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° 4 • Março 2008
Corpo Editorial Editor Chefe – José Manuel Schiappa, Editores – José Crespo Mendes de Almeida (Editor Científico), José Augusto
Gonçalves (Editor Técnico), Jorge Penedo (Editor de Supervisão), Amadeu Pimenta, Eduardo Xavier da Cunha (Editores
Associados) • Conselho Científico A. Silva Leal, António Marques da Costa, A. Araújo Teixeira, C. Alves Pereira, Eduardo
Barroso, F. Castro e Sousa, Fernando José Oliveira (Presidente), Francisco Oliveira Martins (Secretário Geral), Jaime Celestino da
Costa, João Gíria, João Patrício, Jorge Girão, Jorge Santos Bessa, José Guimarães dos Santos, José Luís Ramos Dias, José M.
Mendes de Almeida, Rodrigo Costa e Silva, Vítor Passos de Almeida • Edição e Propriedade Sociedade Portuguesa de Cirurgia
– Rua Xavier Cordeiro, 30 – 1000-296 Lisboa, Telefs.: 218 479 225/6, Fax: 218 479 227, E-mail spcirurgia@clix.pt • Redacção
e Publicidade SPOT Depósito Legal 255701/07 • Composição, impressão e acabamento G.C. – Gráfica de Coimbra, Lda.
Índice
Página dos Editores/Editors Page . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Agenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Obesidade: causas e distribuição da epidemia / Obesity: causes and distribution of the epidemy . . . . . . . . 35
Henrique Barros, Elisabete Ramos
Tratamento da obesidade mórbida com banda gástrica / Treament of morbid obesity with gastric band . . . . 59
António Sérgio
Derivação biliopancreática com duodenal switch / Biliopancreatic bypass with duodenal switch . . . . . . . . . . 81
Pedro Gomes
Passou um ano e conseguimos publicar 5 números da nossa “Revista Portuguesa de Cirurgia”: o número “Zero” e os
4 números que estabelecemos como “produção” anual.
Estamos satisfeitos? Estamos de parabéns?
É verdade que estamos satisfeitos por termos cumprido o prometido. Procurámos obter uma uniformidade editorial
e tentámos criar um estilo. Sob o nosso ponto de vista, estes pressupostos foram atingidos e esperamos poder continuar na
mesma linha, mantendo o que seja positivo (segundo a visão de todos e com as vossas opiniões) e tentando melhorar tudo
aquilo que saiu “menos bom”. Fizemos a publicação atempada dos vários números também como previsto.
Sabemos que tivemos melhores e piores números e sabemos também que houve textos e tipos de artigos publicados
que poderão ter agradado mais ou menos a diversos tipos de leitores.
No entanto, temos também que reconhecer que, ainda que os números publicados nos tenham dado satisfação, ficá-
mos com a sensação de que houve uma falha na tarefa a que nos propuséramos de “chegar ao leitor”; ou melhor de “fazer
o leitor chegar à Revista”.
De facto, não tem havido a esperada resposta do lado dos leitores nem a interactividade que desejávamos que pudesse
vir a ser uma das linhas mestras da vida da Revista. Como acontece sempre, tivemos felicitações pelo trabalho bem como
as esperadas palavras críticas – ainda que muito poucos fossem reparos “construtivos”. Também estamos a isso habituados
e o esperávamos, pelo que não houve surpresas.
É em relação à falta de interactividade que pomos a questão e é em relação a isto que gostaríamos de saber onde falhá-
mos e o que pode ser feito para obtermos a vida científica pretendida; tudo sem baixar a qualidade de textos que quere-
mos que se mantenha no nível que achamos ser o que a nossa Cirurgia merece e que também entendemos que é bem capaz
de atingir e manter.
Afinal, uma “não resposta” e a falta de contactos pode ser uma resposta, demonstrativa de que o que fizemos não é o
que os leitores pretendem; de que a Revista não traduz a nossa realidade, e não vai ao encontro do que os leitores querem.
Gostaríamos que nos façam saber, com a frontalidade que deve existir, quais as alterações que são pretendidas ou quais as
possíveis razões desta situação. Também entendemos que sucessivas revistas científicas dedicadas à cirurgia têm soçobrado
e que não está criada uma cultura de publicação e participação generalizada e continuada.
Passando do majestático ao pessoal, como Editor-Chefe, tenho que agradecer à equipa editorial pelo trabalho e pelo
entusiasmo e apoio dado; sem eles seria absolutamente impossível ter sido feito o que se fez, não só em termos da quali-
dade – de que nos orgulhamos – mas também em termos mais simples daquele trabalho básico, difícil de explicar mas que
é crucial.
O trabalho foi feito com gosto, entusiasmo e prazer, e foi o melhor que conseguimos com as condições existentes. Estas
condições, que foram de início difíceis e não permitindo algumas formas de trabalho que entendíamos como fundamen-
tais, estão agora a caminho de resolução com o apoio da direcção da SPC e pensamos que a nossa resposta e facilidade de
contacto com os autores e revisores fique francamente melhorada em breve com muito melhor articulação, entendimento,
rapidez e resultados.
As reuniões de Editores são sempre sede de franca e muito aberta discussão com participação interessada e extrema-
mente construtiva; também aí temos procurado ultrapassar a inércia dos potenciais autores fazendo convites para a elabo-
ração de artigos a cirurgiões portugueses conhecidos pelos seus interesses e trabalhos em determinadas áreas. Todos têm sido
aceites e temos tido, graças a esses trabalhos, textos de elevado nível científico nos nossos números. No entanto, apesar de
todos os convites terem sido aceites, nem todos foram finalizados com um texto.
As transformações que ocorreram na medicina, nas últimas duas ou três décadas, foram tão intensas e abran-
gentes, que é previsível que a cirurgia convencional possa sofrer um declínio nos próximos anos.
Um melhor conhecimento das causas e dos mecanismos de diversas doenças em conjugação com notáveis inves-
tigações farmacológicas, permitiram tratar muitas delas através de soluções não cirúrgicas. Os programas de preven-
ção, rastreio e diagnóstico precoce reduziram, em muitas circunstâncias, as indicações para a cirurgia. A consagra-
ção da cirurgia minimamente invasiva e a expansão de novas técnicas de intervenção tornaram mais simples, com
menor morbilidade e menos onerosa a abordagem terapêutica de muitos doentes, outrora submetidos a procedi-
mentos mais complexos e agressivos.
Estes exemplos, entre muitos outros que se poderiam citar, reflectem, apenas, o processo de evolução e trans-
formação que ocorre continuamente no seio da medicina, mas são, suficientemente, elucidativos para se compreen-
der algum declínio da cirurgia geral.
Concomitantemente com esta situação, que poderá afectar a essência da própria especialidade, tem-se assistido
à progressiva desertificação da cirurgia geral.
Na realidade, após um período áureo em que a cirurgia geral foi uma das opções preferenciais no acesso ao
internato de especialidade, passou-se para uma fase intermédia, mas tendencialmente decrescente, registando-se nos
últimos tempos um decréscimo significativo nas escolhas dos internos, com repercussões não só na qualidade dos can-
didatos como, facto que já se verifica nalguns países, no número daqueles que optam pela cirurgia geral.
Mas, porque é que estão a diminuir os candidatos para a especialidade de cirurgia geral?
Será que um certo declínio da cirurgia geral, a que aludimos, justifica, só por si, o escasso impacto desta espe-
cialidade nas novas gerações?
Pensamos que não, sendo possível identificar outros factores tais como, a progressiva redução do peso das dis-
ciplinas cirúrgicas na formação pré-graduada, a forma de recrutamento dos internos, o número de horas de traba-
lho semanal, a crescente fragmentação da cirurgia geral, a superespecialização e, “the last but not the least”, a quali-
dade de vida.
Esta crise, que não se circunscreve ao nosso país, não parece ser uma crise de vocações, mas reflecte, sobretudo,
a incapacidade de uma especialidade em seduzir, apenas, porque deixou de ser apelativa.
É necessário inverter esta tendência que, a curto prazo, pode tornar-se preocupante.
Os cirurgiões através das suas associações científicas e profissionais, nomeadamente a Sociedade Portuguesa de
Cirurgia e o Colégio de Especialidade de Cirurgia Geral, deverão ser capazes de formatar propostas que requalifiquem
a cirurgia geral tornando-a, novamente, uma especialidade apelativa, sedutora e desejada pelas novas gerações.
É que a Cirurgia Geral continua a ser uma especialidade essencial com uma esfera de intervenção específica e
com um previsível recrudescimento do número de doentes que dela necessitam, em consequência do aumento da
esperança de vida das populações e, também, do acréscimo das indicações para cirurgia profiláctica.
Faltou na impressão da Revista, um parágrafo que tira grande parte do sentido do Caso Clínico, por a sua
ausência omitir o tratamento cirúrgico efectuado:
Imediatamente a seguir ao parágrafo que termina com:
... outras lesões potenciais.
Deveria ter sido impresso o seguinte parágrafo:
Após exploração cirúrgica da via biliar principal, arco duodenal, e espaço retroperitoneal através de manobra
de Kocher ampla, não foi detectada qualquer outra solução de continuidade. O aspecto isquémico da parede
da vesícula condicionou a opção por colecistectomia anterógrada, com drenagem passiva da loca de Morrisson.
O pós-operatório decorreu sem complicações com alta ao 6º dia.
João Cid dos Santos ocupa um lugar destacado na fundo que existe para o estudo da circulação venosa
história da Angiologia e Cirurgia Vascular devido às dos membros e por isso continua a ser considerado
suas grandes descobertas, a flebografia em 1937 e a como o “gold standard”, através do qual se comparam
endarteriectomia em 1947. Elas resultaram natural- o valor e a eficiência das novas tecnologias que vão
mente do seu génio criativo e do ambiente e dos sendo introduzidas. É por outro lado um instrumento
homens que o rodearam e o influenciaram, nesse indispensável na investigação clínica, devido ao rigor,
riquíssimo e fértil período histórico que mediou entre precisão e objectividade das informações que propor-
a 1ª e a 2ª Guerra Mundial. ciona.
A concretização da flebografia como método semio- A endarteriectomia ou desobstrução arterial consti-
lógico exigiu uma apreciação e revisão profunda sobre tuiu a primeira tentativa de restabelecer a circulação
a circulação venosa, sobretudo dos membros inferiores, em artérias afectadas por oclusões crónicas, através da
da qual emergiram novos conceitos e interpretações remoção do processo oclusivo e restauração da sua per-
anátomo-fisiológicas relativamente a um sector que meabilidade.
tradicionalmente se encontrava votado ao abandono e Numa época em que o tratamento das arteriopatias
esquecimento; por sua vez a flebografia permitiu alar- oclusivas se encontrava dependente de concepções
gar a capacidade de estudo e compreensão da essência fisiopatológicas de natureza funcional, que legitima-
de muitos quadros patológicos, de natureza orgânica vam a utilização da simpaticectomia como arma tera-
ou funcional, que podem atingir a circulação venosa pêutica, de que Rene Leriche fora o grande mentor, a
dos membros. proposta de Cid dos Santos surge simultaneamente
Durante décadas, a flebografia assumiu-se como o como uma heresia e uma esperança.
método de excelência para o estudo da circulação Com efeito, de acordo com os princípios então esta-
venosa dos membros; o seu campo de acção foi, belecidos, a actuação no interior de uma artéria era
porém, fortemente condicionado pela introdução dos seguida invariavelmente pela oclusão da mesma, o que
ultra-sons na área do diagnóstico, nos finais dos anos tornava proibitiva a exposição, manipulação ou o con-
60 e o seu subsequente aperfeiçoamento e sofisticação tacto da sua intima. Cid dos Santos demonstrou com
até à actualidade. A utilização da flebografia na prá- a endarteriectomia que tal principio não era ver-
tica clínica quotidiana está hoje restringida a casos clí- dadeiro e a sua técnica veio a consagrar-se como um
nicos singulares e muito bem seleccionados, mas reco- método terapêutico de eleição para o tratamento das
nhece-se que é ainda o método mais completo e pro- lesões arteriais oclusivas segmentares de praticamente
A. Dinis da Gama
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mais diversos auditórios, atraídos pelos seus notáveis FLEBOGRAFIA E FISIOPATOLOGIA VENOSA
dotes de oratória, vigor e brilho intelectual. Foi um
verdadeiro embaixador da ciência e cultura portugue- Em 1930 a patologia venosa constituía uma área do
sas do seu tempo. conhecimento extremamente pobre e desinteressante,
Faleceu em 4 de Novembro de 1975, de ataque car- recheada de conceitos simplistas ou empíricos e não
díaco, amargurado com os acontecimentos que se existia um único método para estudar objectivamente
registavam num dos períodos mais críticos por que as doenças das veias. Uma das grandes dificuldades de
passava a sociedade portuguesa após a revolução de 25 avaliação residia na direcção centrípeta do fluxo san-
de Abril de 1974. guíneo e a presença de válvulas no sistema venoso. Ins-
Para a história ficam os contributos maiores do seu pirado nos trabalhos de Egas Moniz e Reynaldo dos
génio criador, a flebografia e a endarteriectomia, mas Santos, conseguiu Cid dos Santos obter a visualização
também permanece inesquecível a sua formação cul- dos troncos venosos profundos principais, após injec-
tural e humana, a sua sensibilidade e inteligência, que ção de uma substância de contraste opaca aos Rx na
fizeram dele um autêntico “cidadão do mundo” - esti- circulação venosa superficial dos membros.
mado e admirado por todos os que o conheceram e Pela primeira vez tornou-se possível obter uma
com ele conviveram. visualização completa dos colectores venosos profun-
dos dos membros e da pélvis, método que designou
por “Flebografia directa em circulação livre” (Fig. 1).
OBRA CIENTIFICA Foram inúmeras as técnicas flebográficas que se desen-
João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
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volveram na sequência desta descoberta, até se obter verdades esquecidas ou minimizadas da anatomo-fisio-
uma desejável e ambicionada estandardização do logia normal e patológica do sistema venoso. Sua apli-
método. Uma vez consagrada a técnica da flebografia, cação à patologia e terapeutica”. A essência desse tra-
pode dizer-se que todos os estudos no campo das balho foi apresentada às Jornadas Cardiológicas Inter-
doenças venosas dos membros dependeram directa ou nacionais de Paris, em 1947 e é considerada uma das
indirectamente da sua utilização. O diagnóstico pre- mais lúcidas, completas e profundas análises dedica-
coce das tromboses venosas, a localização inicial dos das ao tema.
trombos, as condições de aderência dos trombos à “Eu não podia ainda acreditar que em 1947 estava
parede venosa e a sua extensão, a origem anatómica escrevendo sobre uma matéria praticamente nova, ao
das varizes, os processos de recanalização das veias pre- descrever as bases fundamentais dos problemas veno-
viamente obliteradas, o diagnóstico diferencial das sos dos membros inferiores. Ainda hoje me é difícil
afecções venosas entre si e com factores extrínsecos, entender inteiramente esse período da minha vida. O
representam os aspectos culminantes demonstrados de conhecimento estava presente e, todavia, não estava.
forma clara pela flebografia. Verdades tinham sido emitidas para logo serem esque-
Desde o inicio da utilização clínica da flebografia cidas ou desprezadas. A flebografia representou o ter-
que se levantaram dúvidas e incertezas relativamente às reno sólido sobre o qual a revisão dos problemas teve
bases fundamentais da fisiopatologia venosa, que se lugar”.
tentaram esclarecer com a utilização do próprio O apogeu da flebografia como método semiológico
método. “... A investigação sobre flebografia foi ini- ocorreu com a apresentação do relatório ao IX Con-
ciada na mais completa escuridão. As perguntas que gresso da Sociedade Europeia de Cirurgia Cardiovas-
eu fazia a mim próprio eram de natureza elementar: cular, em 1960, intitulado “Introdução à flebografia
para quê as válvulas e por que existiam elas sómente no dos membros inferiores”. Pouco tempo depois, o apa-
sistema venoso? Por que se localizavam as lesões trófi- recimento dos ultra-sons prenunciava o inicio do seu
cas das afecções venosas sómente na pele e tecido celu- declínio, que se vem acentuando até aos dias de hoje,
lar subcutâneo? Por que é que o pé está aparentemente persistindo, todavia, ainda como o mais completo e
protegido das lesões tróficas? Como se estabelece a cir- rigoroso método de apreciação da anatomo-fisiologia
culação venosa colateral? Qual a influencia da força de e patologia da circulação venosa dos membros.
gravidade no retorno venoso? O que é a estase?... Todas
estas perguntas tinham forçosamente de obter uma
resposta, sobretudo porque o desenvolvimento da fle- ENDARTERIECTOMIA
bografia e sua interpretação dependiam do conheci-
mento das bases fundamentais anátomo-fisiopatológi- Existia entre os cirurgiões da época, a convicção que
cas do sistema venoso dos membros”, interrogava-se a manipulação da intima de uma artéria era seguida
Cid dos Santos num momento de reflexão profunda por um fenómeno de trombose local imediata, con-
sobre o rumo a imprimir às suas investigações. ceito que foi sustentado por grandes personalidades,
Utilizando a flebografia como instrumento, procu- entre as quais se destacam Matas (1909), Guthrie
rava Cid dos Santos responder àquelas questões, (1912) e Moure (1923). Paralelamente, no campo das
apoiando-se igualmente em dados da experimentação embolias, assistia-se com frequência à formação de
animal. À medida que a experiência ia progredindo, uma trombose secundária após a remoção de um
muitas das respostas tornaram-se claras, simples e lógi- êmbolo, sobretudo se se tratava de uma embolia de
cas. Tal circunstância estimulou-o a registar, para a evolução prolongada. Tal facto, ficava a dever-se à lesão
posteridade, o produto das suas conclusões, sob a do endotélio resultante do impacto do embolo na
forma de um trabalho que intitulou “Sobre algumas parede arterial. Eynar Key considerava que toda a
A. Dinis da Gama
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embolia que ultrapassasse as 10 horas de evolução Concebeu então que a acção da heparina poderia
deveria ser desencorajada de ser tratada por embolec- servir de protecção à regeneração da intima após a
tomia, por ser sistematicamente seguida de trombose remoção de um trombo antigo, formado em conse-
secundária, um conceito que era igualmente compar- quência de um processo de endarterite. Era urgente
tilhado por Leriche. demonstrar-se na prática clínica essa possibilidade.
