente na água.

A DBO é medida a partir de uma coleta de amostra que deve ser mantida a 20º. C. A
Concentração inicial de oxigênio na amostra é medida e a amostra fica mantida por
cinco dias em um recipiente de vidro, livre da influência da luz. Ao longo destes cinco
dias o oxigênio vai sendo consumido por bactérias e a concentração de OD é medida
ao final dos cinco dias. A diferença entre a concentração inicial de OD (mais alta) e a
concentração final (mais baixa) é o valor da DBO5, denominada assim porque está
baseada num teste realizado em 5 dias.

Os processos de transformação de matéria orgânica na água, e o conseqüente consumo


de OD, são analisados novamente nos próximos itens deste capítulo.

243
Coliformes fecais
Obviamente existem inúmeros tipos de micro-organismos nas águas, e alguns destes
podem indicar presença de dejetos de origem animal. A água com micro-organismos
de origem humana é potencialmente nociva, porque muitos tipos de doenças são
transmitidas via a água. Entretanto, testar a água para todos os micro-organismos
potencialmente patogênicos seria muito caro, assim é mais comum a verificação da
presença ou concentração da bactéria Escherichia coli.

Escherichia coli é uma bactéria presente nos sistemas digestivos de animais de sangue
quente, que normalmente não é nociva, mas que é usada como indicativo de
contaminação com fezes humanas (ou mais raramente de outros animais).

A presença de E.coli e sua concentração é medida e expressa através da concentração


de coliformes fecais em Número Mais Provável (NMP) por 100 ml de água, ou seja
NMP/100ml.

Mistura
Aspectos fundamentais da qualidade da água são, normalmente, apresentados em
termos de concentração de substâncias na água. A concentração é expressa como a
massa da substância por volume de água, em mg.l-1, ou g.m-3. Por exemplo, ao
acrescentar e dissolver 12 mg de sal em um litro de água pura, obtém-se água com uma
concentração de 12 mg.l-1.

De forma semelhante, quando são misturados volumes de água com concentrações


diferentes, a concentração final equivale a uma média ponderada das concentrações
originais, o mesmo ocorrendo no caso de vazões. Assim, se um rio com vazão QR e
concentração CR recebe a entrada de um afluente com vazão QA e com concentração
CA. Admitindo uma rápida e completa mistura das águas, a concentração final é dada
por:

QR ⋅ C R + Q A ⋅ C A
CF = (19.1)
QR + Q A

EXEMPLO

1) Uma cidade coleta todo o esgoto cloacal, mas não tem estação de tratamento.
Assim, a vazão de esgoto de 0,5 m3.s-1 com uma concentração de 50 mg.l-1 de
Nitrogênio Total é lançada em um rio com uma vazão de 23 m3.s-1 e com uma
concentração de 1 mg.l-1 de Nitrogênio Total. Considerando mistura completa
qual é a concentração final no rio a jusante da entrada do esgoto.

A concentração final, considerando mistura completa e imediata é

244
QR ⋅ C R + Q A ⋅ C A 23 ⋅ 1 + 0,5 ⋅ 50
CF = ou seja C F = = 2,04
QR + Q A 23,5

portanto a concentração final é de 2,04 mg.l-1.

A carga ou fluxo de um poluente ou substância é dada pelo produto entre a vazão e a


concentração. No exemplo anterior, o fluxo de Nitrogênio Total no rio, a jusante da
entrada de esgoto é dado por:

m 3 ⋅ mg Kg
WF = QF ⋅ C F = 23,5 ⋅ 2,04 = 23,5 ⋅ 2,04 = 48 Kg .s −1
s ⋅l s

Na realidade, a mistura de um poluente lançado no rio com a água deste rio não é
imediata. Ao longo de um trecho L a jusante do ponto de lançamento a água não pode
ser considerada completamente misturada. Um exemplo clássico deste fenômeno é a
confluência dos rios Amazonas e Negro – o Encontro das Águas – que fluem lado a
lado por vários km até que suas águas se misturem. A rapidez com que um poluente se
mistura à água do rio depende da turbulência e a turbulência depende da velocidade e
da quantidade de obstáculos e curvas. Uma estimativa útil para um lançamento lateral
em um rio pode ser obtida pela equação a seguir (Yotsukara, 1968 apud Chapra, 1997):

 B2 
Lm = 8,52 ⋅ U ⋅   (19.2)
H 

onde Lm é a distância a partir do ponto de lançamento para a qual pode se considerar


que a mistura é completa (m); B é a largura média do rio (m); H é a profundidade
média do rio (m); e U é velocidade da água (m.s-1).

EXEMPLO

2) Esgoto industrial é lançado diretamente em um pequeno rio com vazão de 1,8


m3.s-1, largura média de 15 m, em que a velocidade da água é de 0,3 m.s-1 e a
profundidade média é de 0,4 m. Qual é a distância percorrida até que possa se
considerar que o esgoto lançado está completamente misturado à água do rio?

A distância a jusante do lançamento onde a mistura pode ser considerada completa pode ser estimada
por:

 B2   15 2 
Lm = 8,52 ⋅ U ⋅   = 8,52 ⋅ 0,3 ⋅   = 1438 m
H   0,4 

245
ou seja, Lm = 1438 m. O tempo para a água percorrer esta distância é:

d t= 1438/0,3 = 4793 s

Assim, a distância é de 1438 m e o tempo para ocorrer mistura completa é de 1 hora e 20 minutos.

Transformação de poluentes
Os poluentes da água podem ser classificados em conservativos e não conservativos,
dependendo da ocorrência ou não de transformações destes poluentes que afetam a
sua concentração na água.

Poluentes ou parâmetros de qualidade de água conservativos não reagem com o meio


ou com outras substâncias, e não alteram a sua concentração por processos físicos,
químicos e biológicos, exceto a mistura. Um exemplo simples é o sal.

Poluentes ou parâmetros de qualidade não conservativos se transformam em contato


com o meio ou reagem com outras substâncias, alterando sua concentração ao longo
do tempo. Exemplos de poluentes não conservativos são os coliformes fecais e a
DBO. As substâncias não conservativas podem alterar sua concentração pelos
seguintes tipos de transformações: reações químicas; consumo na cadeia trófica;
sedimentação; trocas com a atmosfera.

