You are on page 1of 2

 Florbela Espanca nasceu no Alentejo, em Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894,  

baptizada com o nome Flor Bela de


Alma da Conceição. Filha ilegítima de uma "criada de servir" que faleceu muito nova, alegadamente de "nevrose",
foi registada como filha de pai incógnito, o que haveria de a marcar profundamente… apesar de curiosamente ter
sido educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como seu irmão de sangue, Apeles
Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira. O pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a
morte da poetisa a perfilhou, por altura da inauguração do seu busto em Évora, debaixo de cerrada insistência de
um grupo de florbelianos.

 Estudou em Évora, onde concluiu o curso dos liceus em 1917. Mais tarde vai estudar para Lisboa, frequentando a
Faculdade de Direito. Colaborou no Notícias de Évora e, esporadicamente, na Seara Nova. Foi, com Irene Lisboa,
percursora do movimento de emancipação da mulher.   Os seus três casamentos falhados, assim como as desilusões
amorosas em geral e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem a ligavam fortes laços afectivos), num acidente
com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra.  Em Dezembro de
1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu em Matosinhos. O seu
suicídio foi socialmente manipulado e, oficialmente, apresentada como causa da morte, um «edema pulmonar».

 Com a sua personalidade de uma riqueza interior excepcional, escreveu os seus versos com uma perturbação
ardente, revelando um erotismo feminino transcendido, pondo a nu a intimidade da mulher, dando novos rumos à
consciência literária nascida de vivências femininas.  A sua Poesia é de uma imensa intensidade lírica e profundo
erotismo. Cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina sem que alguns críticos não
deixem de lhe encontrar, por isso mesmo, um "dom-joanismo no feminino". O sofrimento, a solidão, o desencanto,
aliados a imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no
infinito, constituem a temática veiculada pela veemência passional da sua linguagem. Transbordando a convulsão
interior da poetisa pela natureza, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e
poemas.

 Florbela Espanca não se liga claramente a qualquer movimento literário. Próxima do neo-romantismo de fim-de-
século, pelo carácter confessional e sentimentalista da sua obra, segue a poética de António Nobre, facto
reconhecido pela própria. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, pode considerar-se influência de
Antero de Quental e de Camões. Só depois da sua morte é que a poeta viria a ser conhecida do grande público,
tendo contribuído para isso, inicialmente, a publicação de Charneca em Flor (1930) pelo professor italiano Guido
Batelli. Na Enciclopédia Larousse, esta poetisa é definida como «parnasiana, de intenso acento erótico feminino,
sem precedentes na Literatura Portuguesa. A sua obra lírica, iniciada em 1919, com o Livro das Mágoas, antecipa
em seu meio a emancipação literária da mulher».

 No entanto, Florbela Espanca teve um “frio acolhimento” durante toda a sua conturbada vida. As críticas
contemporâneas sobre a sua poesia podem facilmente colocar-se em extremos opostos, desde: versos imprimidos
de “toda a ternura, todo o sentimento de uma alma de mulher”, “verdadeiro mimo”, ou, por outro lado, “escrava
de harém”, “lábios literariamente manchados”, “um livro mau, um livro desmoralizador”.Vacilando entre a moral e
o preconceito, a beleza própria da poesia de Florbela recebeu pouco mais do que incompreensão, em vida e
manipulação em morte, durante cerca de 40 anos. Atente-se que até no plano político Florbela foi declarada inimiga
do Estado Novo. A ficção manipulada por Battelli na onda de sensacionalismo gerada no ano seguinte ao seu
suicídio,  só em 1979 conhecerá melhor esclarecimento, quando Augustina Bessa-Luís escreve Florbela Espanca, a
vida e a obra recorrendo directamente ao estudo do espólio. ("Florbela Espanca",. Lisboa: Arcádia, 1979; 3ª ed.,
Guimarães, 1998)

 Parece incrível como a intimidade pode ser ficcionalizada e sustentada até que José Régio, Jorge de Sena e Vitorino
Nemésio se dedicaram à imagem política e poética, quase como uma frente de libertação, para trazer a verdadeira
Florbela e a poeta que deve ser lida pelo que deixou em texto, sem vínculos com sua vida particular.  

 Com ou sem escândalo, ou fascinação pelo escândalo; com ou sem histórias de atribulações novelescamente ligadas
a uma sucessão de três casamentos infelizes, a perdas familiares dolorosas e à incompreensão constante na sua
vida, o que fica é a voz poética da "alma gémea" de Fernando Pessoa, autêntica, feminina e pungente:

                
  “Eu quero amar,
                                 amar perdidamente!
                                 Amar só por amar: Aqui... além...
                                 Mais Este e Aquele,
                                 o Outro e toda a gente...
                                 Amar! Amar!
                                 E não amar ninguém!”

Mesmo se, por vezes, marcada por algum convencionalismo, a sua poesia tem suscitado interesse contínuo de
leitores e investigadores. É considerada como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura
portuguesa do século XX.

 O professor italiano Guido Battelli, por ocasião visitante na Universidade de Coimbra,   ofereceu-se para editar as
últimas produções de Espanca. A poeta portuguesa confiou a  Battelli os originais em 1930 e, em Dezembro do
mesmo ano, ocorre o suicídio.  

Notas introdutórias a edições recentes contam como se deu o "boom" editorial obtido pelo livro de poemas
Charneca em Flor, com Florbela então morta: a imprensa de Portugal, acreditando no conhecimento íntimo que
Battelli desfrutou com Florbela, tece a aderência da biografia com a obra para explicar inclusive as razões da sua
morte. 

O professor terá que responder por tal mais tarde, no entanto, no momento imediato à edição de Charneca em
Flor, tiragens sucessivas foram esgotadas, o que incitou Battelli a publicar tudo o que encontrou de Florbela:
Juvenília reúne os poemas esparsos da mocidade
da poetisa; os dois livros de poesia anteriores a Charneca têm reedição; Charneca em Flor ganha uma secção
intitulada Reliquiae; e mais, As Máscaras do Destino inclui contos inéditos, além da publicação da correspondência
de Florbela com Júlia Alves e com o próprio Battelli e espantoso é o facto de que tudo isto acontecer num único ano
- 1931.

 Sabe-se hoje que a ficção criada por Battelli chegou a manipular trechos de cartas, datas, interferiu nos originais -
claros abusos elaborados para concorrer com o sensacionalismo entretanto gerado. 

A aceitação pública desta manipulação e mentira dura praticamente 40 anos, pois apenas em 1979, ao valer-se do
espólio para escrever Florbela Espanca, a vida e a obra, Augustina Bessa-Luís esclarece situações e contextos.  

 Da sua obra apenas dois títulos foram publicados em vida: 

Livro de Mágoas (1919),  

Livro de Sóror Saudade (1923)

 Postumamente foram publicadas as obras:

Charneca em Flor (1930),  

Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930),  

Juvenília (1930),  

As Marcas do Destino (1931, contos),  

Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949)  

Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981).  

O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982.  

A aquisição e tratamento (de parte) do espólio por Rui Guedes possibilitaram uma nova edição, mais completa e
fiável da sua obra.

You might also like