O carácter “intocável” da intima arterial desmoti- Em doentes graves, sofrendo de processos terminais,
vava e impedia mesmo as tentativas de desobstrução realizou Cid dos Santos algumas desobstruções arte-
arterial e os cirurgiões voltavam-se para a cirurgia do riais periféricas, sob protecção da heparina, podendo
sistema nervoso simpático, de natureza funcional, comprovar, dias depois e após o falecimento desses
visando a resolução do “magno” problema do vasos- doentes, que as artérias se mantinham permeáveis.
pasmo - a que Leriche deu tanta importância e que Enviou para estudo histopatológico os fragmentos
considerava como uma componente essencial da fisio- resultantes da desobstrução e constatou que eles eram
patologia das isquemias dos membros. compostos por um trombo central organizado, toda a
O desenvolvimento e progressiva utilização clínica endartéria doente e parte da camada muscular. Este
da aorto e arteriografia pôde trazer, aos olhos dos cirur- achado deixou-o perplexo: tinha em mente a remoção
giões, um “mundo” totalmente novo, sobretudo a reve- do trombo apenas e os exames histológicos demons-
lação de uma nova patologia macroscópica, que travam que a remoção se estendia sempre à túnica
assumia, com relativa frequência, um carácter seg- média da parede arterial! A constatação destes factos
mentar nos diversos territórios da árvore arterial. levou-o de imediato a duas conclusões que se revela-
Desde logo experimentou Cid dos Santos a tentação ram fundamentais para o prosseguimento e sucesso da
de abordar e tratar directamente essas lesões, no que experimentação: a descoberta da existência de um
foi estimulado por Reynaldo dos Santos. Voltou ao plano de clivagem em plena túnica média da parede
laboratório com esse propósito, ensaiando e reprodu- arterial que facilitava a remoção do processo oclusivo;
zindo as clássicas experiências de Carrel e Guthrie, e que naquelas condições e sob protecção da heparina,
com o objectivo de aperfeiçoar a sua execução técnica. o sangue podia fluir na artéria, em contacto com uma
E é então que, em 1943, surge um facto que vem a parede muscular, sem ocorrer trombose secundária, o
desempenhar um papel relevante no desenrolar dos que parecia inacreditável.
acontecimentos: a possibilidade de utilização da hepa- Animado com estas revelações, decidiu de imediato
rina na prática clínica quotidiana. ...” I was in the posi- operar alguns doentes, apoiado naqueles conceitos.
tion which is clearly defined through the words of the Em 27 de Agosto de 1946 realizou pela primeira vez
old fisherman to the young boy in one of Ernest uma desobstrução de um segmento ilio-femoral, num
Hemingways’ books: the hooks were at the right place; homem de 66 anos de idade, restabelecendo a per-
then one had only to wait for the fish. In this case, the meabilidade arterial, o que foi comprovado por arte-
fish was heparin”... escreveu um dia, a esse propósito, riografia intra-operatória, constatando que o método
Cid dos Santos. permitia ainda restabelecer a permeabilidade de cola-
Desde logo ocorreu-lhe a ideia de utilizar a hepa- terais ocluídas.
rina na prevenção da trombose secundária após a Em 12 de Dezembro do mesmo ano realizou igual
embolectomia, no que foi bem sucedido; de seguida, procedimento numa mulher de 35 anos de idade, com
empregou-a nas embolectomias tardias, igualmente uma obstrução das artérias subclávia e axilar do mem-
com resultados satisfatórios; finalmente utilizou-a bro superior direito. Um excelente e prolongado resul-
como prevenção da trombose pos cirurgia reconstru- tado deu-lhe a certeza que o método reunia todas as
tiva dos aneurismas (endoaneurismorrafia) igualmente condições para o sucesso e designou-o por “desoblite-
com bons resultados. ração arterial”. Bazy chamou-lhe depois, mais apro-
João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
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priadamente, “endarteriectomia” e em circunstancias ções de que era alvo e a dispersão de actividades a que
de oclusão completa, recebia a designação de “trom- fora obrigado, que o impediram de ver concretizado
boendarteriectomia”. esse seu desejo muito íntimo.
Cid dos Santos tomou a decisão de apresentar os Em Setembro de 1975, como presidente da Inter-
resultados da sua investigação e da consequente pro- national Cardiovascular Society proferiu Cid dos San-
posta terapêutica à Academia Francesa de Cirurgia, sob tos em Edinburgh a Leriche Memorial Lecture intitu-
a forma de uma comunicação que constituiu um lada “From embolectomy to endarterectomy or the fall
marco histórico da cirurgia vascular contemporanea e of a myth” em que descreve, de forma simples, pro-
que se intitulava “Sur la désobstruction des thrombo- funda e brilhante, a história da endarteriectomia e as
ses artérielles anciennes”. Foi seu relator René Leriche incidencias que gravitaram em torno da ideia e da sua
que termina a sua análise felicitando o autor e afirma realização.
com visão prospectiva: “For 25 years I tried, after arte- A terminar a conferência, em jeito de balanço final
rectomy, to find favourable conditions for the reesta- de uma vida intensa e atribulada que fora a sua e de
blishment of arterial continuity through grafting. I was certo modo melancólico, afirma Cid dos Santos: “The
never able to accomplish my program. I hope that the consequence of all this (dispersion of activities) was
new method will enable us to reestablish a lost func- that my work was practised mainly on units rather
tion. And this will be an immense progress”. than on series of cases. Furthermore and paradoxically,
Os anos seguintes foram dedicados à difusão do having worked hard all my life, with little sleep and
método, bem como ao seu aperfeiçoamento. Edwin without the benefit of real hollidays, I confess to be, by
Wilie foi o seu introdutor nos Estados Unidos da nature, extremely lazy, indeed. In fact, I have wasted
América. Cedo se descobriu que a endarteriectomia much time. If it were not for all these evils, endarte-
podia ser efectuada sem a protecção da heparina e que rectomy could have its birth some years before. But,
a manutenção da permeabilidade da artéria operada that is that”...
dependia mais da qualidade do débito sanguíneo do Dois meses depois, sobreveio, brutalmente, o ata-
que da coagulação. A introdução do “over-pass”, dos que cardíaco. Já na cama do hospital, abriu os olhos,
pontos de Kunlin a fixar a endartéria seccionada e a cumprimentou-me com a saudação habitual “Olá
angioplastia em patch proposta por DeBakey consti- menino!” e disse-me: “Desta vez é a sério”...
tuiram contributos significativos que visaram o seu Morria na madrugada seguinte.
aperfeiçoamento e aumentaram a sua eficácia.
O conjunto destes pormenores técnicos, bem como
a criação e o desenvolvimento de instrumentos cirúr-
gicos destinados à sua realização, as indicações clíni-
cas e os resultados obtidos com a endarteriectomia nos
diferentes territórios arteriais foram amplamente ana-
lisados em Roma em 1963 no decurso do Congresso
da International Cardiovascular Society, estabele-
cendo-se as regras fundamentais do procedimento a
que Cid dos Santos designou por “principios de
Roma”. Era a consagração internacional do método de
que fora pioneiro (Fig. 2).
Constituiu sempre a sua maior aspiração deixar
escrito um livro dedicado à técnica da endarteriecto-
mia. Todavia, foram certamente as múltiplas solicita- Fig. 2 – A tromboendarteriectomia, operação de João Cid dos Santos
A. Dinis da Gama
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Afonso Lopes Vieira quem mais o motivou para o
mundo da literatura e das artes. Era, porém, a litera-
tura a sua paixão, mas não ignorava a pintura e a
música, na qual se revelava um exímio interprete,
como pianista. Num documento inédito que deixou
no seu espólio literário, registou alguns autores e
obras de que nunca desejaria separar-se: Platão,
Demóstenes, Séneca, Cícero, Montaigne, Montes-
quieu, Pascal, Anatole, Plutarco, Hume, Wellington,
Churchill, de Gaulle, Camus e Oscar Wilde... Era
nestes autores e suas obras que se refugiava nos
momentos críticos por que era obrigado a passar e
ganhava então alento e redobradas energias para pros-
seguir a caminhada ...
Gostava do convívio social, sempre rodeado de ami-
Fig. 3 – João Cid dos Santos gos e colaboradores e recebia as visitas com discrição e
elegância na sua mansão, situada na Rua da Rosa em
Alfama, com uma esplendorosa vista sobre a cidade de
Lisboa.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E CIDADÃO Apreciava as coisas boas da vida e era um exigente
DO MUNDO “gourmet”, cultivava alguns dotes de culinária que
ainda hoje são lembrados em alguns dos velhos res-
Era Cid dos Santos uma figura imponente, que taurantes de Lisboa, os quais registam nas suas emen-
impressionava logo à primeira vista (Fig. 3). Alto, fei- tas um prato designado por “ovos mexidos à Profes-
ções anguladas e nariz procidente, olhar vivo e pene- sor”, da sua autoria.
trante, protegido por umas enormes sobrancelhas, com Dominando várias línguas estrangeiras, que falava
mãos largas e expressivas, dele irradiava naturalmente perfeitamente, foi um professor e um conferencista
um sentimento misto de respeito e simpatia. Era cor- notável, quer no país, quer no estrangeiro, ficando
tês e afável nas relações pessoais, mas sabia como nin- célebres algumas das suas palestras como é o caso de
guém ser ríspido e severo, sem nunca atingir porém a “Medicina, última profissão romântica do mundo”,
violência ou a má criação. Dedicava especial atenção e “Garfos, facas e colheres, ou a adaptação do espírito à
afecto aos estudantes e médicos jovens a quem escu- investigação clínica”, “As oliveiras de Sócrates e os plá-
tava com paciência as suas ideias e inquietações e mos- tanos de Hipócrates”, “Como gastar tempo” ou “O
trava-se sempre disposto a ajudar e a aconselhar quem problema das lesões vasculares na guerra, vistos por um
dele se socorresse. cirurgião na paz” ...
Exprimia-se numa linguagem fluente e elegante, Foi também um biógrafo de personalidades emi-
tradutora da sua vasta erudição e formação cultural. nentes da Medicina como Reynaldo dos Santos, Frie-
Na primeira lição como Professor Catedrático dedi- derich Wholwil, Jean Kunlin, René Fontaine e Edwin
cada aos estudantes de Patologia Cirúrgica, em 1949, Wylie e ainda de homens das artes como Francisco de
confessara que três homens de excepção haviam exer- Lacerda ou Raul Lino.
cido notável influência na formação do seu espírito: Ficaram célebres algumas das frases que criou e que
Reynaldo dos Santos, René Leriche e o poeta e constituem hoje inscrições lapidares transcritas em
homem de letras Afonso Lopes Vieira. Terá sido homenagem à sua memória, tais como “Não há horá-
João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
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rios para o pensamento” ou “Não basta dizer-se que a Foi membro activo e dirigente de numerosas agre-
vida de médico é dura, é necessário que o seja”. miações e sociedades científicas ou sócio-profissionais,
Dedicou muito do seu tempo e preocupações parti- nacionais e internacionais, contando-se entre elas a
cularmente nos últimos anos da vida, a temas sociais e vice-presidência do Capitulo Europeu e a presidência
a projectos de reforma dos hospitais e da Universidade, da Sociedade Internacional de Cirurgia Cardiovascu-
em prol dos quais decidiu enveredar, transitoriamente- lar.
mente, por uma carreira politica, como deputado à Tal como acontecera com o seu pai, João Cid dos
Assembleia Nacional, que não durou mais do que três Santos teve o privilégio de ver reconhecido em vida o
anos e que terminou em estado de desencanto e frus- valor e o mérito da sua obra criadora, dedicada ao pro-
tração. O respeito pelos princípios e rigor que eram tim- gresso e desenvolvimento da angiologia e cirurgia vas-
bre da sua formação cientifica rapidamente o incompa- cular. São inúmeros os testemunhos desse reconheci-
tibilizaram com os homens e o volúvel mundo da poli- mento, sob a forma de doutoramento “honoris causa”
tica. Era um constante e irreverente critico face ao por diversas universidades estrangeiras, membro hono-
poder, a qualquer poder. De facto, muito apreciava sub- rário de cerca de vinte sociedades cientificas repartidas
meter as razões do poder ao poder da razão ... pelo mundo, professor visitante de outras tantas e ofi-
Desde muito novo que se rodeou de um pequeno cial da Legião de Honra, entre muitas outras conde-
grupo de colaboradores, que se foi alargando com o corações e prémios.
decorrer do tempo e que lhe dedicavam particular afei- Partiu da vida num momento de apogeu e glória da
ção e a maior admiração. “Não esqueço os meus ami- sua carreira, com um prestígio e um nome mundial-
gos e colaboradores. Não se pode viver sem eles”, escre- mente conhecido, respeitado e admirado. No fundo,
veu ele um dia, em jeito de retribuição. tal resultou da conjugação do seu génio com a forma-
Como chefe de escola podia orgulhar-se de ter for- ção humana e o sentido universalista com que olhou
mado sete professores universitários e ter influenciado o mundo e soube conduzir o seu destino. Por isso,
a educação de um incontável número de cirurgiões creio que a designação de “cidadão do mundo” lhe
nacionais e alguns estrangeiros. assenta com propriedade e justiça.
BIBLIOGRAFIA
A. Dinis da Gama
14
ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
Métodos: Entre 2001 e 2006, 25 doentes com doença peritoneal maligna primária ou secundária, foram sub-
metidos a citorredução seguida de HIPEC. A citorredução com ressecção do peritoneu visceral e parietal envol-
vido por doença, teve como objectivo eliminar toda a doença macroscópica. Depois da citorredução procedeu-
se à quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica durante 90 minutos, a uma temperatura de 42oC, com Mito-
micina C (15 mg/m2/2L) para tumores primários de origem digestiva ou Cisplatina (50mg/m2/2L) para tumo-
res primários do ovário e do peritoneu.
Resultados: Uma citorredução completa foi obtida em 88% dos doentes. A duração da intervenção variou entre
5 e 9.30 horas. Registaram-se 3 casos com complicações pós-operatórias major (12%), não se tendo registado mor-
talidade pós-operatória ou toxicidade relacionada com a quimioterapia. A mediana do tempo de internamento
foi de 11 dias. A taxa de sobrevivência global foi de 88% e 76% aos 1 e 2 anos, respectivamente.
Conclusões: A citorredução seguida de HIPEC pode proporcionar taxas de sobrevivência inesperadas, com bai-
xas taxas de morbilidade e mortalidade. A selecção de doentes criteriosa e uma equipa treinada no suporte per-
operatório podem contribuir para reduzir a morbilidade potencial desta terapêutica.
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Agenda
22
ARTIGO ORIGINAL
Hiperparatireoidismo
– um diagnóstico não pensado
João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa,
Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
Unidade de Cirurgia Endócrina e Mama. Serviço de Cirurgia Geral. Hospital de São João
RESUMO
O hiperparatireoidismo primário (HPT1) tem uma prevalência entre 1:300 e 1:2000 na população. No entanto mais de
90 % dos casos não são diagnosticados. A definição de HPT1 assintomático é controversa uma vez que os doentes na sua
maioria apresentam algum tipo de sintomatologia. Os doseamentos de cálcio são muito importantes na detecção de doen-
tes pouco sintomáticos, particularmente entre as mulheres pós-menopáusicas. Os autores apresentam um estudo prospec-
tivo referente aos 64 doentes operados por HPT1, numa Unidade de Cirurgia Endócrina, entre Fevereiro de 2002 e Dezem-
bro de 2006. A idade média foi de 56 anos, com predomínio do sexo feminino (56/8). Da forma de apresentação salien-
tam-se 26 achados (14 laboratoriais, 9 imagiológicos e 3 operatórios, embora quase todos os doentes apresentassem sinto-
mas). Cinquenta e dois doentes tinham queixas ósteo-articulares, 35 HTA, 30 sintomas psiquiátricos e 28 litíase renal.
O diagnóstico foi efectuado 18 vezes pelo endocrinologista, 16 pelo cirurgião, 9 pelo nefrologista, 9 pelo reumatologista,
8 pelo internista, 3 pelo clínico geral e 1 pelo dermatologista. A mediana do cálcio sérico foi de 11,0 mg/dl e a da PTHi
foi de 172,4 pg/dl. As paratireóides removidas mediam 19 mm e pesavam 2,23 g, em média. Nesta série verificamos um
grande número de achados como forma de apresentação e de lesões avançadas na altura do diagnóstico. A maior sensibili-
zação de todos os clínicos para este tipo de patologia e a determinação de rotina do cálcio sérico, será com certeza a melhor
forma de se efectuar o diagnóstico precoce do HPT1 e diminuir consequentemente a incidência observada de lesões dos
orgãos-alvo.
João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
24
Estes valores baixaram para 8,6 mg/dl e 24,4 pg/dl, Realizaram-se 51 paratireoidectomias uniglandulares
respectivamente, no pós-operatório. Os níveis mais (80 %), das quais 48 por adenoma e 3 por neoplasia, 4
elevados foram encontrados entre os doentes com biglandulares por adenoma duplo (6 %) e 4 subtotais e 1
forma de apresentação renal ou neuro-psiquiátrica. No total com implante paratireoideu por hiperplasia (8 %).
extremo oposto encontraram-se os casos encontrados Nos outros 2 casos procedeu-se à exérese de recidiva de
imagiologicamente ou no decurso de estudo familiar carcinoma da paratireóide, tireoidectomia e esvaziamento
(tabela 5). Em 10 dos nossos doentes os níveis de PTH do compartimente central em bloco. Em 2 doentes não se
não excediam em 30 % o limite superior da normali- encontrou a glândula anómala.
dade verificando-se em 6 deles oscilação dos valores ao Efectuou-se cirurgia mini-invasiva 26 vezes (41 %
longo do tempo com períodos em que se encontravam das intervenções), das quais 14 por minicervicotomia
dentro dos limites normais. Encontramos também 7 e 12 videoassistidas. A localização e orientação glan-
casos sintomáticos de hipercalcemia intermitente. dular per-operatória foi eco e radioguiada em 19
Nesta série tivemos uma doente internada de urgência pacientes, tendo sido necessário a conversão para uma
por hiperparatireoidismo agudo com cálcio sérico de incisão clássica numa intervenção. Nos 7 doentes res-
14,4 mg/dl e PTHi de 1540 pg/dl e 2 casos de carci- tantes utilizou-se unicamente o apoio ultrassonográ-
noma com calcemias de 12,8 mg/dl e 14,2 mg/dl e fico.
PTHi de 855 pg/dl e 1900 pg/dl, respectivamente. A PTH intra-operatória foi determinada nas últi-
Para a localização glandular, segundo o protocolo mas 51 paratireoidectomias.
do Serviço, foi efectuada pelo cirurgião uma avaliação Apenas num caso foi necessário esternotomia por
ecográfica no dia ou na véspera da paratireoidectomia. paratireóide mediastínica, num total de 9 glândulas
Foram localizadas correctamente 50 glândulas (78 % ectópicas encontradas (14 %): 5 tímicas e 4 mediastí-
de eficácia, com sensibilidade de 83 % e um valor pre- nicas extra-tímicas.
ditivo positivo de 93 %) com 4 falsos positivos (Figura A morbilidade resumiu-se a 2 paresias da corda
1). Através deste método imagiológico pudemos con- vocal, a 2 hematomas que não necessitaram de drena-
firmar as duas recidivas de carcinoma paratireoideu. A gem, a 1 caso de desorientação psicomotora e a um
incapacidade na localização ecográfica da glândula hemotórax na doente submetida a esternotomia.
anómala aconteceu em 3 bócios multinodulares, em 3 Registou-se um caso de hipoparatireoidismo defini-
casos de ectopia mediastínica e em 3 doentes com tivo.
hiperplasia das paratireóides. Em 51 ocasiões recorreu- As paratireóides removidas em média pesavam 2,23
se ao cintilograma que evidenciou 35 paratireóides (69 g e mediam 19 mm, com mínimos de 120 mg e 6 mm
% de eficácia, com sensibilidade de 74 % e um valor em casos de hiperplasia familiar e máximos de 26 g e
preditivo positivo de 94 %) com 4 falsos positivos 55 mm num caso de neoplasia. As paratireóides hiper-
(Figura 2). plásticas eram mais pequenas e mais leves do que as
Figura 1 Figura 2
Sintomatologia n %
DISCUSSÃO
Ósteo-articular 52 81
João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
26
ciente diagnóstico precoce [4, 12]. Também a pouca mg/ 24h, densidade mineral óssea da coluna lombar,
sensibilização dos clínicos para este tipo de patologia do colo do fémur ou do rádio distal, abaixo de 2,5 des-
impede, muitas vezes, a correcta valorização dos níveis vios padrão em relação ao pico de massa óssea (T score
alterados de calcemia. <-2.5) e impossibilidade de se efectuar um seguimento
Da forma de apresentação dos casos que apresenta- correcto dos doentes não operados. Estes critérios não
mos, salienta-se o elevado número de achados: 26, foram aplicados nos nossos doentes uma vez que só
embora apenas 2 destes doentes não apresentassem tivemos 4 casos verdadeiramente assintomáticos, 2 dos
realmente qualquer sintoma. Quando inquiridos, a quais portadores de síndrome de MEN 2a e os outros
grande maioria destes pacientes referia artralgias e sin- 2 achados operatórios. Quando foram admitidos na
tomas neuro-psiquiátricos inespecíficos. Num quarto nossa consulta, a grande maioria dos doentes apresen-
dos doentes que operamos, foi o cirurgião quem fez o tava-se francamente sintomática, com queixas osteo-
diagnóstico, situação esta pouco admissível uma vez articulares, renais, neuro-psiquiátricas, obstipação e
que estes hiperparatireoidismos passaram despercebi- HTA. A alta percentagem de patologia tireoideia asso-
dos aos clínicos assistentes, aos imagiologistas que ciada dificultou a localização paratireoideia e colocou-
rotularam os nódulos como tireoideus e, em 2 casos, a nos problemas na abordagem cirúrgica, nomeada-
citologistas que classificaram a lesão como tumoral de mente ao limitar a realização de cirurgia mini-invasiva
provável origem folicular. Também em 3 casos o pró- e ao nível dos cuidados necessários para a preservação
prio cirurgião foi confrontado com o achado de uma das glândulas normais.