As reações que ocorrem com os poluentes são descritas matematicamente supondo


que existem relações relativamente simples entre as taxas de transformação e a
concentração do poluente analisado e de outras substâncias. Uma das representações
mais simples e mais utilizadas é o chamado modelo de cinética de reações de primeira
ordem, em que se supõe que a taxa de reação é proporcional à concentração da
substancia analisada (equação 19.3).

dC
= −k ⋅ C (19.3)
dt

onde C é a concentração, t é o tempo, e k um coeficiente de decaimento, que tem


unidades de tempo. A solução desta equação diferencial é dada pela equação 19.4, em
que C0 é a concentração em t=0.

C = C0 ⋅ e − k ⋅t (19.4)

Transformação da DBO e consumo de OD


Um dos poluentes não conservativos mais importantes é a DBO. A transformação da
matéria orgânica consumidora de oxigênio (DBO) pode ser razoavelmente bem

246
representada por equações de primeira ordem, como a equação 19.3. Se uma amostra
de água com uma pequena quantidade de
matéria orgânica degradável for mantida
num frasco sem luz e sem oxigenação, a
concentração de OD ao longo do tempo
normalmente tem um comportamento
como o ilustrado na Figura 19. 1. A
matéria orgânica se degrada e o OD da
água é consumido ao longo deste
processo, como mostra o gráfico.

O gráfico da Figura 19. 1 corresponde a


um processo de reação ou decaimento de
primeira ordem, do tipo descrito pela
equação 19.3. No caso da matéria
orgânica, muitas vezes é utilizada a letra L
Figura 19. 1: Concentração de OD e DBO ao longo do tempo em um frasco com uma para representar a concentração de DBO.
pequena quantidade de matéria orgânica degradável, sem reoxigenação. Assim, a equação diferencial e sua solução
são normalmente escritas como:

dL
= −k 1 ⋅ L (19.5)
dt

L = L0 ⋅ e − k1 ⋅t (19.6)

onde t é o tempo; L é a concentração de DBO e k1 é um coeficiente com unidades de


tempo-1.

Já o OD é consumido em uma velocidade que depende da concentração de DBO, o


que corresponde à equação 19.7.

dC
= −k 1 ⋅ L (19.7)
dt

onde C é a concentração de OD. Considerando a equação 19.6, a solução daequação


diferencial 19.7 é a seguinte:

(
C = C0 − L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅t ) (19.8)

onde C0 é a concentração de OD no instante t=0.

Quando é medida a DBO5,20 de uma amostra de água é calculada a diferença entre a


concentração de OD no dia inicial e a concentração de OD cinco dias depois. Usando
a equação 19.8, pode-se expressar a equação correspondente a esta medição:

247
( (
DBO5, 20 = C0 − C 5 = C0 − C0 − L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅5 ))
(19.9)
(
DBO5, 20 = L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅5 )
onde k1 deve ser utilizado com unidades de dia-1.

Então, ao longo de 5
dias a matéria orgânica
degradável consome
uma quantidade de
OD que é medida pela
DBO5,20. Para saber a
quantidade total de
OD que a matéria
orgânica poderia ter
consumido, se
houvesse tempo para
isso, é necessário
estimar o valor de L0,
que é conhecida como
DBO Última ou DBO
Total.

A DBO Última ou
DBO Total pode ser
Figura 19. 2: Concentração de OD e DBO ao longo do tempo em um frasco com uma pequena quantidade de estimada considerando
matéria orgânica degradável, sem reoxigenação, com indicação da forma como é medida a DBO5,20. que o processo seguiria
a partir do quinto dia
de acordo com um
decaimento de primeira ordem. Utilizando a equação 19.9 podemos encontrar o valor
de L0 a partir do valor da DBO5,20 e de uma estimativa do coeficiente k1:

DBO5 , 20
L0 = (19.10)
(1 − e )− k1 ⋅5

Valores típicos de k1 podem ser encontrados a partir de medições de consumo de OD


com duração maior do que 5 dias. Na literatura são citados valores de k1 entre 0,1 e
0,35 para ensaios de laboratório. Os valores mais altos ocorrem para efluentes não
tratados e os valores mais baixos para água relativamente limpa. Em rios e lagos a
degradação da matéria orgânica pode ocorrer com velocidades maiores do que em
frascos de laboratório, especialmente se a temperatura da água for alta, como descrito
no próximo item.

248
EXEMPLO

3) Para uma amostra de esgoto foi medido o valor de DBO5,20 de 300 mg/l.
Estime o valor da DBO total considerando que o coeficiente de decaimento é
de 0,35 dia-1.

A DBO total ou última pode ser calculada a partir da DBO5,20 por:

DBO5, 20 300
L0 =
(1 − e )
− k1 ⋅5
=
(1 − e −0,35⋅5 ) = 363
Assim, a DBO total é de 363 mg/l..

Em um frasco lacrado, impedindo a reoxigenação da água, obviamente não é possível


consumir 363 mg/l de OD, ou mesmo 300 mg/l de OD da água porque a
concentração máxima de OD na água a 20oC é da ordem de 9 mg/l. Medições de
DBO neste caso são feitas diluindo a amostra inicial em água destilada. Além disso,
compostos de Nitrogênio também podem consumir OD. Isto normalmente ocorre
após o consumo de DBO inicial. Para diferenciar os dois tipos a demanda inicial de
DBO, que é utilizada pelas bactérias para degradar compostos orgânicos de carbono é
conhecida como DBO carbonácea e a DBO associada aos compostos de Nitrogênio é
conhecida como DBON, ou DBO nitrogenada. Para manter a abordagem deste texto
simples, será considerada apenas a DBO carbonácea.

Autodepuração de rios
Uma característica importante dos rios é que eles podem se recuperar do impacto
causado pelo lançamento de poluentes, desde que respeitados alguns limites de
tolerância e após um certo período de tempo. Uma situação típica é a poluição da água
pelo lançamento de matéria orgânica com alta demanda bioquímica por oxigênio
(DBO), como a que existe no esgoto doméstico e nos efluentes de muitas indústrias
alimentícias e de bebidas.

