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R e v i s t a P o r t u g u e s a d e C i r u rg i a II Série • n.

° 4 • Março 2008

Corpo Editorial Editor Chefe – José Manuel Schiappa, Editores – José Crespo Mendes de Almeida (Editor Científico), José Augusto
Gonçalves (Editor Técnico), Jorge Penedo (Editor de Supervisão), Amadeu Pimenta, Eduardo Xavier da Cunha (Editores
Associados) • Conselho Científico A. Silva Leal, António Marques da Costa, A. Araújo Teixeira, C. Alves Pereira, Eduardo
Barroso, F. Castro e Sousa, Fernando José Oliveira (Presidente), Francisco Oliveira Martins (Secretário Geral), Jaime Celestino da
Costa, João Gíria, João Patrício, Jorge Girão, Jorge Santos Bessa, José Guimarães dos Santos, José Luís Ramos Dias, José M.
Mendes de Almeida, Rodrigo Costa e Silva, Vítor Passos de Almeida • Edição e Propriedade Sociedade Portuguesa de Cirurgia
– Rua Xavier Cordeiro, 30 – 1000-296 Lisboa, Telefs.: 218 479 225/6, Fax: 218 479 227, E-mail spcirurgia@clix.pt • Redacção

e Publicidade SPOT Depósito Legal 255701/07 • Composição, impressão e acabamento G.C. – Gráfica de Coimbra, Lda.

Índice
Página dos Editores/Editors Page . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

Página da Sociedade Portuguesa de Cirurgia/Portuguese Society of Surgery Page . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

HISTÓRIA E CARREIRAS PROFISSIONAIS/HISTORY AND PROFESSIONAL CAREERS


João Cid dos Santos – Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
/João Cid dos Santos – Remembering his life thoughts and work, at the celebration of his centenary . . . . . . . . 7
A. Dinis da Gama

ARTIGOS ORIGINAIS /ORIGINAL PAPERS


Citorredução seguida de quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica no tratamento da doença
peritoneal maligna: Estudo de fase II com reduzida toxidade e morbilidade
/Citoreduction followed by intraperitoneal hyperthermic chemoperfusion, treating malignant peritoneal
disease: Phase II study with reduced toxicity and morbidity . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
J. Abreu, M. Serralva, M. Fernandes, L. Santos, P. Guerra, D. Gomes

Agenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Hiperparatireoidismo – um diagnóstico não pensado/Hyperaparathyroidism – a non thought diagnosis . . . . 23


João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira

GRANDES TEMAS: OBESIDADE / GRAND ROUNDS: OBESITY


Globesity, diabesity and surgery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Nicola Basso

Obesidade: causas e distribuição da epidemia / Obesity: causes and distribution of the epidemy . . . . . . . . 35
Henrique Barros, Elisabete Ramos

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


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Cirurgia bariática / Bariatic surgery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Isabel do Carmo, Maria João Fagundes, José Camolas

A obesidade do ponto de vista do gastrenterologista / Obesity from the gastroenterologist’s perspective . . . . . . 51


M. Bispo, P. Barreiro, T. Bana, L. Matos

Tratamento da obesidade mórbida com banda gástrica / Treament of morbid obesity with gastric band . . . . 59
António Sérgio

Bypass gástrico / Gastric bypass . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69


Rui Ribeiro

Gastrectomia vertical calibrada “Sleeve”/Vertical calibrated Sleeve Gastrectomy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79


Edgar Jesus da Rosa

Derivação biliopancreática com duodenal switch / Biliopancreatic bypass with duodenal switch . . . . . . . . . . 81
Pedro Gomes

Physiologie de l’absorption alimentaire: diversion bilio-pancréatique. Mise à jour à propos


de 3000 interventions . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
N. Scopinaro

CASO CLÍNICO / CLINICAL CASE


Síndrome de Boerhaave . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Sousa, L., Garrido, R. & Santos, L.

Instruções para autores – versão sumarisada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

Revista Portuguesa de Cirurgia


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Página dos editores
José Manuel Schiappa

UM ANO DE “REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA”

Passou um ano e conseguimos publicar 5 números da nossa “Revista Portuguesa de Cirurgia”: o número “Zero” e os
4 números que estabelecemos como “produção” anual.
Estamos satisfeitos? Estamos de parabéns?
É verdade que estamos satisfeitos por termos cumprido o prometido. Procurámos obter uma uniformidade editorial
e tentámos criar um estilo. Sob o nosso ponto de vista, estes pressupostos foram atingidos e esperamos poder continuar na
mesma linha, mantendo o que seja positivo (segundo a visão de todos e com as vossas opiniões) e tentando melhorar tudo
aquilo que saiu “menos bom”. Fizemos a publicação atempada dos vários números também como previsto.
Sabemos que tivemos melhores e piores números e sabemos também que houve textos e tipos de artigos publicados
que poderão ter agradado mais ou menos a diversos tipos de leitores.
No entanto, temos também que reconhecer que, ainda que os números publicados nos tenham dado satisfação, ficá-
mos com a sensação de que houve uma falha na tarefa a que nos propuséramos de “chegar ao leitor”; ou melhor de “fazer
o leitor chegar à Revista”.
De facto, não tem havido a esperada resposta do lado dos leitores nem a interactividade que desejávamos que pudesse
vir a ser uma das linhas mestras da vida da Revista. Como acontece sempre, tivemos felicitações pelo trabalho bem como
as esperadas palavras críticas – ainda que muito poucos fossem reparos “construtivos”. Também estamos a isso habituados
e o esperávamos, pelo que não houve surpresas.
É em relação à falta de interactividade que pomos a questão e é em relação a isto que gostaríamos de saber onde falhá-
mos e o que pode ser feito para obtermos a vida científica pretendida; tudo sem baixar a qualidade de textos que quere-
mos que se mantenha no nível que achamos ser o que a nossa Cirurgia merece e que também entendemos que é bem capaz
de atingir e manter.
Afinal, uma “não resposta” e a falta de contactos pode ser uma resposta, demonstrativa de que o que fizemos não é o
que os leitores pretendem; de que a Revista não traduz a nossa realidade, e não vai ao encontro do que os leitores querem.
Gostaríamos que nos façam saber, com a frontalidade que deve existir, quais as alterações que são pretendidas ou quais as
possíveis razões desta situação. Também entendemos que sucessivas revistas científicas dedicadas à cirurgia têm soçobrado
e que não está criada uma cultura de publicação e participação generalizada e continuada.
Passando do majestático ao pessoal, como Editor-Chefe, tenho que agradecer à equipa editorial pelo trabalho e pelo
entusiasmo e apoio dado; sem eles seria absolutamente impossível ter sido feito o que se fez, não só em termos da quali-
dade – de que nos orgulhamos – mas também em termos mais simples daquele trabalho básico, difícil de explicar mas que
é crucial.
O trabalho foi feito com gosto, entusiasmo e prazer, e foi o melhor que conseguimos com as condições existentes. Estas
condições, que foram de início difíceis e não permitindo algumas formas de trabalho que entendíamos como fundamen-
tais, estão agora a caminho de resolução com o apoio da direcção da SPC e pensamos que a nossa resposta e facilidade de
contacto com os autores e revisores fique francamente melhorada em breve com muito melhor articulação, entendimento,
rapidez e resultados.
As reuniões de Editores são sempre sede de franca e muito aberta discussão com participação interessada e extrema-
mente construtiva; também aí temos procurado ultrapassar a inércia dos potenciais autores fazendo convites para a elabo-
ração de artigos a cirurgiões portugueses conhecidos pelos seus interesses e trabalhos em determinadas áreas. Todos têm sido
aceites e temos tido, graças a esses trabalhos, textos de elevado nível científico nos nossos números. No entanto, apesar de
todos os convites terem sido aceites, nem todos foram finalizados com um texto.

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


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Por essa razão, o trabalho dos editores viu-se sobrecarregado uma vez que nos vimos, por vezes, forçados nós próprios
a elaborar textos para que uma coerência possa ser mantida e para manter os prazos e as linhas editoriais.
Agradeço também aos Revisores o trabalho efectuado e o apoio à linha editorial que estamos a seguir.
Houve alguma confusão, por deficiente comunicação, em relação aos trabalhos apresentados a concurso no nosso Con-
gresso de 2007, todos supostamente originais, e que deveriam ter sido apresentados de acordo com determinadas regras edi-
toriais para depois serem – eventualmente – publicados na Revista; a ideia transmitida aos autores foi diferente da origi-
nal mas a situação foi ultrapassada com a sua publicação, que termina neste número. No entanto, para este ano e para o
futuro, a situação fica clarificada com as condições dos Editores da Revista Portuguesa de Cirurgia publicadas em carta que
já foi enviada pela Direcção da Sociedade a todos os sócios.
Apenas um dos trabalhos não foi publicado uma vez que os seus autores decidiram retirá-lo desse propósito.
Todas estas situações levantaram, contudo, um outro problema; enquanto não existir uma “velocidade de cruzeiro”
com um envio regular, atempado e em número suficiente, de trabalhos originais para eventual publicação, não entende-
mos que estejam reunidas as condições para fazermos o pedido oficial para a New York Library of Medicine para que a
Revista Portuguesa de Cirurgia seja aceite para ali ser indexada.
O cumprimento das regras e condições exigidas, e a sua manutenção, não é fácil e implica uma responsabilidade con-
tinuada que, a falhar, leva a um descrédito que não queremos arriscar e que tememos poder acontecer no actual panorama.
Assim que verificarmos haver um fluxo de artigos originais em volume que nos permita ultrapassar estas dúvidas, faremos
o pedido com o envio de todos os números até agora publicados.
Como exemplo demonstrativo do rigor e dos problemas que rodeiam estes processos podemos reportar-nos ao que
recentemente é citado no número de Dezembro da HBP, a revista da Associação Internacional de Cirurgia Hepato-Bilio-
Pancreática, onde o Editorial mostra bem as preocupações com o nível da Revista, que tenta a sua aceitação na lista de Jor-
nais científicos indexados na Medline. A Revista não foi aceite quando avaliada no fim de 2006! Ainda que positivamente
avaliada quanto à qualidade dos manuscritos, do Corpo editorial, da regularidade e prontidão de publicação e do conteúdo
científico dos trabalhos originais e de revisão, falhou em outras áreas como política de saúde e educação. Creio que esta
enumeração dos pontos que são considerados mostra bem o rigor e a minúcia dos processos. O que a HPB pede é seme-
lhante, ainda que a diferente nível, ao que nós pedimos: que os membros da Sociedade considerem a apresentação dos seus
trabalhos à nossa Revista e que o façam transformando em manuscritos, por exemplo, os trabalhos que considerem mais
importantes e que tenham sido apresentados no nosso Congresso como Free Papers ou Palestras. O interesse deste ponto
é mutuo, com maior volume de trabalhos para publicação, por um lado, e com maior divulgação, nacional e internacio-
nal do trabalho produzido pelos nossos diversos Departamentos e Serviços de Cirurgia.
Mas o panorama pode e deve mudar; para este número tivemos trabalhos em quantidade suficiente e alguns tiveram
de ver a sua publicação adiada. Mesmo algumas secções já habituais tiveram que ser excluídas deste número para que
pudesse ter um número não excessivo de páginas. O Caderno Especial é volumoso em conteúdo e em número de páginas
e levou a esta situação; no entanto, considerando o seu interesse e a sua qualidade, pensamos que foi a melhor opção.
Temos notícias de interesse geral, respeitantes a novidades introduzidas na nossa Revista, algumas das quais para o pró-
ximo número e que anunciaremos nessa altura.
Estabelecemos um acordo com o “Journal de Coelio-Chirurgie” para a troca de artigos de especial interesse, o pri-
meiro dos quais é publicado neste número, incluído no Caderno especial; do mesmo modo certos dos nossos textos focando
Laparoscopia poderão ter a oportunidade de serem publicados naquela prestigiada Revista francesa.
Duas alterações relativas a informações e serviços a autores: as instruções para autores passarão a ser apresentadas na
Revista apenas na sua versão sumária, para poupança de espaço; a versão completa poderá ser consultada on-line. As sepa-
ratas passarão a ser enviadas aos autores sob a forma de um ficheiro PDF com a versão completa do trabalho, absolutamente
igual ao publicado.
Por último, estamos a tentar também modificar o “site” da Revista de forma a poder responder de forma simples às
– possíveis – necessidades dos utilizadores; mais uma vez, e porque não sabemos quais são, necessitamos do vosso apoio,
das vossas opiniões e da interactividade tão desejada.
Termino com um voto de confiança no futuro da Revista, considerando o nível que temos conseguido, fruto da qua-
lidade dos trabalhos que têm sido enviados e selecionados e com um pedido renovado: Sejam pro-activos! Contactem-nos
e escrevam-nos! Transmitam-nos as vossas ideias e os vossos trabalhos! Sejam críticos em relação ao publicado; no geral e
no particular, em relação à forma e ao conteúdo!
Só desse modo a Revista será de todos e poderá traduzir o que todos queremos.