paratireóide anómala durante uma tireoidectomia, O HPT1 pode ser definido como a hipercalcemia
sendo num destes casos o adenoma paratireoideu a resultante da secreção anómala de paratormona (PTH)
única patologia existente. Este facto confirma a neces- pela glândula paratireoideia e é a causa mais comum de
sidade de se incluir o doseamento da calcemia no hipercalcemia em pacientes ambulatórios. O controle
estudo pré-operatório de patologia tireoideia [16]. fisiológico da homeostase do cálcio é extremamente
Na maioria dos relatos da literatura recente, o hiper- sensível e qualquer alteração dos seus níveis séricos
paratireoidismo primário apresenta-se na forma assin- deve ser valorizada. A regulação desta homeostase
tomática, no entanto, esta é uma definição controversa envolve a interacção da PTH, da vitamina D activa,
uma vez que mesmo estes doentes na sua maioria, do cálcio e do fósforo, de modo que a avaliação destes
quando pesquisada, apresentam algum tipo de sinto- parâmetros é fundamental na suspeita desta patologia
matologia [1, 3, 6, 7, 10, 13]. Com o aumento do número [6, 11, 18, 19]. O diagnóstico de HPT1 estabelece-se na
de casos diagnosticados, o perfil da apresentação clí- presença de hipercalcemia e de uma PTH elevada ou
nica, imagiológica e laboratorial sofreu mudanças gra- inapropriadamente “normal”, o que se verifica entre
duais nas últimas décadas, passando do hiperparati- 10% a 15% dos doentes [11, 15]. O aumento destes
reoidismo grave com doença óssea e renal típica, para valores é insidioso na maioria dos casos e encontram-
casos cada vez menos sintomáticos, até o estado actual se significativamente mais elevados nos pacientes com
onde mais de 80 % dos casos são rotulados como “não doença severa [3]. Na rara situação de carcinoma da
apresentando sintomatologia” [1, 3, 4, 9, 14, 17]. Este facto paratireóide, a hipercalcemia instala-se mais rapida-
levou à elaboração de guidelines de diagnóstico e tera- mente e os níveis de cálcio e de PTHi geralmente são
pêutica do HPT1 assintomático, actualizadas poste- muito elevados, como pudemos verificar nos 2 casos
riormente em 2002 [8, 9]. As indicações actuais para que tratamos [20-23]. Na nossa série verificamos valo-
cirurgia são: idade inferior a 50 anos, calcemia 1,0 res mais elevados nos doentes em que a queixa que
mg/dl acima do limite superior do normal, clearance alertou para o diagnóstico foi do foro renal, ao con-
de creatinina diminuído em mais de 30% comparado trário do descrito noutras séries [17]. Os valores menos
com pessoas da mesma idade, calciúria superior a 400 alterados encontraram-se entre os achados imagioló-
João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
28
carcinoma em último lugar ( < 1%). O HPT1 apre- dismo grave com doença óssea e renal muito sintomá-
senta-se normalmente de forma isolada e raramente, tica.
pode estar presente na forma familiar ou ser um dos
componentes das neoplasias endócrinas múltiplas
(MEN) do tipo 1 e do tipo 2a ou do hiperparatireoi- CONCLUSÕES
dismo e tumores nos maxilares hereditários (HPT-JT)
[1, 2, 6, 14, 35]. Na nossa experiência estes números são Nesta série verificamos um grande número de
algo diferentes uma vez que 83 % dos nossos doentes “achados” como forma de apresentação e de lesões
tinham doença uniglandular, 6% adenomas duplos, avançadas na altura do diagnóstico. A maior sensibili-
apenas 8% tinham hiperplasia e operamos 2 carcino- zação de todos os clínicos, cirurgiões incluídos, para
mas. A diversidade dos resultados histológicos relati- este tipo de patologia e a determinação do cálcio sérico
vamente à literatura, nomeadamente no que concerne nos exames laboratoriais de rotina, será com certeza a
ao número reduzido de hiperplasias observado, poderá melhor forma de se efectuar o diagnóstico precoce do
ser explicado pelo pequeno tamanho da série e por HPT1 dito “assintomático” e diminuir consequente-
uma possível falha no diagnóstico da doença multi- mente a frequência observada de lesões dos orgãos-
glandular, normalmente mais difícil de efectuar do que alvo.
nos casos de adenoma. Em relação às características A paratireoidectomia é a forma de tratamento eficaz
histológicas das paratireóides removidas é de referir e definitivo e tem uma taxa reduzida de complicações
que na nossa série eram, em média, bastante volumo- se for efectuada em centros vocacionados para a cirur-
sas e correspondiam a situações de hiperparatireoi- gia endócrina.
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João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
30
GRANDES TEMAS: OBESIDADE
The obesity problem is a global epidemic of ever increas- peculiar to laparoscopic surgery, are advantageous to all
ing proportions. Because of a number of different reasons patients but, even more so, in morbidly obese patients which
many nations, in developed and developing countries, deal are high risk patients.
with this problem. While the U.S.A. stand in “pole posi- The great compliance of patients to bariatric laparoscopic
tion”, in Europe the uncontrolled diffusion of sweet snacks surgery caused in the U.S.A. a jump from 10.000 procedures
is responsible for children obesity, in China the diminished per year from the seventies to the nineties in the last cen-
numbers of bikers in favour of car drivers, in Oceania the tury, to 250.000 procedures during the last year.
success of “fast food” instead of the traditional fruit con- Standardization of surgical techniques was an added rea-
sumption are considered as causes of this phenomenon. son for the success of laparoscopy. The EAES Consensus
All in all, according to reliable statistics, 1.5 billion peo- Conference in 2004 and the Consensus Statement of ACS
ple all over the globe are obese: globesity. in 2005 indicated 4 types of standard surgical procedures:
Taking care of all these people accounts for 2-8% of all adjustable gastric banding, vertical banded gastroplasty, gas-
the national medical expenses, as much as it takes for all tric by-pass, bilio-pancreatic diversion.
tumours, with the added difference that expenses for obe- Indications to surgery must be based on reasonable expec-
sity grow by 25 % every three years. tations from the surgeon and from the patient. On this regard
Further, mortality for obesity is three times the com- the psychiatric/psychological interview is of the outmost
pounded mortality of colon and breast cancers. importance to avoid vain hopes and bitter disappointment.
Obese individuals have a life expectancy approximately At present internationally accepted and established precise cri-
shortened by 10-15 %, because of diabetes, cardiovascular dis- teria must be considered to indicate bariatric surgery.
eases, hypertension, cancer etc. One important and under- Once surgery is indicated, which kind of operation
valued problem is the augmented frequency of many different should be chosen? Over the years, many different proce-
malignant tumours found in the USA and Canadian obese dures, with a variety of rational basis, have been proposed.
population as reported in the “New England Journal of Med- The first significant contribution of surgery to the solu-
icine” and found by us in the Italian obese population tion of the obesity problem was the intestinal bypass pro-
Surgery in obese patients may reduce sanitary costs by posed and performed by Linner, Kremer and Nelson in
45% after 5 years. U.S.A. statistics show that, three years 1954. In 1963 Payne standardized the jejunal-ileal by pass.
and a half after surgery, operated patients cost less than non The procedure determines a very effective and indiscrimi-
operated patients. nate malabsorption by reducing to 30 cm the functioning
At the same time mini invasive laparoscopic surgery, (digestion and absorption) small intestine.
during the last 20 years, has had a tremendous diffusion However the early and unquestionable effect of surgery was
world wide. due to very significant physio-pathological changes with severe
The combination of these two factors, obesity and lapa- side effects, in particular severe liver sequalae, even cirrhosis.
roscopy, determined a “critical mass” which resulted in the All major surgical societies consider this procedure banned.
explosion of bariatric surgery, with an exponential growth At present there are three groups of standard surgical pro-
in the last 10 years. The advantages of laparoscopic surgery cedures, internationally accepted:
were greatly stressed in bariatric surgery. – restrictive procedures, laparoscopic adjustable silicone
Early mobilization and early recovery of G-E functions, gastric banding (LASGB) and vertical banded gastroplasty
Nicola Basso
32
In 1988 Scopinaro procedure was modified by Hess to and psychological profile of alimentary behaviour. Unfortu-
reduce the occurrence of possible troublesome diarrhoea nately, at present, precise and very reliable criteria do not exist.
symptoms. Main differences are: sleeve gastrectomy with The last word is always to the patient and to his satisfaction.
pylorus maintenance, 100 cm common channel: BPD-DS. In conclusion bariatric surgery determines an effective
Further Gagner proposed a two steps procedure: first the and long term EWL with a beneficial effect on co-morbidi-
sleeve gastrectomy. After an interval of 6-12 months and a ties. As a consequence life expectancy is lengthened and
significant EWL, the second step is performed. The two quality of life is ameliorated. The social-economic impact is
steps procedure significantly reduces morbidity and mortal- very effective.
ity when compared to the one step procedure. Key points are: correct selection of patients, adequate sur-
BPD determines a 50-75 % EWL at long (>10 years) fol- gical technique, and exhaustive follow-up.
low up, being the most effective procedure on excess weight. The laparoscopic approach is, by no means, the gold stan-
Similarly this procedure is very effective on the metabolic dard as it fulfils all criteria to be considered so: safety, efficacy,
syndrome (diabetes mellitus 2: 90/100 % resolution, hyper- reproducibility, cost effectiveness. The efficacy at the 10 years
cholesterolemia 100 % resolution, etc. follow-up will, we are certain, confirm the present results.
Complications of BPD are: bleeding (6 %), fistulization However there are a number of controversial “hot topics”
(2 %), pulmonary embolism (0.5 %) and respiratory prob- related to:
lems. In most instances the treatment is conservative. Anas- - age, both for the adolescent and for the elderly; weight
tomotic ulcers occurrence has been greatly reduced by pro- limits (class 1 obesity) for indication to surgery; - criteria for
ton pomp inhibitors therapy. selection of the type of surgery in the individual patient; -
Specific side effects of BPD include: tiredness, gas bloat diabesity; - sleeve gastrectomy.
syndrome, peripheral oedema and, most undesirable, diar- In the last few years age limits both on the upper and on
rhoea (15-20 %) with foul smelling stools. the lower range are under debate. Obesity is extending to
According to Hess and to Gagner BPD-DS seems to surprising new categories of individuals. Particularly worri-
decrease the incidence of these side effects due to the longer some is the phenomenon in the paediatric age with per-
common channel (100 vs 50 cm) and to the maintenance of centages that go as up as 20-25% between 9 and 12 years of
the pylorus. age. Italy holds first place in Europe, together with Greece.
Before closing on surgical procedures, only few words on Fifteen per cent of these children eventually will be morbidly
an old technique with novel interest. In the last few years the obese adults.
intra-gastric balloon (BIB) has had an ever increasing popu- Debate exists also for weight limits (class 1 obesity), since
larity among patients and surgeons due to the ease of appli- the ever increasing demand for surgery.
cation (endoscopy in sedation), and to encouraging results. Among the “hot topics”, diabetes and its relationship with
BIB has been used primarily in the treatment of border- obesity is, at present, the hottest. In the world there are 190
line cases and as a preoperative procedure to decrease ope- million diabetes mellitus patients, 90% of which are obese.
rative risks. “Diabesity” is the XXI century epidemic
A randomized study showed that the BIB induced weight- GBP and BPD seem to exert an anti-diabetic effect, inde-
loss is not a placebo effect but is dependent on a specific mech- pendently from the weight loss, determined by an endocrine
anism. BIB induced in 80% of cases a significant improve- mechanism in part clarified, but still needing further inves-
ment of respiratory function and sleep apnoea episodes. tigation.
One problem we are confronted with is the indication of The anti-diabetic effect of GBP and BPD is so relevant
the type of surgery in the individual patient. In the Nice 2000 that Dixon, in a momentous editorial strongly suggested a
EAES consensus conference suggestions have been given. The role for surgery in the therapy of DM 2.
criteria adopted take into account well established data. The goal of a surgical therapy for diabetes is pursued by
Although all the three main surgical procedure, more com- many surgeons around the world. Trials are ongoing in
monly executed, determine a significant EWL, this effect Europe, U.S.A. and South America. In the “Diabetes Surgery
increases from LASGB, to GBP, to BPD. Two additional fac- Summit (DSS)”, that took place in Rome in March 2007, the
tors taken into consideration are: existence of co-morbidities top medical and surgical authorities from all over the world
Nicola Basso
34
GRANDES TEMAS: OBESIDADE
Obesidade: causas
e distribuição da epidemia
Henrique Barros, Elisabete Ramos
Nas sociedades ocidentais, a obesidade, com o taba- e obesidade, de âmbito intersectorial, nomeadamente,
gismo e o consumo de bebidas alcoólicas, constitui um entre os sectores da saúde, social, alimentar, educa-
conjunto de problemas de saúde com mais marcado cional e cultural, como também preparar medidas
efeito na morbilidade, na mortalidade e consequente- compreensivas de prevenção e gestão contra a obesi-
mente nos custos em saúde [1]. Estima-se que na dade”. Igualmente, lembra que dado a obesidade se
União Europeia a obesidade seja responsável por cerca encontrar intimamente ligada a outras doenças, como
de 7% dos custos em cuidados de saúde, percentagem a diabetes, as doenças cardiovasculares e as osteoarti-
que irá aumentar dada a tendência crescente na sua culares, “é necessário não apenas uma abordagem pre-
prevalência [2, 3]. ventiva, mas também uma intervenção curativa e de
Há mais de uma década que as diferentes organiza- gestão da doença e da obesidade, através de um pro-
ções internacionais com relevo na investigação e na grama específico para o efeito. Afirmava que seria
definição de políticas de saúde reconhecem que a ali- “criado em parceria com as sociedades científicas, no
mentação tem um papel determinante na saúde, sendo âmbito da Direcção-Geral da Saúde, um grupo de
conhecidas relações directas particularmente com a peritos com a missão de elaborar uma proposta de
ocorrência de doenças cardiovasculares e de cancro. programa nacional, com linhas estratégicas de com-
Em Portugal, o Plano Nacional de Saúde 2004- bate à obesidade”. Existe actualmente a Plataforma
2010 [4], reconhece que a obesidade “é um enorme Nacional Contra a Obesidade [5].
problema de saúde pública, pela elevada prevalência, Alguns aspectos anedóticos revelam a importância
natureza crónica do seu curso, morbilidade e morta- social da obesidade: foi preciso alargar os carros para
lidade de que se acompanha, assim como pela difi- transportar bebés porque uma proporção de crianças é
culdade e complexidade do tratamento.” Já então o obesa desde muito cedo e as suas medidas estavam para
Plano descrevia a obesidade como “um problema em lá dos padrões comuns fornecidos pelo mercado; a
crescente aumento” estimado entre os 10% e 15%, e cirurgia estética, nomeadamente a lipoaspiração, cres-
que a sua prevalência se “situava entre os 10% e 25% ceu 118% entre 1997 e 2005, nos Estados Unidos da
nos países europeus, prevendo-se que, em Portugal, a América; também na América foram aumentados os
prevalência se situe nos 15% para o sexo masculino e tamanhos das cadeiras dos estádios de basebol, dema-
nos 16% para o sexo feminino”. Em consequência, o siado estreitos e incómodos para uma proporção cres-
Plano explicita a necessidade de melhorar a informa- cente dos espectadores; em 2000, o excesso de peso
ção e a acção sobre a obesidade e para isso, nele se dos passageiros custou às companhias aéreas america-
escreve que “...deverá ser adoptada uma abordagem nas 1325 mil milhões de litros de combustível adicio-
de promoção da saúde e preventiva do excesso de peso nal e o peso que em si puseram esses passageiros cus-
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Cirurgia bariátrica
Isabel do Carmo1, Maria João Fagundes2, José Camolas3
Para algum observador externo poderá parecer para- como os EUA, é suficientemente grande para se calcu-
doxal, ou mesmo bizarro, que em metade do mundo larem cerca de 32.000 grandes obesos em Portugal em
cerca 700 milhões padeçam de fome e que na outra idade adulta. Deverá ainda ser adicionada a população
metade do mundo se tenha que “ afunilar” o estômago com obesidade grau II com doenças associadas.
para que não entrem mais alimentos. E no entanto, não Esta população de grandes obesos tem provavel-
é assim tão estranho. Segundo a Organização Mundial mente um forte factor genético. Esta afirmação pode-
de Saúde , na metade do mundo que vive em estado se basear em três razões:1. Estando inseridos num con-
de insuficiência proteíco-calórica, à medida que houver junto populacional sujeito às mesmas condições de
disponibilidade de alimentos, os indivíduos entrarão mudanças alimentares e sedentarismo, destacam-se no
directamente ( alguns já estão a entrar) na obesidade e desenvolvimento duma obesidade grave, enquanto que
dentro desta uma parte terá obesidade grave ou mór- os restantes se distribuem por graus mais moderados 2.
bida. As razões para esta mudança directa de um estado Na anamnese é quase constante o relato duma obesi-
para o outro são a selecção genética da resistência à dade que vem desde a pequena infância 3. São fre-
fome, os baixos custos da disponibilidade alimentar quentes os casos de familias de grandes obesos. Pensa-
hipercalórica e os custos altos da alimentação menos se hoje que são poucos os casos de defeitos genéticos
calórica e com maior valor nutricional. Como exem- que se reduzem a uma determinante, como é o caso da
plo pode-se observar o que se passa na India, onde na leptina, mas que há uma situação (ou terreno) poligé-
região de Nova Deli no Norte da India, as mulheres da nico que determina a gravidade dos casos, após a expo-
zona urbana tem 16,4 % de obesidade( um pouco sição aos factores alimentares e ao sedentarismo (5).
superior à nossa) e as da zona rural têm 2,2 % (1). As
determinantes sociais são bem patentes nos EUA onde PATOLOGIA ASSOCIADA
na avaliação do NHANES de 2003-2004 (2) a obesi-
dade grau III tem uma prevalência de 2,8% entre os Na obesidade mórbida, ou grave ou grau III, acen-
brancos não-hispânicos na população dos 18 aos 64 tuam-se todos os riscos que se apontam para a obesi-
anos e de 6,9 nas mulheres do mesmo grupo, sendo de dade em geral. Ou seja: riscos cardiovasculares, pro-
5,4% entre os homens afro-americanos. Quanto a nós, babilidade de ocorrência de diabetes tipo 2, probabi-
temos 0,6% de obesidade grau III (0,8 nas mulheres e lidade acrescida de certos cancros, doenças osteoarti-
0,2 nos homens), num conjunto de 14,2% de obesi- culares, pertubação do sono e problemas psicológicos
dade, a qual se agrava sucessivamente à medida que se e psico-sociais. O risco relativo de morte calculado aos
desce na escala social (3,4). E apesar da nossa prevalên- 50 anos para homens e mulheres com IMC≥40 não
cia ser pequena comparada com a de outros países, fumadores é respectivamente de 3,82 e 3,79 (6) e para
Cirurgia bariátrica
45
trica pressupõe um conjunto de práticas que, infeliz- intervenção nas possíveis complicações psicológicas e
mente, não estão, ainda, organizadas num protocolo do âmbito psicossocial (v.g. perturbações do compor-
nacional e/ou internacional11 tamento alimentar, depressão, ansiedade ou agrava-
Cada grupo de trabalho constitui a sua bateria de mento da sintomatologia psicológica prévia à inter-
testes, critérios de exclusão, periodicidade e tipo de venção). Em síntese, pretende excluir-se candidatos
intervenção psicoterapêutica. cujo risco supere o benefício; seleccionar os que apre-
Para colmatar o que se considera ser uma lacuna sentam melhor prognóstico12. Quanto aos restantes
importante, o Núcleo de Psicologia da Sociedade Por- intervir quando os critérios são “limite” de modo a que
tuguesa de Cirurgia Bariátrica e o Grupo de Trabalho de estes candidatos possam, a seu tempo, ser submetidos
Psicologia e Comportamento da Sociedade Portuguesa à cirurgia. A actualização científica deve ser constante,
para o Estudo da Obesidade estão a produzir, em con- já que a experiência de outros grupos, com outras téc-
junto, um protocolo que, pretendemos, sirva de orien- nicas, grandes séries e acompanhamento longitudinal
tação para os profissionais portugueses bem como se se revela de enorme interesse13,14 .
constitua a proposta nacional para o protocolo europeu.