Considere um rio com água bastante limpa, em que a DBO é próxima de zero e a
concentração de OD está próxima da saturação. Em um ponto é lançado um efluente
com alta concentração de DBO e concentração de OD próxima de zero. Admitindo
mistura completa e imediata, no ponto de lançamento do efluente poluído ocorre um
aumento súbito da concentração de DBO e uma redução da concentração de OD,
como mostra a Figura 19. 3.

249
Na Figura 19. 3 o afluente poluído entra no rio e a mistura imediata faz a concentração
de OD cair do nível de saturação para um valor inferior ao de saturação. Ao mesmo
tempo, a concentração de DBO se eleva e o déficit de OD em relação à concentração
de saturação (D) também aumenta. A partir do ponto de lançamento, a DBO vai
sendo degradada, e o processo consome OD. A concentração de DBO vai diminuindo
de forma contínua, entretanto a concentração de OD inicialmente diminui, mas depois
volta a aumentar, finalmente atingindo os níveis equivalentes à concentração de
saturação a uma certa distância do local de lançamento. Observa-se na figura que é
mantida a relação D = CODsat – COD.

Figura 19. 3: Gráfico de concentrações de OD e DBO num rio : o ponto de entrada de um afluente poluído corresponde ao Km 20
(OD é o Oxigênio Dissolvido; OD sat é a concentração de OD na saturação; D é o déficit de oxigênio dissolvido em relação à
concentração de saturação; e DBO é a concentração de DBO)

Em um rio a DBO pode se decompor, consumindo OD, e pode sedimentar, ficando


depositada junto ao fundo. O OD é consumido pela degradação da matéria orgânica, o
que pode ser parcialmente ou completamente compensado pelo processo de
reoxigenação, que ocorre na superfície da água.

Transformação da DBO em rios e lagos


Em rios e lagos a concentração de matéria orgânica consumidora de OD pode ser
reduzida tanto pela degradação realizada pelas bactérias, como pela sedimentação,
quando é depositada no fundo. A parte da DBO que é depositada não consome OD

250
imediatamente, porém uma demanda associada com sua decomposição por
organismos bentônicos pode ocorrer mais tarde.

Em termos da coluna de água de rios e lagos, a DBO é removida com uma taxa que
depende tanto do decaimento bioquímico como da sedimentação. Pode-se admitir que
existe um coeficiente de remoção (kr) dado pela soma de um coeficiente de decaimento
(kd), que é semelhante ao k1 definido antes, e de um coeficiente de sedimentação (ks),
como mostra a equação 19.11.

kr = kd + ks (19.11)

Neste caso, as equações 19.5 e 19.6, utilizadas para descrever o processo em


laboratório, podem ser reescritas numa forma mais adequada para rios e lagos como:

dL
= −k r ⋅ L (19.12)
dt

L = L0 ⋅ e − k r ⋅t (19.13)

onde t é o tempo; L é a concentração de DBO e kr é um coeficiente com unidades de


tempo-1.

Pode-se considerar que a sedimentação não provoca consumo de OD, mas apenas o
decaimento bioquímico. Assim, o OD é consumido em uma velocidade que depende
da concentração de DBO, e do coeficiente kd:

dC OD
= −k d ⋅ L
dt
(19.14)

onde COD é a concentração de OD e L é a


concentração de DBO.

Os valores dos coeficientes kr, ks e kd dependem


das características do escoamento e da
temperatura. Rios rasos tem valores de kd
superiores a 1 dia-1. Em rios com profundidade
superior a 2,4 m o valor de kd pode ser
considerado igual a 0,3 dia-1. Uma equação
empírica, freqüentemente utilizada para estimar
o valor de kd para rios com menos de 2,4 m de
profundidade é a equação abaixo (Chapra,
Figura 19. 4: Valor do coeficiente kd de decaimento de DBO em rios, de acordo com a 1997):
profundidade da água (Chapra, 1997).

251
−0 , 434
 h 
k d = 0,30 ⋅   (19.15)
 2,4 

onde kd é o coeficiente de decaimento da DBO em rios (dia-1); e h é a profundidade em


metros.

O valor do coeficiente de decaimento kd também depende da temperatura. Quanto


maior a temperatura, mais intenso o metabolismo das bactérias responsáveis pela
decomposição da matéria orgânica, o que acelera o decaimento da DBO.

Valores de kd de referência são, normalmente, estimados para uma temperatura de


20oC. Estimativas para outras temperaturas da água podem ser obtidas a partir da
equação 19.16:
(T − 20 )
k d ,T = k d , 20 ⋅ (1,047 ) (19.16)

onde kd,T é o valor do coeficiente kd corrigido para a temperatura T; kd,20 é o valor de


referência, a uma temperatura de 20 oC; e T é a temperatura em oC.

A importância da sedimentação de DBO é maior em rios de pequena profundidade e


quando a concentração de DBO é alta. Muitas vezes, no entanto, a sedimentação é
desprezada, utilizando um valor de ks igual a zero.

Reoxigenação
A direção e a magnitude do fluxo de oxigênio depende da diferença entre a
concentração real e a concentração de saturação. Esta diferença é chamada déficit de
saturação de OD.

Concentração de saturação de OD na água varia com a temperatura. A água fria tem


valores mais altos de OD na saturação (valores máximos da ordem de 14 mg/l). Já a
água quente tem menos OD na saturação, conforme mostra a Tabela 19. 1.

Os valores da concentração de saturação de OD na água doce podem ser estimados


pela equação 19.17.

 b c d e 
C ODsat = exp a + + 2 + 3 + 4  (19.17)
 T T T T 

onde T é a temperatura em graus Kelvin (T=oC+273,15) e os coeficientes são dados a


seguir:

a = -139,34411

b = 1,575701 . 105

252
c = -6,642308 . 107

d = 1,243800 . 1010

e = -8,621949 . 1011

Pode-se considerar que a reoxigenação também é um processo de primeira ordem, em


que a taxa de aumento de concentração de oxigênio depende do déficit, como expresso
na equação que segue:

dC OD
= k a ⋅ (C ODsat − C OD ) (19.18)
dt

onde COD é a concentração de OD na água; onde CODsat é a concentração de OD na


condição de saturação; e ka é um coeficiente com unidades de tempo-1.

