You are on page 1of 5

SUBSTÂNCIAS

Mariétte Sueli Baggio Brandão


Embrapa Meio Ambiente
Ph.D. em Química pela Universidade
de Leeds, Inglaterra, onde recebeu o
prêmio J.B. Cohen de 1996/1997 pela
melhor tese de doutorado na escola de

TENSOATIVAS
química daquele ano e devido a
importante contribuição ao conheci-
mento na área de físico-química.

PESQUISA

Os fenômenos de autoconstrução e auto-organização de substâncias tensoativas e sua importância na agricultura e em biotecnologia

ubstâncias tensoativas são in- xos) os quais se autoconstruam e se auto- processos fermentativos. Isto porque es-
gredientes importantes em organizem em fluidos funcionais previa- sas substâncias são ingredientes importan-
muitos produtos industriali- mente projetados, possibilitando o apare- tes em diversos tipos de formulação (pó
zados e possuem um papel cimento de novas aplicações tecnológicas. molhável, concentrado emulsionável, sus-
de destaque em vários pro- O termo fluido complexo aqui utilizado pensão concentrada, emulsões do tipo
cessos industriais. Além de abrange, além de soluções de tensoativos óleo em água ou água em óleo, microe-
sua presença em produtos de limpeza com estados altamente estruturados (mo- mulsões, entre outros), uma vez que inter-
(detergentes, sabões, amaciantes de rou- nocamadas, micelas, microemulsões, cris- ferem em propriedades físico-químicas
pa, entre outros) e de higiene pessoal tais líquidos liotrópicos, membranas ou importantes do ponto de vista de armaze-
(shampoo, sabonete, pasta de dente, etc.), vesículas), também soluções de polímeros namento e aplicação do produto como:
tensoativos naturais ou sintetizados pelo de polieletrólitos ( proteínas e ácidos nu- molhabilidade, suspensibilidade, capaci-
homem encontram uso em quase todos os cleicos), cristais líquidos termotrópicos dade de emulsificação, etc. Os tensoativos
ramos da produção industrial, como por interferem também em propriedades bio-
exemplo: indústrias de alimentos, quími- lógicas quando um microrganismo e/ou
cas, têxteis, de corantes, de tintas, de seus metabólitos são utilizados como in-
fibras, de processamento mineral, de plás-
Figura 1. A gredientes ativos. Por exemplo, uma asso-
Representação
ticos, de produtos farmacêuticos e de esquemática de ciação química entre o tensoativo e a
agroquímicos. Substâncias tensoativas são micelas do tipo: membrana do defensivo biológico deve
também vitais em muitos sistemas biológi- a) esféricas, ocorrer para que o organismo apresente
cos. Por exemplo, tensoativos conhecidos b) cilíndricas e uma maior molhabilidade em água. Po-
como lipídeos formam o principal compo- c) discóticas. rém, essa associação química pode causar
nente das membranas celulares, as quais incompatibilidade e perda de viabilidade
devem a estes a sua estrutura. ou capacidade antagônica do microrganis-
Estudos de autoconstrução e auto-or- B mo. No trabalho de Angus e Luthy (1971)
ganização de moléculas tensoativas são são apresentadas revisões bibliográficas a
importantes tanto do ponto de vista teóri- respeito da compatibilidade de diversos
co quanto prático, uma vez que os modos microrganismos: vírus, fungos e bactérias,
de ação dessas substâncias dependem dos frente a diferentes tensoativos em testes de
seus estados de agregação, em várias situ- C laboratório e de campo. Diversos auto-
ações práticas, tais como: em detergência, res, destacando-se o trabalho de Rode e
emulsificação, na recuperação de petró- Foster (1960) demonstraram que tensoa-
leo, em biologia celular, entre outros. A (tanto de baixo peso molecular quanto tivos catiônicos e aniônicos afetam de
busca da compreensão do fenômeno de variedades poliméricas) e dispersões co- maneira negativa a viabilidade de diversos
autoconstrução e auto-organização de loidais. Todos os materiais anteriormente microrganismos, enquanto estes últimos
substâncias tensoativas por meio de estu- citados constituem fluidos complexos, mostram-se indiferentes à presença de
dos a respeito do comportamento de fase, uma vez que apresentam uma estrutura tensoativos não-iônicos.
estrutura e dinâmica dessas substâncias não rígida, mas sim dinâmica, isto é, uma O objetivo deste trabalho é fornecer
tem sido objeto de estudo de diversos estrutura que evolui com o tempo ( Boden, uma revisão a respeito do comportamento
autores (Kunze et al., 1997; van der Linden 1994 e 1990). de fase, estrutura e dinâmica dos princi-
et al., 1996; Bergenholtz e Wagner, 1996; Nas áreas agrícola e de biotecnologia, pais tipos de substâncias tensoativas usu-
Oberdisse et al., 1996; Jóhannesson et al., a compreensão dos fenômenos de auto almente encontradas no mercado. Enfo-
1996; Fröba e Kalus, 1995; Petrov et al.,1995; construção e auto-organização de subs- que especial será dado à importância da
Boden et al.,1995; Boden, 1994; Diat and tâncias tensoativas é fundamental para a geometria molecular e das interações intra
Roux, 1993; Sein et al., 1993) nos últimos obtenção de, por exemplo, formulações e intermoleculares no processo de auto-
anos. Esses estudos abrem perspectivas adequadas de princípios ativos à base de organização e auto-associação de molécu-
que permitem o desenho e a síntese de produtos naturais, quer de origem vegetal, las anfifílicas, fatores responsáveis pela
novos materiais (novos fluidos comple- quer de origem microbiana, obtidos de origem de uma grande variedade de estru-