Revista Portuguesa de Cirurgia


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Página da S.P.C.
Fernando José de Oliveira

As transformações que ocorreram na medicina, nas últimas duas ou três décadas, foram tão intensas e abran-
gentes, que é previsível que a cirurgia convencional possa sofrer um declínio nos próximos anos.
Um melhor conhecimento das causas e dos mecanismos de diversas doenças em conjugação com notáveis inves-
tigações farmacológicas, permitiram tratar muitas delas através de soluções não cirúrgicas. Os programas de preven-
ção, rastreio e diagnóstico precoce reduziram, em muitas circunstâncias, as indicações para a cirurgia. A consagra-
ção da cirurgia minimamente invasiva e a expansão de novas técnicas de intervenção tornaram mais simples, com
menor morbilidade e menos onerosa a abordagem terapêutica de muitos doentes, outrora submetidos a procedi-
mentos mais complexos e agressivos.
Estes exemplos, entre muitos outros que se poderiam citar, reflectem, apenas, o processo de evolução e trans-
formação que ocorre continuamente no seio da medicina, mas são, suficientemente, elucidativos para se compreen-
der algum declínio da cirurgia geral.
Concomitantemente com esta situação, que poderá afectar a essência da própria especialidade, tem-se assistido
à progressiva desertificação da cirurgia geral.
Na realidade, após um período áureo em que a cirurgia geral foi uma das opções preferenciais no acesso ao
internato de especialidade, passou-se para uma fase intermédia, mas tendencialmente decrescente, registando-se nos
últimos tempos um decréscimo significativo nas escolhas dos internos, com repercussões não só na qualidade dos can-
didatos como, facto que já se verifica nalguns países, no número daqueles que optam pela cirurgia geral.
Mas, porque é que estão a diminuir os candidatos para a especialidade de cirurgia geral?
Será que um certo declínio da cirurgia geral, a que aludimos, justifica, só por si, o escasso impacto desta espe-
cialidade nas novas gerações?
Pensamos que não, sendo possível identificar outros factores tais como, a progressiva redução do peso das dis-
ciplinas cirúrgicas na formação pré-graduada, a forma de recrutamento dos internos, o número de horas de traba-
lho semanal, a crescente fragmentação da cirurgia geral, a superespecialização e, “the last but not the least”, a quali-
dade de vida.
Esta crise, que não se circunscreve ao nosso país, não parece ser uma crise de vocações, mas reflecte, sobretudo,
a incapacidade de uma especialidade em seduzir, apenas, porque deixou de ser apelativa.
É necessário inverter esta tendência que, a curto prazo, pode tornar-se preocupante.
Os cirurgiões através das suas associações científicas e profissionais, nomeadamente a Sociedade Portuguesa de
Cirurgia e o Colégio de Especialidade de Cirurgia Geral, deverão ser capazes de formatar propostas que requalifiquem
a cirurgia geral tornando-a, novamente, uma especialidade apelativa, sedutora e desejada pelas novas gerações.
É que a Cirurgia Geral continua a ser uma especialidade essencial com uma esfera de intervenção específica e
com um previsível recrudescimento do número de doentes que dela necessitam, em consequência do aumento da
esperança de vida das populações e, também, do acréscimo das indicações para cirurgia profiláctica.

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ERRATA

Ao N.°3 da Revista Portuguesa de Cirurgia


Página 52 – Caso Clínico – Rotura isolada da vesícula biliar por traumatismo abdominal fechado por M.
Mendes, J. Penedo, J. Guedes da Silva, do Centro Hospitalar de Lisboa Central – E.P.E: Hospital de Santo Antó-
nio dos Capuchos – Serviço 6

Faltou na impressão da Revista, um parágrafo que tira grande parte do sentido do Caso Clínico, por a sua
ausência omitir o tratamento cirúrgico efectuado:
Imediatamente a seguir ao parágrafo que termina com:
... outras lesões potenciais.
Deveria ter sido impresso o seguinte parágrafo:
Após exploração cirúrgica da via biliar principal, arco duodenal, e espaço retroperitoneal através de manobra
de Kocher ampla, não foi detectada qualquer outra solução de continuidade. O aspecto isquémico da parede
da vesícula condicionou a opção por colecistectomia anterógrada, com drenagem passiva da loca de Morrisson.
O pós-operatório decorreu sem complicações com alta ao 6º dia.

Do facto, pedimos desculpa aos autores.

Revista Portuguesa de Cirurgia


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HISTÓRIA E CARREIRAS PROFISSIONAIS

João Cid dos Santos


Evocação da vida, pensamento e obra,
na celebração do seu centenário
A. Dinis da Gama
Clínica Universitária de Cirurgia Vascular da Faculdade de Medicina de Lisboa

João Cid dos Santos ocupa um lugar destacado na fundo que existe para o estudo da circulação venosa
história da Angiologia e Cirurgia Vascular devido às dos membros e por isso continua a ser considerado
suas grandes descobertas, a flebografia em 1937 e a como o “gold standard”, através do qual se comparam
endarteriectomia em 1947. Elas resultaram natural- o valor e a eficiência das novas tecnologias que vão
mente do seu génio criativo e do ambiente e dos sendo introduzidas. É por outro lado um instrumento
homens que o rodearam e o influenciaram, nesse indispensável na investigação clínica, devido ao rigor,
riquíssimo e fértil período histórico que mediou entre precisão e objectividade das informações que propor-
a 1ª e a 2ª Guerra Mundial. ciona.
A concretização da flebografia como método semio- A endarteriectomia ou desobstrução arterial consti-
lógico exigiu uma apreciação e revisão profunda sobre tuiu a primeira tentativa de restabelecer a circulação
a circulação venosa, sobretudo dos membros inferiores, em artérias afectadas por oclusões crónicas, através da
da qual emergiram novos conceitos e interpretações remoção do processo oclusivo e restauração da sua per-
anátomo-fisiológicas relativamente a um sector que meabilidade.
tradicionalmente se encontrava votado ao abandono e Numa época em que o tratamento das arteriopatias
esquecimento; por sua vez a flebografia permitiu alar- oclusivas se encontrava dependente de concepções
gar a capacidade de estudo e compreensão da essência fisiopatológicas de natureza funcional, que legitima-
de muitos quadros patológicos, de natureza orgânica vam a utilização da simpaticectomia como arma tera-
ou funcional, que podem atingir a circulação venosa pêutica, de que Rene Leriche fora o grande mentor, a
dos membros. proposta de Cid dos Santos surge simultaneamente
Durante décadas, a flebografia assumiu-se como o como uma heresia e uma esperança.
método de excelência para o estudo da circulação Com efeito, de acordo com os princípios então esta-
venosa dos membros; o seu campo de acção foi, belecidos, a actuação no interior de uma artéria era
porém, fortemente condicionado pela introdução dos seguida invariavelmente pela oclusão da mesma, o que
ultra-sons na área do diagnóstico, nos finais dos anos tornava proibitiva a exposição, manipulação ou o con-
60 e o seu subsequente aperfeiçoamento e sofisticação tacto da sua intima. Cid dos Santos demonstrou com
até à actualidade. A utilização da flebografia na prá- a endarteriectomia que tal principio não era ver-
tica clínica quotidiana está hoje restringida a casos clí- dadeiro e a sua técnica veio a consagrar-se como um
nicos singulares e muito bem seleccionados, mas reco- método terapêutico de eleição para o tratamento das
nhece-se que é ainda o método mais completo e pro- lesões arteriais oclusivas segmentares de praticamente

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


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todas as artérias cirurgicamente acessiveis do orga- Em Estrasburgo trabalhou Cid dos Santos directa-
nismo. mente com Fontaine e travou conhecimento com Jean
Foi na sequência da divulgação da endarteriectomia Kunlin, Michael DeBakey e Georges Arnulf, entre
que surgiram outras técnicas e métodos de revascula- outros, estabelecendo amizades que se prolongaram
rização, utilizando enxertos venosos ou sintéticos, que pela vida fora. Esse período de um ano marcou Cid
deram corpo e expansão à cirurgia arterial directa da dos Santos de forma definitiva e imperecível: “... Por
actualidade. Este desenvolvimento só se concretizou isso, o nosso estágio junto de Leriche marca um
após a demonstração, por Cid dos Santos, que o pre- momento capital da nossa vida. O embate dentro de
tenso papel desempenhado pela endartéria era um nós entre as personalidades e as respectivas orientações
mito, que tinha impedido o desenvolvimento da cirur- dos nosso dois Mestres foi o facto determinante na for-
gia arterial directa e que o destronar desse mito enco- mação da mentalidade que - boa ou má - ainda hoje
rajara outras fórmulas de tratamento para as doenças conservamos...”confessou ele num momento de refle-
arteriais obstrutivas. xão.
Por isso se pode considerar, justamente, que a endar- Regressado a Lisboa retomou as suas funções como
teriectomia está na origem da cirurgia arterial recons- interno de cirurgia do Hospital de Arroios e em 1939
trutiva do nosso tempo. ingressa nos quadros da Faculdade de Medicina como
assistente de Urologia.
Em 1942 obtém, mediante concurso, o titulo de
CRONOLOGIA Cirurgião dos Hospitais e em 1944 parte para os Aço-
res, mobilizado para chefiar uma equipa cirúrgica mili-
João Cid dos Santos nasceu em Lisboa em 5 de tar que deu apoio na rectaguarda, às tropas aliadas
Agosto de 1907 e desde muito novo, certamente envolvidas na II Guerra Mundial.
influenciado pela figura do seu pai, Reynaldo dos San- Nesse mesmo ano, presta provas de doutoramento
tos, mostrou interesse e vocação para a Medicina. Em na Faculdade Medicina de Lisboa com uma tese inti-
Setembro de 1927 matriculou-se na Faculdade de tulada “Patologia Geral das Isquémias dos Membros”,
Medicina de Lisboa e concluiu a licenciatura em 1933, em 1945 é aprovado como Professor Extraordinário e
começando, desde logo, a trabalhar com seu pai, no em 1949 chega ao lugar de Professor Catedrático de
Hospital de Arroios, em Lisboa. As bases da sua for- Cirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa, então
mação cirúrgica e pedagógica datam dessa época: rea- localizada no Hospital de Santa Marta.
lizou as primeiras intervenções cirúrgicas e anestésicas Em 1953 ocorre a inauguração do novo Hospital
(a anestesia nessa época era feita pelos cirurgiões mais Escolar de Santa Maria no qual Cid dos Santos foi
novos) e deu as primeiras aulas a estudantes e inter- encarregue da Direcção do Serviço de Clínica Cirúr-
nos. Ao mesmo tempo, ensaiou os primeiros passos na gica. Conseguia, aos 46 anos de idade, ascender a um
cirurgia experimental, estudando no animal técnicas lugar destacado e uma posição de liderança na cirurgia
várias de cirurgia arterial, desde suturas simples a anas- e nos meios académicos nacionais. Organiza, com um
tomoses e enxertos venosos. dedicado grupo de colaboradores, um serviço modelar,
Em 1936, com um inicio de experiência pessoal no o que lhe permite concretizar, aprofundar e expandir
campo clínico, cirúrgico e experimental foi trabalhar, uma parte significativa da sua obra científica, que nas-
durante um ano, com René Leriche, em Estrasburgo. cera em Arroios e Santa Marta. Nesta fase da sua vida,
O peso e o prestigio de Leriche e da sua escola projec- consegue notoriedade e projecção internacional. São
tavam-se pela Europa e pelo Mundo fora e atraíam crescentes os contactos e solicitações provenientes de
cirurgiões nacionais e estrangeiros, ávidos de conheci- todo o mundo em que a par das motivações científicas
mentos e experiências novas. se revela um emérito conferencista, requisitado pelos

A. Dinis da Gama
8
mais diversos auditórios, atraídos pelos seus notáveis FLEBOGRAFIA E FISIOPATOLOGIA VENOSA
dotes de oratória, vigor e brilho intelectual. Foi um
verdadeiro embaixador da ciência e cultura portugue- Em 1930 a patologia venosa constituía uma área do
sas do seu tempo. conhecimento extremamente pobre e desinteressante,
Faleceu em 4 de Novembro de 1975, de ataque car- recheada de conceitos simplistas ou empíricos e não
díaco, amargurado com os acontecimentos que se existia um único método para estudar objectivamente
registavam num dos períodos mais críticos por que as doenças das veias. Uma das grandes dificuldades de
passava a sociedade portuguesa após a revolução de 25 avaliação residia na direcção centrípeta do fluxo san-
de Abril de 1974. guíneo e a presença de válvulas no sistema venoso. Ins-
Para a história ficam os contributos maiores do seu pirado nos trabalhos de Egas Moniz e Reynaldo dos
génio criador, a flebografia e a endarteriectomia, mas Santos, conseguiu Cid dos Santos obter a visualização
também permanece inesquecível a sua formação cul- dos troncos venosos profundos principais, após injec-
tural e humana, a sua sensibilidade e inteligência, que ção de uma substância de contraste opaca aos Rx na
fizeram dele um autêntico “cidadão do mundo” - esti- circulação venosa superficial dos membros.
mado e admirado por todos os que o conheceram e Pela primeira vez tornou-se possível obter uma
com ele conviveram. visualização completa dos colectores venosos profun-
dos dos membros e da pélvis, método que designou
por “Flebografia directa em circulação livre” (Fig. 1).
OBRA CIENTIFICA Foram inúmeras as técnicas flebográficas que se desen-