A mesma equação pode ser expressa em termos de déficit de OD:

dD
= −k a ⋅ D (19.20)
dt

onde D = CODsat – COD.

A reoxigenação ou reaeração depende da turbulência da água. Quanto maior a


velocidade da água, mais turbulento é o escoamento e o coeficiente de reoxigenação ka
pode atingir valores próximos a 10 dia-1. Já quanto maior a profundidade da água,
menor é o coeficiente de reoxigenação, atingindo valores mínimos próximos inferiores
a 1 dia-1.

Diversas fórmulas empíricas foram desenvolvidas relacionando o valor do coeficiente


de reoxigenação (ka) com a velocidade e a profundidade da água em rios (Tabela 19. 2).
Estas fórmulas foram obtidas a partir de dados de rios com características diversas e
sua aplicação deve respeitar as faixas de valores de velocidade e profundidade utilizadas
no seu ajuste.

253
Tabela 19. 2: Equações empíricas para estimative do coeficiente de reoxigenação a partir das características do escoamento (unidades:
ka (dia-1); u (m.s-1); h (m) - fonte: Chapra, 1997).

Autores Equação Faixa de valores considerados no ajuste


da equação
O’Connor e Dobbins u 0,5 0,3 < h < 9,14
k a = 3,93 ⋅ 0,15 < u < 0,49
h1,5
Churchill u 0,61 < h < 3,35
k a = 5,026 ⋅ 1, 67 0,55 < u < 1,52
h
Owens e Gibbs u 0,67 0,12 < h < 0,73
k a = 5,32 ⋅ 1,85 0,03 < u < 0,55
h

Em lagos e reservatórios considera-se que o coeficiente de reoxigenação depende da


profundidade e da velocidade do vento, como mostra a equação que segue (Broecker
et al., 1978 apud Chapra, 1997):

Uw
k a = 0,864 ⋅ (19.21)
h

onde Uw é a velocidade do vento a 10 m da superfície (m.s-1) e h é a profundidade


média do lago ou reservatório (m).

Em transições bruscas como quedas de água ou em vertedores de barragens ocorre


uma rápida reoxigenação da água. A reoxigenação nestes pontos depende da qualidade
da água e das características da queda ou da descarga existente na barragem. Chapra
(1997) descreve uma equação empírica para estimar a razão entre o déficit de OD a
montante e a jusante da transição:

r = 1 + 0.38 ⋅ a ⋅ b ⋅ H ⋅ (1 − 0.11 ⋅ H ) ⋅ (1 + 0.046 ⋅ T ) (19.22)

onde: r é a razão entre o déficit de OD a montante e a jusante da barragem; H é a


diferença do nível da água a montante e a jusante da barragem (metros); T é a
temperatura da água (°C); a é um coeficiente empírico que depende da qualidade de
água; e b é um coeficiente empírico que depende do tipo de barragem.

Valores do coeficiente a variam de 0,65 para água muito poluída até 1,8 para água
limpa. Valores do coeficiente b variam de valores entre 0,8 e 1,0 para quedas naturais
ou vertedores verticais, até valores inferiores a 0,1 para descarregadores de fundo.

O coeficiente de reoxigenação também depende da temperatura, e normalmente se


considera os valores de referencia válidos para a temperatura de 20 oC. Valores de ka
para outras temperaturas podem ser ajustados segundo a equação a seguir:

254
(T − 20 )
k a ,T = k a , 20 ⋅ (1,024 ) (19.23)

onde ka,T é o valor do coeficiente ka corrigido para a temperatura T; ka,20 é o valor de


referência, a uma temperatura de 20 oC; e T é a temperatura em oC.

O modelo de Streeter-Phelps
Um método simplificado para representar matematicamente o processo de
autodepuração de rios foi proposto na década de 1920 por dois pesquisadores
americanos (H. W. Streeter e E. B. Phelps) que analisavam os problemas de qualidade
de água do rio Ohio. Em homenagem a estes autores, o método passou a ser
conhecido como Modelo de Streeter-Phelps.

Embora seja atualmente superado por modelos mais complexos, baseados em


métodos numéricos, o modelo de Streeter-Phelps permite analisar casos simples de
lançamentos de efluentes com concentrações de DBO relativamente altas em um rio e
permite prever conseqüências do lançamento sobre o OD do rio.

Na versão mais simples do modelo de Streeter-Phelps considera-se um rio que recebe

Figura 19. 5: O escoamento em um rio na versão mais simples do modelo Streeter-Phelps pode ser entendido como uma fila de tanques de água que seguem com
uma velocidade constante.

contribuição localizada e constante de um efluente com alto DBO. O rio apresenta


escoamento uniforme e permanente, o que significa que a vazão e a velocidade da água
não variam ao longo do tempo e do espaço. Após a mistura inicial do efluente com a
água do rio, que se considera imediata (equação 19.1), considera-se que a água percorre
o rio sem se misturar mais, isto significa que é desprezada a difusão ou dispersão
turbulenta.

No modelo de Streeter-Phelps o escoamento de água ao longo de um rio pode ser


entendido como uma fila de tanques que se movimentam, sem que a água de um

255
tanque possa se misturar com a água do tanque ao lado, como mostra a Figura 19. 5.
Em cada tanque ocorre decaimento de DBO, consumo de OD e reoxigenação, mas a
água dos tanques não se mistura.

Para cada “tanque” do modelo Streeter-Phelps a variação da concentração de DBO é


descrita pela equação 19.13 e a variação de OD pode ser calculada pela equação
diferencial a seguir:

dC OD
= − k d ⋅ C DBO + k a ⋅ (C OD − sat − C OD ) (19.24)
dt

ou, em termos de déficit de OD em relação à saturação (D), a equação fica:

dD
= kr ⋅ L − ka ⋅ D (19.25)
dt

onde kr é o coeficiente de remoção de DBO (kr=kd+ks); ka é o coeficiente de


reoxigenação; L é a concentração de DBO.