30 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento


turas dessas moléculas em soluções aquo- Tabela 1: Exemplos de algumas substâncias tensoativas.
sas, de potencial interesse tecnológico.
Entre essas estruturas, especial atenção Tensoativos de cadeia simples
será dada às perspectivas de uso de vesí-
culas anfifílicas nas áreas agrícola e de
carga fórmula nome
- +
biotecnologia, entre outras. aniônico C12H25  OSO3 Na Docecilsulfato de sódio (SDS)
- +
Sabões convencionais e substâncias aniônico C7F15  COO NH4 Pentadecafluorooctanoato de amônia
tensoativas do tipo sabão, como todas as + -
catiônico C12H25  N (CH3)3Cl Cloreto de dodeciltrimetilamônio
moléculas anfifílicas, consistem tipicamente + -
de uma porção hidrofílica polar (iônica ou catiônico C16H33  N (CH3)3Br Brometo de hexadeciltrimetilamônio
não-iônica), conhecida como “cabeça po- Não-iônico C12H25  (OCH2CH2)5OH Dodeciléter de pentaoxietileno
lar”, ligada a uma cadeia hidrocarbônica
hidrofóbica. Algumas substâncias anfifíli- Fosfolipídios de cadeias duplas
cas utilizadas como tensoativos estão indi-
cadas na tabela 1. Essas características
“opostas” associadas a uma mesma molé-
cula conduzem a um fenômeno de auto
construção das moléculas em soluções
aquosas diluídas, de maneira a blindar a
porção hidrofóbica do meio aquoso ao
mesmo tempo que expõe a porção polar
hidrofilica à água.
A formação de agregados por molécu-
las anfifílicas, tais como tensoativos em um
meio aquoso, é favorecida pelo efeito
hidrofóbico, enquanto várias outras inte-
rações se opõem a isso, o que gera o
conceito de forças opostas (Tanford, 1980;
Israelachvili, 1992), que agem principal-
mente na região interfacial ( interface
água-cadeia hidrocarbônica) do agrega-
do. Uma força - o efeito hidrofóbico -
tende a diminuir a área interfacial por
molécula (a área da cabeça polar) e a outra
força tende a aumentar essa área (sendo
esta última muito mais complicada já que
resulta de vários tipos de interações, inclu-
indo repulsão de hidratação, repulsão ele-
cabeça polar Cadeia hidrocarbônica nome do fosfolipídio
trostática entre cabeças polares e intera-
ções de impedimento estérico entre as
+
porções polares ou hidrocarbônicas da zwiteriônico  (CH2)2N (CH3)3 diC14: dimeristoil Fosfatidilcolina (lecitina)
molécula). Esse conceito sugere que há, +
zwiteriônico  (CH2)2NH3 diC12: dilauroil Fosfatidiletanolamina
nas condições de equilíbrio termodinâmi-
co, uma área superficial ótima ao, em que Outros tensoativos de cadeia dupla
a energia de interação por molécula aniônico C4H9 CH(C2H5)CH2COOCH2
- +
anfifílica atinge um mínimo. Assumindo- C4H9 CH(C2H5)CH2COOCHSO3 Na Aerosol OT
se que cadeias hidrocarbônicas compor-
catiônico C16H33
tam-se como fluidos incompressíveis (ou + -
seja, que seu volume v é constante a uma N (CH3)2Br Brometo de
temperatura fixa), então é possível se C16H33 dihexadecildimetilamônio
definir um parâmetro adimensional deno-
minado “parâmetro de empacotamento
crítico” como v/a0lc, onde lc é o compri- das em água, inicialmente tendem a for- peratura, pH, salinidade, entre outras).
mento efetivo máximo da cadeia, também mar pequenos agregados denominados Essas estruturas são freqüentemente for-
conhecido como comprimento crítico. Uma micelas, acima de uma certa temperatura madas pela mesma molécula anfifilica,
vez especificado o valor desse parâmetro (ponto “Krafft”), e concentração (concen- sendo que uma transição de uma forma
para uma dada molécula anfifílica, é tração micelar crítica, cmc). Esses agrega- para outra é muitas vezes induzida por
possível se determinar os tipos de agrega- dos podem assumir diferentes formas, tais uma simples mudança na concentração do
dos nos quais ela poderá se organizar. A como: esférica, cilíndrica (também deno- tensoativo em solução. Com o crescente
tabela 2 ilustra as estruturas usualmente minada bastonete) ou discótica (vide aumento da concentração de tensoativo
formadas por sabões, detergentes e fosfo- figura 1). A topologia dos agregados de- em solução, as micelas formadas tendem a
lipídeos para vários valores de parâmetros pende, além da natureza da molécula se auto-organizarem, dando origem a dife-
de empacotamento críticos. anfifílica (conforme ilustra a tabela 2), das rentes fases líquido-cristalinas (também
Substâncias tensoativas, quando diluí- condições da solução (concentração, tem- denominadas mesofases). Um aumento da

Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 31


também podem ser
Tabela 2. Formas de empacotamento possíveis para moléculas de substâncias tensoativas em função de diferen- obtidas. Uma vesícu-
tes valores do parâmetro de empacotamento crítico. Adaptado de Israelachvili, 1992. la unilamelar clássica
Tensoativo Parâmetro de Forma do Estruturas formadas é formada quando
uma única bicamada
empacotamento empacotamento lipídica forma uma es-
Crítico (v/a01c) Crítico trutura mais ou me-
nos esférica comple-
Tensoativos de cadeia simples com Cone Micelas esféricas tamente fechada,
áreas de cabeça polar grandes conforme indica a fi-
< 1/3 gura 3b. Um diagra-
(ex.: SDS em presença de baixos teores
ma de fase típico ob-
de sal)
servado para molé-
Tensoativos de cadeia simples com Cone truncado Micelas cilíndricas culas anfifílicas zwit-
áreas de cabeça polar pequenas teriônicas de cadeia
1/3-1/2 dupla, tais como os
(ex.: SDS em presença de altos teores fosfolipídios, está
de sal) ilustrado na figura 4.
No caso, essa figura
Tensoativos de cadeias duplas com Cone truncado Bicamadas flexíveis, vesículas representa o diagra-
áreas de cabeça polar grandes 1/2-1 ma de fase parcial ob-
(ex.: fosfatidilcolina) tido para o sistema
dimeristoilfosfatidil-
Tensoativos de cadeias duplas com Cilindro Bicamadas planares colina/água (DMPC/
áreas de cabeça polar pequenas ≈1 água). A partir dessa
(ex.: fosfatidiletanolamina) figura, observa-se
que a altas concen-
Tensoativos de cadeias duplas com Cone truncado invertido Micelas inversas trações de DMPC,
áreas de cabeça polar pequenas uma fase lamelar pura
>1 - Lα - é formada, na
(ex.: fosfatidiletanolamina) qual as cadeias hi-
drocarbônicas ado-
tam uma conforma-
concentração de tensoativo no sistema compostos de bicamadas esferoidais con- ção fluida (semelhante a um líquido). À
sabão convencional/água conduz a um cêntricas e coerentes (vide figura 3a). medida que se aumenta o conteúdo de
diagrama de fase essencialmente univer- Quando tais estruturas são obtidas por água no sistema, mais água é incorporada
sal, o qual é ilustrado esquematicamente meio de moléculas anfifílicas sintéticas, entre as lamelas a fim de reduzir a repulsão
na figura 2, em termos de temperatura (T) usualmente elas são denominadas de “ve- entre as porções polares das bicamadas.
em função de fração de volume de tenso- sículas multilamelares” ou “estruturas do Esse entumescimento continua até que as
ativo (φA). Esse diagrama de fase genérico tipo cebola”. Além de sistemas vesicula- bicamadas lipídicas atinjam uma certa dis-
independe da estrutura da cabeça polar da res multilamelares, vesículas unilamelares tância entre si, que permite a ocorrência de
molécula. Mesofases com ordem um balanço entre suas forças atrati-
translacional unidimensional (la- vas e repulsivas. Além do chamado
melar), bidimensional (hexagonal “limite de hidratação”, o excesso de
ou retangular) e tridimensional (cú- água introduzido no sistema não pode
bica) são formadas, porém fases mais ser incorporado entre as cama-
nemáticas estão ausentes. A caracte- das lamelares e uma solução isotrópi-
rística dominante é que a transição ca se forma ( a qual contém o excesso
de uma mesofase para a próxima de água introduzido no sistema) em
está associada a uma mudança dra- equilíbrio com a fase lamelar, dando
mática na topologia do agregado, origem a uma região bifásica no
conforme indica a figura 2. sistema, aqui representada por: Lα +
Diferentemente do que ocorre água . A presença de uma região
com os sabões convencionais, quan- bifásica - solução isotrópica/fase la-
do fosfolipídios (ou outros tensoati- melar - em uma grande faixa de
vos iônicos de cadeia hidrocarbôni- concentração e temperatura , é carac-
ca dupla) são misturados com água, terística dessas substâncias anfifilicas
estruturas lamelares organizadas são (fosfolipídios), onde a geometria do
formadas - muitas vezes denomina- agregado é controlada por conside-
das “figuras de mielina” - mesmo a rações sobre seu empacotamento e a
Figura 2. Diagrama de fase esquemático
baixas concentrações de tensoativo em transição para uma fase lamelar pura é
(Fração de volume de tensoativo φA
água. Os lipossomas de Bangham são uma determinada por interações interagrega-
versus Temperatura T) para um
forma particular de figuras de mielina, a dos. Conforme indicado na figura 4, fos-
tensoativo do tipo sabão em água.
qual corresponde a sistemas fechados folipídios como DMPC formam vesículas