Tal como seu pai Reynaldo dos Santos, a obra cien-


tifica de João Cid dos Santos estendeu-se à Cirurgia
Geral, à Urologia e à Angiologia e Cirurgia Vascular,
desde sempre apoiada numa fértil imaginação criativa
e com contributos originais dedicados ao diagnóstico
ou ao tratamento das afecções mais diversas. No domí-
nio da Cirurgia Geral, Cid dos Santos descreveu a
derivação dos falsos quistos do pâncreas para o estô-
mago (cistogastrostomia) e criou uma técnica de liber-
tação intrapancreática do colédoco, seguida de esfinc-
terectomia externa, para as lesões obstrutivas do esfínc-
ter de Oddi. No campo da Urologia foi um pioneiro
na criação da neobexiga ileal e da prostatectomia trans-
peritoneal, mas foi sobretudo no âmbito da patologia
vascular que as suas descobertas tiveram mais resso-
nância e projecção. Para além de contribuições mais
modestas, como é o caso de uma via de acesso (ante-
rior) para a simpaticectomia lombar ou de ter efec-
tuado pela primeira vez uma trombectomia venosa
num caso de flebotrombose aguda profunda, foi a des-
coberta da flebografia e da endarteriectomia que lhe Fig. 1 – Primeira flebografia
realizada no homem por João
conferiram os créditos e o mérito de grande investiga-
Cid dos Santos em 8 de Agosto
dor e pioneiro da cirurgia vascular contemporânea. de 1933

João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
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volveram na sequência desta descoberta, até se obter verdades esquecidas ou minimizadas da anatomo-fisio-
uma desejável e ambicionada estandardização do logia normal e patológica do sistema venoso. Sua apli-
método. Uma vez consagrada a técnica da flebografia, cação à patologia e terapeutica”. A essência desse tra-
pode dizer-se que todos os estudos no campo das balho foi apresentada às Jornadas Cardiológicas Inter-
doenças venosas dos membros dependeram directa ou nacionais de Paris, em 1947 e é considerada uma das
indirectamente da sua utilização. O diagnóstico pre- mais lúcidas, completas e profundas análises dedica-
coce das tromboses venosas, a localização inicial dos das ao tema.
trombos, as condições de aderência dos trombos à “Eu não podia ainda acreditar que em 1947 estava
parede venosa e a sua extensão, a origem anatómica escrevendo sobre uma matéria praticamente nova, ao
das varizes, os processos de recanalização das veias pre- descrever as bases fundamentais dos problemas veno-
viamente obliteradas, o diagnóstico diferencial das sos dos membros inferiores. Ainda hoje me é difícil
afecções venosas entre si e com factores extrínsecos, entender inteiramente esse período da minha vida. O
representam os aspectos culminantes demonstrados de conhecimento estava presente e, todavia, não estava.
forma clara pela flebografia. Verdades tinham sido emitidas para logo serem esque-
Desde o inicio da utilização clínica da flebografia cidas ou desprezadas. A flebografia representou o ter-
que se levantaram dúvidas e incertezas relativamente às reno sólido sobre o qual a revisão dos problemas teve
bases fundamentais da fisiopatologia venosa, que se lugar”.
tentaram esclarecer com a utilização do próprio O apogeu da flebografia como método semiológico
método. “... A investigação sobre flebografia foi ini- ocorreu com a apresentação do relatório ao IX Con-
ciada na mais completa escuridão. As perguntas que gresso da Sociedade Europeia de Cirurgia Cardiovas-
eu fazia a mim próprio eram de natureza elementar: cular, em 1960, intitulado “Introdução à flebografia
para quê as válvulas e por que existiam elas sómente no dos membros inferiores”. Pouco tempo depois, o apa-
sistema venoso? Por que se localizavam as lesões trófi- recimento dos ultra-sons prenunciava o inicio do seu
cas das afecções venosas sómente na pele e tecido celu- declínio, que se vem acentuando até aos dias de hoje,
lar subcutâneo? Por que é que o pé está aparentemente persistindo, todavia, ainda como o mais completo e
protegido das lesões tróficas? Como se estabelece a cir- rigoroso método de apreciação da anatomo-fisiologia
culação venosa colateral? Qual a influencia da força de e patologia da circulação venosa dos membros.
gravidade no retorno venoso? O que é a estase?... Todas
estas perguntas tinham forçosamente de obter uma
resposta, sobretudo porque o desenvolvimento da fle- ENDARTERIECTOMIA
bografia e sua interpretação dependiam do conheci-
mento das bases fundamentais anátomo-fisiopatológi- Existia entre os cirurgiões da época, a convicção que
cas do sistema venoso dos membros”, interrogava-se a manipulação da intima de uma artéria era seguida
Cid dos Santos num momento de reflexão profunda por um fenómeno de trombose local imediata, con-
sobre o rumo a imprimir às suas investigações. ceito que foi sustentado por grandes personalidades,
Utilizando a flebografia como instrumento, procu- entre as quais se destacam Matas (1909), Guthrie
rava Cid dos Santos responder àquelas questões, (1912) e Moure (1923). Paralelamente, no campo das
apoiando-se igualmente em dados da experimentação embolias, assistia-se com frequência à formação de
animal. À medida que a experiência ia progredindo, uma trombose secundária após a remoção de um
muitas das respostas tornaram-se claras, simples e lógi- êmbolo, sobretudo se se tratava de uma embolia de
cas. Tal circunstância estimulou-o a registar, para a evolução prolongada. Tal facto, ficava a dever-se à lesão
posteridade, o produto das suas conclusões, sob a do endotélio resultante do impacto do embolo na
forma de um trabalho que intitulou “Sobre algumas parede arterial. Eynar Key considerava que toda a

A. Dinis da Gama
10
embolia que ultrapassasse as 10 horas de evolução Concebeu então que a acção da heparina poderia
deveria ser desencorajada de ser tratada por embolec- servir de protecção à regeneração da intima após a
tomia, por ser sistematicamente seguida de trombose remoção de um trombo antigo, formado em conse-
secundária, um conceito que era igualmente compar- quência de um processo de endarterite. Era urgente
tilhado por Leriche. demonstrar-se na prática clínica essa possibilidade.
O carácter “intocável” da intima arterial desmoti- Em doentes graves, sofrendo de processos terminais,
vava e impedia mesmo as tentativas de desobstrução realizou Cid dos Santos algumas desobstruções arte-
arterial e os cirurgiões voltavam-se para a cirurgia do riais periféricas, sob protecção da heparina, podendo
sistema nervoso simpático, de natureza funcional, comprovar, dias depois e após o falecimento desses
visando a resolução do “magno” problema do vasos- doentes, que as artérias se mantinham permeáveis.
pasmo - a que Leriche deu tanta importância e que Enviou para estudo histopatológico os fragmentos
considerava como uma componente essencial da fisio- resultantes da desobstrução e constatou que eles eram
patologia das isquemias dos membros. compostos por um trombo central organizado, toda a
O desenvolvimento e progressiva utilização clínica endartéria doente e parte da camada muscular. Este
da aorto e arteriografia pôde trazer, aos olhos dos cirur- achado deixou-o perplexo: tinha em mente a remoção
giões, um “mundo” totalmente novo, sobretudo a reve- do trombo apenas e os exames histológicos demons-
lação de uma nova patologia macroscópica, que travam que a remoção se estendia sempre à túnica
assumia, com relativa frequência, um carácter seg- média da parede arterial! A constatação destes factos
mentar nos diversos territórios da árvore arterial. levou-o de imediato a duas conclusões que se revela-
Desde logo experimentou Cid dos Santos a tentação ram fundamentais para o prosseguimento e sucesso da
de abordar e tratar directamente essas lesões, no que experimentação: a descoberta da existência de um
foi estimulado por Reynaldo dos Santos. Voltou ao plano de clivagem em plena túnica média da parede
laboratório com esse propósito, ensaiando e reprodu- arterial que facilitava a remoção do processo oclusivo;
zindo as clássicas experiências de Carrel e Guthrie, e que naquelas condições e sob protecção da heparina,
com o objectivo de aperfeiçoar a sua execução técnica. o sangue podia fluir na artéria, em contacto com uma
E é então que, em 1943, surge um facto que vem a parede muscular, sem ocorrer trombose secundária, o
desempenhar um papel relevante no desenrolar dos que parecia inacreditável.
acontecimentos: a possibilidade de utilização da hepa- Animado com estas revelações, decidiu de imediato
rina na prática clínica quotidiana. ...” I was in the posi- operar alguns doentes, apoiado naqueles conceitos.
tion which is clearly defined through the words of the Em 27 de Agosto de 1946 realizou pela primeira vez
old fisherman to the young boy in one of Ernest uma desobstrução de um segmento ilio-femoral, num
Hemingways’ books: the hooks were at the right place; homem de 66 anos de idade, restabelecendo a per-
then one had only to wait for the fish. In this case, the meabilidade arterial, o que foi comprovado por arte-
fish was heparin”... escreveu um dia, a esse propósito, riografia intra-operatória, constatando que o método
Cid dos Santos. permitia ainda restabelecer a permeabilidade de cola-
Desde logo ocorreu-lhe a ideia de utilizar a hepa- terais ocluídas.
rina na prevenção da trombose secundária após a Em 12 de Dezembro do mesmo ano realizou igual
embolectomia, no que foi bem sucedido; de seguida, procedimento numa mulher de 35 anos de idade, com
empregou-a nas embolectomias tardias, igualmente uma obstrução das artérias subclávia e axilar do mem-
com resultados satisfatórios; finalmente utilizou-a bro superior direito. Um excelente e prolongado resul-
como prevenção da trombose pos cirurgia reconstru- tado deu-lhe a certeza que o método reunia todas as
tiva dos aneurismas (endoaneurismorrafia) igualmente condições para o sucesso e designou-o por “desoblite-
com bons resultados. ração arterial”. Bazy chamou-lhe depois, mais apro-

João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
11
priadamente, “endarteriectomia” e em circunstancias ções de que era alvo e a dispersão de actividades a que
de oclusão completa, recebia a designação de “trom- fora obrigado, que o impediram de ver concretizado
boendarteriectomia”. esse seu desejo muito íntimo.
Cid dos Santos tomou a decisão de apresentar os Em Setembro de 1975, como presidente da Inter-
resultados da sua investigação e da consequente pro- national Cardiovascular Society proferiu Cid dos San-
posta terapêutica à Academia Francesa de Cirurgia, sob tos em Edinburgh a Leriche Memorial Lecture intitu-
a forma de uma comunicação que constituiu um lada “From embolectomy to endarterectomy or the fall
marco histórico da cirurgia vascular contemporanea e of a myth” em que descreve, de forma simples, pro-
que se intitulava “Sur la désobstruction des thrombo- funda e brilhante, a história da endarteriectomia e as
ses artérielles anciennes”. Foi seu relator René Leriche incidencias que gravitaram em torno da ideia e da sua
que termina a sua análise felicitando o autor e afirma realização.
com visão prospectiva: “For 25 years I tried, after arte- A terminar a conferência, em jeito de balanço final
rectomy, to find favourable conditions for the reesta- de uma vida intensa e atribulada que fora a sua e de
blishment of arterial continuity through grafting. I was certo modo melancólico, afirma Cid dos Santos: “The
never able to accomplish my program. I hope that the consequence of all this (dispersion of activities) was
new method will enable us to reestablish a lost func- that my work was practised mainly on units rather
tion. And this will be an immense progress”. than on series of cases. Furthermore and paradoxically,
Os anos seguintes foram dedicados à difusão do having worked hard all my life, with little sleep and
método, bem como ao seu aperfeiçoamento. Edwin without the benefit of real hollidays, I confess to be, by
Wilie foi o seu introdutor nos Estados Unidos da nature, extremely lazy, indeed. In fact, I have wasted
América. Cedo se descobriu que a endarteriectomia much time. If it were not for all these evils, endarte-
podia ser efectuada sem a protecção da heparina e que rectomy could have its birth some years before. But,
a manutenção da permeabilidade da artéria operada that is that”...
dependia mais da qualidade do débito sanguíneo do Dois meses depois, sobreveio, brutalmente, o ata-
que da coagulação. A introdução do “over-pass”, dos que cardíaco. Já na cama do hospital, abriu os olhos,
pontos de Kunlin a fixar a endartéria seccionada e a cumprimentou-me com a saudação habitual “Olá
angioplastia em patch proposta por DeBakey consti- menino!” e disse-me: “Desta vez é a sério”...
tuiram contributos significativos que visaram o seu Morria na madrugada seguinte.
aperfeiçoamento e aumentaram a sua eficácia.
O conjunto destes pormenores técnicos, bem como
a criação e o desenvolvimento de instrumentos cirúr-
gicos destinados à sua realização, as indicações clíni-
cas e os resultados obtidos com a endarteriectomia nos
diferentes territórios arteriais foram amplamente ana-
lisados em Roma em 1963 no decurso do Congresso
da International Cardiovascular Society, estabele-
cendo-se as regras fundamentais do procedimento a
que Cid dos Santos designou por “principios de
Roma”. Era a consagração internacional do método de
que fora pioneiro (Fig. 2).
Constituiu sempre a sua maior aspiração deixar
escrito um livro dedicado à técnica da endarteriecto-
mia. Todavia, foram certamente as múltiplas solicita- Fig. 2 – A tromboendarteriectomia, operação de João Cid dos Santos