Neste artigo, descrevemos a prática do grupo mul- OBESIDADE MÓRBIDA, AVALIAÇÃO
tidisciplinar da Consulta de Obesidade Mórbida do PSICOLÓGICA, CIRURGIA BARIÁTRICA
Hospital de Santa Maria em Lisboa.
Na nossa consulta o encaminhamento para a Cirurgia A consulta de Obesidade Mórbida tem uma estru-
Bariátrica é feito, por equipa multidisciplinar, com base tura multidisciplinar que inclui consultas de endocri-
em critérios médicos e psicológicos. Para tal, foi criado nologia, cirurgia, psicologia e nutrição.
um protocolo de intervenção psicológica, com base na Todos os candidatos são avaliados na consulta de
literatura internacional e dados empíricos de centros hos- psicologia. O Protocolo consiste numa Avaliação Psi-
pitalares que realizam esta avaliação há várias décadas. cológica (A.P.), em cinco sessões, onde é aplicada uma
A intervenção do psicólogo pode esquematizar-se Entrevista semi-estruturada e uma bateria de testes psi-
do seguinte modo: Pré-operatório: Avaliação Psicoló- cométricos e projectivos conforme Tabela 1.
gica (A.P.) e acompanhamento visando a adesão ao tra- A Entrevista é o primeiro instrumento de avaliação.
tamento (v.g. mudanças comportamentais, estratégia Com base nesta se fará, logo na primeira fase, o diag-
de coping alternativa à “alimentação emocional”, incre- nóstico diferencial das Perturbações do Comporta-
mento da actividade física). Pós-operatório: despiste e mento Alimentar e do padrão alimentar do obeso:
Cirurgia bariátrica
47
Mas, neste importante processo, a avaliação e acompa- seas, vómitos e alterações do trânsito intestinal)
nhamento psicológico devem ser realizados por profis- – Alterações do paladar e olfacto
sionais experientes, munidos de um protocolo testado e – Preferências alimentares e aversões (incluindo
com uma calendarização que sirva o doente. O acom- questões éticas e culturais)
panhamento não tem um fim previsível. A estabilidade – Presença de alergias ou intolerâncias alimentares
emocional e a modificação de hábitos de vida terão de – Consumo de bebidas alcoólicas
se conquistar e manter diariamente. As memórias, físi- – Capacidade de aquisição e intervenção na prepa-
cas e psicológicas, da obesidade mórbida, não se apa- ração de alimentos
gam num só momento. Para isso, teremos de estar dis- – Grau de actividade física
poníveis, pessoal e institucionalmente, para o resto, do – Fármacos e Suplementos Nutricionais
que desejamos, seja uma boa e longa vida. • Iniciar o processo de Reeducação Nutricional;
• Esclarecer o doente sobre as fases da Dieta Pós-
Avaliação/Seguimento Nutricional -Operatória
Pré-Balão/Cirurgia Bariátrica
O protocolo que se segue é o resultado dum traba- SEGUIMENTO NUTRICIONAL PÓS-BALÃO/
lho comum dos especialistas de nutrição/dietética do /CIRURGIA BARIÁTRICA
Hospital de Santa Maria e do Hospital Pulido Valente:
Patrícia Nunes, Silvia Neves, Anabela Santos, José 1. Periodicidade e duração das consultas:
Camolas, João Vieira e Maria Guiomar Ferreira. • A data da alta o doente receberá orientação ali-
1. Número, periodicidade e duração das consultas: mentar do técnico de nutrição que dá apoio ao Ser-
• O candidato a Balão/Cirurgia Bariátrica deve fre- viço de Cirurgia e é orientado para, aproximadamente
quentar um mínimo de três consultas de avaliação/ uma semana depois, se dirigir à consulta de ambula-
/seguimento nutricional antes da cirurgia; tório para receber novas orientações;
• A periodicidade será aproximadamente mensal; • As consultas seguintes de ambulatório terão uma
• A duração será de aproximadamente 30 a 40 periodicidade aproximadamente quinzenal, nos pri-
minutos, no caso de serem primeiras consultas, e de meiros dois meses, mensal, até aos seis meses, bimes-
20 minutos, nas consultas de seguimento; tral, até ao ano, trimestral, após os 12 meses, e bianual,
2. Tem como objectivos: aos dois anos após a intervenção;
• Proceder à História Clínica e Avaliação Nutricio- • A duração será de aproximadamente 20 minutos.
nal, visando avaliar: 2. Características da Dieta
– Altura, peso (actual, habitual e adequado, bem Conteúdo Energético
como a sua evolução), perímetro da cintura e perí- As técnicas restritivas ou mistas permitem a existência
metro da anca de uma sensação de saciedade precoce, devida à reduzida
– Patologias associadas (Diabetes, DCV, HTA, dimensão do primeiro reservatório. Durante os três pri-
entre outras) meiros meses após a cirurgia a restrição calórica é mais
– Antecedentes familiares de obesidade e/ou outras intensa, sobretudo devido à redução espontânea da
patologias associadas ingestão de alimentos, à diminuição do apetite e à sacie-
– Alterações do Comportamento Alimentar (Night dade precoce. Nos primeiros 6-12 meses a ingestão caló-
Eating Syndrome, Binge Eating Syndrome, Sweet rica rondará as 800 Kcal/dia. Posteriormente, com a dila-
Craving, entre outras) tação do reservatório e com a consolidação dos hábitos
– Esquema alimentar do doente alimentares, a ingestão rondará as 1000-1200 Kcal/dia.
– Apetite e níveis de saciedade Consistência
– Presença de sintomatologia gastrointestinal (náu- Ainda no internamento o doente deve ser estimu-
Cirurgia bariátrica
49
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Serviço de Gastrenterologia – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. – Hospital de Egas Moniz
RESUMO
Introdução: A crescente epidemia da obesidade conduziu à procura de novas opções terapêuticas, tendencialmente menos invasivas,
associadas a menor morbilidade e a menores custos económicos. O papel da Gastrenterologia nesta área, com o aparecimento recente
de novas terapêuticas endoluminais e a perspectiva futura de procedimentos bariátricos transgástricos, é promissor.
Métodos: Revisão da literatura actual, seleccionada em bases de dados médicas informatizadas (MEDSCAPE, MEDLINE), sobre os
tratamentos endoscópicos da obesidade, já disponíveis e em investigação.
Resultados: A terapêutica endoluminal da obesidade com o balão intra-gástrico revelou já um bom perfil de segurança e tolerabilidade,
com eficácia a curto e longo-prazo demonstrada em vários estudos europeus prospectivos. Possibilita uma redução ponderal compara-
tivamente inferior à cirurgia bariátrica, mas suficiente para atingir os objectivos definidos pela OMS no tratamento da obesidade, com
melhoria das principais comorbilidades associadas. Encontram-se em fase investigacional novas terapêuticas endoluminais e transgás-
tricas, que combinam as vantagens da endoscopia flexível com procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, na perspectiva de virem
a ter um papel relevante na abordagem multidisciplinar da obesidade.
Conclusões: O balão intra-gástrico associa-se a sucesso técnico e clínico, permitindo melhoria das principais complicações médicas da
obesidade. A crescente evolução de novos procedimentos endoluminais e transgástricos surgem como mais-valias promissoras no com-
bate a este problema mundial de saúde pública.
Palavras-chave: obesidade; endoscopia terapêutica; balão intra-gástrico; bariátrica.
ABSTRACT
Background: Along with obesity’s epidemic growth, came the need for new therapeutic options, tendencially less invasive, associated
with lower morbidity and lower cost. Gastroenterolgy plays a promissing role in this field, with emerging new endoluminal procedu-
res and the future perspective for transgastric bariatric treatments.
Methods: A literature review was done, selected from computerized medical data bases (MEDSCAPE, MEDLINE), on currently avai-
lable and investigational bariatric endoscopic procedures.
Results: Several prospective european studies have shown that endoluminal obesity’s treatment with intra-gastric balloon is safe and
well tolerated, with satisfactory short and long-term success rates. It allows shorter weight loss when compared to bariatric surgery, but
enough to accomplish WHO’s main goals for obesity treatment, with improvement in major medical comorbidities. New endolumi-
nal and transgastric procedures combining the skills and techniques of flexible endoscopy with minimally invasive surgery are under
investigation, with the perspective of a future relevant part in obesity’s multidisciplinary management.
Conclusions: Intra-gastric balloon shows high technical and clinical success rates, with prompt improvement in associated medical com-
plications. Evolving endoluminal and transgastric procedures come as valuable therapeutical options in this worldwide health problem.
Key Words: obesity; therapeutic endoscopy; intragastric balloon; bariatric.
Miguel Côrte-Real da S. Bispo, Pedro Miguel B. Fernandes Barreiro, Tiago dos Santos N. Bana e Costa, Leopoldo Maria L.s Cunha Matos
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de reduzir a capacidade de reserva do estômago, de se, posteriormente, as novas tecnologias endoluminais
forma a produzir uma sensação de saciedade precoce. e transgástricas que estão na origem do novo conceito
Este conceito levou ao desenvolvimento do primeiro de cirurgia bariátrica endoscópica.
BIG (balão de Garren-Edwards), em 1986, mais tarde
retirado do mercado devido ao elevado número de I. Balão intra-gástrico (BIG)
complicações associadas (nomeadamente, casos de Como já referido, o BIG foi concebido de modo a
desinsuflação espontânea e oclusão intestinal) (11). O diminuir a capacidade de reserva do estômago e a pro-
novo BIG (BioEnterics Corp., Carpinteria, Calif.), duzir uma sensação de saciedade precoce, contri-
produzido pouco tempo mais tarde, revelou, por sua buindo para a aquisição de novos hábitos alimentares.
vez, um bom perfil de segurança e tolerabilidade (12), São considerados elegíveis para este tratamento ape-
sendo constituído por um material inerte de silicone, nas os doentes motivados, em que a terapêutica con-
não tóxico, não irritativo, com indicação para perma- servadora (dieta, terapêutica comportamental e far-
nência na cavidade gástrica de 4 a 6 meses. O Serviço macoterapia) mantida durante pelo menos 6 meses foi
de Gastrenterologia do Hospital de Egas Moniz foi ineficaz (14). O BIG constitui uma opção terapêutica
pioneiro em Portugal no tratamento da obesidade com particularmente atractiva no grupo de doentes resis-
o BIG. Desde o primeiro tratamento realizado em tentes ao tratamento conservador, que não preenchem
Outubro de 2000, o número destes procedimentos os critérios do NIH para cirurgia bariátrica (15). Doldi
continua a aumentar. Actualmente, o BIG continua a et al (16), considera que os grupos de doentes que mais
constituir a única terapêutica endoscópica da obesi- beneficiam deste tratamento são:
dade disponível na nossa prática clínica diária. 1. Obesos mórbidos (IMC>40 Kg/m2) e super-obe-
Só mais recentemente, a dimensão da terapêutica sos (IMC>50 Kg/m2) na preparação para cirurgia
endoscópica da obesidade foi alargada, surgindo o con- bariátrica;
ceito de cirurgia bariátrica endoluminal e transgástrica 2. Obesos com IMC 35-40 Kg/m2 (classe II), na
(9). Por um lado, a cirurgia endoluminal é definida pela presença de pelo menos uma doença associada à
realização de procedimentos cirúrgicos inteiramente obesidade;
no lúmen gastrointestinal, usando a endoscopia flexí- 3. Obesos com IMC 30-35 Kg/m2 (classe I), na pre-
vel. Por outro lado, a cirurgia transluminal (ou trans- sença de comorbilidade grave associada (ex:
gástrica), engloba procedimentos dentro da cavidade doença médica não controlada, doença coroná-
peritoneal, com acesso a partir da cavidade gástrica. A ria, ou pelo menos duas doenças associadas à obe-
cirurgia bariátrica transgástrica integra-se colectiva- sidade).
mente na “Natural Orifice Transluminal Endoscopic A colocação do BIG é habitualmente realizada sob
Surgery” (NOTES) (13). A utilidade de novos equipa- sedação profunda, com monitorização cardíaca e oxi-
mentos cirúrgicos endoluminais está actualmente a ser metria de pulso. O balão deve ser colocado no fundo
analisada em estudos pré-clínicos e clínicos, incluindo gástrico, sob controlo endoscópico, e preenchido com
a revisão de cirurgias bariátricas prévias, e como poten- uma solução de 400-800ml de soro fisiológico (ajus-
ciais procedimentos primários para a redução de peso. tado à cavidade gástrica de cada doente) e 10ml de azul
Se a segurança e eficácia destes novos procedimentos de metileno (Figura 1). Após o procedimento, deve ser
bariátricos for comprovada, surgirá na prática clínica instituída terapêutica com inibidor da secreção ácida
uma nova dimensão de cirurgia minimamente inva- gástrica, anti-emético e anti-espasmódico, com neces-
siva. sidade de um período de vigilância hospitalar de ape-
De seguida, é feita uma breve revisão da terapêutica nas duas horas (17). A extracção do BIG é igualmente
endoscópica endoluminal da obesidade mais difundida realizada sob sedação e controlo endoscópico (Figuras
na prática clínica: o balão intra-gástrico, apresentando- 2 A, B e C), em regime de ambulatório (17).
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da Wilson-CookTM. Os resultados promissores deste
tipo de tratamento na DRGE (26), criam boas expec-
tativas e a iniciativa em expandir este procedimento a
outras situações clínicas, nomeadamente na correcção
de perfurações viscerais e na terapêutica bariátrica.
À imagem dos aparelhos de sutura, estão também a
ser criados e aperfeiçoados agrafadores endoscópicos,
actualmente representados pelo SurgASSIST®.
Fogel et al (27), relataram o único estudo clínico de
sutura endoluminal como tratamento primário da
obesidade. Neste estudo, 10 doentes com IMC médio
A
de 39Kg/m2, foram submetidos a gastroplastia endos-
cópica, utilizando o sistema de sutura Endo-Cinch®.
Foram colocadas aplicações ao longo da pequena cur-
vatura gástrica, com sucesso técnico na totalidade dos
casos. O tempo médio da intervenção foi de 60 a 90
minutos, sem registo de complicações. Registou-se
uma perda ponderal rápida, variando entre 15 e 45
Kg, num período total de 9 meses. Este estudo pers-
pectiva o desenvolvimento da gastroplastia endoscó-
pica como uma alternativa no tratamento primário da
obesidade a curto-prazo.
ligado a uma prótese metálica auto-expansível, colo- ção do seu real valor. O dispositivo eléctrico mundial-
cado no lúmen intestinal numa extensão variável de mente mais conhecido é o sistema Transcend®. Este
180 a 360cm (29). Numa série recente com 10 doen- sistema, primariamente colocado por laparotomia ou
tes (6), registou-se após 3 meses de uso da prótese, uma laparoscopia, poderá vir a ser colocado endoscopica-
redução de aproximadamente 20% do peso inicial, mente, funcionando como um pace-maker gástrico.
não se tendo objectivado complicações técnicas na O mecanismo de acção passa por colocar eléctrodos
colocação e remoção do dispositivo. endoluminais que promovem um atraso no esvazia-
mento gástrico.
3. Técnicas de ablação tecidual
As técnicas de ablação, nomeadamente a radiofre- CIRURGIA BARIÁTRICA TRANSLUMINAL
quência, têm sido usadas no tratamento endoscópico (TRANSGÁSTRICA)
da DRGE, induzindo lesão tecidual com consequente
retracção das fibras de colagénio, o que leva ao O entusiasmo em redor das emergentes técnicas
aumento do tónus da transição esófago-gástrica. transluminais tem sido grande. Vários são os trabalhos
Actualmente encontra-se disponível no mercado o sis- publicados nesta área, descrevendo inovadores dispo-
tema de radiofrequência Stretta®. Esta tecnologia está sitivos, multifacetados, e novas técnicas cirúrgicas rea-
a ser testada como terapêutica ablativa aplicada ao lizadas em animais.
antro e piloro, com o objectivo de atrasar o esvazia- Dois estudos recentes independentes apresentaram
mento gástrico, condicionando saciedade precoce (30). métodos para a realização de anastomoses gastrojeju-
A ablação tecidual com escleroterapia, foi também nais, mediante técnicas transluminais. Kantsenvoy et al
descrita por Spauling no tratamento (revisão) de dila- (32) e Park et al (33), relataram a criação de gastrojeju-
tações de estomas gastrojejunais, como complicação nostomias em porcos, acedendo à cavidade peritoneal
pós-bypass gástrico em Y-de-Roux (31). Nesta série de por via transgástrica.
20 doentes, 15 retomaram a redução ponderal poste-
riormente a esta terapêutica. DISCUSSÃO
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da perda ponderal atingida com este tratamento ser vez menos invasivos, perspectivam a rápida emergência
substancialmente inferior à documentada com a cirur- da cirurgia bariátrica endoscópica (9). Os resultados de
gia bariátrica (1, 24, 34), cumpre os objectivos terapêuti- ensaios clínicos actualmente a decorrer irão conduzir a
cos definidos pela OMS (7) na maioria dos doentes, o evolução destas tecnologias e responder a questões
que se traduz pela melhoria das principais comorbili- como a eficácia relativa, durabilidade e segurança des-
dades registadas (14, 16, 17, 18, 19, 20, 21). A longo-prazo, tes procedimentos. Perspectiva-se que as primeiras indi-
a eficácia do BIG não é consensual, pelo que não é cações a surgir serão na utilização de técnicas endolu-
incluído nas recomendações internacionais do trata- minais como ponte para a cirurgia bariátrica conven-
mento da obesidade (1). Dois importantes estudos pros- cional e na reparação de complicações pós-cirúrgicas,
pectivos recentes (14, 20), sugeriram que uma proporção sendo os dados preliminares encorajadores (27).
da perda ponderal atingida durante a permanência do A expectativa do papel que as técnicas cirúrgicas
BIG é durável até aos 24 meses, considerando que o endoluminais possam vir a ocupar na medicina bariá-
sucesso clínico do BIG é extensível a longo-prazo. A trica é muito grande. Espera-se que estes procedimen-
eficácia clínica comprovada da cirurgia bariátrica, que tos reduzam ou eliminem muitos dos riscos associados
é actualmente considerada a terapêutica gold-standard à cirurgia bariátrica convencional, criando o conceito
da obesidade mórbida (15), é, por sua vez, contrabalan- de cirurgia bariátrica de ambulatório (38). Pensa-se
çada pelo receio dos doentes dum procedimento mais ainda que possam vir a alargar o grupo de potenciais
invasivo, e pela evidência do número não desprezível candidatos cirúrgicos, englobando graus de obesidade
de complicações precoces e tardias já documentadas (1, menos severos (9).
2, 3, 4, 35). Alguns autores (36, 37) consideram que o BIG Coloca-se a importante questão de quem irá realizar
“pré-cirúrgico” (como “ponte” para a cirurgia bariá- os procedimentos bariátricos endoluminais. Apesar des-
trica), para além de possibilitar uma redução do risco tes procedimentos serem actualmente realizados prima-
anestésico e de complicações intra e pós-operatórias, riamente por gastrenterologistas, o papel dos cirurgiões
permite seleccionar os doentes que mais beneficiam neste campo tem sido encorajado (38). Esse papel será
com um procedimento cirúrgico restritivo (como a particularmente relevante com o desenvolvimento da
banda ou o bypass), devendo os doentes “resistentes” ao cirurgia transgástrica (NOTES). Dada a especificidade
BIG ser submetidos a um procedimento que induza destes procedimentos e as exigências técnicas destes
mal-absorção. equipamentos, poderá mesmo vir a surgir uma especia-
A realidade actual da terapêutica endoscópica da lidade híbrida única (9). É fundamental um trabalho
obesidade ultrapassa o BIG e entra num novo estadio conjunto da Gastrenterologia e da Cirurgia Geral, den-
de desenvolvimento. A evolução da tecnologia endos- tro de uma estrutura multidisciplinar, para uma har-
cópica e a exigência de procedimentos cirúrgicos cada moniosa evolução da endoterapia bariátrica.