32 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento


na região bifásica (Lα + água) quando a atacados por anticorpos anti-lipídios, li- cação ou dispersão de uma fase lamelar Lα
fase lamelar clássica Lα é dispersa na gantes para drogas, substratos para testar numa solução isotrópica diluída de tenso-
solução isotrópica diluída de DMPC. Ain- canais iônicos, sistemas para liberação de ativo, são aplicados para originar essas
da se considerando o diagrama de fase do drogas na área médica ou veterinária estruturas em solução, tais como o método
sistema DMPC/água, observa-se que uma (Carmona-Ribeiro, 1992). de injeção ( Lasic, 1988; Carmona e Chai-
estrutura lamelar com cadeias hidrocarbô- A partir de 1976, sistemas compostos movich, 1983) e o método e depleção de
nicas mais rígidas (com uma conformação detergente ( Lasic, 1988; Nozaki et al.,
c
do tipo sólida), denominada Lβ , ocorre a 1982). A formação espontânea de estrutu-
baixas temperaturas e altas concentrações ras vesiculares é também relatada na
de DMPC . Essa estrutura é muitas vezes literatura por diversos autores ( Talmon,
denominada gel, a qual tem uma organiza- 1983; Ninham et al., 1983; Hoffmann et al.,
ção de bicamadas lipídicas paralelas entre 1992) para certos lipídios biológicos, bem
si, onde as cadeias hidrocarbônicas se como para tensoativos sintéticos e suas
encontram completamente estendidas, misturas. De acordo com Talmon (1983) e
porém inclinadas com relação ao plano A B Ninham et al.(1983), o tensoativo sintético
normal da bicamada, mas empacotadas com cabeça polar carregada – hidróxido
em um retículo quase hexagonal distorci- Figura 3. Ilustração esquemática de: de didodecildimetilamônio – organiza-se
c
do. A estrutura Pβ , indicada na figura 4, a) uma vesícula multilamelar e espontaneamente em vesículas unilamela-
consiste de lamelas (formadas por bicama- b) uma vesícula unilamelar. res termodinamicamente estáveis em água,
das lipídicas) distorcidas por uma ondula- as quais são monodispersas e pequenas
ção periódica no plano das lamelas, onde de moléculas anfifílicas sintéticas iônicas com um diâmetro médio de 300 Å. Atribui-
as cadeias hidrocarbônicas são rígidas e com cadeias hidrocarbônicas duplas e lon- se a espontaneidade à formação de vesí-
inclinadas porém parecem estar empaco- gas, que imitam membranas, foram pro- culas por este último-tensoativo, ao fato de
tadas em um retículo hexagonal regular, postos dando origem a vesículas anfifílicas que seus grupos OH encontram-se extre-
de acordo com Turnbull (1990). sintéticas. De acordo com suas dimensões mamente solvatados, dando origem a gran-
Uma característica interessante dos fos- as vesículas podem ser classificadas como: des áreas de cabeça polar em comparação
folipídios, que merece atenção, é que ao a) pequenas: cujo tamanho varia de 0,02 a com outros grupos, como brometo ou
se reduzir o comprimento da cadeia cloreto, e isso favorece a curvatura da
hidrocarbônica de tais moléculas, es- bicamada e conduz à formação de
truturas vesiculares estáveis passam a vesículas. Kaler et al.(1989) relataram