A. Dinis da Gama
12
Afonso Lopes Vieira quem mais o motivou para o
mundo da literatura e das artes. Era, porém, a litera-
tura a sua paixão, mas não ignorava a pintura e a
música, na qual se revelava um exímio interprete,
como pianista. Num documento inédito que deixou
no seu espólio literário, registou alguns autores e
obras de que nunca desejaria separar-se: Platão,
Demóstenes, Séneca, Cícero, Montaigne, Montes-
quieu, Pascal, Anatole, Plutarco, Hume, Wellington,
Churchill, de Gaulle, Camus e Oscar Wilde... Era
nestes autores e suas obras que se refugiava nos
momentos críticos por que era obrigado a passar e
ganhava então alento e redobradas energias para pros-
seguir a caminhada ...
Gostava do convívio social, sempre rodeado de ami-
Fig. 3 – João Cid dos Santos gos e colaboradores e recebia as visitas com discrição e
elegância na sua mansão, situada na Rua da Rosa em
Alfama, com uma esplendorosa vista sobre a cidade de
Lisboa.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E CIDADÃO Apreciava as coisas boas da vida e era um exigente
DO MUNDO “gourmet”, cultivava alguns dotes de culinária que
ainda hoje são lembrados em alguns dos velhos res-
Era Cid dos Santos uma figura imponente, que taurantes de Lisboa, os quais registam nas suas emen-
impressionava logo à primeira vista (Fig. 3). Alto, fei- tas um prato designado por “ovos mexidos à Profes-
ções anguladas e nariz procidente, olhar vivo e pene- sor”, da sua autoria.
trante, protegido por umas enormes sobrancelhas, com Dominando várias línguas estrangeiras, que falava
mãos largas e expressivas, dele irradiava naturalmente perfeitamente, foi um professor e um conferencista
um sentimento misto de respeito e simpatia. Era cor- notável, quer no país, quer no estrangeiro, ficando
tês e afável nas relações pessoais, mas sabia como nin- célebres algumas das suas palestras como é o caso de
guém ser ríspido e severo, sem nunca atingir porém a “Medicina, última profissão romântica do mundo”,
violência ou a má criação. Dedicava especial atenção e “Garfos, facas e colheres, ou a adaptação do espírito à
afecto aos estudantes e médicos jovens a quem escu- investigação clínica”, “As oliveiras de Sócrates e os plá-
tava com paciência as suas ideias e inquietações e mos- tanos de Hipócrates”, “Como gastar tempo” ou “O
trava-se sempre disposto a ajudar e a aconselhar quem problema das lesões vasculares na guerra, vistos por um
dele se socorresse. cirurgião na paz” ...
Exprimia-se numa linguagem fluente e elegante, Foi também um biógrafo de personalidades emi-
tradutora da sua vasta erudição e formação cultural. nentes da Medicina como Reynaldo dos Santos, Frie-
Na primeira lição como Professor Catedrático dedi- derich Wholwil, Jean Kunlin, René Fontaine e Edwin
cada aos estudantes de Patologia Cirúrgica, em 1949, Wylie e ainda de homens das artes como Francisco de
confessara que três homens de excepção haviam exer- Lacerda ou Raul Lino.
cido notável influência na formação do seu espírito: Ficaram célebres algumas das frases que criou e que
Reynaldo dos Santos, René Leriche e o poeta e constituem hoje inscrições lapidares transcritas em
homem de letras Afonso Lopes Vieira. Terá sido homenagem à sua memória, tais como “Não há horá-

João Cid dos Santos. Evocação da vida, pensamento e obra, na celebração do seu centenário
13
rios para o pensamento” ou “Não basta dizer-se que a Foi membro activo e dirigente de numerosas agre-
vida de médico é dura, é necessário que o seja”. miações e sociedades científicas ou sócio-profissionais,
Dedicou muito do seu tempo e preocupações parti- nacionais e internacionais, contando-se entre elas a
cularmente nos últimos anos da vida, a temas sociais e vice-presidência do Capitulo Europeu e a presidência
a projectos de reforma dos hospitais e da Universidade, da Sociedade Internacional de Cirurgia Cardiovascu-
em prol dos quais decidiu enveredar, transitoriamente- lar.
mente, por uma carreira politica, como deputado à Tal como acontecera com o seu pai, João Cid dos
Assembleia Nacional, que não durou mais do que três Santos teve o privilégio de ver reconhecido em vida o
anos e que terminou em estado de desencanto e frus- valor e o mérito da sua obra criadora, dedicada ao pro-
tração. O respeito pelos princípios e rigor que eram tim- gresso e desenvolvimento da angiologia e cirurgia vas-
bre da sua formação cientifica rapidamente o incompa- cular. São inúmeros os testemunhos desse reconheci-
tibilizaram com os homens e o volúvel mundo da poli- mento, sob a forma de doutoramento “honoris causa”
tica. Era um constante e irreverente critico face ao por diversas universidades estrangeiras, membro hono-
poder, a qualquer poder. De facto, muito apreciava sub- rário de cerca de vinte sociedades cientificas repartidas
meter as razões do poder ao poder da razão ... pelo mundo, professor visitante de outras tantas e ofi-
Desde muito novo que se rodeou de um pequeno cial da Legião de Honra, entre muitas outras conde-
grupo de colaboradores, que se foi alargando com o corações e prémios.
decorrer do tempo e que lhe dedicavam particular afei- Partiu da vida num momento de apogeu e glória da
ção e a maior admiração. “Não esqueço os meus ami- sua carreira, com um prestígio e um nome mundial-
gos e colaboradores. Não se pode viver sem eles”, escre- mente conhecido, respeitado e admirado. No fundo,
veu ele um dia, em jeito de retribuição. tal resultou da conjugação do seu génio com a forma-
Como chefe de escola podia orgulhar-se de ter for- ção humana e o sentido universalista com que olhou
mado sete professores universitários e ter influenciado o mundo e soube conduzir o seu destino. Por isso,
a educação de um incontável número de cirurgiões creio que a designação de “cidadão do mundo” lhe
nacionais e alguns estrangeiros. assenta com propriedade e justiça.

BIBLIOGRAFIA

– J. Cid dos Santos. Curriculum Vitae, 1ª Parte. Edição do Autor, 1944


– J. Cid dos Santos. Curriculum Vitae, 2ª Parte. Edição do Autor, 1948
– J. Cid dos Santos. Lição de Abertura do Curso de Patologia Cirurgica. Edição do Autor, 1949
– J. Cid dos Santos. “Sur la desóbstruction des thromboses artérielles anciennes”. Bull Mem Académie de Chirurgie, 4 juin 1947: 409
– J. Cid dos Santos. “Sur quelques véritées premières oubliées ou méconnues de l’anatomo-physiologie normale et pathologique du systéme vei-
neux. Leur application à la pathologie et à la thérapeutique”. Amatus Lusitannus, nº 1, 148
– João Cid dos Santos. “Três homens de qualidade”. Edição do Autor, 1965
– J. Cid dos Santos, “As oliveiras de Sócrates e os plátanos de Hipócrates”. Edição do Autor, Lisboa, 1966
– J. Cid dos Santos. “Outro modo”. Edição do Autor, Lisboa, 1968
– J. Cid dos Santos. “Reynaldo, Fontaine, Kunlin, Wylie”. Edição do Autor, Lisboa, 1968
– J. Cid dos Santos. “Adaptação do espirito à investigação clínica”. J Médico 1969; LXIV: 880-5
– Livro de Homenagem ao Prof. Cid dos Santos. Edição “O Médico”, Lisboa, 1976
– Sessão de Homenagem ao Prof. João Cid dos Santos. Jornal da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, Janeiro-Março de 1976
– J. Cid dos Santos. “Leriche Memorial Lecture. From embolectomy to endarterectomy or the fall of a myth”. J Cardiovasc Surg 1976; 17: 113-128

A. Dinis da Gama
14
ARTIGO ORIGINAL

Citorredução seguida de quimioperfusão


intraperitoneal hipertérmica no
tratamento da doença peritoneal maligna:
Estudo de fase II com reduzida toxidade e morbilidade

J. Abreu, M. Serralva, M. Fernandes, L. Santos, P. Guerra, D. Gomes

Serviço de Oncologia Cirúrgica – IPO PORTO FG EPE

RESUMO

Introdução: A cirurgia de citorredução seguida de quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) é uma


terapêutica multimodal de doentes seleccionados com doença peritoneal maligna primária ou secundária. Ainda
que promissora, esta técnica tem sido associada a taxas de morbilidade significativas, internamentos prolonga-
dos e a um risco moderado de mortalidade pós-operatória. Efectuamos um estudo prospectivo de fase II para ava-
liar a toxicidade e morbilidade da cirurgia de citorredução seguida de HIPEC.

Métodos: Entre 2001 e 2006, 25 doentes com doença peritoneal maligna primária ou secundária, foram sub-
metidos a citorredução seguida de HIPEC. A citorredução com ressecção do peritoneu visceral e parietal envol-
vido por doença, teve como objectivo eliminar toda a doença macroscópica. Depois da citorredução procedeu-
se à quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica durante 90 minutos, a uma temperatura de 42oC, com Mito-
micina C (15 mg/m2/2L) para tumores primários de origem digestiva ou Cisplatina (50mg/m2/2L) para tumo-
res primários do ovário e do peritoneu.

Resultados: Uma citorredução completa foi obtida em 88% dos doentes. A duração da intervenção variou entre
5 e 9.30 horas. Registaram-se 3 casos com complicações pós-operatórias major (12%), não se tendo registado mor-
talidade pós-operatória ou toxicidade relacionada com a quimioterapia. A mediana do tempo de internamento
foi de 11 dias. A taxa de sobrevivência global foi de 88% e 76% aos 1 e 2 anos, respectivamente.

Conclusões: A citorredução seguida de HIPEC pode proporcionar taxas de sobrevivência inesperadas, com bai-
xas taxas de morbilidade e mortalidade. A selecção de doentes criteriosa e uma equipa treinada no suporte per-
operatório podem contribuir para reduzir a morbilidade potencial desta terapêutica.