BIBLIOGRAFIA
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nical Support Series 1998; Geneva. 1-276.
Correspondência:
LEOPOLDO MATOS
Serviço de Gastrenterologia
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. – Hospital de Egas Moniz
Rua da Junqueira, 126 – 1349-019 Lisboa
Telefone: 917 222 578
leopoldomatos@hegasmoniz.min-saude.pt
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GRANDES TEMAS: OBESIDADE
António Sérgio
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• Tromboembolismo pulmonar (12,13)
• Hiperglicemia pós operatória
• Infecção
TÉCNICA CIRÚRGICA
António Sérgio
62
ligeira de liquido, em torno de 10% ano e haja neces- remover a banda, o terceiro por opção do doente ficou
sidade de repicar 1 a 2 vezes para manter o peso. internado com fluidoterapia e ao fim do 8º dia os sin-
tomas desapareceram.
O problema major no pós-operatório imediato é a
COMPLICAÇÕES E RESULTADOS infecção (25).
inferior é destruído, ocorrendo dilatação esofágica, cada novamente, mais superiormente, ou optar por
sendo necessário aliviar a pressão exercida pela banda outra atitude cirúrgica.
sobre a parede gástrica, permitindo assim um melhor Outra complicação que pode desenvolver-se e que
esvaziamento gástrico (Fig. 7). pode estar directamente relacionada com crises hemé-
Por vezes esta sintomatologia de regurgitação noc- ticas graves é o deslizamento do estômago através da
turna não é mais do que um sinal de inadaptação do banda ou slippage (27), provocando sintomas de obs-
doente à banda gástrica, que insiste em comer e beber trução e dor epigástrica, que pode ser provocada
inusitadamente, ocasionando vómitos e forçando a somente pela distensão gástrica ou por necrose da
bolsa de forma repetida, provocando consequente- parede. Na nossa experiência, ocorreu em 1,5% dos
mente a dilatação da bolsa gástrica (26) que obriga mui- 1298 doentes. É uma verdadeira urgência cirúrgica,
tas vezes a reintervenção cirúrgica (27,28) para recolo- pelo risco de necrose do estômago e consequências que
cação da banda (Figs. 8, 9). daí possam advir (Figs.10, 11).
A percentagem de dilatação de bolsa gastrica com A complicação provavelmente mais grave é a erosão
necessidade de recurso a cirurgia para recolocação da provocada pela banda através da parede para o lúmen
banda é de 2,2% nos 1298 doentes operados. É de ter gastrico (29,30,31). Pensa-se que as duas principais
em conta que sempre que exista dilatação da bolsa gas- razões para que tal aconteça são a banda se encontrar
trica, a banda deve ser removida do seu leito e recolo- demasiado apertada ou infecções que possam aconte-
António Sérgio
64
cer e passar despercebidas, provocando a erosão trico, ao contrário de outros autores (30) somos da
(Fig.12). opinião que a remoção da banda e a execução de nova
Normalmente esta complicação não se manifesta técnica cirurgica devem ser realizados em tempos dis-
por peritonite ou abcesso intraabdominal, podendo se tintos.
manifestar por um abcesso da parede abdominal Outro dos problemas major verificado, está também
(infecção do port), aumento de peso e por hemorra- relacionado com a estabilidade do material protésico
gia digestiva alta por erosão de um vaso sanguíneo. (32,33) utilizado e a sua longevidade, a banda aparece ao
Nos primeiros 1298 doentes operados verificamos 20 final de algum tempo danificada (rompe-se), tendo
migrações (1,5%), estas migrações apareceram na sua várias sido já removidas devido a este problema (Fig.
maioria entre os 12 e os 24 meses de pós-operatório, 13,14).
no entanto, as 4 últimas migrações sucederam em Este acontecimento, que se verificou em 2,37% dos
doentes portadores de banda gástrica há 8 anos, sem doentes, provoca um extravasamento do líquido con-
manifestação clinica prévia. tido no balão da banda, diminuindo a sensação de
O tratamento passa pela remoção da banda e pos- saciedade e consequente aumento de peso, sem outras
terior realização de outra cirurgia ou colocação de nova queixas. Como acontece com a migração também a
banda. Das 20 migrações intra-gastricas referidas, 4 rotura da banda é mais frequente em tipos de banda
dos pacientes colocaram nova banda, optando os específicos (A. Sérgio – comunicação Tóquio X Con-
outros por outra técnica cirurgica como bypass gas- gresso Mundial IFSO).
Fig. 13 Fig. 14
entre Novembro de 1996 e Novembro de 2006, com Na evolução dos processos cirúrgicos desde a década
um IMC médio de 47 kg/m2, para um mínimo de 33 de 50, a banda gástrica ajustável foi indiscutivelmente
kg/m2 e máximo de 77,3 kg/m2, um peso médio de o último processo com carácter restritivo e eficácia no
121 kgs para um mínimo de 86 kgs e máximo de 242 tratamento da obesidade a fazer parte do armamentá-
kgs. rio nesta luta constante contra a epidemia deste século.
A estabilidade do peso é conseguida pelo facto de O manter a inviolabilidade gástrica, a ajustabilidade
existir sempre a possibilidade de reajustar a banda com do estoma criado, a sua reconversão fácil sempre que
pequenas quantidades de liquido, quando o paciente necessário, pareciam tornar este acto cirúrgico a cirur-
António Sérgio
66
gia de eleição para o tratamento da obesidade mas, a tensão, que juntamente com a melhoria da dislipidé-
colocação de material protésico cuja longevidade e mia reduz francamente o risco de desenvolvimento de
estabilidade é desconhecida, o tratarmos com doentes doenças cardiovasculares, melhoria de todas as condi-
que têm características muito próprias (11), a necessi- ções agravadas pela obesidade como incontinência uri-
dade de grupos de suporte e a falta de trabalhos com nária de esforço, apneia de sono, melhorando a ferti-
follow up mais longo, embora não inviabilizem o lidade da mulher com gravidezes de menor risco.
método, desencadeiam ainda alguma desconfiança no A qualidade de vida melhora francamente, com
meio médico. aumento da autoestima, diminuição dos sintomas
No entanto, uma técnica cirúrgica bem conduzida, depressivos, fumentada não só pela melhoria da ima-
a possibilidade da sua realização em regime ambulato- gem corporal bem como pelo recuperar de actividades
rio (40), um follow up adequado (39) com um suporte por vezes hà muito perdidas.
franco ao doente (grupos de suporte), tornam a banda
gástrica ajustável, como uma solução segura e eficaz CONCLUSÃO
no tratamento da obesidade mórbida.
Segurança – a mortalidade pós-operatória é baixa, A cirurgia é a única forma de tratamento da obesi-
apontada entre 0 e 0,5%, é a mais baixa de todas as téc- dade mórbida que oferece uma solução a longo prazo
nicas cirúrgicas, assim pode-se dizer que é 1/10 da mor- do problema, promovendo não só a perda de peso,
talidade do bypass gástrico e Derivação biliopancreática mas também a melhoria das doenças que lhe estão rela-
Eficácia – Como referido anteriormente, a perda de cionadas. O tratamento da obesidade mórbida com
peso é progressiva e ocorre normalmente nos primei- banda gástrica ajustável é uma forma de cirurgia bariá-
ros 3 ou mesmo 4 anos, em particular nos superobe- trica aceitável pela sua segurança, eficácia e reversibi-
sos, com uma variabilidade grande 50-60% de perda lidade. No entanto, a sua aplicação deve ser confinada
do excesso de peso, verificamos na nossa experiencia a centros que promovam um follow up compreensivo
64% EPP aos 8 anos. para toda a vida, fazendo o doente entender que é
Uma franca redução das comorbilidades, por vezes parte integrante do tratamento, a cirurgia por si só não
com cura completa das doenças associadas acompanha traz resultados, é necessario o desenvolvimento de
esta perda de peso, com melhorias significativas nas esforços por parte da equipa, de forma a trabalhar em
condições componentes do síndrome metabólico, com conjunto com o paciente com o intuito de modificar
melhoria ou mesmo remissão numa percentagem comportamentos.
grande de diabetes tipo II (41,42,43), minorando assim A cirurgia não cura a obesidade, mas é uma arma
as suas consequências. Melhoria significativa da hiper- muito potente no seu combate.
BIBLIOGRAFIA
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António Sérgio
68
GRANDES TEMAS: OBESIDADE
Bypass gástrico
Rui Ribeiro
Cirurgião Geral – Centro Hospitalar de Lisboa Central – E.P.E.
Hospital de S. José – Serviço de Cirurgia 1
A obesidade mórbida é uma doença multifactorial, res centraram-se na tentativa de reduzir o peso por
crónica, com consequências físicas, psicológicas e meio da amputação da capacidade de absorção intes-
socioeconómicas devastadoras que diminuem, de tinal criando o bypass intestinal. Mais tarde, com o
forma hoje comprovada, a expectativa e a qualidade advento do bypass gástrico percebeu-se o interesse do
de vida. componente restritivo, de tal forma que, nas décadas
Os efeitos negativos das doenças que provoca, de de 80 e 90, receberam a preferência da maioria dos
todos conhecidas, têm um efeito lento mas devastador cirurgiões. Hoje, com o bypass gástrico assumindo o
sobre o organismo. Para alguns epidemiologistas a pre- papel de operação “gold standard” e a gastroplastia
valência crescente da obesidade e suas comorbilidades tubular calibrada (“sleeve”) em ascensão, começa-se a
faz com que esta tivesse ultrapassado já o tabagismo reforçar o conceito da cirurgia endócrina.
como causa principal de mortalidade (1). De inovação em inovação, várias concepções foram
Nos E.U.A., 40% da população é obesa. Em Portugal testadas, sempre com o intuito de encontrar a opera-
temos 14% de obesos (3) e a tendência é para aumentar, ção ideal que levasse ao máximo de perda de peso com
a avaliar pelos múltiplos trabalhos que documentam o o mínimo risco e desconforto. Seguramente, o pro-
agravamento da incidência da obesidade infantil. cesso continua e ainda estamos, algures, num ponto
Por ser uma doença multifactorial, o tratamento da do percurso...
obesidade mórbida deve ter um tratamento multidis- Na cirurgia bariátrica o êxito do tratamento avalia-
ciplinar. As especialidades nucleares envolvidas, além se, normalmente, pelo emagrecimento obtido. O parâ-
da cirurgia, são a psicologia e a nutrição. Acessoria- metro que melhor transmite essa medida é a Percenta-
mente devem estar disponíveis cuidados de fisiatria, gem de Excesso de Peso Perdido (%EWL, abreviatura
pneumologia, cardiologia, endocrinologia, radiologia, do inglês % Excess Weight Loss). Mas, o parâmetro real-
gastroenterologia e cirurgia plástica e reconstrutiva. mente importante, e a ter sempre em linha de conta, é
O objectivo do tratamento é a reeducação alimentar a taxa de cura ou controle das comorbilidades.
e comportamental e, para tal, o papel da equipa é indis- Noutra vertente, a avaliação do êxito da cirurgia deve
pensável. A intervenção da cirurgia consiste despoletar ser feita também por estudos de qualidade de vida e
o processo de mudança ao mesmo tempo que facilita a estes demonstram, de forma homogénea, grande melho-
obtenção e manutenção dos resultados ambicionados. ria das pontuações. Temos pois um tratamento que con-
trola (quando não cura) doenças e dá qualidade de vida,
duas contribuições importantes para o bem-estar e,
A EVOLUÇÃO DA CIRURGIA BARIÁTRICA pode-se dizer, para a felicidade dos cidadãos.
No início dos anos 90, a implementação generalizada
O tratamento cirúrgico da obesidade começou a ser da abordagem laparoscópica, aplicada à cirurgia bariá-
conhecido na década de 50. De início os investigado- trica, permitiu reduzir substancialmente o desconforto
Rui Ribeiro
70
Fobi junta ainda uma gastrostomia circundada por comprida e à custa da pequena curvatura (menos dis-
uma placa radiopaca para permitir um eventual acesso tensível e mais próxima do Treitz). Depois faz uma anas-
endoscópico ao estômago, em caso de necessidade tomose da bolsa ao jejuno, a 200cm do ângulo de Treitz.
diagnóstica. Menos preocupado com esse aspecto, Esta versão assume-se como uma variante de bypass de
Capella desenha uma operação em que o delgado é mais fácil execução e que, embora com alguns proble-
usado como um “patch” sobre parte da linha vertical mas de reprodutibilidade, cumpre os objectivos do tra-
de agrafagem da bolsa gástrica, reduzindo o risco de tamento. Segundo este autor, numa série de 2410 casos
fistulização gastro-gástrica e conseguindo, também operados (22), os resultados são sobreponíveis aos do
algum efeito anti-refluxo. Numa ou noutra modali- bypass com montagem em Y de Roux (80% EWL) e o
dade, o bypass anelado, como também é conhecido, tempo operatório médio foi de 37,5 minutos o que diz
ficou popular entre muitos grupos como, por exem- bem do potencial interesse desta variante, pelo menos
plo, entre os cirurgiões bariátricos brasileiros. De qual- nalgumas situações de maior dificuldade técnica ou
quer forma, continua por demonstrar a superioridade numa fase inicial de prática do bypass.
dos resultados deste tipo de variante.
Em 1994, Wittgrove and Clark (17) fizeram, pela pri- AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA E SELECÇÃO
meira vez, o bypass gástrico por abordagem laparoscó- DA TÉCNICA
pica conseguindo minimizar alguns dos problemas da
técnica aberta. Na sua versão, usavam uma bolsa de 15 A selecção criteriosa dos doentes é a chave para o
a 30 ml, uma anastomose mecânica com calibre 21 mm êxito da cirurgia. A avaliação pré-operatória do candi-
e uma ansa alimentar de 75 cm. As grandes séries pro- dato a bypass faz-se de acordo com critérios disponí-
duzidas por Wittgrove mas também por Schauer (18), veis em “guide-lines” definidos por conferências de
Nguyen (19) e Higa (20) viriam a demonstrar claramente consenso das principais Sociedades ligadas ao tema. As
a equivalência de resultados face à abordagem clássica “guide-lines” da European Association of Endoscopic
aberta, bem como uma significativa diminuição do Surgery (EAES) e da American Society of Bariatric
tempo de internamento, do tempo de regresso a activi- Surgeons (ASBS) são excelentes referências mas as
dades sociais e ainda uma importante redução da mor- recomendações do National Institute of Health (23),
bilidade sobretudo no tocante a infecções da parede definidas em 1991, são ainda as mais seguidas (Qua-
abdominal, pneumonias e hérnias incisionais. dro 1).
Em 1996, Lonröth (21) descreve uma montagem em Estão contra-indicados para cirurgia bariátrica casos
que é feita primeiro a gastrojejunostomia com uma de doentes com diagnósticos de doença endócrina des-
ansa em ómega e só depois a jejunojejunostomia compensada (Hipotiroidismo e Cushing), doença psi-
(ambas com agrafador linear e encerramento manual quiátrica (excepto depressões reactivas ligeiras), doen-
do orifício resultante). Mais tarde, faz-se a secção da ças infecciosas crónicas (Hepatite B, HIV+), doenças
ansa aferente para criar um Y de Roux. Este tipo de digestivas inflamatórias crónicas (D. Crohn, Colite
montagem, com a qual iniciámos a prática do bypass ulcerosa), gravidez e casos em que não haja garantia
por laparoscopia em 2002, viria a ser fortemente divul- de o doente poder voltar regularmente ao seio da
gado em Portugal com base na colaboração e apoio do equipa no acompanhamento do pós-operatório
excelente grupo Paulista dos Drs. Almino Ramos e Estão ainda contra-indicados, segundo os critérios
Manuel Galvão Neto. À sua versão chamaram bypass N.I.H., os doentes menores de 18 e maiores de 65
simplificado e esta é, seguramente, a variante mais pra- anos. No entanto entende-se, hoje em dia, que estes
ticada em Portugal. limites podem ser ultrapassados em casos selecciona-
Rutledge, em 1997, retoma a ideia do inicial bypass dos e em que a relação risco versus benefício seja favo-
em ansa. Começa por construir uma bolsa gástrica mais rável.
Bypass gástrico
71
Quadro 1 – Sumário dos critérios de selecção de doentes grama e provas de coagulação, bioquímica e urina tipo
(1991 NIH Consensus Statement) II). Nos casos de superobesidade e em doentes com
patologia cardíaca o ecocardiograma pode ser necessá-
O paciente adulto deve:
rio bem como a prova de esforço ou a cintigrafia mio-
1 – Ter IMC acima de 40 Kg/m2
cárdica na suspeita de cardiopatia isquémica.
2 – Ter IMC entre 35 e 40 Kg/m2 com morbilidades associadas
3 – Ter uma baixa taxa de sucesso com medidas não operatórias As provas de função respiratória devem ser sempre
4 – Estar bem informado sobre os riscos e benefícios a curto e a longo prazo feitas nos maiores de 30 anos e em qualquer idade se
5 – Estar fortemente motivado para perder peso pela cirurgia há associação de patologia respiratória ou tabagismo.
6 – Ter um risco peri-operatório aceitável Nos casos com IMC > 50 ou em qualquer um em
7 – Estar disposto a manter vigilância médica a longo prazo que existam sintomas sugestivos de apneia do sono deve
ser feito estudo do sono (polissonografia) e, eventual-
mente, avaliação por pneumologista. Este pode reco-
ESTUDO PRÉ-OPERATÓRIO mendar o uso de aparelhos de suporte ventilatório noc-
turno (CIPAP). O uso destes aparelhos, só por si, pode
O estudo pré-operatório dos candidatos à técnica induzir a perda de 10% do excesso de peso, o que pode
envolve uma completa avaliação clínica e laboratorial. ser precioso no período de preparação pré-operatória.
Por ser uma doença de causa multifactorial, o seu tra- Num doente superobeso, ou com apneia do sono
tamento deve ser, desde cedo, multidisciplinar. A coor- grave, é sempre recomendável reservar uma vaga de
denação da equipa e a avaliação dos casos especiais cuidados intensivos para o pós-operatório imediato.
compete ao cirurgião bariátrico. Considera-se cirur- O envolvimento activo do pessoal de enfermagem em
gião bariátrico o que tem mais de 200 casos operados, todo o processo é tido como essencial nos centros com
faz mais de 50 cirurgias/ano e tem a capacidade de exe- grande experiência. O envolvimento precoce do doente
cutar diversas técnicas de cirurgia bariátrica. nas actividades de um grupo de suporte ligado à equipa
A avaliação complementar deve incluir observações multidisciplinar amplifica muito o impacto da cirurgia
pelos especialistas envolvidos sendo recomendável uma no período peri-operatório e maximiza os resultados
avaliação endocrinológica nos casos em se suspeite, clí- diminuindo as complicações no pós-operatório.
nica ou laboratorialmente, de doença desse foro.
O envolvimento do nutricionista, do psicólogo clí-
nico e do fisiatra é sempre recomendado. O internista QUANDO OPTAR PELO BYPASS GÁSTRICO ?