não ser mais obtidas no sistema. No a ocorrência de formação espontâ-
seu lugar, micelas cilíndricas ou esfé- nea de vesículas em misturas aquo-
ricas passam a ser as estruturas prefe- sas de tensoativos de cadeias simples
ridas, conforme observado, para leci- aniônicos e catiônicos ( por exem-
tinas de cadeia dupla com 12 ou plo: dodecilbenzenosulfonato de só-
menos átomos de carbono por ca- dio e tosilato de cetiltrimetilamônio).
deia. Isso pode ser racionalizado em Acredita-se que a estabilidade de tais
termos do efeito da cadeia hidrocar- estruturas, nesse caso, é causada por
bônica no “modulus de curvatura” da uma diferença na razão de mistura
estrutura da bicamada ( Israelachvili, dos dois surfactantes em cada mono-
1992). Por exemplo, as micelas para o camada da bicamada lipídica, o que
sistema binário C8-lecitina/água fo- proporciona um modo de controlar a
ram identificadas como sendo do tipo curvatura dessa bicamada de maneira
cilíndrico por Tausk et al. (1974), e foi que a fase vesicular tenha uma menor
observada a ocorrência de uma sepa- energia livre que a fase lamelar
ração de fase líquido-líquido (muitas (Safran et al., 1990).
vezes denominada ponto de névoa - Um exemplo interessante do uso
“cloud-point”) exibindo um ponto de tensoativos estruturados na forma
crítico superior, ao ser construído o de vesículas é encontrado na área de
diagrama de fase deste sistema. pesquisa de pesticidas. A pressão de gru-
Figura 4. Diagrama de fase parcial
Grande número de pesquisadores tem- pos de ecólogos em prol do ambiente em
do sistema dimeristoilfosfatidilcolina/
se dedicado ao estudo das propriedades que vivemos tem demandado a remoção
água (DMPC/água). Adaptado de
físico-químicas de lipossomos desde a sua de alguns solventes prejudiciais à saúde
Janiak et al. (1979) e Turnbull
descoberta em 1965 (Bangham, 1983). humana e ao ambiente de certas formula-
(1990).
Desde aquela data até os dias de hoje, o ções de alguns pesticidas (sobretudo aque-
desenvolvimento e a diversificação de las do tipo concentrado emulsionável).
modelos de membrana a partir de liposso- 0,1 µm, b) grandes : com diâmetro varian- Porém, muitas formulações convencio-
mos têm sido fascinantes. Eles têm sido do de 0,1 a 1 µm e c) gigantes: com nais à base de água para princípios ativos
utilizados como membranas- modelo para diâmetro de até 50 µm (Lasic, 1988). A insolúveis ou pouco solúveis nesse meio,
ação anestésica, “leitos- teste” para enzi- ocorrência de vesículas grandes é relatada têm se mostrado ineficientes, exibindo
mas de membranas, carregadores de mate- na literatura para uma grande variedade de baixa atividade, tempo de armazenamento
riais encapsulados para o interior de célu- substâncias tensoativas; contudo, usual- não adequado para fins de comercializa-
las, como barreiras contra invasões de mente, métodos mais sofisticados que o ção dos produtos (vida de prateleira ruim)
vírus e bactérias, antígenos para serem método convencional, baseado na sonifi- e/ou alta viscosidade. Para contornar

Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 33


esses problemas, uma formulação à base ty Reviews, 21(3), 209-214. B.E.; Zasadzinski, J.A.N.(1989). Spontaneous
de tensoativos estruturados é citada na Carmona-Ribeiro, A.M. e Chaimovich, Vesicle Formation in Aqueous Mixtures of
literatura ( Newton et al., 1993), e consiste H. (1983). Preparation and Characterization Single-Tailed Surfactants, Science,
em uma suspensão de um pesticida sólido of Large Dioctadecyldimethylammonium 245,1371-1374.
insolúvel em uma solução aquosa que Chloride Liposomes and Comparison with Kunze, B.; Kalus, J.; Boden, N.; Bran-
contenha um tensoativo estruturado. Nesse Small Sonicated Vesicles, Biochimica and dão, M.S.B. (1997). Transition from rod- to
tipo de formulação, estão presentes vesícu- Biphysica Acta, 733 , 172-179. disk-like micelles in APFO/D2O/NH4Cl sys-
las multilamelares (algumas vezes também Diat, O. and Roux, D. (1993). Preparati- tems studied by SANS and SAXS, Physica
denominadas de esferulitos) (vide figura on of monodisperse multilayer vesicles of B, 234-236, 351-352.
5). De acordo com Newton et al. (1993), as controlled size and high encapsulation ra- Lasic, D.D.(1988). The mechanism of
partículas de pesticidas estão suspensas tio; J. Phys. II France 3 , 9-14. vesicle formation., Biochem. J., 256, 1-10.
entre os esferulitos (vide figura 5) e são Fröba, G. e Kalus, J. (1995). The structu- Newton, J.E.; Sholl, J.; Pessala, B.; Case-
assim impedidas de sedimentar. Desde que re of the isotropic, nematic and lamellar ley, J.(1993). Pesticide Science, 37, 208.
os esferulitos (ou vesículas) são deformá- phase of a solution of Tetramethylammo- Ninham, B.W.; Evans, D.F.; Wei,
veis, a formulação escoa facilmente. Por- niumperfluoorononanoat in D2O; J. Chem. G.J.(1983). The Curious World of Hydroxi-
tanto, formulações à base de tensoativos Phys., 99 (39), 14450-14467. de Surfactants. Spontaneous vesicles and
estruturados têm propriedades reológicas Anomalous Micelles. J. Phys. Chem., 87,
excepcionais, combinando baixa viscosi- 5020-5025.
dade com boa estabilidade e longa vida de Nozaki , Y.; Lasic, D.D.; Tanford, C.;
prateleira. Quando possível, os tensoativos Reynolds, J.A. (1982).Science, 217, 366-
são escolhidos para aumentar a molhabili- 367.
dade e penetração dos pesticidas nos seus Oberdisse, J.; Couve, C.; Appel, J.; Ber-
alvos, assim melhorando sobremaneira sua ret, J.F.; Ligoure, C.; Porte, G. (1996), Vesi-
atividade biológica. Formulações à base de cles and onions from Charged Surfactant
tensoativos estruturados são aplicáveis a Bilayers: A neutron Scattering Study,
uma grande variedade de herbicidas, fun- Langmuir, 12, 1212-1218.
gicidas e inseticidas. Petrov, P.; Miklavcic, S.; Olsson, U.;
Wennerström, H. (1995). A Confined Com-
Agradecimentos: plex Liquid Oscilatory Forces and Lamellae
Formation from an L3 phase.
A autora deste trabalho agradece a Langmuir, 11, 3928-3936.
bolsa de estudos, modalidade: Doutorado Rode, L.J. e Foster, J.W. (1960). “The