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


15
INTRODUÇÂO de HIPEC. Todos os doentes foram incluídos num
estudo prospectivo não randomizado de fase II e tra-
A cirurgia citorredutora combinada com a quimio- tados segundo o mesmo protocolo.
perfusão intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) tem Foram incluídos no estudo doentes com carcino-
sido descrita num número crescente de artigos publi- matose peritoneal comprovada por biópsia por lapa-
cados na literatura, para o tratamento da dissemina- rotomia ou laparoscopia, com ausência de sinais de
ção peritoneal de neoplasias de várias origens, baseada metástases á distancia na TAC abdominal e torácica e
na evidência do sinergismo entre a hipertermia e várias com tumor primário ou recidivante potencialmente
drogas antineoplásicas.1-4 ressecável, com idade menor ou igual a 80 anos e
Vários estudos de fase II e um de fase III demonstra- ECOG performance status de 0, 1 ou 2.
ram que esta terapêutica multimodal pode melhorar a Os critérios de exclusão do estudo foram a existên-
sobrevivência média em dois anos e proporcionar sobre- cia de metástases á distância; sinais de envolvimento
vivências superiores a 5 anos em cerca de 20% dos do mesentério detectado na TAC ou na laparotomia
doentes 5-11. Esta melhoria da sobrevivência deve ser exploradora; a existência de co-morbilidades que con-
balanceada com a potencial morbilidade desta terapêu- tra-indiquem uma cirurgia major; ou alteração das
tica. Este procedimento é habitualmente prolongado e funções hematológica, hepática ou renal.
tecnicamente complexo, pelo que não é surpreendente Os doentes foram completamente informados sobre
uma morbilidade significativa, como resultado das res- as potenciais vantagens e inconvenientes do procedi-
secções múltiplas combinadas com a citotoxicidade da mento, devendo autorizar por escrito a sua participa-
quimioterapia. Têm sido descritas taxas de morbilidade ção no estudo.
de 27% a 56% e taxas de mortalidade de 0% a 11%, a
maioria relacionadas com complicações cirúrgicas 12-18. Tratamento
Actualmente, existe uma grande variabilidade da
técnica de citorredução combinada com HIPEC. Não Cirurgia de Citorredução
existe consenso relativamente ao tempo e temperatura O objectivo da citorredução é a ressecção completa
de perfusão, ao uso da técnica aberta ou fechada e ao da doença macroscópica. Na impossibilidade da res-
esquema e dosagem de citostáticos. secção completa, o objectivo é não deixar depósitos
No Instituto Português de Oncologia do Porto efec- peritoneais com uma espessura superior a 2,5 mm,
tuamos a cirurgia de citorredução com peritonectomia uma vez que esta é a máxima penetração tecidular da
e ressecção de todas as áreas envolvidas por tumor, mitomicina C. Para obter a máxima exposição é reali-
seguida da quimioperfusão intraperitoneal hipertér- zada uma incisão mediana desde o apêndice xifóide
mica com técnica aberta. até à sínfise púbica, com viscerólise e exploração com-
O objectivo deste estudo foi a avaliação da morbili- pleta da cavidade abdominal. A extensão tumoral na
dade e toxicidade da citorredução seguida de HIPEC, cavidade peritoneal deve ser cuidadosamente registada.
em doentes com carcinomatose peritoneal de tumores O Índice de Carcinomatose Peritoneal (PCI) descrito
primários de origem digestiva e do ovário e em doen- por Jacquet e Sugarbaker19 é um sistema de classifica-
tes com mesotelioma peritoneal. ção quantitativo da carcinomatose peritoneal, tendo
em conta o envolvimento das diferentes regiões abdo-
MÉTODOS minais e o tamanho dos implantes peritoneais no
abdómen e na pelve. A cavidade abdomino-pélvica foi
Entre Janeiro de 2001 e Dezembro de 2006, 25 dividida em 13 regiões e as lesões peritoneais classifi-
doentes com doença peritoneal maligna primária ou cadas de 0-3 tendo em conta o maior diâmetro dos
secundária, foram submetidos a citorredução seguida implantes em cada região anatómica (Fig.1).

J. Abreu, M. Serralva, M. Fernandes, L. Santos, P. Guerra, D. Gomes


16
fragmático direito com a cápsula de Glisson na área de
confluência dos vasos suprahepáticos.
No final do procedimento de citorredução a quan-
tidade de tumor residual nas 13 regiões abdomino-
pélvicas deve ser registado. O score de citorredução
(CC) é um factor de prognóstico quantitativo, que
avalia a quantidade de tumor residual depois da citor-
redução e deve ser classificado como: CC0: Ausência
de tumor residual; CC1: Persistência de implantes
tumorais <2,5mm; CC2: Persistência de implantes
tumorais > 2,5mm; CC3: Persistência de implantes
Fig. 1: Índice de Carcinomatose Peritoneal (PCI)
tumorais >2,5 cm.

O PCI é obtido através do somatório do tamanho Quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica


das lesões em cada uma das 13 regiões anatómicas e Depois do procedimento de citorredução são colo-
pode variar entre 0-39. cados um catéter de Tenckhoff centralmente no abdó-
A técnica de peritonectomia é efectuada tal como men e três drenos de Jackson-Pratt nas áreas sub-hepá-
descrita por Sugarbaker20. A dissecção do peritoneu, tica, sub-diafragmática esquerda e pélvis. As sondas de
espessado pela infiltração tumoral, é muito facilitada temperatura são colocadas no catéter de Tenckhoff, na
pelo uso da electrocirurgia em corte puro em alta vol- área sub-diafragmática esquerda e na pélvis. A parede
tagem, com eléctrodo de ponta esférica de 5mm. É abdominal é suspensa pelo aro do afastador de Book-
essencial manter o campo operatório absolutamente walter. A laparostomia é coberta com uma película de
seco ao longo da operação, já que a área exposta é habi- plástico, para evitar o extravasamento do líquido de
tualmente muito extensa, e mesmo uma hemorragia perfusão e para diminuir a perda de calor. Durante a
moderada pode, no fim de uma cirurgia tão prolon- perfusão são manipuladas as ansas intestinais, para evi-
gada, resultar numa perda hemática excessiva. tar as adesões das superfícies peritoneais e assegurar
A técnica de citorredução consta de um ou mais dos uma completa distribuição dos citostáticos nas áreas
seguintes procedimentos, dependendo da extensão da de risco. O equipamento de perfusão está constituído
doença: 1. Omentectomia, peritonectomia parietal por uma bomba de perfusão, um permutador de calor
direita ± hemicolectomia direita; 2. Peritonectomia e um reservatório com filtro. A solução usada para a
pélvica ± ressecção do sigmóide ± histerectomia e ane- perfusão é a solução de diálise peritoneal com dextrose
xectomia bilateral; 3. Omentectomia (pequeno epi- a 1,5%. A temperatura da perfusão é monitorizada de
plon) e dissecção do ligamento hepato-duodenal ± forma contínua no permutador de calor, no tubo de
antrectomia ± colecistectomia; 4. Peritonectomia do entrada, na bacia e nas regiões sub-diafragmáticas.
quadrante superior direito ± dissecção da cápsula de Com um fluxo de perfusão de 1L/minuto, o permu-
Glisson; 5. Peritonectomia do quadrante superior tador de calor é programado para assegurar uma tem-
esquerdo ± esplenectomia; 6. Outras ressecções intes- peratura de perfusão de 420 C.
tinais ou ressecções de massas tumorais. O esquema de quimioterapia intraperitoneal usado
As únicas razões para não proceder á citorredução durante a perfusão foi: Mitomicina C 15 mg/m2/2L
completa foram o envolvimento extenso do delgado para a carcinomatose de origem apendicular, colo-rec-
ou do mesentério, a infiltração tumoral da porta hepa- tal e gástrica; Cisplatino 50 mg/m2/2L para a carcino-
tis ou do pâncreas, e em alguns casos devido à existên- matose de origem ovárica, sarcomatose peritoneal e
cia de infiltração tumoral na reflexão do peritoneu dia- mesotelioma. Foram colhidas amostras de liquido de

Citorredução seguida de quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica no tratamento da doença peritoneal maligna


17
perfusão, sangue e urina para determinação das con- Considerou-se resposta parcial a redução do volume
centrações de citostáticos, aos 30 minutos, 1 hora e 24 do tumor superior a 50% avaliado por TAC; redução
horas depois de terminada a perfusão. Ao cabo de 90 do nível de CEA pré-operatório superior a 50% em
minutos de perfusão o fluido é eliminado através dos doentes sem doença detectável com outros meios de
drenos. O Tenckhoff e os sensores de temperatura são diagnóstico; redução do volume de tumor superior a
removidos, deixando-se os drenos que são conectados 50% na laparotomia ou laparoscopia. Classificou-se
a sistemas de drenagem por gravidade. como doença progressiva o aumento do volume tumo-
A continuidade gastrointestinal é restabelecida uma ral de 25% ou mais demonstrado pela TAC; aumento
vez terminada a perfusão. Realizamos ostomas deriva- do nível de CEA de 25 % sobre o nível mínimo
tivos apenas em doentes de elevado risco. As anasto- obtido; aparecimento de novos nódulos em localiza-
moses são habitualmente realizadas com dispositivos ções que previamente não tinham lesão; ascite positiva
de sutura automática e os topos das ressecções iniciais para células malignas. As situações em que não existi-
são ressecados com uma margem de 0,5 cm, para asse- ram critérios de resposta parcial, mas também não
gurar que células tumorais viáveis não sejam incluídas existiram critérios de doença progressiva classificou-
nas linhas de sutura. -se como doença estável.

Periodo pós-operatório Follow-up


Todos os doentes permaneceram na UCI até á esta- Após a alta hospitalar, foi realizado exame físico,
bilização completa das suas funções vitais. A alimen- hemograma, função hepática e renal, doseamento de
tação parentérica (APT) total foi iniciada precoce- marcadores tumorais (CEA, Ca 125 e Ca 19.9) e Rx
mente. A alimentação entérica pela jejunostomia foi de tórax com periodicidade trimestral, TAC abdo-
iniciada no 1º dia de pós-operatório em quantidades mino-pélvico semestral e endoscopia anual (quando
crescentes, até superar as 2000 Kcal/ dia, altura em que indicado.
a APT é suspensa e removido o catéter central. A ali-
mentação oral foi iniciada em função da actividade Análise da sobrevivência
peristáltica. Os drenos foram removidos quando a dre- O tempo até à progressão da doença foi considerado
nagem foi inferior a 50 cc/dia. o tempo transcorrido entre a data da cirurgia e o
momento em que a progressão da doença foi pela pri-
Registo da morbilidade e toxicidade meira vez documentada. A sobrevivência global e livre
Durante o período pós-operatório todos os parâ- de doença foi calculada desde a data da cirurgia. A
metros de morbilidade e toxicidade foram registados, causa de morte foi registada como consequência de
nomeadamente complicações cirúrgicas e não cirúrgi- recidiva tumoral, como complicação do tratamento ou
cas, o tempo entre a operação e a alimentação oral devida a causa não relacionada.
completa, o tempo de internamento e a quimio-toxi- A análise estatística foi efectuada com SPSS for
cidade, segundo a escala de toxicidade da OMS. Windows versão 11.0 e a sobrevivência foi calculada
pelo método de Kaplan-Meier.
Avaliação da resposta
A avaliação da resposta ao tratamento é particular-
mente difícil nos doentes com carcinomatose perito- RESULTADOS
neal. Foi considerada resposta completa a ausência
completa de alterações na TAC, com normalização dos Foram analisados os 25 casos efectuados. Vinte e
níveis de CEA no carcinoma colo-rectal; ausência de um doentes eram do sexo feminino (84%) e 4 (16%)
doença comprovada por laparotomia ou laparoscopia. do sexo masculino. A mediana da idade foi de 66 anos

J. Abreu, M. Serralva, M. Fernandes, L. Santos, P. Guerra, D. Gomes


18
(mínimo 34 – máximo 79 anos); 56% dos doentes Em função da extensão da doença foram realizados
apresentava ECOG 0 e 40% ECOG 1. 5 ou menos procedimentos de citorredução em 8
Todos os doentes foram operados previamente, tendo doentes (32%); entre 6 e 10 procedimentos de citor-
efectuado cirurgias com carácter paliativo ou ressecções redução em 15 doentes (60%) e mais de 10 procedi-
com intenção curativa. Com o objectivo de estratificar mentos de citorredução em 2 doentes (8%) (Fig.3).
adequadamente a extensão da cirurgia efectuada pre-
viamente, os doentes foram classificados segundo o
score cirúrgico pré-operatório (PSS), dependendo do
número de regiões abdominais dissecadas na interven-
ção anterior: PSS 1 (1 região abdominal dissecada): 5
doentes (20%); PSS 2 (2 a 4 regiões abdominais disse-
cadas): 17 doentes (68%); PSS 3 (5 ou mais regiões
abdominais dissecadas): 3 doentes (12%). A ressecção
paliativa foi o tipo de cirurgia efectuada em 14 doentes
(56%), em 7 (28%) foi realizada ressecção curativa e em
4 (16%) apenas laparotomia exploradora. Fig. 3: Nº de procedimentos de citorredução
A localização do tumor primário foi o apêndice em
16 doentes (64%); o ovário em 4 doentes (16%); o Foi obtida uma citorredução completa em 88% dos
mesotelioma peritoneal em 2 doentes (8%); o estô- doentes. Em 7 doentes (28%) não se verificou tumor
mago num doente (4%); delgado num doente (4%) e residual no final da citorredução e em 15 doentes
colo-rectal num doente (4%). (60%), apesar da realização de citorreduções extensas,
Efectuaram quimioterapia com carácter adjuvante consideramos poder existir focalmente doença residual
ou paliativo antes da cirurgia 8 doentes (32%). com espessura inferior a 2,5 mm; em apenas 3 doen-
Mais de 50% dos doentes apresentavam intra-ope- tes (12%) não foi possível a ressecção completa de toda
ratoriamente mais de 8 regiões abdominais envolvidas a doença macroscópica.
por doença (Fig.2). A mediana do PCI foi de 18, com A duração das intervenções variou entre 5 horas e 9
um mínimo de 6 e um máximo de 39. Verificou-se em horas e 30 minutos. A mediana do tempo de inter-
5 doentes (20%) um PCI entre 1 e 9; em 11 doentes venção foi de 7 horas e 30 minutos. Durante a cirur-
(44%) um PCI entre 10 e 19; em 7 doentes (2%) um gia foram utilizadas, em média, 2 unidades de con-
PCI entre 20 e 29 e em 2 doentes (8%) um PCI entre centrado de eritrócitos e 40 gramas de albumina.
31 e 39. O tempo mediano de permanência na Unidade de
Cuidados Intensivos foi de 2 dias (mín. 1 - máx. 7
dias). O tempo mediano de internamento foi de 11
dias (mín. 7 - máx .21 dias). O tempo mediano para
o início de alimentação oral completa foi de 7 dias
(mín. 5 – máx. 11 dias).
Não foi registada toxicidade relacionada com a qui-
mioterapia intraperitoneal nem mortalidade aos 30
dias de pós-operatório. Foram registadas complicações
pós-operatórias major em 3 casos (12%) (Tabela 1).
Todas as complicações major se registaram em
doentes com uma carcinomatose peritoneal de adeno-
Fig. 2: Nº de regiões abdominais envolvidas carcinoma mucinoso do apêndice com PCI superior a

Citorredução seguida de quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica no tratamento da doença peritoneal maligna


19
livre de doença foi de 63% e 49% aos 1 e 2 anos (Fig.
5), respectivamente.