Combinando a equação acima com a equação 19.13, encontra-se uma equação


diferencial cuja solução é dada pela equação 19.26 (Chapra, 1997):

k d ⋅ L0
D = D0 ⋅ e −k a ⋅t +
ka − kr
(
⋅ e −k r ⋅t − e − k a ⋅t ) (19.26)

onde D0 é o déficit de OD no ponto de lançamento.

Considerando que o escoamento é permanente e uniforme no trecho de rio, o tempo e


a distância se relacionam diretamente, isto é x = u . t; e a variável t na equação anterior
pode ser substituída por x/u. Reescrevendo, a equação fica:

−ka ⋅
x
k ⋅L  − k r ⋅ ux −ka ⋅ 
x

D = D0 ⋅ e u
+ d 0 
⋅ e −e u 
(19.27)
ka − kr 
 

onde x é a distância a partir do ponto de lançamento do efluente e u é a velocidade.

A equação 19.27 pode ser utilizada para calcular o déficit de OD em relação à


saturação num ponto qualquer a jusante do lançamento. É importante lembrar que x,
k, t e u devem ser usadas em unidades compatíveis. Por exemplo, as unidades
poderiam ser: x em km; kr , kd e ka em dia-1; t em dias; e u em km.dia-1.

A equação 19.26 pode ser utilizada para encontrar o tempo (e a distância a partir do
ponto de lançamento) em que ocorre o maior déficit. Este tempo, denominado tc,

256
pode ser encontrado derivando a equação 19.26 em relação ao tempo, e igualando a
derivada a zero.

1  k  D ⋅ (k a − k r )  
tc = ⋅ ln  a ⋅ 1 − 0  (19.28)
k a −k r  kr  k d ⋅ L0 

e o déficit crítico, que ocorre em t=tc, pode ser calculado por:

 − ka 
 k − k 
k d ⋅ L0 k  D ⋅ (k a − k r )    a r
Dc = ⋅ a ⋅ 1 − 0  (19.29)
ka  kr  k d ⋅ L0 

As equações 19.28 e 19.29 não podem ser usadas quando COD chega a zero no meio do
trecho. Neste caso o rio está numa condição anaeróbica. O tempo ti em que inicia a
situação anaeróbica é caracterizado pela igualdade D = CODsat. Usando a equação 19.26,
encontrar o valor de ti corresponde a encontrar a raiz da função f(t) dada na equação
19.30, o que pode ser feito numericamente por um método como bissecção ou
Newton, ou usando o Solver do Excel.

kd ⋅ L0
f (t ) = D0 ⋅ e −ka ⋅t +
ka − kr
( )
⋅ e −kr ⋅t − e −ka ⋅t − CODsat (19.30)

A partir de ti até um tempo tf perdura a condição anaeróbica. Neste período a taxa de


decaimento da DBO depende da reoxigenação. Desprezando a sedimentação de DBO
isto significa que:

dL
= − k a ⋅ CODsat (19.31)
dt

Assim, entre os tempos ti e tf, isto é, enquanto dura a situação anaeróbica, a DBO
pode ser calculada por:

L = L0 ⋅ e − kr ⋅ti − k a ⋅ CODsat ⋅ (t − ti ) (19.32)

O tempo tf em que termina a condição anaeróbica ocorre quando a reoxigenação volta


a ficar igual ao consumo potencial de OD, isto é, quando:

k a ⋅ CODsat = k d ⋅ L (19.33)

Combinando as equações 19.32 e 19.33, verifica-se que isto corre quando:

257
1 kd ⋅ L0 ⋅ e − kr ⋅ti − k a ⋅ CODsat
t f = ti + ⋅ (19.34)
kd k a ⋅ CODsat

A partir deste ponto, voltam a valer as equações 19.13 para DBO e 19.26 para OD.

Numa análise baseada com o modelo de Streeter-Phelps é importante considerar as


suas suposições e limitações:

• Escoamento permanente e uniforme.

• Despreza outros tipos de consumo de OD, exceto DBO.

Usos da água e qualidade da água


No Brasil existe a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que
regulamenta classes de uso e de qualidade de água dos rios e outros corpos de água. A
RESOLUÇÃO CONAMA Nº 357, de 17de março de 2005, define classes de acordo
com os usos da água e define qualidade da água mínima para cada uso. As águas doces
são classificadas em cinco grupos: classe especial e classes 1 a 4, descritas brevemente a
seguir.

Os limites de valores de alguns parâmetros de qualidade de água para cada classe são
apresentados na tabela Tabela 19. 3.

Classe especial
São águas destinadas ao abastecimento para o consumo humano, com desinfecção
simples. Também servem para a preservação do equilíbrio natural das comunidades
aquáticas e para a preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação
de proteção integral.

Classe 1
São águas que podem ser destinadas ao à recreação de contato primário, como natação
e vela; à proteção das comunidades aquáticas; à aqüicultura e à atividade de pesca; ao
abastecimento para consumo humano após tratamento convencional ou avançado; e à
irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes
ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película, e à irrigação de parque,
jardins, campos de esportes e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato
direto.

Classe 2
São águas que podem servir ao consumo humano após tratamento convencional;
podem ser destinadas à pesca amadora; e à recreação de contato secundário. Também

258
podem ser usadas para irrigação de hortaliças e plantas frutíferas, e de áreas de lazer,
com as quais o público possa vir a ter contato direto.

Classe 3
São águas que podem ser destinadas ao consumo humano após tratamento
convencional ou avançado; podem servir à irrigação de culturas arbóreas ou cereais; e
podem servir à dessedentação de animais.

Classe 4
São águas que podem ser destinadas à navegação e à harmonia paisagística.

Tabela 19. 3: Valores limites de alguns parâmetros de qualidade de água para diferentes classes, de acordo com a resolução CONAMA
de 2005.

Parâmetros Classes
especial 1 2 3 4
DBO5,20 (mg/l) ≤3 ≤5 ≤ 10 -
Oxigênio Dissolvido (mg/l) ≥6 ≥5 ≥4 ≥2
Nitrogênio Total (mg/l)
Fósforo total (ambiente lêntico) ≤ 0,020 ≤ 0,030 ≤ 0,050 -
(mg/l)
Fósforo total (ambiente lótico) ≤ 0,10 ≤ 0,10 ≤ 0,15 -
(mg/l)
Temperatura (oC)
Coliformes fecais (NMP/100 ml)

Leituras adicionais
Aspectos de qualidade de água não são, normalmente, analisados em livros
introdutórios de Hidrologia. Uma boa opção é o capítulo sobre o Meio Aquático, no
livro Introdução à Engenharia Ambiental (Braga et al., 2005).