no Exterior, concedida pelo CNPq (Sub Action of Surfactants in Bacterial Spores”,
programa Biotecnologia-RHAE), que per- Archiv. fur Mikrobiologie, 36 , 67-94 .
mitiu a pesquisa que deu origem a este Safran, S.A.; Pincus, P.; Andelman,
artigo. D.(1990). Theory of Spontaneous Vesicle
Formation in Surfactant Mixtures, Science,
Referências bibliográficas: 248, 354-356 .
Sein, A. e Engberts, J.B.F.N. (1993). Salt-
Angus, T.A. e Luthy, P. (1971). “Formu- induced Transition from a Micellar to a
lation of Microbial Inseticides”, in Burges Lamellar Liquid Crystalline Phase in Dilute
and Hussey eds., Microbial Control of Figura 5. (a) esferulito, (b) formula- Mixtures of Anionic and Nonionic
Insects and Mites, London Academic ção contendo um tensoativo estrutu- Surfactants in Aqueous Solution, Lang-
Press Inc., p.623-639. rado (adaptado de Newton et muir, 9, 1714-1720.
Bangham, A.D. ed. (1983). “Lipossome al.,1993). Talmon, Y.; Evans, D.F.; Ninham,
Letters” , Academic Press, London. B.W.(1983). Spontaneous Vesicles Formed
Bergenholtz, J. e Wagner, N. J. (1996). Hoffmann, H.; Thunig, C.; Munkert , U.; from Hydroxide Surfactants: Evidence from
Formation of AOT/Brine Multilamellar Ve- Meyer, H.W.; Richter, W. (1992). From vesi- Electron Microscopy, Science, 221, 1047-
sicles. cles to the L3 (sponge) phase in Alkyldime- 1048.
Langmuir,12, 3122-3126. thylaminoxide-Heptanol Systems, Langmuir, Tanford, C. (1980). The Hydrophobic
nd
Boden, N. (1990). “Self-assembly and 8(11), 2629. Effect”, 2 ed., Wiley, New York, capítulo
self-organization in fluids”, Chemistry in Israelachvili, J. N. (1992).
nd “Intermolecu- 7.
Britain, 345-348. lar and Surface Forces”, 2 ed. Academic Tausk, R.J.M.; Oudshoorn, C.; Overbe-
Boden, N.(1994). Micellar Liquid Crys- Press Ltd, capítulo 17. ek, J.Th.G. (1974). Biophysical Chem., 2,
tals, in “Micelles, Membranes, Microemul- Janiak, M.J.; Small, D.M.; Shipley, G.G. 53.
sions and Monolayers”, Gelbart, W.M.; Ben- (1979). The Journal of Biological Chemistry, Turnbull, P.J.H. (1990). PhD Thesis,
Shaul, A.; Roux, D. eds., Springer Verlag, 254(13), 6076. “The interaction of benzyl alcohol with
capítulo 3. Jóhannesson, H.; Furó, I.; Halle, B. (1996). lipid bilayers. School of Chemistry, Univer-
Boden, N.; Harding, R.; Gelbart, W.M.; Orientational order and micelle size in the sity of leeds, U.K.
Ohara, P; Jolley, K.W.; Heerdegen, A.P.; nematic phase of the cesium pentadecafluo- Van der Linden, E.; Hogervorst, W.T.;
Parbhu, A.N. (1995). J.Chem. Phys, rooctanoate-water system from the anisotro- Lekkerkerker, H.N.W. (1996). Relation be-
103(13), 5712. pic self-diffusion of water, Physical Revi- tween the Size of Lamellar Droplets in
Carmona-Ribeiro, A.M. (1992). Synthe- ew E, 53(4), 1-14. Onion Phases and Their Effective Surface
tic Amphiphile Vesicles, Chemical Socie- Kaler, E.W.; Murthy, A.K., Rodrigues, Tension, Langmuir, 12, 3127-3130.

34 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento

You might also like