19. Uma doente com um PCI de 24, submetida a peri-


tonectomia diafragmática direita, antrectomia, perito-
nectomia diafragmática esquerda com esplenectomia e
pancreatectomia caudal, peritonectomia pélvica com
ressecção do sigmoide, peritonectomia do quadrante
inferior direito com hemicolectomia direita, sofreu
uma hemorragia no pós-operatório imediato que obri-
gou a re-intervenção com laqueação de vaso sangrante
da cauda do pâncreas. Noutro caso verificou-se uma Fig. 5
evisceração ao 7º dia de pós-operatório após ter sido
submetida a peritonectomia pélvica parcial, histerec- CONCLUSÕES
tomia e anexectomia bilateral, ressecção do sigmoide,
ressecção do pequeno e grande epiplon, dissecção do A morbilidade observada nos doentes com doença
ligamento hepatoduodenal e colecistectomia. Por peritoneal maligna primária ou secundária, submetidos
último registámos também um abcesso sub-frénico a citorredução seguida de HIPEC está relacionada sobre-
tratado com drenagem percutânea, numa doente com tudo com as complicações cirúrgicas e estas estão direc-
PCI de 25, submetida a peritonectomia diafragmática tamente dependentes da extensão da cirurgia. Nos casos
direita com dissecção do ligamento hepatoduodenal, em que se registaram complicações major, estas ocorre-
colecistectomia, ressecção do pequeno epiplon, gas- ram em doentes com PCI elevado, submetidos a inter-
trectomia sub-total, peritonectomia diafragmática venções prolongadas, nos quais foram efectuados múlti-
esquerda com esplenectomia, peritonectomia pélvica plos procedimentos de citorredução. A carga tumoral é
e dos quadrantes inferiores direito e esquerdo. o principal factor de risco para a existência de complica-
Foram registadas 4 (16%) complicações classifica- ções, sendo necessário continuar a investigar outros fac-
das como não cirúrgicas: 2 (8%) infecções do CVC, 1 tores de risco para as complicações desta terapêutica.
(4%) infecção respiratória e 1 (4%) lesão femoral com A baixa taxa de morbilidade, a ausência de mortali-
parésia do MID. dade pós-operatória e as inesperadas taxas de sobrevi-
Após um tempo mediano de seguimento de 26 vência observadas na nossa série, sugerem que a téc-
meses (min. 1 – máx. 73 meses) 7 (28%) dos doentes nica é segura. Por outro lado, ainda que o estudo tenha
faleceram com doença; 15 doentes (60%) estão vivos sido realizado num pequeno número de doentes pen-
sem doença; e 3 (12%) estão vivos com progressão da sámos que a citorredução seguida de HIPEC deverá
doença. A taxa de sobrevivência global foi de 88% e ser considerada uma alternativa terapêutica válida e
76% aos 1 e 2 anos (Fig. 4) e a taxa de sobrevivência eficaz nos doentes com doença peritoneal maligna.

J. Abreu, M. Serralva, M. Fernandes, L. Santos, P. Guerra, D. Gomes


20
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Citorredução seguida de quimioperfusão intraperitoneal hipertérmica no tratamento da doença peritoneal maligna


21
Agenda
MARÇO VI Reunião Internacional de actualização em cirurgia do esófago
e do estômago
61st Annual cancer symposium of the Society of Surgical 12 a 13 de Maio
Oncology (SSO) Porto, Portugal
13 a 16 de Março Cirurgia-b.med.up.pt
Chicago, Illinois, USA
www.surgonc.org EVC: European Vascular Course
15 a 17 Maio
ICS Pacific Regional Meeting Amsterdão, Holanda
21 a 23 de Março www.european-vascular-course.org
Quensland, Australia
http://www.icsglobal.org 48th Annual Meeting at Digestive Disease Week 2008
AHPBA 2008 Scientific Meeting (American Hepato-Pancreato- 17 a 22 de Maio
-Biliary Association) San Diego, California, USA
27 a 30 de Março www.ssat.com/
Fort Lauderdale, Florida, EUA
www.ahpba.org Association of Surgeons of Great Britain and Ireland International
Surgical Congress
XXVI Jornadas Portuguesas de Cirurgia 21 a 23 de Maio
31 de Março a 2 de Abril Harrogate, Inglaterra
Porto bournemouth.asgbi.org.uk/
ABRIL 9th European Congress of Trauma and Emergency Surgery
24 a 27 de Maio
11ª Reunião Anual da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado Budapeste, Hungria
4 a 5 de Abril www.eurotrauma.2008.org
Cascais, Portugal
www. apef.com.pt JUNHO
SAGES XXVIII Congresso nacional de Gastrenterologia e Endoscopia
9 a 12 de Abril Digestiva
Filadélfia, EUA 4 a 7 de Junho
www.sages.org Vilamoura
American Society of Colon and Rectal Surgeons – Tripartite meeting
Charing Cross 30th International Symposium 7 a 11 de Junho
12 a 15 de Abril Boston, Massachusetts, USA
Londres, Inglaterra ascrs.affiniscape.com
www.cxsymposium.com
16th International Congress of the European Association for
Advances in Colorectal Surgery - 3rd Annual Update for the Endoscopic Surgery (EAES)
Practicing Surgeon 11 a 14 de Junho
17 e 18 de Abril Estocolmo, Suécia
Boston, Massachusets, EUA www.eaes-eur.org
www.cme.hms.harvard.edu/courses/generalsurgery
18th World Conference on Disaster Management (WCDM)
International Forum on Quality and Safety in Health Care 2008 15 a 18 de Junho de 2007
22 a 25 de Abril Toronto, Canadá
Paris, França www.wcdm.org
www.quality.bmjpg.com
1st Central European Congress of Surgery 2nd International Experts Meeting on Advanced Laparoscopic Surgery
23 a 26 de Abril 20 a 22 de Junho
Praga, República Checa Atenas, Grécia
www.central-european-surgery.com. www.congressexcel.gr
3rd Congress of the European Society of Endocrine Surgeons XXIII World Congress of the International Union
24 a 26 de Abril of Angiology
Barcelona, Espanha 21 a 25 de Junho
www.eses.cc Atenas, Grécia
www.iua2008-athens.com
MAIO
Association of Coloproctology of Great Britain and Ireland 2008
30th Congress of European Hernia Society – GREPA Annual Meeting
7 a 10 de Maio 30 a 3 de Julho
Sevilha, Espanha Birmingham, Inglaterra
hernia2008.unicongress.org/ www.acpgbi.org.uk/

Agenda
22
ARTIGO ORIGINAL

Hiperparatireoidismo
– um diagnóstico não pensado
João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa,
Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
Unidade de Cirurgia Endócrina e Mama. Serviço de Cirurgia Geral. Hospital de São João

RESUMO

O hiperparatireoidismo primário (HPT1) tem uma prevalência entre 1:300 e 1:2000 na população. No entanto mais de
90 % dos casos não são diagnosticados. A definição de HPT1 assintomático é controversa uma vez que os doentes na sua
maioria apresentam algum tipo de sintomatologia. Os doseamentos de cálcio são muito importantes na detecção de doen-
tes pouco sintomáticos, particularmente entre as mulheres pós-menopáusicas. Os autores apresentam um estudo prospec-
tivo referente aos 64 doentes operados por HPT1, numa Unidade de Cirurgia Endócrina, entre Fevereiro de 2002 e Dezem-
bro de 2006. A idade média foi de 56 anos, com predomínio do sexo feminino (56/8). Da forma de apresentação salien-
tam-se 26 achados (14 laboratoriais, 9 imagiológicos e 3 operatórios, embora quase todos os doentes apresentassem sinto-
mas). Cinquenta e dois doentes tinham queixas ósteo-articulares, 35 HTA, 30 sintomas psiquiátricos e 28 litíase renal.
O diagnóstico foi efectuado 18 vezes pelo endocrinologista, 16 pelo cirurgião, 9 pelo nefrologista, 9 pelo reumatologista,
8 pelo internista, 3 pelo clínico geral e 1 pelo dermatologista. A mediana do cálcio sérico foi de 11,0 mg/dl e a da PTHi
foi de 172,4 pg/dl. As paratireóides removidas mediam 19 mm e pesavam 2,23 g, em média. Nesta série verificamos um
grande número de achados como forma de apresentação e de lesões avançadas na altura do diagnóstico. A maior sensibili-
zação de todos os clínicos para este tipo de patologia e a determinação de rotina do cálcio sérico, será com certeza a melhor
forma de se efectuar o diagnóstico precoce do HPT1 e diminuir consequentemente a incidência observada de lesões dos
orgãos-alvo.

INTRODUÇÃO ticados tardiamente e chegam ao cirurgião após vários


anos de tratamentos sintomáticos, apesar de terem pas-
O hiperparatireoidismo primário (HPT1) pode ser sado por vários médicos, de diferentes especialidades.
definido como a hipercalcemia resultante da secreção Os doseamentos de cálcio são fundamentais para a
anómala de paratormona (PTH) pela glândula parati- detecção de doentes pouco sintomáticos, particular-
reoideia. É uma das endocrinopatias mais frequentes e mente entre as mulheres pós-menopáusicas. O seu
tem uma prevalência entre 1:300 e 1:2000 na popula- diagnóstico e tratamento precoce permitem a cura da
ção [1-10]. No entanto mais de 90 % dos casos não são doença numa percentagem alta de casos, evitando as
diagnosticados e a frequência ainda é subestimada em lesões crónicas e incapacitantes dos orgãos-alvo [1, 2, 11,
muitos países, continuando a verificar-se uma predo- 12]. A definição de HPT1 assintomático é controversa
minância franca de casos sintomáticos na altura do uma vez que mesmo estes doentes na sua maioria apre-
diagnóstico [3, 11]. Muitos doentes ainda são diagnos- sentam algum tipo de sintomatologia [1, 3, 6, 7, 10, 13].