Um dos livros mais completos sobre o assunto da qualidade de água, com ênfase à
representação matemática da qualidade da água em rios e lagos, é o livro Surface Water
Quality Modeling, de Steven Chapra (1997).

Em língua portuguesa um livro dedicado a relação entre hidrologia e qualidade de água,


com bastante ênfase em modelos de simulação, é Hidrologia Ambiental, editado pela
ABRH, escrito por vários autores e organizado por Rubem Porto (1991).

259
Exercícios
1) Considere um rio que recebe um afluente poluído, com as características dadas
na tabela abaixo. Verifique se a concentração de OD no rio permanece acima
de 4 mg/l no trecho a jusante da entrada do afluente. Considere que a
temperatura da água do rio e do afluente é de 20oC.

Variável Rio Afluente


Vazão (m3/s) 5,0 0,3
Área molhada (m2) 20
Profundidade (m) 1,5
DBO5,20 (mg/l) 1 30
OD (mg/l) 7 0

2) Considere um rio que recebe um afluente poluído, com as características dadas


na tabela abaixo. Calcule a concentração de OD no rio 20 km a jusante da
entrada do afluente. Considere que a temperatura da água do rio e do afluente
é de 25oC.

Variável Rio Afluente


Vazão (m3/s) 5,0 0,3
Área molhada (m2) 20
Profundidade (m) 1,5
DBO5,20 (mg/l) 1 30
OD (mg/l) 7 0

3) Um frigorífico lança uma vazão de 0,1 m3.s-1 de efluente com uma


concentração de 500 mg.l-1 de DBO em um rio. A vazão de diluição é definida
como a vazão necessária para diluir este efluente até que a concentração final
da mistura seja inferior a um dado limite. Calcule as vazões de diluição para
que a mistura permaneça nas classes 1, 2 e 3 definidas pelo CONAMA.

4) Uma cidade coleta todo o esgoto doméstico, mas não tem estação de
tratamento. Assim, a vazão de esgoto de 0,5 m3.s-1 com uma concentração de
50 mg.l-1 de Nitrogênio Total é lançada em um rio num ponto em que a curva
de permanência é dada pela figura que segue (próximo problema). O órgão
ambiental estadual obrigará a cidade a pagar multas toda vez que a
concentração de Nitrogênio Total no rio ultrapassar o limite de 0,4 mg.l-1.
Considerando que a concentração de Nitrogênio Total no rio a montante da
entrada do esgoto é constante e igual a 0,2 mg.l-1, qual é a porcentagem do
tempo em que o limite será ultrapassado? Considere mistura completa e
imediata das águas do esgoto no rio.

260
5) Uma usina termoelétrica será instalada às margens de um rio, em um local em
que a curva de permanência é apresentada na figura abaixo. A temperatura da
água do rio é de 17oC e uma vazão água utilizada para resfriamento, de 1,3
m3.s-1 será lançada pela usina termelétrica, com temperatura de 43 oC. Qual será
a temperatura final do rio a jusante do lançamento considerando mistura
completa? Considere como referência a Q95.

261
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

21
Aspectos da legislação e gestão dos
recursos hídricos

A escassez da água já atinge cerca de 80 países, envolvendo cerca de 40% da


população do globo, condição que se reflete na produção agrícola, no
desenvolvimento urbano e industrial e, em particular, no acesso das pessoas à
água potável.

Essa escassez tem acentuado os conflitos pelos diversos usos desse bem, tais como:
abastecimento da população, irrigação de lavouras, dessedentação de animais, pesca,
indústria, navegação, geração de energia, lazer, diluição de esgoto, preservação de
ecossistemas, entre outros.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 definiu as águas como bens públicos e


colocou os corpos d’água sob os domínios Federal e Estadual. São Estaduais os rios
que nascem e têm foz em território de um Estado e as águas subterrâneas. Os demais
corpos d’água encontram-se sob o domínio da União (como a legislação diz respeito à
água e não à Bacia Hidrográfica, podem ocorrer casos em que o rio está sob domínio
federa e estadual, como é o caso do Rio Uruguai). Assim, tanto estados brasileiros
como a União vêm desenvolvendo o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos.

Esses Sistemas são fruto da criação de modelos de gestão que abrigam entidades
gerenciais organizadas em torno da Bacia Hidrográfica como unidade ideal de
planejamento, gestão e intervenção. No âmbito da União foi aprovada a Lei 9.433/97,
que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de
Gestão de Recursos Hídricos e, mais recentemente, a Lei 9.984/00 criou a Agência
Nacional de Águas (ANA), que tem como atribuição implementar os instrumentos da
política nacional. No que diz respeito ao Rio Grande do Sul, a Constituição Estadual
de 1989 e a Lei 10.350/94 estabeleceram a gestão das águas sob seu domínio.
A Lei 10.350/94 regulamentou o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH), que
já era contemplado na Constituição Estadual de 1989. Desde então, o SERH vem
sendo implementado nas 23 bacias hidrográficas do Estado (figura 10.1), através da
criação de comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas, e da gradativa
implementação dos instrumentos de planejamento (Planos de Bacia e Plano Estadual)
e gestão (outorga, tarifação e rateio de custos) previstos na legislação. A seguir são
descritos brevemente o SERH e os instrumentos de planejamento e gestão.

Figura 10.1: Bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul


(Fonte: SEMA/RS, 2005)

O Sistema Estadual de Recursos Hídricos


O SERH se fundamenta num modelo de gerenciamento caracterizado pela
descentralização das decisões e pela ampla participação da sociedade organizada em
Comitês de Bacia. Assim, mesmo que o Estado seja o detentor do domínio das águas
(superficiais e subterrâneas) de seu território, conforme determina a Constituição
Federal, ele compartilha a sua gestão com a população envolvida.