, o cardiologista ou o pneumologista sê-lo-ão em caso
de patologia da sua área. O cirurgião plástico avalia o Se existem ainda cirurgiões ou grupos que utilizam
doente mais tarde, pelo menos 6 meses depois da esta- predominantemente uma técnica, a tendência actual
bilização ponderal, se houver lugar a correcções para é para a adopção de uma abordagem personalizada em
remodelação corporal. que a técnica escolhida o é, tendencialmente, em fun-
Na avaliação do cirurgião, deve ser feita uma história ção de critérios orientadores, muitas vezes registados
clínica exaustiva focando em particular aspectos da evo- na forma de fluxogramas de decisão como o que usa-
lução ponderal, hábitos alimentares, patologia associada, mos actualmente (Figura 1).
avaliação da situação social e da motivação para a cura. Nunca é demais dizer, até pela frequência com que
Os protocolos de estudo devem incluir sempre a tende a ser esquecido, que a avaliação por equipa mul-
endoscopia digestiva alta, a ecografia abdominal, a ava- tidisciplinar é fundamental, não só na avaliação do
liação da composição corporal, provas de função tireói- perfil do doente, importante para a selecção persona-
deia (T3f, T4f e TSH) e supra-renal (cortisol) para lizada da técnica operatória, como no acompanha-
além das rotinas habituais (ECG, Rx tórax, hemo- mento e aconselhamento pós-operatório.
Rui Ribeiro
72
reforçada pois a taxa de cura do refluxo é tendencial-
mente de 100%.
Outro aspecto importante é a avaliação da função
hepática. O bypass aumenta, de facto, o stress meta-
bólico hepático e é frequente verem-se aumentos dis-
cretos das transaminases nos exames pós bypass gás-
trico. A existência prévia de uma insuficiência hepá-
tica ou mesmo de evidência de hipertensão portal
devem ser considerados factores desfavoráveis à opção
pelo bypass. Alguns autores recomendam a realização
de biopsia hepática intra-operatória para avaliação de
Figura 1
base da histologia hepática.
Pelo contrário, a presença de doenças auto-imunes
é um factor, muitas vezes esquecido, que desaconselha
Normalmente, o IMC é o primeiro critério a con- a colocação de próteses de silicone e aí o bypass é nor-
siderar. Obesos de grau III ou superobesos serão os malmente a primeira opção terapêutica, hoje me dia
candidatos preferenciais para bypass, pois nestes casos com a concorrência do ”sleeve”.
as técnicas restritivas são, demasiadas vezes, insufi-
cientes do ponto de vista da perda ponderal, ou do MECANISMOS DE ACÇÃO
controle das comorbilidades.
O perfil psicológico e o perfil alimentar devem entrar, O bypass gástrico é uma operação dita de tipo misto
a seguir, em linha de conta. Em doentes com distúrbios que reúne três componentes responsáveis pelos seus
psicológicos mais graves, ou em casos de comedores efeitos fisiológicos.
compulsivos de doces (“sweet eaters”), ou os típicos 1 – O componente restritivo, determinado pela
beliscadores (“binge-eaters”), ou ainda em doentes com pequena dimensão da bolsa (15 a 30 cc) e pelo calibre
problemas psiquiátricos devidamente controlados, a da gastrojejunostomia, que deve ter cerca de 20 mm.
operação mínima deverá ser o bypass gástrico. 2 – O componente, dito mal-absortivo, ocorre por-
Os exames complementares de diagnóstico são tam- que os alimentos são dirigidos precocemente para o
bém muito importantes. Por exemplo, assume particu- delgado, não passando no duodeno nem no jejuno
lar importância a endoscopia digestiva alta (EDA) pois, proximal. Porque essa zona é precisamente aquela
em casos de gastrite crónica atrófica, o bypass deverá ser onde são preferencialmente absorvidos o cálcio, ferro,
evitado dado o risco acrescido de desenvolvimento de Vit. B12, ácido fólico, zinco e vitaminas lipossolúveis
cancro gástrico cujo diagnóstico pode ser atrasado no (A,D,E e K), a carência destes elementos é o aspecto
caso de localização no estômago remanescente. que merece maior atenção pelas eventuais repercussões
Também a presença de infecção com Helicobacter no organismo e que determina a necessidade de dar
Pilori no estômago do doente deve ser avaliada, seja aos doentes doses suplementares desses nutrientes e
com a biopsia da mucosa gástrica seja com a serologia. vigiar regularmente os seus níveis séricos.
Verificada a presença da infecção deve ser obrigatoria- Para além disto, existe hoje evidência científica cres-
mente realizada terapêutica de erradicação bem como cente de que esta operação actua nos eixos hormonais
documentada a eficácia da mesma. responsáveis pela presença da fome e da saciedade. A
A EDA diagnóstica com frequência detecta casos de exclusão da maior parte do estômago e do duodeno do
esofagite de refluxo, com ou sem hérnia do hiato, até circuito alimentar parece levar à alteração da produção
então insuspeitos. Neste caso, a opção pelo bypass fica de hormonas, resultando em ausência de fome e numa
Bypass gástrico
73
saciedade precoce, apesar das pequenas quantidades de O bypass gástrico é uma operação de tipo misto,
alimentos ingeridas. A diminuição da produção da Gre- mais complexa que a banda ou o “sleeve”, com uma
lina no fundo gástrico e a produção precoce no período exigência de capacidade técnica por vezes difícil de
pós-prandial do Glucagon Like Peptid 1 (GLP-1) e do contornar e que obriga a que seja executada apenas por
Péptido Y3-36 (PPY), são as alterações mais comenta- equipas cirúrgicas particularmente dedicados ao trata-
das, mas outras deverão ocorrer (31). Em condições nor- mento da obesidade. Só dessa forma se pode obter a
mais, e por via destas alterações, um doente com bypass experiência e a rotina indispensáveis à sua realização,
gástrico não terá fome durante cerca de um ano, período dentro de estreitos limites de segurança.
em que o emagrecimento se mantém. Trata-se, assim, Apesar de ser considerada a técnica “gold standard”,
de uma verdadeira operação endócrina e aí reside o o bypass continua a ter uma limitação importante que
segredo do seu êxito. é existência de um número indeterminado de varia-
Um aspecto importante no bypass é a possibilidade ções da técnica. Alguma variabilidade dos resultados
da ocorrência de fenómenos de “dumping”, precoce ou é induzida pelas diversas “personalizações” que, assim,
tardio. Se por um lado é incómodo e pode perturbar bas- podem retirar homogeneidade e credibilidade cientí-
tante o doente, evita-se com medidas do foro dietético e, fica à técnica. Sendo altamente dependente da padro-
de alguma forma, obriga o doente a cumprir o plano ali- nização de mecanismos, equipa, material e gestos, o
mentar estabelecido. Sendo o consumo de açucarados conceito do bypass só teria a ganhar se fosse feito um
uma das causas frequentes do “dumping” podemos con- esforço para reduzir drasticamente o número de
cluir que o bypass protege os doentes com maior ten- variantes. Concretizando a ideia, interessa saber hoje
dência para a ingestão desses tipo de alimentos. em dia, com elevado grau de evidência, ou seja com
Ao contrário do que por vezes é dito, o bypass gás- estudos prospectivos envolvendo apenas algumas
trico não é uma operação irreversível mas sim de rever- variantes, se o comprimento da ansa alimentar se
sibilidade mais trabalhosa. Na literatura encontramos reflecte realmente na perda de excesso de peso, se a
vários casos publicados e nós próprios tivemos a neces- colocação de anel pré-anastomótico mantém a com-
sidade de reverter um mini-bypass numa operação de ponente restritiva mais tempo que as versões sem anel,
Mason. ou ainda, qual a real taxa de complicações do mini-
bypass gástrico.
Focando sobretudo as abordagens laparoscópicas,
TÉCNICA CIRÚRGICA ocorrem variações técnicas na construção da gastroje-
junostomia, na posição e no comprimento da ansa ali-
mentar (de Roux), bem como na construção da jeju-
nojejunostomia (figura 2).
A gastrojejunostomia pode ser construída com
sutura intracorporal, com agrafadores circulares ou
com técnica mista (agrafador linear e sutura intra-cor-
poral).
No primeiro caso, protagonizado por Higa (20), a
anastomose é construída exclusivamente com sutura
intracorporal. Os seus defensores reclamam como prin-
cipais vantagens uma menor taxa de fistulização, a
ausência de manipulação esofágica e um custo reduzido.
No segundo caso, está descrito o uso de agrafado-
res circulares de calibre 21 ou 25 mm (15,16,17,24,26).
Rui Ribeiro
74
O uso do calibre 21 provoca um maior número de parecer provocar menos casos de hérnia interna e oclu-
estenoses mas que respondem bem à dilatação pneu- são intestinal. Também por este motivo todas as “bre-
mática endoscópica. O uso do calibre 25 provoca chas” mesentéricas criadas na remontagem intestinal
menor número de estenoses mas diminui o efeito res- devem ser suturadas com material de sutura não absor-
tritivo e pode comprometer a perda ponderal. A his- vível para evitar o aparecimento de hérnias internas do
tória natural da anastomose mostra-nos que, a partir futuro.
do primeiro ano de pós-operatório, o calibre da anas- Apesar das diferenças, alguns aspectos são consen-
tomose é igual em ambos os casos. suais e dão alguma uniformidade à técnica do bypass
Do ponto de vista técnico, o batente da máquina gástrico. São eles a reduzida capacidade da bolsa gás-
pode ser introduzido pela boca, solidarizado numa trica (15-30cm), uma gastrojejunostomia restritiva
sonda nasogástrica que é recolhida num orifício feito com cerca de 20mm de diâmetro e a construção de
na bolsa gástrica, para onde o batente vai ser orientado uma ansa alimentar de comprimento variável entre 75
– técnica de Gagner (24). e 200cm. Tanto a calibração da gastrojejunostomia
Noutros casos o batente é introduzido no abdómen como o encerramento das brechas não suscitam polé-
e depois na bolsa gástrica. Para isso, Himpens descre- mica hoje em dia.
veu uma variante que consistia em colocar o batente
no interior do estômago, deslocá-lo para o cárdia, RESULTADOS
recortar a bolsa e fazer o espigão furar a bolsa,
entrando depois a máquina num orifício de trocarte e Os resultados do bypass gástrico realizado por via
na ansa que irá ser a alimentar (25). Feito o disparo da laparoscópica são sobreponíveis aos realizados por via
máquina e verificada a integridade dos anéis circulares aberta, como já vimos, com vantagem no capítulo da
e a ausência de pontos de fraqueza na bolsa gástrica duração do internamento, nas complicações precoces
(teste com azul de metileno), o coto da ansa onde a e mesmo nas tardias.
máquina entrou é encerrado com um disparo de agra- Vários estudos demonstram que, à distância, os
fador linear. resultados do bypass são duradouros, pese embora uma
Outros, como “de la Torre” e “Carrasquillo” recor- tendência para recuperar, a partir dos 2 ou 3 anos de
tam a bolsa abrindo-a depois para introduzir o batente, operados, uma pequena parte do peso perdido mas
suturando então o orifício em redor da haste para fazer, mantendo um bom controlo da morbilidade (29).
como descrito atrás, o disparo e o teste de estanquici- No bypass gástrico, a ingestão alimentar não é tão
dade (26). limitada como nas técnicas restritivas e os estudos de
Os autores que usam agrafadores lineares (18,21,22) qualidade de vida indicam melhor resultado do que
abrem um orifício na bolsa gástrica e outro na ansa com as técnicas restritivas puras.
jejunal, introduzem uma mandíbula da máquina em Em relação à Percentagem de Perda de Excesso de
cada um dos dois orifícios e fazem o disparo sendo, Peso (%EWL) o valor médio cifra-se entre os 68 e os
depois disso, encerrado o orifício comum com sutura 80%. Este valor e a taxa de resolução das principais
contínua intra-corporal sobre tubo calibrador e reali- comorbilidades podem ser verificado no quadro 2
zado teste com azul de metileno. numa recolha da autoria do grupo de Schauer (30).
Em relação à ansa alimentar existem autores que Quanto à resolução das comorbilidades, o efeito
optam por comprimentos fixos mas a maioria adapta mais importante, sem dúvida, é sobre a diabetes mel-
o comprimento ao IMC pré-operatório do doente litus tipo II. Pories, com uma “cohort” de 608 doen-
existindo mesmo protocolos diversos para o efeito (27). tes com 16 anos de follow-up entre 1980 a 1996,
Nuns casos a ansa fica retrocólica (28) e noutros ante- obteve um estado euglicémico em 83% dos diabéticos
cólica (21). Esta última opção tem ganho adeptos por e em 99% dos doentes com diminuição da tolerância
Bypass gástrico
75
nostomia ou da ansa bilio-pancreática é um evento
temível e que exige elevada suspeição diagnóstica.
Existem também complicações a médio e longo
prazo como sejam as hérnias internas, as úlceras da
boca anastomótica ou duodenais, a estenose da gas-
trojejunostomia, a recuperação de peso por dilatação
da bolsa gástrica e/ou alargamento da gastrojejunosto-
mia, o “dumping” e as complicações ligadas à má
absorção do Cálcio (osteopénia) Fe e Vit. B12 (ane-
mia), Complexo B (Síndroma Wernicke Korsakoff ),
cálcio (osteoporose e fracturas) ou zinco (alopécia).
Para prevenir estes eventos os doentes devem fazer
suplementação crónica polivitamínico e cálcio, even-
Figura 2
tualmente com ferro, ácido fólico, Vit. B12 ou outros.
As úlceras marginais normalmente cicatrizam bem
à glicose (31). Este efeito, profundo e imediato, sobre com esquemas terapêuticos envolvendo a erradicação
o metabolismo dos hidratos de carbono desencadeou do Helicobacter Pilori e uma protecção da bolsa gás-
uma onda de investigação em curso sobre a possibili- trica com inibidores da bomba de protões. Quando
dade de resolver a diabetes, mesmo no doente não crónicas podem levar às estenoses da gastrojejunosto-
obeso, por via cirúrgica. mia mas, mesmo assim, estas quase sempre podem ser
Na hipertensão, o resultado é também muito signi- resolvidas com dilatação pneumática endoscópica.
ficativo mas parece, ao contrário da diabetes, correla- Raramente a cirurgia pode ter de intervir.
cionar-se melhor com a perda de peso ao longo do pri- O dumping, já comentado atrás, resolve-se com cui-
meiro ano. Em muitos casos não se consegue a “cura” dados dietéticos, normalmente eficazes. Se necessário,
da doença mas consegue-se, quase sempre, uma redu- podemos restabelecer cirurgicamente o efeito restritivo
ção da medicação. com a colocação de um anel pré-anastomótico que vai
Quanto ao refluxo gastro-esofágico, embora nalguns evitar a “inundação” do intestino pelos alimentos hipe-
grupos a taxa de resolução na literatura não seja 100%, rosmolares.
verificamos essa cifra nos nossos operados. Eventual-
mente tal diferença pode ficar a dever-se ao facto de o Quadro 2 – Benefícios
comprimento que usamos na ansa alimentar variar
Perda do excesso de peso 68-80%
entre 75 e 200 cm, a maior parte das vezes 150 cm.
Estadia Hospitalar 2 a 4 dias
COMPLICAÇÕES
Resolução / melhoria de comorbilidades
Diabetes tipo II (do obeso) 82-98%
Por ser uma cirurgia com anastomoses e de duração Hipertensão arterial 52-92%
mais longa implica um risco de complicações peri-ope- Hipercolesterolemia 63%
ratórias superior às outras técnicas (cerca de 10%) e Doença de refluxo gastro-esofágico 72-98%
Sindroma da apneia do sono 74-100%
tem também um risco de mortalidade de 1-2% prin- Doenças degenerativas articulares 41-76%
cipalmente devido ao tromboembolismo pulmonar e Incontinência urinária 44-88%
à ocorrência de fístulas anastomóticas na gastrojeju- Depressões 60%
nostomia. A dilatação gástrica aguda com rotura do Infertilidade 70%
Roncopatia (ressonar) 95%
estômago remanescente por obstrução da jejunojeju-
Rui Ribeiro
76
Vejamos a distribuição das complicações ainda ros 74 casos com follow-up superior a 2 anos verificá-
segundo a recolha de Schauer (30): mos 81,17 % de perda de excesso de peso (%EWL)
Um aspecto muito discutido é a possibilidade de com uma morbilidade de 15,5% (< 30 dias: 7% e >
aparecimento de cancro gástrico no estômago rema- 30 dias: 8,3%).
nescente. Para além de não existir evidência científica A taxa de resolução das comorbilidades foi de 83%
de que esse seja um problema significativo, pois são para os diabéticos, 68% para os hipertensos, 88% para
raros os relatos de tal circunstância, existe evidência a dislipidemia, 52% para as depressões, 83,5% para a
experimental (trabalhos de F.Rubino) que apontam no apneia do sono e 62% de melhoria de queixas articu-
sentido de o cancro ser um fenómeno raro no estô- lares.
mago em “repouso”. No total dos 180 doentes operados ocorreu um caso
Medidas como a erradicação pré-operatória e depois de mortalidade em 2004 (0,56%) por tromboembo-
anual do H.Pilori e a exclusão das propostas para lismo na sequência de internamento prolongado por 3
bypass dos casos de gastrite crónica atrófica, deverão meses em UCI, devido a perfuração tardia do esófago
diminuir esse risco. torácico.
Para mais, em caso de suspeição forte, existe sem- No grupo de doentes com menos de 2 anos de fol-
pre a possibilidade de explorar o estômago residual low-up (106) não ocorreu mortalidade e verificou-se
com uma endoscopia por gastrotomia laparoscópica uma redução marcada dos casos de morbilidade no
ou, mais recentemente divulgada a sua exequibilidade, que parece ser uma evolução normal na curva de
com enteroscopia de duplo balão. Isto para além dos aprendizagem que é longa (superior a 100 casos
métodos imagiológicos modernos como o TAC heli- segundo a maioria dos autores) e difícil de vencer.
coidal ou a Endoscopia virtual.
REINTERVENÇÕES
EXPERIÊNCIA PESSOAL
O bypass é ainda uma boa solução para casos de
complicações de outras técnicas bariátricas, sobretudo
Até à presente data usámos o bypass gástrico em 180 as restritivas puras. Em particular no caso de bandas
casos, dos quais 11 por via aberta, no início da expe- complicadas com prolapso gástrico (slippage) ou após
riência em 2002. Numa avaliação recente dos primei- estenoses da gastroplastia vertical anelada (Operação
Quadro 3 – Riscos e complicações
de Mason), a construção do bypass permite uma saída
muito interessante para o doente: não só permite resol-
Conversão para cirurgia aberta 0 a 8% ver a complicação como oferece a manutenção de um
Complicações pós-operatórias (major + minor) 4,2 a 30% factor restritivo associado aos outros efeitos do bypass.
Hemorragia 0,4 a 4% Como consequência, e em condições normais, estes
Fístula anastomótica 0 a 4,4% doentes ficam ainda com a possibilidade de perder
Infecções feridas operatórias 0 a 8,7%
algum peso melhorando a qualidade de vida em geral
Tromboembolismo venoso/Embolia pulmonar 0 a 1,3% / 0 a 1,1%
e de ingestão alimentar em particular.
Complicações tardias (major + minor) 8,1 a 47%
Estenose da anastomose 2 a 16%
Úlcera marginal 0,7 a 5,1% CONCLUSÕES
Oclusão intestinal 1,1 a 10,5%
Taxa de reoperações 0 a 13,8%
Deficiência de ferro 6 a 52% O bypass gástrico é a operação mais praticada (“gold
Deficiência de Vit B12 3 a 37% standard”) em cirurgia bariátrica porque é efectiva
Taxa de mortalidade 0 a 2% quanto à perda de peso (80%EWL) e à redução das
Bypass gástrico
77
doenças associadas, permitindo longevidade acrescida A curva de aprendizagem é longa e ultrapassa, no
e melhor qualidade de vida aos doentes operados. mínimo, a centena de casos.
É uma técnica cirúrgica que deve ser usada em con- A morbimortalidade a 30 dias é de cerca de 10% e
texto de equipa especializada e multidisciplinar. Deve as sequelas metabólicas podem ser evitadas pela toma
ser feita por laparoscopia para reduzir as complicações regular de suplementos vitamínicos e minerais. O con-
mas a via aberta pode ser útil sobretudo nos casos de trolo analítico deve ser pendular em períodos entre 6
reintervenções. meses a 1 ano.