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


23
MATERIAL E MÉTODOS
Doentes (n) HPT 1º
1990 – 1996 12
Nos Serviços de Cirurgia 3 e 4 (cuja junção resultou
na Cirurgia B), Cirurgia B e Geral (resultante da fusão 1996 – Fev. 2002 20
dos Serviços A e B) do Hospital de São João, opera- Fev. 2002 – Dez 2006 64
ram-se 96 doentes com HPT1 entre 1990 e Dezembro Total 96
de 2006 (tabela 1).
Na Unidade de Cirurgia Endócrina de Cirurgia B, Tabela 1
a partir de Fevereiro de 2002, foi criada uma base
informatizada com os dados referentes aos doentes
operados por hiperparatireoidismo. As observações são
completadas com os registos efectuados na consulta única patologia existente, embora apenas 2 destes 26
externa. doentes não apresentassem realmente qualquer sin-
Os autores apresentam um estudo prospectivo refe- toma (tabela 2). Referiam artralgias 13 dos doentes
rente aos 64 doentes operados por HPT1, na Unidade diagnosticados por hipercalcemia (93%), assim como
de Cirurgia Endócrina de Cirurgia B, entre Fevereiro todos os achados imagiologicamente. Aproximada-
de 2002 e Maio de 2006 e de Cirurgia Geral entre mente 2/ 3 dos hiperparatireoidismos achados apre-
Maio e Dezembro de 2006. sentavam sintomatologia neuro-psiquiátrica: 9 dos
A idade média foi de 56 anos, com predomínio do laboratoriais, 6 dos imagiológicos e 2 dos operatórios.
sexo feminino (56/8). O estudo de uma família com síndrome de MEN 2a
Foi identificada a especialidade médica que efectuou permitiu o diagnóstico dos outros 2 casos assintomá-
o diagnóstico e estudada a forma de apresentação, a ticos. Entre os 64 doentes, as queixas osteo-articulares
sintomatologia e a patologia associada ao hiperparati- foram o principal sinal de alarme para o clínico pen-
reoidismo, os exames subsidiários, o tratamento efec- sar no diagnóstico (n = 19). Tivemos um caso que se
tuado e os seus resultados e os exames anatomo-pato- apresentou sob a forma de hiperparatireoidismo agudo
lógicos. com hipercalcemia grave, afundamento do estado de
consciência e pancreatite.
Quando foram admitidos na nossa consulta, a
RESULTADOS grande maioria dos doentes (81 %) tinha sintomato-
logia e/ ou antecedentes de doença osteo-articular e
O diagnóstico de HPT1 foi efectuado 18 vezes pelo quase metade tinham clínica ou imagiologia de nefro-
endocrinologista, 9 pelo nefrologista, 9 pelo reumato- litíase (tabelas 3 e 4). Os sintomas neuro-psiquiátri-
logista, 8 pelo internista, 3 pelo clínico geral e 1 pelo cos, a fadiga proximal, a HTA e a obstipação também
dermatologista. Nos outros 16 casos foi o cirurgião foram referidos por quase 50 % dos doentes. A pato-
quem diagnosticou o hiperparatireoidismo, 4 dos logia tireoideia associada, 4 carcinomas papilares, 19
quais por sintomas sugestivos, 3 vezes no decurso do bócios nodulares e 3 doentes com síndrome de MEN
estudo de hipercalcemia, 2 em familiares de síndrome 2a, foi o motivo para a realização de 26 tireoidecto-
de MEN 2a, 4 ao realizar o exame ecográfico de um mias concomitantes. Uma outra doente era portadora
suposto nódulo da tireóide e por 3 vezes no decurso de de uma agenesia tireoideia congénita.
cirurgia tireoideia. Cerca de 1/4 dos doentes apresentavam alterações
Da forma de apresentação salientam-se os 26 acha- no ECG e/ ou no ecocardiograma.
dos: 14 laboratoriais, 9 imagiológicos e 3 operatórios, Na data do internamento a mediana do cálcio sérico
sendo num destes casos 1 adenoma paratireoideu a foi de 11,0 mg/dl e a da PTHi foi de 172,4 pg/dl.

João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
24
Estes valores baixaram para 8,6 mg/dl e 24,4 pg/dl, Realizaram-se 51 paratireoidectomias uniglandulares
respectivamente, no pós-operatório. Os níveis mais (80 %), das quais 48 por adenoma e 3 por neoplasia, 4
elevados foram encontrados entre os doentes com biglandulares por adenoma duplo (6 %) e 4 subtotais e 1
forma de apresentação renal ou neuro-psiquiátrica. No total com implante paratireoideu por hiperplasia (8 %).
extremo oposto encontraram-se os casos encontrados Nos outros 2 casos procedeu-se à exérese de recidiva de
imagiologicamente ou no decurso de estudo familiar carcinoma da paratireóide, tireoidectomia e esvaziamento
(tabela 5). Em 10 dos nossos doentes os níveis de PTH do compartimente central em bloco. Em 2 doentes não se
não excediam em 30 % o limite superior da normali- encontrou a glândula anómala.
dade verificando-se em 6 deles oscilação dos valores ao Efectuou-se cirurgia mini-invasiva 26 vezes (41 %
longo do tempo com períodos em que se encontravam das intervenções), das quais 14 por minicervicotomia
dentro dos limites normais. Encontramos também 7 e 12 videoassistidas. A localização e orientação glan-
casos sintomáticos de hipercalcemia intermitente. dular per-operatória foi eco e radioguiada em 19
Nesta série tivemos uma doente internada de urgência pacientes, tendo sido necessário a conversão para uma
por hiperparatireoidismo agudo com cálcio sérico de incisão clássica numa intervenção. Nos 7 doentes res-
14,4 mg/dl e PTHi de 1540 pg/dl e 2 casos de carci- tantes utilizou-se unicamente o apoio ultrassonográ-
noma com calcemias de 12,8 mg/dl e 14,2 mg/dl e fico.
PTHi de 855 pg/dl e 1900 pg/dl, respectivamente. A PTH intra-operatória foi determinada nas últi-
Para a localização glandular, segundo o protocolo mas 51 paratireoidectomias.
do Serviço, foi efectuada pelo cirurgião uma avaliação Apenas num caso foi necessário esternotomia por
ecográfica no dia ou na véspera da paratireoidectomia. paratireóide mediastínica, num total de 9 glândulas
Foram localizadas correctamente 50 glândulas (78 % ectópicas encontradas (14 %): 5 tímicas e 4 mediastí-
de eficácia, com sensibilidade de 83 % e um valor pre- nicas extra-tímicas.
ditivo positivo de 93 %) com 4 falsos positivos (Figura A morbilidade resumiu-se a 2 paresias da corda
1). Através deste método imagiológico pudemos con- vocal, a 2 hematomas que não necessitaram de drena-
firmar as duas recidivas de carcinoma paratireoideu. A gem, a 1 caso de desorientação psicomotora e a um
incapacidade na localização ecográfica da glândula hemotórax na doente submetida a esternotomia.
anómala aconteceu em 3 bócios multinodulares, em 3 Registou-se um caso de hipoparatireoidismo defini-
casos de ectopia mediastínica e em 3 doentes com tivo.
hiperplasia das paratireóides. Em 51 ocasiões recorreu- As paratireóides removidas em média pesavam 2,23
se ao cintilograma que evidenciou 35 paratireóides (69 g e mediam 19 mm, com mínimos de 120 mg e 6 mm
% de eficácia, com sensibilidade de 74 % e um valor em casos de hiperplasia familiar e máximos de 26 g e
preditivo positivo de 94 %) com 4 falsos positivos 55 mm num caso de neoplasia. As paratireóides hiper-
(Figura 2). plásticas eram mais pequenas e mais leves do que as

Figura 1 Figura 2

Hiperparatireoidismo primário – um diagnóstico não pensado


25
adenomatosas, enquanto que as mais volumosas cor- Forma de apresentação n %
respondiam às neoplasias, duas das quais de localização
Ósteo-articular 19 30
mediastínica.
Foi detectada uma mutação no gene HRPT2 res- Hipercalcemia 14 22
ponsável pela síndrome hiperparatireoidismo e tumo- Renal 9 14
res nos maxilares hereditários (HPT-JT) numa doente Achado imagiológico 9 14
com carcinoma e uma mutação do gene RET nos 3
HTA 4 6
doentes portadores de síndrome MEN 2a.
Registaram-se 4 persistências (2 mediastínicas já Achado operatório 3 5
reoperadas) e 2 recidivas por carcinoma, uma das quais Estudo familiar 2 3
faleceu por hipercalcemia. Nos 2 casos de insucesso
Neuro-psiquiátrica 2 3
cirúrgico, em que as doentes mantiveram o hiperpara-
tireoidismo, a investigação diagnóstica pós-operatória Dermatológica 2 3
não revelou a localização da glândula anómala. Tabela 2

Sintomatologia n %
DISCUSSÃO
Ósteo-articular 52 81

O hiperparatireoidismo primário (HPT1) é uma Neuro-psiquiátrica 32 50


das endocrinopatias mais frequentes. Este facto foi Fadiga 30 47
verificado após a inclusão dos valores de calcemia nos Cólica renal 28 44
exames de rotina nos Estados Unidos, no Japão e em
Obstipação 26 41
alguns países europeus, permitindo o diagnóstico de
casos assintomáticos ou vagamente sintomáticos [1-9, Polidipsia 21 33
14]. Atinge mais frequentemente mulheres na 6ª Assintomáticos 4 6
década da vida e é uma doença cujas incidência e pre- Tabela 3
valência aumentam claramente com a idade [1, 3, 5, 6, 10,
12, 14, 15]. A frequência do HPT1 ainda é subestimada
Patologia associada n %
na maioria dos países. Em Portugal a realidade é a de
uma predominância franca de casos sintomáticos na Ósteo-articular 52 81
altura do diagnóstico [11]. Muitos doentes ainda che- HTA 35 55
gam ao cirurgião tardiamente, após vários anos de tra-
Nefrolitíase 28 44
tamentos sintomáticos, apesar de terem passado por
vários médicos, de diferentes especialidades e inclusi- Cardíaca 16 25
vamente estarem medicados com suplementos de cál- Péptica 16 25
cio. Na maioria são mulheres pós-menopáusicas, poli- Litíase vesicular 9 14
medicadas e portadoras de várias patologias. O facto
Fracturas 8 13
dos doentes numa fase inicial do HPT1 apresentarem
apenas sintomas neuro-psiquiátricos inespecíficos, Gota 4 6
muitas vezes atribuídos à idade, assim como a elevada Dermatológica 2 3
frequência de patologia ósteo-articular, de HTA e de
Pancreatite 1 2
litíase renal na população em geral e no idoso em par-
ticular serão, provavelmente, os motivos para o defi- Tabela 4

João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
26
ciente diagnóstico precoce [4, 12]. Também a pouca mg/ 24h, densidade mineral óssea da coluna lombar,
sensibilização dos clínicos para este tipo de patologia do colo do fémur ou do rádio distal, abaixo de 2,5 des-
impede, muitas vezes, a correcta valorização dos níveis vios padrão em relação ao pico de massa óssea (T score
alterados de calcemia. <-2.5) e impossibilidade de se efectuar um seguimento
Da forma de apresentação dos casos que apresenta- correcto dos doentes não operados. Estes critérios não
mos, salienta-se o elevado número de achados: 26, foram aplicados nos nossos doentes uma vez que só
embora apenas 2 destes doentes não apresentassem tivemos 4 casos verdadeiramente assintomáticos, 2 dos
realmente qualquer sintoma. Quando inquiridos, a quais portadores de síndrome de MEN 2a e os outros
grande maioria destes pacientes referia artralgias e sin- 2 achados operatórios. Quando foram admitidos na
tomas neuro-psiquiátricos inespecíficos. Num quarto nossa consulta, a grande maioria dos doentes apresen-
dos doentes que operamos, foi o cirurgião quem fez o tava-se francamente sintomática, com queixas osteo-
diagnóstico, situação esta pouco admissível uma vez articulares, renais, neuro-psiquiátricas, obstipação e
que estes hiperparatireoidismos passaram despercebi- HTA. A alta percentagem de patologia tireoideia asso-
dos aos clínicos assistentes, aos imagiologistas que ciada dificultou a localização paratireoideia e colocou-
rotularam os nódulos como tireoideus e, em 2 casos, a nos problemas na abordagem cirúrgica, nomeada-
citologistas que classificaram a lesão como tumoral de mente ao limitar a realização de cirurgia mini-invasiva
provável origem folicular. Também em 3 casos o pró- e ao nível dos cuidados necessários para a preservação
prio cirurgião foi confrontado com o achado de uma das glândulas normais.
paratireóide anómala durante uma tireoidectomia, O HPT1 pode ser definido como a hipercalcemia
sendo num destes casos o adenoma paratireoideu a resultante da secreção anómala de paratormona (PTH)
única patologia existente. Este facto confirma a neces- pela glândula paratireoideia e é a causa mais comum de
sidade de se incluir o doseamento da calcemia no hipercalcemia em pacientes ambulatórios. O controle
estudo pré-operatório de patologia tireoideia [16]. fisiológico da homeostase do cálcio é extremamente
Na maioria dos relatos da literatura recente, o hiper- sensível e qualquer alteração dos seus níveis séricos
paratireoidismo primário apresenta-se na forma assin- deve ser valorizada. A regulação desta homeostase
tomática, no entanto, esta é uma definição controversa envolve a interacção da PTH, da vitamina D activa,
uma vez que mesmo estes doentes na sua maioria, do cálcio e do fósforo, de modo que a avaliação destes
quando pesquisada, apresentam algum tipo de sinto- parâmetros é fundamental na suspeita desta patologia
matologia [1, 3, 6, 7, 10, 13]. Com o aumento do número [6, 11, 18, 19]. O diagnóstico de HPT1 estabelece-se na
de casos diagnosticados, o perfil da apresentação clí- presença de hipercalcemia e de uma PTH elevada ou
nica, imagiológica e laboratorial sofreu mudanças gra- inapropriadamente “normal”, o que se verifica entre
duais nas últimas décadas, passando do hiperparati- 10% a 15% dos doentes [11, 15]. O aumento destes
reoidismo grave com doença óssea e renal típica, para valores é insidioso na maioria dos casos e encontram-
casos cada vez menos sintomáticos, até o estado actual se significativamente mais elevados nos pacientes com
onde mais de 80 % dos casos são rotulados como “não doença severa [3]. Na rara situação de carcinoma da
apresentando sintomatologia” [1, 3, 4, 9, 14, 17]. Este facto paratireóide, a hipercalcemia instala-se mais rapida-
levou à elaboração de guidelines de diagnóstico e tera- mente e os níveis de cálcio e de PTHi geralmente são
pêutica do HPT1 assintomático, actualizadas poste- muito elevados, como pudemos verificar nos 2 casos
riormente em 2002 [8, 9]. As indicações actuais para que tratamos [20-23]. Na nossa série verificamos valo-
cirurgia são: idade inferior a 50 anos, calcemia 1,0 res mais elevados nos doentes em que a queixa que
mg/dl acima do limite superior do normal, clearance alertou para o diagnóstico foi do foro renal, ao con-
de creatinina diminuído em mais de 30% comparado trário do descrito noutras séries [17]. Os valores menos
com pessoas da mesma idade, calciúria superior a 400 alterados encontraram-se entre os achados imagioló-