Fazem parte do SERH os seguintes departamentos:

2
- Conselho de Recursos Hídricos (CRH);
- Departamento de Recursos Hídricos (DRH);
- Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas (CGBH);
- Agências de Regiões Hidrográficas (ARH);
- Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM).

O Conselho de Recursos Hídricos


O CRH é um órgão colegiado constituído por Secretários de Estado, representantes de
Comitês de Bacias, Sistemas Nacionais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, que
tem o papel de instância deliberativa superior do Sistema. É atualmente presidido pelo
Secretário Estadual do Meio Ambiente.

Os demais órgãos estatais que integram o sistema são: Obras Públicas e Saneamento,
com a vice-presidência do CRH; Agricultura e Abastecimento; Coordenação e
Planejamento; Saúde; Energia, Minas e Comunicações; Ciência e Tecnologia;
Transportes; Casa Civil; e Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos
Internacionais.

São atribuídas ao CRH as seguintes funções:

• Propor alterações na Política Estadual de Recursos Hídricos;


• Opinar sobre qualquer proposta de alteração na Política Estadual de Recursos
Hídricos;
• Apreciar o anteprojeto de Lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos;
• Aprovar relatórios anuais sobre a situação dos recursos hídricos;
• Aprovar critérios de outorga do uso da água;
• Aprovar os regimentos internos dos Comitês de Bacias;
• Decidir os conflitos de uso da água em última instância;
• Representar o Governo Estadual, através do seu Presidente, junto a órgãos federais
e internacionais, em questões relativas a recursos hídricos;
• Elaborar o seu Regimento Interno.

O Departamento de Recursos Hídricos


O DRH é o órgão responsável pela integração do Sistema Estadual de Recursos
Hídricos. É o DRH que concede a outorga do uso da água e subsidia tecnicamente o
CRH.

3
Ao DRH são atribuídas as seguintes funções:

• Elaborar o anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos;


• Coordenar e acompanhar a execução do Plano Estadual de Recursos Hídricos;
• Propor ao Conselho de Recursos Hídricos critérios para a outorga do uso da água e
expedir as respectivas autorizações de uso;
• Regulamentar a operação e uso dos equipamentos e mecanismos de gestão dos
recursos hídricos;
• Elaborar Relatório Anual sobre a situação dos recursos hídricos no Estado;
• Assistir tecnicamente o CRH.

Os Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas


Os CGBH representam a instância básica de participação da sociedade no Sistema.
Tratam-se de colegiados instituídos oficialmente pelo Governo do Estado. Exercem
poder deliberativo, uma vez que é no seu âmbito que são estabelecidas as prioridades
de uso e as intervenções necessárias à gestão das águas de uma bacia hidrográfica, bem
como devem ser dirimidos, em primeira instância, os eventuais conflitos.

Fazem parte do CGBH pessoas que têm diferentes interesses com relação ao bem
água: os usuários (são as pessoas que têm interesse “utilitário-econômico-social”); a
população (tem interesses difusos, vinculados ao desenvolvimento sócio-econômico,
aspectos culturais ou políticos e proteção ambiental); o poder público (detentor do
domínio das águas).

A Lei 10.350, de 30 de dezembro de 1994, estabelece a proporção de


representatividade nos comitê. Segundo a referida Lei, os CGBH devem ser formados
por 40% de representantes dos usuários da água, 40% dos representantes da população
e 20% dos representantes de órgãos públicos da administração direta estadual e federal.

Ao CGBH cabem as seguintes atribuições:

• Encaminhar ao DRH proposta relativa à própria bacia para ser incluída no


anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos;
• Conhecer e manifestar-se sobre o anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos
Hídricos;
• Aprovar o Plano da respectiva bacia e acompanhar a sua implementação;
• Apreciar o relatório anual sobre a situação dos recursos hídricos, no Estado;
• Propor ao órgão competente o enquadramento dos corpos de água da bacia;
• Aprovar os valores a serem cobrados pelo uso da água;

4
• Realizar o rateio do custo das obras a serem executadas na bacia;
• Aprovar os programas anuais e plurianuais de investimentos em serviços e obras da
bacia;
• Compatibilizar os interesses dos diferentes usuários e resolver eventuais conflitos
em primeira instância.

As Agências de Regiões Hidrográficas


O CRH dividiu o Estado, para efeito de gerenciamento de Bacia Hidrográfica, em três
regiões hidrográficas: a da Bacia do Uruguai, a da Bacia do Guaíba e a das Bacias
Litorâneas (figura 10.2). Cada uma dessas regiões hidrográficas conta com uma ARH.

À ARH cabe assessorar tecnicamente os CGBH na elaboração de propostas relativas


ao Plano Estadual de Recursos Hídricos, no preparo dos Planos de Bacia e na tomada
de decisões que demandem estudos técnicos. A ARH também pode auxiliar os CGBH
no enquadramento dos corpos d’água, operar os mecanismos de gestão, arrecadar e
aplicar os valores correspondentes à cobrança pelo uso da água.

Figura 10.2 - Agências de Regiões Hidrográficas


(Fonte: SEMA/RS, 2005)

5
Fundação Estadual de Proteção Ambiental
A FEPAM é o órgão ambiental do Estado que integra o Sistema Estadual de Recursos
Hídricos com o Sistema Estadual de Meio Ambiente. Cabe à FEPAM a concessão de
outorga quando se trata de um uso d’água que afeta as condições qualitativas dos
recursos hídricos.

Compete também à FEPAM a aprovação do enquadramento dos corpos de água, de


acordo com os objetivos de qualidade, com base na proposta elaborada pelos comitês
de bacias.

Instrumentos de Planejamento
Enquadramento
O enquadramento as águas brasileiras em classes de uso foi estabelecido pela
Resolução nº 020/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Assim,
para as águas doces foram definidas cinco classes: especial e de 1 a 4. Para as águas
salobras e salinas foram definidas duas classes: 5 e 6; e 7 e 8, respectivamente. Uma vez
que estabelece o nível de qualidade a ser alcançado e/ou mantido em um determinado
segmento de um corpo de água, ao longo do tempo, o enquadramento é considerado
um instrumento de planejamento do meio ambiente.