Tem um efeito de controlo altamente benéfico sobre É uma técnica que permite resolver, sem perda da
as comorbilidades, com particular destaque para a dia- capacidade de emagrecimento, as complicações das
betes do adulto. operações restritivas.
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Rui Ribeiro
78
GRANDES TEMAS: OBESIDADE
Procedimento de cirurgia restritiva gástrica que con- de Grelina, chamada de “Hormona da Saciedade”,
tráriamente á banda gástrica, não implica o uso de cujo foco principal de produção se situa no fundo gás-
material estranho. Neste tipo de procedimento o trico, embora possam existir focos ectópicos de pro-
fundo gástrico é removido enquanto o estômago rema- dução desta hormona, mais frequentemente no intes-
nescente é constituído pelo antrum intacto e parte do tino delgado proximal.
corpo.
A preservação da pequena curvatura tem como fun-
ção a manutenção da função secretora do estômago.
O uso desta técnica, definido como gastrectomia
parcial com remoção de aproximadamente 70% a
80% do estômago em doentes super-obesos, tem dado
excelentes resultados em termos de perda de peso tal
como acontece com outras técnicas, porém com
menor morbilidade.
Embora não seja uma técnica recente (1º tempo da
cirurgia em dois tempos – “Duodenal Switch”), o seu
uso como técnica isolada no tratamento da obesidade
“per si”, não está totalmente estudada. No entanto, nos
últimos anos tem havido algum esforço de publicação
de artigos com informação sobre os benefícios da gas-
trectomia vertical em doentes obesos e diabéticos tipo II.
As publicações mais recentes, nomeadamente Dr.
Lee and colleagues [1] comparando o resultados de 216
doentes submetidos a esta técnica entre Novembro de
2002 e Agosto de 2005, demonstraram que os resul-
tados comparativos a técnicas como o “Bypass Gás-
trico” e o “Switch Duodenal“ são sobreponíveis. PRINCÍPIOS GERAIS DA TÉCNICA
A porção do estômago calibrado serve inicialmente
para restringir o volume de alimentos ingeridos con- …..Cirurgia puramente restritiva e sem qualquer
duzindo assim a perda de peso. Existem no entanto componente de malabsorção….
algumas teorias que tentam explicar um fenómeno
bioquímico decorrente da remoção do estômago, • Criação de tubo gástrico calibrado (sonda / tubo
nomeadamente factores relacionados com a produção de calibração de 32 Fr) com remoção de 70 a 80%
INDICAÇÕES
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Multi-purpose Bariatric Operation, Clinica San Jorge and Alcony Hospital ; Alcony, Spain
Derivação biliopancreática
com duodenal switch
Pedro Gomes
Assistente Graduado de Cirurgia Geral – Hospital dos Covões – Centro Hospitalar de Coimbra
Pedro Gomes
82
Introduziram também o conceito de “duodenal tuada do apetite e ao contrário do que acontece nos
switch” proposto por DeMeester para o tratamento do procedimentos puramente restritivos, raramente exis-
refluxo duodeno gástrico. tem vómitos embora os doentes refiram com frequên-
O duodeno é seccionado num ponto situado 3 a 4 cia, sensação de saciedade precoce pós prandial.
cm distal ao piloro, seguindo-se uma anastomose do
duodeno proximal á ansa distal do ileon seccionado a
250 cm da válvula ileo-cecal (duodenoileostomia)
constituindo-se a via alimentar. Por sua vez o topo
proximal irá ser anastomosado ao ileon terminal cons-
tituindo a via enzimática . Esta anastomose distará
entre os 65 cm e os 100 cm da válvula ileo cecal, sem- Figura 2
pre superior aos 50 cm propostos por Scopinaro no
seu procedimento. Constatou-se nos estudos cintigráficos efectuados
Este segmento de ileon terminal, mais ou menos pelo grupo de Melissas (4) incidindo numa refeição
longo segundo as opções de cada cirurgião, constitui o sólida enriquecida com radioisótopo, a existência de
denominado canal comum da absorção. um esvaziamento gástrico rápido no sleeve. Este facto
As alterações estabelecidas na DBP DS em relação à associado à distensão do antro por acumulação dos ali-
DBP de Scopinaro revelaram-se muito importantes. mentos nesta área após a ressecção do fundo produtor
A gastrectomia linear quando correctamente efec- de grelina, hormona digestiva associada ao apetite,
tuada, ao ressecar a totalidade do fundo gástrico tem pode ser o mecanismo tornado dominante no que se
como consequência originar uma acentuada queda na refere á justificação da diminuição do apetite e ao esta-
produção de ácido e eliminar ou diminuir drastica- belecimento da sensação de saciedade precoce.
mente a produção de grelina com efeitos marcados no Esta parece ser a principal causa da acentuada perda
apetite. Por outro lado a preservação do antro e do ponderal nos primeiros 9 a 12 meses pós cirurgia.
piloro inervados pelos vagos permite manter o con- O componente de má absorção da DBP DS, rela-
trole do esvaziamento gástrico. ciona-se principalmente com a má absorção de lipidos
Estes factores são responsáveis pela inexistência das e está directamente dependente da extensão do canal
conhecidas complicações, úlceras marginais e dum- comum da absorção no ileon terminal. A bílis e as enzi-
ping, nos doentes operados de DBP DS em relação aos mas pancreáticas ao serem desviadas para este curto
submetidos à técnica de Scopinaro. segmento distal da ansa alimentar criam as condições
necessárias para a absorção lipídica. A dimensão do
BASES FUNCIONAIS DO PROCEDIMENTO canal comum é pois um importante factor no êxito da
cirurgia. Se for excessivamente longo não se verificará
A DBP DS é um procedimento bariátrico do tipo uma suficiente diminuição da absorção das gorduras
misto. e como tal não haverá a adequada perda de peso. Se
O componente restritivo é representado pela gastrec- pelo contrário o canal comum for demasiado curto
tomia linear, verdadeiro tubo gástrico funcional que terá como consequência uma baixa acentuada da
sofreu uma redução volumétrica em relação ao órgão absorção lipídica, com esteatorreia abundante e mar-
original de cerca de 70 a 75 %. cada perda de peso que poderá impor cirurgia de revi-
O estômago residual suporta um volume de 100 a são. Autores experientes e com responsabilidades acres-
150 cc. cidas neste tipo de cirurgia, como é o caso de Picard
Nos primeiros meses pós cirurgia nos doentes sub- Marceau (3), utilizam um canal comum com dimen-
metidos a DBP DS, verifica-se uma diminuição acen- sões fixas de 100 cm. Existe um certo consenso em que
Pedro Gomes
84
Finalmente o terceiro procedimento aconselhado tes operados de DBP DS, aberta (n=525) desde Março
como rotina no decurso de uma DBP DS é a Apendi- de 1994 e laparoscópica (n=240) desde Outubro de
cectomia. 2000.A análise incidiu sobre 90% dos doentes com 5
Invoca-se como razão justificativa, o evitar de uma anos de recuo.
futura apendicite impondo intervenção cirúrgica e por A perda máxima verificou-se aos 30 meses. Aos 5
outro lado obstar a que qualquer eventual dor abdo- anos o IMC baixou para 29.82; a %EPP foi de
minal no futuro possa ser confundida com apendicite 70.59% e a % Excesso de IMC Perdido (%EIMCP)
aguda conduzindo a dificuldades diagnósticas de uma foi de 78.76%.
sempre possivel complicação da DBP DS ou de qual- O nosso grupo cirúrgico de (Pedro Gomes;L Simões
quer outra causa de dor abdominal. Reis;J Conceição;A Firmo), operou 81 doentes de
DBP DS por laparotomia, desde Outubro 2001 a
Dezembro de 2007. Nesta série, 15 doentes têm um
EVOLUÇÃO DA PERDA DE PESO recuo de 5 anos e todos se mantêm em follow up. O
IMC médio destes 15 doentes antes da cirurgia era de
No tratamento cirúrgico do grande obeso, o princi- 51.3. Aos 5 anos a %EPP média é de 74.7% e o IMC
pal objectivo é não apenas a perda de peso mas tam- médio baixou para 30.4.O pico da perda ponderal
bém a manutenção dessa perda ao longo dos anos, em (nadir) foi verificado ao 4º ano com uma %EPP média
conjugação com a melhoria ou cura das morbilidades de 76.5%. Aos 6 anos, os 6 doentes que actualmente
eventualmente associadas e com a consequente atingiram este recuo apresentam uma %EPP média de
melhoria da qualidade de vida. 71.3% e um IMC médio de 31.6.
Globalmente a DBP DS é de todos os procedimen- Um certo grau de recuperação do peso a longo prazo
tos bariátricos o que melhor alcança estes objectivos. é inevitável. A perda máxima do peso (nadir) ocorre
Em relação à perda de peso, é sem a menor dúvida regra geral entre o 2º e o 4º ano. Nos doentes com boa
a operação que consegue maiores perdas ponderais e a evolução pós cirurgia, verifica-se seguidamente uma
longo prazo atinge as melhores percentagens de excesso certa recuperação ponderal e finalmente estabilização.
de peso perdido (% EPP) para todos os niveis de IMC. Esta evolução do peso pós cirurgia está relacionada
Hess (1) refere uma série seguida de 182 doentes numa primeira fase com o funcionamento da compo-
operados conseguindo um follow up de 92% aos 10 nente de restrição representada pela Gastrectomia
anos (167 doentes).Verifica um máximo da perda pon- Linear (Sleeve).
deral aos 4 anos com uma %EPP de 80%, a partir O reconhecimento deste facto originou a proposta
daqui caindo ligeiramente. Aos 5 anos para 78%,aos do grupo de M. Gagner (9) sobre a utilização num pri-
10 anos 75% e aos 12 anos 72%. meiro tempo cirúrgico do Sleeve laparoscópico nos
Por sua vez Picard Marceau (3) numa muito recente Super Obesos (IMC ≥ 50) e fundamentalmente nos
publicação de 2007, apresenta um estudo de 1423 Super Super Obesos (IMC ≥ 60), seguido num
doentes submetidos a DBP DS num período com- segundo tempo, entre os 6 meses e os doze meses, de
preendido entre 1992 e 2005. É evidente a manuten- uma DBP DS.
ção da perda ponderal ao longo dos anos. Para doen- A manutenção ao longo dos anos da perda ponde-
tes com < 5 anos a %EPP média é de 77%; para doen- ral obtida com a DBP DS é atributo da modificação
tes entre os 5 anos e os 10 anos a %EPP média é de das condições fisiológicas da absorção digestiva com
69.4%; para os doentes com > 10 anos, a %EPP média reprecurssão directa na aborção proteica e em menor
é de 68.9% grau na aborção dos hidratos de carbono. Desta forma
Aniceto Baltasar (8) numa revisão em 2005, publi- ficam reunidas as condições de base para a desejada
cada em 2006 analisou resultados aos 5 anos de doen- manutenção da perda ponderal.
Pedro Gomes
86
Revisões Cirúrgicas com alongamento conjunto da mentação oral diária e prolongada por toda a vida à
ansa alimentar e canal comum. Marceau (3) num total custa de um polivitaminico equilibrado.
de 1423 doentes operados refere uma taxa de 0.7% Deve ser referida, por ser uma situação patológica
(n=9) com o mesmo tipo de revisão. de estabelecimento mais ou menos agudo e que se
Na nossa série de 81 doentes operados foi necessá- reveste de grande aparato clínico, o denominado Sin-
ria uma Revisão Cirúrgica para alongamento da ansa drome de Wernicke-Korsakoff, complicação de qual-
alimentar e canal comum numa doente com má nutri- quer procedimento bariátrico que tenha como conse-
ção não controlável com %EPP de 108% aos 2.5 anos quência uma rápida perda de peso sobretudo se asso-
pós cirurgia, correspondendo a uma percentagem de ciada a vómito.
1.23% (n=1). Ao atingir o Sistema Nervoso Central, caracteriza-
Se apesar da Revisão se mantiver uma situação pro- se por uma clínica exuberante com nistagmus, oftal-
gressiva de má nutrição não controlável a solução moplegia, ataxia e confusão mental, originando a
extrema será uma Reconversão Cirúrgica. denominada Encefalopatia de Wernick. É uma situa-
A Reconversão consegue-se à custa de uma anasto- ção que pode surgir após qualquer cirurgia que con-
mose latero-lateral entre a ansa de jejuno no segui- duza a uma rápida perda de peso. Por este facto poderá
mento do Treitz e um segmento proximal da ansa ali- estar também relacionada com uma DBP DS.
mentar. O restabelecimento deste circuito entre a ansa Qualquer cirurgião que pratique cirurgia bariátrica
biliopancreática e a alimentar anula o efeito de má deve ter presente esta complicação para que atempa-
absorção. damente a possa reconhecer e tratar. Um quadro neu-
A Reconversão da DBP DS é uma situação de rológico deste tipo que sobrevém num doente com
excepção em todas as séries publicadas com taxa de vómitos sujeito a uma operação bariátrica num pas-
incidência < 1%. sado mais ou menos recente deve levar à suspeição de
Outros problemas podem e devem ser diagnostica- um défice de Tiamina ( vitamina B1 ). Esta vitamina
dos no seguimento dos doentes, visto que impondo é crucial no metabolismo dos hidratos de carbono e a
terapêutica especifica em tempo adequado são tratá- administração destas substâncias pela via oral ou
veis e não evoluem para complicações mais graves. parenteral, são um factor desencadeante dos défices de
Uma das queixas mais frequentes, muitas vezes incó- Tiamina. O tratamento consiste na administração de
moda e comprometedora para o doente é o mau cheiro Tiamina na dose de 100mg iv / dia durante 7 dias,
das fezes e gazes intestinais (70%) associada a circuns- seguido de suplementação oral (12).
tancial distensão abdominal (48%). Uma parte signi- A queda de cabelo é outro sintoma muito comum
ficativa do circuito alimentar sem a presença das enzi- nos doentes submetidos a cirurgia bariátrica. Está asso-
mas biliopancreáticas é a causa desses sintomas. Alguns ciado a uma deficiência de Zinco que se pode prolon-
ajustes nas regras dietéticas e a introdução de enzimas gar até cerca de um ano pós cirurgia sobretudo na fase
pancreáticas ( Kreon®) associado a curtos ciclos de 2 de maior perda ponderal. A suplementação com Zinco
a 3 dias de Metronidazol (Flagyl®) resolvem frequen- deve estar incluída no complexo vitamínico utilizado.
temente a situação. Existe um potencial risco de Doença Óssea Meta-
A DBP DS ao ter efeitos significativos na absorção bólica como complicação a longo prazo de toda a
das gorduras, consequentemente diminui a absorção cirurgia bariátrica mas especialmente na DBP DS que
das vitaminas lipossolúveis e ácidos gordos essenciais. tem uma componente de má absorção evidente.
Os défices de vitaminas hidrosolúveis são menos Na base deste problema está a baixa da absorção de
frequentes. Cálcio após esta cirurgia. O Cálcio é principalmente
Genericamente os défices de vitaminas após uma absorvido por transporte activo no duodeno e jejuno
DBP DS, são normalmente evitáveis por uma suple- proximal num processo intimamente ligado ao que
Pedro Gomes
88
A melhoria ou cura dessas doenças é outro dos res e 1 registou apenas diminuição dos valores do
objectivos que se pretende atingir com a cirurgia asso- colesterol e normalização dos triglicerideos. De notar
ciada à perda de peso. que os 3 doentes que normalizaram os valores da dis-
No topo da lista das doenças melhoradas ou curadas lipidemia, esta enquadrava-se num quadro de Sin-
estão a Diabetes e as Dislipidemias. drome Metabólica que se resolveu na globalidade.
A eventual cura ou melhoria de outras patologias Os 2 doentes com ulcera varicosa registaram cica-
associadas está directamente relacionada com a quan- trização total em tempo variável mas apenas quando a
tidade de peso perdido. %EPP atingiu os 50%.
Também neste aspecto a DBP DS tem seguramente Os doentes com recuo de 3 anos (n=2), com pato-
a longo prazo os melhores resultados. logia degenerativa articular registaram com a perda de
Na série já referida de 81 doentes operados de DBP peso melhoria dos sintomas consequente à menor
DS pelo nosso grupo, em 61 doentes (75.3%) verifi- sobrecarga, mobilizando-se com maior facilidade.
cou-se a associação com outras patologias. Contudo mantiveram clinica e sinais imagiológicos de
As seis patologias mais frequentes que foram regis- artroses (anca e joelho) com indicação para artroplas-
tadas: tias.
Os resultados revistos por A.Baltasar (8) apontam
Hipertensão arterial 47 (58.0%) para uma resolução em 100% dos doentes diabéticos
Sindrome de Apneia do Sono 41 (50.6%) e 76% de cura da HA.
Diabetes tipo 2 16 (19.7%) Marceau (3) na revisão de 1356 doentes, registou
Dislipidemia 10 (12.3%) 27.8% (n=377) diabéticos. Destes, 301 eram medica-
Patologia degenerativa articular 6 (7.4%) dos, enquanto 76 apenas cumpriam dieta. O efeito
Ulcera varicosa 3 (3.7%) terapêutico da perda de peso pós cirurgia foi notável,
já que numa primeira fase 97% (292/301) diminuí-
Registamos seguidamente os resultados recolhidos ram a medicação e com o passar do tempo 92% dei-
do seguimento dos 53 doentes com 3 anos de recuo xaram mesmo os antidiabéticos orais. Nos doentes que
sobre a cirurgia. faziam terapêutica associada de insulina com antidia-
Verificou-se a cura da diabetes em 100% dos 9 béticos orais, 98% deixaram a insulina enquanto
doentes diabéticos, 2 dos quais eram medicados com 61.3% suspenderam também a medicação oral. Dos
insulina. doentes que utilizavam no pré operatório CiPAP , ape-
Dos 28 doentes com hipertensão arterial, 21 (75%) nas 7% (n=14) o mantém.
passaram a ter valores normais de TA, enquanto 6
(21.4%) tiveram ajustes da terapêutica por diminui-
ção dos valores da TA e apenas 1 doente (3.5%) man- CIRURGIA ABERTA / CIRURGIA LAPAROSCÓPICA
teve valores inalterados.
Em relação à apneia do sono, que despistamos antes A Cirurgia Minimamente Invasiva é cada vez mais
da cirurgia em todos os doentes super obesos através de e em todos os ramos da Cirurgia uma abordagem de
registo poligráfico durante o sono, dos 25 doentes que eleição.
sofriam de apneia, 17 (68%) registaram cura com A Cirurgia Bariátrica não é excepção. A abordagem
abandono do ventilador. Nos restantes 8 (32%) regis- por laparoscopia é actualmente não só possível como
tou-se melhoria motivando alterações nas pressões do desejável em todos os procedimentos cirúrgicos para
CiPAP. tratamento da obesidade, devido às inúmeras e conhe-
Relativamente aos valores da dislipidemia, dos 4 cidas vantagens que a cirurgia minimamente invasiva
doentes com recuo de 3 anos, 3 normalizaram os valo- apresenta.
Pedro Gomes
90
Registaram-se em dois doentes hemorragias intra A Baltasar (8) para a DBP CD aberta tem uma taxa
abdominais intensas nas primeiras 24 horas de pós de mortalidade de 0.95% e para a via laparoscópica é
operatório que impuseram laparotomias de revisão. de 0.85%.
Em ambos os casos foram encontrados volumosos Na nossa série de 81 doentes registaram-se 2 óbitos.
hematomas supra mesocólicos, estendendo-se em A mortalidade operatória foi de 1.2% correspondente
intima relação com o novo tubo gástrico e que após ao falecimento de um doente nas primeiras 24 h por
cuidadosa aspiração e revisão não foi percebida a ver- embolia pulmonar. Registou-se outra morte ao 4º mês
dadeira causa da hemorragia. Passámos, após estes dois por pneumonia pulmonar bilateral contributo para
episódios a ter maior atenção à manipulação do grande que a mortalidade global da série seja de 2.4%.
epiplone desinserido da grande curvatura gástrica após
a laqueação de vasos com o aparelho ultra sónico.