No Rio Grande do Sul o enquadramento é feito através de um processo de discussão


com os usuários e a população de uma dada bacia hidrográfica, no âmbito do CGBH
podendo contar também com o auxílio da ARH.

O enquadramento também pode ser considerado como um Instrumento de


Planejamento estratégico, visto que podem ser estabelecidas metas de enquadramento
de um corpo hídrico a longo prazo.

Plano de Bacia Hidrográfica


Os Planos de Bacia Hidrográfica (PBH) são elaborados pelas ARH e sujeitos à
aprovação dos CGBH. Os PBH têm por finalidade operacionalizar, no âmbito, de
cada bacia hidrográfica, por um período de 4 anos, com atualizações periódicas a cada
2 anos, as disposições do Plano Estadual de Recursos Hídricos.

O PBH deve compatibilizar os aspectos quantitativos e qualitativos, de modo a


assegurar que as metas e usos previstos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos
sejam alcançados simultaneamente com melhorias sensíveis e contínuas dos aspectos
qualitativos dos corpos de água.

6
Dentro do PBH devem ser contemplados os programas de intervenções estruturais e
não-estruturais e sua distribuição espacial., bem como o esquema de financiamento
desses programas.

Plano Estadual de Recursos Hídricos


O Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) tem abrangência estadual com
detalhamento por Bacia Hidrográfica. O PERH é elaborado com base nas propostas
encaminhadas pelos CGBH o pode considerar ainda: propostas individuais ou
coletivas dos usuários da água; planos setoriais ou regionais de desenvolvimento;
tratados internacionais; estudos, pesquisas, entre outros.

No Plano Estadual de Recursos Hídricos, são apresentados os seguintes elementos:


metas especificadas na Política Estadual de Recursos Hídricos, a serem atingidas em
prazos determinados; inventário da disponibilidade hídrica; inventário dos usos e
conflitos; projeções de usos, disponibilidades e conflitos potenciais; definição e análise
de áreas críticas, atuais e potenciais; diretrizes para outorga do uso da água; diretrizes
para cobrança; e limite mínimo para a fixação de valores a serem cobrados.
O PERH contempla os programas de desenvolvimento nos municípios e considera a
variável ambiental, mediante a incorporação de Estudos de Impacto Ambiental e
correspondentes Relatórios de Impacto Ambiental, no âmbito do planejamento de
cada bacia hidrográfica.

Instrumentos de Gestão
A Outorga de Uso
A outorga consiste no “consentimento, concessão, aprovação” do direito de uso da
água. Ela representa um instrumento, através do qual o Poder Público autoriza,
concede ou ainda permite ao usuário fazer o uso deste bem público. É através deste
que o Estado exerce, efetivamente, o domínio das águas preconizado pela Constituição
Federal. É através da outorga que é regulando o compartilhamento entre os diversos
usuários, visto que o principal objetivo da outorga é assegurar o controle qualitativo e
quantitativo dos usos da água.

A Lei 10.350, de 30 de dezembro de 1994, em seu artigo 29, explica que qualquer
empreendimento ou atividade que alterar as condições quantitativas e/ou qualitativas
das águas, superficiais ou subterrâneas, tendo como base o Plano Estadual de Recursos
Hídricos e os Planos de Bacia Hidrográfica, dependerá de outorga. Caberá ao
Departamento de Recursos Hídricos a emissão de outorga para os usos que alterem as
condições quantitativas das águas.

7
O Decreto nº 37.033, de 21 de novembro de 1996, regulamentou este instrumento,
estabelecendo os critérios para a concessão, "licença de uso" e "autorização", bem
como para a dispensa. O Decreto nº 42.047, de 26 de dezembro de 2002, regulamenta
disposições da Lei nº 10.350, de 30 de dezembro de 1994, com alterações, relativas ao
gerenciamento e à conservação das águas subterrâneas e dos aqüíferos no Estado do
Rio Grande do Sul.

De forma geral, estão sujeitos à outorga os seguintes usos dos recursos hídricos:

I) derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo d’água para


consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo produtivo;
II) extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final de processo
produtivo;
III) lançamento em corpo d’água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos,
tratados ou não, com fim de sua diluição, transporte, ou disposição final;
IV) aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V) outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em
um corpo d’água.
No site da SEMA/RS (www.sema.rs.gov.br) é possível encontrar os formulários e
termos de referência para as diferentes modalidades de autorização prévia e outorga.
Encontram-se disponíveis formulários para águas subterrâneas (autorização,
regularização e outorga) e superficial (regularização e reserva de disponibilidade).

A Cobrança pelo Uso


A cobrança pelo uso do recurso hídrico tem alguns objetivos como reconhecer a água
como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, incentivar a
racionalização do uso da água, e obter recursos financeiros para o financiamento dos
programas e intervenções contemplados no Plano de Bacia Hidrográfica.

A cobrança pelo uso da água fica sujeita à outorga, pois não pode haver cobrança de
atividades e obras clandestinas ou cujos usos não tenham sido outorgados. A utilização
a cobrança é uma forma de aplicação do princípio usuário-poluidor-pagador, uma vez
que o poluidor, deve assumir os custos de poluição.

O valor da cobrança é estabelecido nos Planos de Bacia Hidrográfica, obedecendo as


seguintes diretrizes gerais:

I) na cobrança pela derivação da água são considerados: o uso a que a derivação se


destina, o volume captado e seu regime de variação, o consumo efetivo, a classe de uso
preponderante em que estiver enquadrado o corpo de água onde se localiza a captação.

II) na cobrança pelo lançamento de efluentes de qualquer espécie, são considerados: a


natureza da atividade geradora do efluente, a carga lançada e seu regime de variação,

8
sendo ponderados na sua caracterização, parâmetros físicos, químicos, biológicos e
toxicidade dos efluentes, a classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o
corpo de água receptor, o regime e variação quantitativa e qualitativa do corpo de água
receptor.

Os valores arrecadados na cobrança pelo uso da água são destinados a aplicações


exclusivas (intervenções estruturais e não-estruturais) e não transferíveis na gestão dos
recursos hídricos da bacia hidrográfica de origem.

9
Bibliografia

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