A complicação minor mais frequente foram os Sero- CONCLUSÃO
mas (n=12 – 14.8%) da parede apesar da drenagem
sistemática com drenos de vácuo. • A Derivação Biliopancreática com Duodenal Switch
Foram até ao momento diagnosticadas três Hérnias (DBP DS) é o procedimento bariátrico que regista
Incisionais (3.7%) não estando nenhuma delas rela- os melhores resultados na perda de peso e na manu-
cionada com seromas prévios, mas uma delas foi num tenção dessa perda a longo prazo.
dos doentes que teve hemorragia pós operatória • Cura ou promove significativamente a melhoria das
impondo uma segunda laparotomia. morbilidades associadas.
No estudo de Marceau (3) são descritas hérnias inci- • Sendo uma cirurgia do tipo misto em que associa
sionais em 13% dos doentes operados (176/1356). um componente restritivo (Sleeve) com o compo-
nente indutor da má absorção (Duodenal Switch)
cria uma nova fisiologia que obriga a um segui-
MORTALIDADE mento criterioso e prolongado de modo a serem
detectados e corrigidos eventuais défices vitamino/
A DBP DS apesar de ser um procedimento tecni- /minerais e as consequentes patologias que lhe estão
camente exigente, seja qual fôr a via de abordagem associadas.
escolhida, apresenta taxas de mortalidade que se • É o único procedimento bariátrico que cria as con-
enquadram no que é aceitável em cirurgia bariátrica. dições para que seja possível a prática de uma ali-
É facto conhecido que o IMC > 50 KG/m² funciona mentação quase normal em que o sintoma vómito é
como elemento agravante da mortalidade operatória. quase inexistente.
Marceau (3) registou uma mortalidade operatória • A DBP DS é do ponto de vista técnico uma opera-
(nos primeiros 30 dias) de 1.1% (16/1423) .Quando ção de alguma complexidade sobretudo se efectuada
regista os dados referentes a 90 dias a mortalidade pela via laparoscópica. Apesar disto e desde que
sobe ligeiramente para 1.3%. sejam respeitados os timings de uma curva de apren-
Estes dados são sobreponíveis aos verificados em dizagem exigente, a morbilidade e mortalidade
doentes submetidos a Bypass Gastrico. situam-se em níveis perfeitamente aceitáveis sobre-
Hess (1) apresenta valores de mortalidade global para tudo tendo em conta os doentes Super Obesos
a DBP DS de 0.57%. Contudo quando se refere a (IMC>50) que constituem a indicação preferencial
doentes com IMC > 50 a taxa é de 1.16%. deste procedimento.
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Pedro Gomes
92
GRANDES TEMAS: OBESIDADE
RÉSUMÉ
L'auteur à propos d'une série de 3 000 interventions, dont 162 réalisées par voie coelioscopique, présente les avantages et les inconvé-
nients de la diversion bilio-pancréatique (DBP). La DBP assure une réduction de plus de 70% de l'excès pondéral initial, tant chez les
obèses que chez les superobèses ; cette perte de poids est constante et surtout se maintient à très long terme (25 ans). La DBP a un effet
très favorable sur le métabolisme du glucose, avec 98% de guérison du diabète à 10 ans ; elle réduit à long terme le cholestérol sérique
avec augmentation du HDL cholestérol. Elle normalise la tension artérielle dans 80% des cas à 10 ans. Elle constituerait ainsi le traite-
ment le plus puissant de l'hyperlipidémie et du diabète sucré type II. L'anémie, la déminéralisation osseuse, l'ulcère gastrique et la neu-
ropathie périphérique peuvent être contrôlés aisément ; le problème le plus important est celui de la malnutrition protéique (MP), qu'il
s'agisse de la forme épisodique précoce ou de la forme récurrente. L'auteur, en adaptant aux caractéristiques du patient dans la "DBP ad
hoc" le volume gastrique d'une part, et la longueur de l'anse alimentaire d'autre part, obtient à 10 ans chez les 300 derniers opérés, 1%
de MP récurrente entraînant 1% de réinterventions, avec une réduction permanente de 71% de l'excès de poids initial.
(MOTS CLÉS: Obésité, Dérivation bilio-pancréatique (DBP), Syndrome métabolique, Diabète type II, Hyperlipidémie)
SUMMARY
A propos of a series of 3,000 procedures, 162 of which were performed laparoscopically, the author presents the advantages and draw-
backs of biliopancreatic bypass (DBP). DBP allows an over 70% initial excess weight loss, both in obese and superobese patients ; the
weight loss remains constant and above all it is long lasting (25 years). In fact, DBP has a favourable effect on glucose metabolism, with
98% of cases of diabetes cured at 10 years ; it lowers serum cholesterol lastingly and increases HDL cholesterol. DBP also regulates blood
pressure in 80% of cases at 10 years. DBP could represent the most powerful treatment against hyperlipidemia and type II diabetes
mellitus. Anaemia, bone demineralisation, gastric ulcer and peripheral neuropathy are easily controlled ; the major problem is that of
protein malnutrition (MP) both in its early episodic form and recurring form. In "ad hoc DBP " the author tailors the procedure to
patient characteristics, namely gastric volume and length of feeding loop. In his last 300 operated patients, his results at 10 years are
1% of recurring MP leading to 1% reoperations, with a 71% permanent loss of initial excess weight.
(KEY WORDS: Obesity, Biliopancreatic bypass (DBP), Metabolic syndrome, Type II diabetes, Hyperlipidemia)
RIASSUNTO
L'autore presenta i vantaggi e gli svantaggi della diversione bilio-pancreatica (DBP) su una serie di 3000 interventi, di cui 162 eseguiti
in laparoscopia. La DBP assicura la riduzione di oltre il 70% dell'eccesso ponderale iniziale, tanto nei soggetti obesi quanto nei super-
obesi ; questa perdita di peso è costante e soprattutto si mantiene a lungo termine (25 anni). La DBP ha un effetto molto favorevole
sul metabolismo del glucosio, con 98% di guarigione del diabete a 10 anni ; riduce a lungo termine il colesterolo sierico con aumento
del L colesterolo. Normalizza la pressione arteriosa nel 80% dei casi a 10 anni. Essa costituirebbe inoltre il trattamento più potente
dell'iperlipidemia e del diabete mellito di tipo II. L'anemia, la demineralizzazione ossea, l'ulcera gastrica e la neuropatia periferica pos-
sono essere controllate facilmente ; il problema più importante è la malnutrizione proteica (MP), sia nella forma sporadica precoce che
nella forma ricorrente. L'autore, adattando alle caratteristiche del paziente nella "DBP ad hoc" il volume gastrico da una parte e la lun-
ghezza dell'ansa alimentare dall'altra, ottiene a 10 anni, negli ultimi 300 operati, 1% di MP ricorrente che impone 1% di reinterventi,
con una riduzione permanente del 71% dell'eccesso di peso iniziale.
(PAROLE CHIAVE : Obesità, Diversione bilio-pancreatica (DBP), Sindrome metabolica, Diabete tipo II, Iperlipidemia)
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perte de poids de sorte que s'il y a reprise de poids, au détriment du pool cholestérolique, et par l'absorp-
l'effet favorable disparaît. Pour comprendre ce qu'il tion fortement réduite du cholestérol endogène due à
advient après bypass gastrique ou DBP rappelons-nous l'absorption minimale de graisses. Ces actions sont
que, selon l'hypothèse de Randle [7, 8], le diabète dans également prouvées par une étude qui montre une
l'obésité serait dû à l'augmentation de l'oxydation des excrétion quotidienne de sels biliaires d'environ 750
FFA (free fatty acid) qui, à son tour, inhibe l'oxyda- mg, versus une valeur normale de 400 mg, et de nou-
tion glucidique, causant ainsi une résistance à l'insu- veau une absorption de graisses extrêmement limitée
line. Plus récemment l'école suédoise [9] a suggéré que [5] qui certainement autorise l'absorption d'une part
l'hyperinsulinémie serait due à une diminution de la minime de cholestérol endogène.
clearence hépatique à l'insuline, secondaire à l'aug- Sur les 2 266 patients avec "DBP ad hoc", avec un
mentation de la concentration portale en FFA et de la suivi minimum d'un an, 317 d'entre eux (14%)
compétition qui s'en suit avec les récepteurs insuli- avaient une simple hyperglycémie préopératoire, 140
niques. (6,2%) avaient un diabète sucré type 2 traité avec des
Si nous considérons qu'indépendamment de ces hypoglycémiants oraux, et 39 (1,7%) patients avaient
pathogénies le diabète sucré de type 2 est caractérisé un diabète sucré de type 2 nécessitant un traitement à
par le cercle vicieux dans lequel l'hyperinsulinémie l'insuline. Parmi ces patients tous, exceptés deux,
cause la résistance à l'insuline et vice versa, il est clair avaient un an après DBP et de façon permanente une
que tout facteur influençant ce cercle vicieux aura une glycémie normale sans traitement et avec un régime
répercussion sur le diabète. C'est le cas de l'annulation entièrement libre.
virtuelle de l'axe entéro-insulaire due au bypass du Il y a eu 4 autres cas de rechute tardive, mais aucun
duodénum et du jéjunum proximal qui cause une de ces patients à long terme n'a eu besoin d'un traite-
réduction de la production d'insuline et ainsi aug- ment quelconque. Significativement cela s'est accom-
mente la sensibilité à l'insuline. La DBP ajoute à cela pagné d'une normalisation des niveaux sériques d'in-
au moins une autre action spécifique consistant en suline, comme cela a été démontré par une analyse
l'extrême réduction de l'absorption lipidique avec une longitudinale [4], et par une analyse transversale mon-
diminution conséquente de la graisse intramyocellu- trant des niveaux sériques de base postopératoires nor-
laire et renversement de la résistance à l'insuline [10] et maux ainsi que la réponse au repas test, et la surface
naturellement réduction ou annulation de la toxicité au-dessous de la courbe, et par la normalisation de la
aux graisses des cellules béta [11]. sensibilité à l'insuline qui fut explorée dans une autre
La presque annulation de l'axe entéro-insulaire est étude au moyen d'une restriction isoglycémique
prouvée par l'extrême réduction du GIP (Gastric Inhi- hyperinsulinémique [4].
bitory Polypeptide) qui est considéré comme la plus De façon intéressante les patients avec un diabète
importante incrétine qui après DBP a des niveaux de insulinodépendant préopératoire avaient déjà un niveau
base fortement réduits, une courbe plate en réponse à sérique moyen de glucose normalisé un mois après la
un repas, et une réponse intégrée très réduite [12]. L'ab- DBP, alors que l'excès de poids était encore autour de
sorption graisseuse minime est attestée [5] montrant 80% ce qui prouve à nouveau un effet spécifique indé-
une absorption quotidienne moyenne d'environ 40 gr pendant du changement de poids. De la même façon les
de lipides après DBP. valeurs HOMA, et donc la sensibilité à l'insuline, étaient
Différemment du bypass gastrique la DBP a aussi normales un à deux mois après l'intervention [13].
deux actions spécifiques sur le métabolisme du cho- Il est intéressant de comparer les effets bénéfiques à
lestérol, représentées par l'interruption calibrée de la long terme de la DBP sur le métabolisme du glucose
circulation entérohépatique des sels biliaires avec l'aug- avec ceux de l'autre opération qui, à côté de très bons
mentation consécutive de la synthèse d'acides biliaires résultats à long terme sur le poids, a aussi une action
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poids corporel. Aussi, pourquoi ne pas utiliser la DBP • La déminéralisation osseuse requiert aussi une sup-
chez les patients non-obèses morbides et même non- plémentation calcique à titre préventif et curatif. De
obèses mais présentant un syndrome métabolique ? façon intéressante un pourcentage significatif de
Certainement pas par peur d'une perte de poids non patients obèses a déjà une maladie osseuse modérée à
désirée. En fait imaginons un patient avec un seuil sévère qui apparemment tend à s'améliorer du fait de
d'absorption énergétique intestinal correspondant à la perte de poids. Ce qui se produit probablement c'est
un poids de 80 kg. Nous savons que c'est le poids qu'il que, durant la première année, l'effet défavorable de
atteindra nécessairement quel qu'élevé que soit son la réduction d'absorption de Ca prévaut, provoquant
poids de départ. Que va-t-il se produire si, au une augmentation du pourcentage de troubles osseux,
contraire, son poids de départ est de 70 kg? La réponse alors que secondairement c'est l'effet bénéfique de la
évidente est qu'il ne va pas perdre de poids. Ainsi pour perte de poids. Ce phénomène général est particuliè-
ne prendre aucun risque plaçons le seuil à un niveau rement évident dans les populations présentant les
plus élevé. Nous avons besoin maintenant de considé- altérations préopératoires les plus importantes, c'est-
rer que dans la DBP, seule l'absorption des graisses est à-dire les patients plus âgés et plus lourds [18, 19, 20].
limitée à l'anse commune, alors que les protéines et les • L'incidence de l'ulcère d'estomac essentiellement
féculents sont absorbés 'à la fois dans l'anse commune limitée à la première année postopératoire est forte-
et dans l'anse alimentaire (voir ci-dessous). C'est pour- ment influencée en particulier chez la femme par l'al-
quoi le seuil d'absorption énergétique intestinal peut cool et surtout par la cigarette. Bien que l'ulcère soit
être considérablement relevé en allongeant l'anse ali- aisément curable par les médicaments antisécrétoires,
mentaire, ce qui n'affecte en rien les autres effets spé- chez les fumeurs il peut rechuter indéfiniment jusqu'à
cifiques de l'opération. Ce n'est pas seulement une l'arrêt du tabac [4].
hypothèse puisque cela a pu être vérifié chez deux • La neuropathie périphérique, autre complication
jeunes filles maigres présentant une chilomicronémia précoce, est très aisément prévenue par la supplémen-
familiale qui n'ont perdu aucun poids après avoir subi tation à la thiamine [21].
une DBP avec une anse alimentaire plus longue [17]. • La malnutrition protéique (MP) avec ses symp-
La conclusion évidente est que la DBP est actuelle- tômes classiques est la complication la plus sérieuse de
ment le traitement disponible le plus puissant pour la DBP. Généralement épisode précoce unique, elle est
l'hyperlipidémie et le diabète sucré de type 2, et qu'elle due au nonrespect des règles alimentaires qui doivent
pourrait être sûrement et efficacement utilisée dans le être observées en début de période postopératoire. Plus
traitement des syndromes métaboliques sévères chez les rarement cet épisode peut être récurrent en raison
obèses mais aussi chez les sujets non-obèses. d'apport de protéines inférieur à celui requis : une cor-
Evidemment cela a un prix, comme toutes choses rection chirurgicale est alors nécessaire avec allonge-
dans la vie, en particulier les bonnes. La pratique et ment de l'anse commune [22, 23]. La lutte contre cette
l'expérience nous ont conduits, hors learning curve, à complication a été la plus importante dans le déve-
une mortalité opératoire fermement réduite au-des- loppement de la DBP.
sous de 0, 5% avec progressivement une quasi-dispa- Pour comprendre comment la technique, les indi-
rition des complications générales et des complications cations et le management postopératoire ont évolué
chirurgicales majeures. jusqu'à ce que nous obtenions éventuellement le
contrôle de cette complication, nous devons revenir
La DBP a des complications tardives spécifiques. en arrière sur quelques principes de base de la physio-
• L'anémie, qui ne survient que chez les patients logie des complications nutritionnelles de la DBP. Le
avec un saignement chronique, peut être réduite au- volume gastrique influence grandement l'absorption
dessous de 5% avec une supplémentation adéquate. énergétique et protéique, à la fois dans la période post-
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du poids du corps à un niveau moyen qui correspond dence globale de 11% de MP avec un taux de récur-
à un regain d'environ 25% de l'excès de poids. rence de 4,3% et une perte d'excès de poids corporel
Pour mieux comprendre comment nous avons initial de 75%. A ce point l'absence de différence signi-
modifié l'opération dans le but de minimiser le risque de ficative entre le volume gastrique des patients avec MP
malnutrition protéique (MP) résumons les causes de MP et sans MP démontrait qu'il n'avait plus d'influence
après DBP. D'un côté la DBP elle-même qui en dimi- sur l'incidence de MP.
nuant l'absorption protéique et en augmentant la perte C'est pourquoi afin de diminuer ultérieurement le
d'azote endogène augmente la demande protéique qui, taux de cette complication, depuis 1992 nous avons
à son tour, influence à la fois la MP épisodique et récur- également commencé à adapter la longueur de l'anse
rente. D'un autre coté la diminution du volume gas- alimentaire aux caractéristiques individuelles des
trique qui, par une diminution temporaire des entrées patients, la principale caractéristique socio-comporte-
alimentaires, influence la MP précoce épisodique et, mentale corrélée avec le risque de MP étant le contenu
par une diminution permanente du temps de transit protéique de l'alimentation habituelle, la capacité de
intestinal et ainsi une réduction de l'absorption pro- modifier les habitudes alimentaires en fonction de
téique, influence à la fois la MP précoce épisodique et besoins et le statut financier.
la MP tardive récurrente. Nous avons été initialement L'intervention "DBP avec estomac ad hoc et anse
très fortement attirés par l'extraordinaire perte de poids alimentaire ad hoc" qui résulte de ces modifications,
obtenue en réduisant le volume gastrique et à une phase analysée chez les 300 derniers patients ayant un fol-
ancienne de développement de la DBP nous avons low up moyen de 10 ans, entraîne une incidence
drastiquement réduit le volume moyen à 150 cc obte- presque négligeable de seulement 1% de MP récur-
nant de ce fait une spectaculaire réduction de 90% de rente ce qui signifie seulement 1% de réinterventions
l'excès de poids initial, mais une incidence catastro- pour des complications tardives spécifiques associées
phique de 30% de MP avec un taux de 10% de récur- encore à une très bonne réduction permanente de
rence. L'importance du volume gastrique est prouvée 71% de l'excès de poids initial.
par le fait que l'estomac des sujets avec MP était signi- Le fait que cette dernière politique procure le meil-
ficativement plus petit que celui des patients sans MP. leur compromis entre efficacité et sécurité est confirmé
Dans le but de diminuer l'incidence de MP sans perdre par une évaluation BAROS récente de plus de 800
les avantages du petit estomac, nous avons adapté le patients qui montrait chez les patients opérés après
volume gastrique aux caractéristiques de chaque 1992 un taux d'échecs de seulement 2% et plus de
patient. La philosophie originale de la DBP avec "esto- 90% de résultats bons et excellents.
mac ad hoc" était de confiner le risque de MP aux En conclusion, une bonne connaissance de la phy-
patients qui requéraient la plus grande perte de poids siologie de la DBP permet l'adaptation à la fois du
en adaptant le volume gastrique seulement à l'excès de volume gastrique et de la longueur de l'anse alimen-
poids initial. Le volume gastrique moyen fut réduit à taire aux caractéristiques individuelles du patient. Le
environ 300 cc avec une incidence totale de MP de taux qui en résulte de 1% de reprise pour complica-
15% et avec encore une très bonne perte d'excès de tions tardives spécifiques fait de la DBP entre nos
poids de 79%. Naturellement les patients avec un mains l'intervention la plus efficace mais aussi la plus
volume gastrique inférieur à 300 cc avaient encore une sûre utilisable dans le traitement de l'obésité.
incidence de MP significativement plus importante. Par ailleurs la learning curve a aussi influencé favo-
Nous avons décidé alors d'adapter le volume gas- rablement notre taux de complications tardives spéci-
trique aux autres caractéristiques des patients, en par- fiques la MP chutant de 15 à moins de 3%, l'ulcère
ticulier l'âge, le sexe, les habitudes alimentaires et le gastrique de 9 à 4%, cependant que les complications
degré de compliance escompté. Le résultat fut une inci- neurologiques disparaissaient totalement.
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N. Scopinaro
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CASO CLÍNICO
Síndrome de Boerhaave
Sousa, L., Garrido, R. & Santos, L.
Serviço de Cirurgia II – H.N.S.R., E.P.E. – Barreiro
Director de Serviço: Dr. José Pereira
INTRODUÇÃO
CASO CLÍNICO
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a) Editoriais
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