Hiperparatireoidismo primário – um diagnóstico não pensado


27
PTH Ca Peso T para o tratamento do HPT1, com resultados compa-
Forma de apresentação
(pg/ ml) (mg/ dl) (g) (mm) ráveis aos descritos na literatura [6, 27-29]. A falha na
localização ecográfica da glândula anómala aconteceu
Ósteo-articular 170 11,0 1,0 16
em casos associados a bócio multinodular, em ectopias
Hipercalcemia 174 10,8 1,5 21 mediastínicas e em hiperplasia das paratireóides, situa-
ção em que os meios imagiológicos frequentemente só
Renal 296 11,6 1,2 22
detectam as paratireóides maiores e não reconhecem a
Achado imagiológico 110 10,2 0,5 20 doença multiglandular.
A eficácia da paratireoidectomia na cura desta pato-
HTA 164 11,3 1,0 16
logia varia entre 70 e mais de 95% em função do
Achado operatório – – 1,0 20 treino do cirurgião [1, 2, 6, 10, 12, 30, 31]. A eficácia da
tratamento cirúrgico do HPT1 no nosso serviço ron-
Estudo familiar 135 9,4 0,5 14
dou os 97%, embora 2 doentes com ectopia medias-
Neuro-psiquiátrica 883 12,1 9,8 29 tínica tivessem sido operados em 2 tempos no mesmo
internamento, após o insucesso da abordagem inicial.
Dermatológica 161 10,3 3,5 23
Nos 2 casos de insucesso cirúrgico, em que as doentes
Tabela 5 mantiveram o hiperparatireoidismo, a investigação
diagnóstica pós-operatória ainda não revelou a locali-
zação da glândula anómala. Duas doentes com carci-
gicos ou de estudo familiar. É raro o diagnóstico de noma tiveram recidiva aos 2 e 3 anos de seguimento.
HPT1 na presença de normocalcemia, que pode ser A cirurgia mini-invasiva, em doentes seleccionados,
causada pela presença associada de níveis muito bai- tem múltiplas vantagens, nomeadamente ao nível do
xos de vitamina D ou por estarmos perante a variante menor tempo operatório, de internamento e de recu-
normocalcémica do HPT1 [10, 14, 15, 24, 25]. Encontra- peração, da menor morbilidade, dor, incisão e fibrose
mos 7 casos sintomáticos de hipercalcemia intermi- que condiciona [6, 32, 33]. Optou-se por paratireoidec-
tente, o que poderia ser explicado pela presença de tomia mini-invasiva sempre que pré-operatoriamente
outros factores responsáveis pela sintomatologia. [3, 24]. foram localizadas 1 glândula ou 2 homolaterais, na
Embora o diagnóstico do hiperparatireoidismo seja ausência de patologia cirúrgica tireoideia ou de histó-
clínico e bioquímico, a avaliação glandular imagioló- ria familiar de hiperparatireoidismo ou ainda de sus-
gica tem sido utilizada com frequência crescente [6, 11, peita de carcinoma paratireoideu. A localização glan-
26, 27]. Esta avaliação pré-operatória facilita o sucesso dular per-operatória foi eco e radioguiada com eficá-
terapêutico da cirurgia por determinar o envolvimento cia semelhante ao referido na literatura [34]. O dosea-
uni ou multiglandular, o tamanho e a localização das mento intra-operatório de PTH foi fundamental para
paratireóides e ao possibilitar programar cirurgia a comprovação da eficácia da paratireoidectomia,
menos invasiva ou radical (na suspeita de carcinoma sobretudo nos casos em que se optou por uma abor-
da paratireóide) e ainda por permitir o diagnóstico de dagem selectiva da glândula afectada.
patologia tireoideia associada. A eficácia do cirurgião A paratireoidectomia em centros com experiência é
na localização pré-operatória das paratireóides por eco- uma intervenção segura e com uma baixa taxa de com-
grafia pode ser superior à do radiologista em algumas plicações [1, 7, 12]. Toda a morbilidade da presente série
instituições. A ecografia efectuada pelo cirurgião, com- foi temporária e pode ser resolvida facilmente.
plementada por cintigrafia nos casos de falha daquele O tipo histológico responsável pelo HPT1 mais fre-
meio imagiológico ou para realização de cirurgia radio- quente é o adenoma único (80 – 90%), seguido da
guiada, tem sido, na nossa experiência, uma mais valia hiperplasia (10 - 20%), do adenoma duplo (5%) e do

João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
28
carcinoma em último lugar ( < 1%). O HPT1 apre- dismo grave com doença óssea e renal muito sintomá-
senta-se normalmente de forma isolada e raramente, tica.
pode estar presente na forma familiar ou ser um dos
componentes das neoplasias endócrinas múltiplas
(MEN) do tipo 1 e do tipo 2a ou do hiperparatireoi- CONCLUSÕES
dismo e tumores nos maxilares hereditários (HPT-JT)
[1, 2, 6, 14, 35]. Na nossa experiência estes números são Nesta série verificamos um grande número de
algo diferentes uma vez que 83 % dos nossos doentes “achados” como forma de apresentação e de lesões
tinham doença uniglandular, 6% adenomas duplos, avançadas na altura do diagnóstico. A maior sensibili-
apenas 8% tinham hiperplasia e operamos 2 carcino- zação de todos os clínicos, cirurgiões incluídos, para
mas. A diversidade dos resultados histológicos relati- este tipo de patologia e a determinação do cálcio sérico
vamente à literatura, nomeadamente no que concerne nos exames laboratoriais de rotina, será com certeza a
ao número reduzido de hiperplasias observado, poderá melhor forma de se efectuar o diagnóstico precoce do
ser explicado pelo pequeno tamanho da série e por HPT1 dito “assintomático” e diminuir consequente-
uma possível falha no diagnóstico da doença multi- mente a frequência observada de lesões dos orgãos-
glandular, normalmente mais difícil de efectuar do que alvo.
nos casos de adenoma. Em relação às características A paratireoidectomia é a forma de tratamento eficaz
histológicas das paratireóides removidas é de referir e definitivo e tem uma taxa reduzida de complicações
que na nossa série eram, em média, bastante volumo- se for efectuada em centros vocacionados para a cirur-
sas e correspondiam a situações de hiperparatireoi- gia endócrina.

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João Capela Costa, Pedro Sá Couto, Filomena Valente, Susy Costa, Tiago Pimenta, Matos Lima, Cardoso de Oliveira
30
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Globesity, diabesity and surgery


Nicola Basso
Dipartimento Malattie Mediche e Chirurgiche Apparato Digerente, del Fegato ed Endoscopia Digestiva Policlinico Umberto I
University of Rome “La Sapienza”

The obesity problem is a global epidemic of ever increas- peculiar to laparoscopic surgery, are advantageous to all
ing proportions. Because of a number of different reasons patients but, even more so, in morbidly obese patients which
many nations, in developed and developing countries, deal are high risk patients.
with this problem. While the U.S.A. stand in “pole posi- The great compliance of patients to bariatric laparoscopic
tion”, in Europe the uncontrolled diffusion of sweet snacks surgery caused in the U.S.A. a jump from 10.000 procedures
is responsible for children obesity, in China the diminished per year from the seventies to the nineties in the last cen-
numbers of bikers in favour of car drivers, in Oceania the tury, to 250.000 procedures during the last year.
success of “fast food” instead of the traditional fruit con- Standardization of surgical techniques was an added rea-
sumption are considered as causes of this phenomenon. son for the success of laparoscopy. The EAES Consensus
All in all, according to reliable statistics, 1.5 billion peo- Conference in 2004 and the Consensus Statement of ACS
ple all over the globe are obese: globesity. in 2005 indicated 4 types of standard surgical procedures:
Taking care of all these people accounts for 2-8% of all adjustable gastric banding, vertical banded gastroplasty, gas-
the national medical expenses, as much as it takes for all tric by-pass, bilio-pancreatic diversion.
tumours, with the added difference that expenses for obe- Indications to surgery must be based on reasonable expec-
sity grow by 25 % every three years. tations from the surgeon and from the patient. On this regard
Further, mortality for obesity is three times the com- the psychiatric/psychological interview is of the outmost
pounded mortality of colon and breast cancers. importance to avoid vain hopes and bitter disappointment.
Obese individuals have a life expectancy approximately At present internationally accepted and established precise cri-
shortened by 10-15 %, because of diabetes, cardiovascular dis- teria must be considered to indicate bariatric surgery.
eases, hypertension, cancer etc. One important and under- Once surgery is indicated, which kind of operation
valued problem is the augmented frequency of many different should be chosen? Over the years, many different proce-
malignant tumours found in the USA and Canadian obese dures, with a variety of rational basis, have been proposed.
population as reported in the “New England Journal of Med- The first significant contribution of surgery to the solu-
icine” and found by us in the Italian obese population tion of the obesity problem was the intestinal bypass pro-
Surgery in obese patients may reduce sanitary costs by posed and performed by Linner, Kremer and Nelson in
45% after 5 years. U.S.A. statistics show that, three years 1954. In 1963 Payne standardized the jejunal-ileal by pass.
and a half after surgery, operated patients cost less than non The procedure determines a very effective and indiscrimi-
operated patients. nate malabsorption by reducing to 30 cm the functioning
At the same time mini invasive laparoscopic surgery, (digestion and absorption) small intestine.
during the last 20 years, has had a tremendous diffusion However the early and unquestionable effect of surgery was
world wide. due to very significant physio-pathological changes with severe
The combination of these two factors, obesity and lapa- side effects, in particular severe liver sequalae, even cirrhosis.
roscopy, determined a “critical mass” which resulted in the All major surgical societies consider this procedure banned.
explosion of bariatric surgery, with an exponential growth At present there are three groups of standard surgical pro-
in the last 10 years. The advantages of laparoscopic surgery cedures, internationally accepted:
were greatly stressed in bariatric surgery. – restrictive procedures, laparoscopic adjustable silicone
Early mobilization and early recovery of G-E functions, gastric banding (LASGB) and vertical banded gastroplasty

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


31
(VGB); – malabsorptive procedures, bilio-pancreatic diversion Complications of GBP include haemorrhage (0.8-3.8%),
(BPD and its modification with the so-called “duodenal fistulization (0.8-3.6%) and strictures (1.6-5.8%), mainly
switch” (BPD-DS); - metabolic procedures, gastric by pass involving the gastro-jejunal anastomosis in the immediate
(GBP). postoperative period.
VBG, once the procedure of choice, is almost completely In the long run internal hernias occur with an incidence
abandoned in the U.S.A., and is in declining popularity in between 0.6 and 6% in different literature reports. The
Europe. pathogenesis is due to the incarceration of small bowel in
LASGB was the first bariatric procedure to be performed the surgery induced mesenteric defects, which become more
by laparoscopy and it is now the most frequently used in hazardous when visceral fat diminishes significantly.
Europe, with over 150.000 cases. The mechanism of action of this procedure involves gastric
The reasons for LASGB popularity are: - it is a simple restriction during the first post-operative period. However the
procedure with very few operative and post operative com- two main patho-genetic factors are: decreased appetite and
plications; - it is easily reversible, in most cases by increased satiety which are tied to the hormones ghrelin pro-
laparoscopy; - it is effective in 70% of cases and even more duced by the stomach and PYY, stimulated by early arrival of
when selection of patients is very accurate. non processed food to the ileum. The alimentary exclusion of
L.A.S.G.B. on one hand presents the lowest incidence of the gastric body and fundus determines low levels of ghrelin,
operative and post-operative complications, but it has the hormone of appetite, and flattens its circadian rhythm: hunger
highest incidence of late complications requiring a surgical and daily meals frequency are reduced.
procedure. During the last few years great attention has been given to
Major complications are: band migration into the stomach the anti-diabetic effect of GBP. This effect has a very rapid
due to erosion of the gastric wall; pouch dilatation due to onset and is independent from weight loss suggesting the
slippage or technical faults. However these complications presence of a hormonal mechanism.
almost always do not represent emergency situations and are Two mechanisms have been hypothesized: the Foregut
dealt electively. hypothesis and the Hindgut hypothesis.
The treatment for the gastric pouch dilatation is the com- In 1998 Paries foresaw a role for the duodenum-jejunum
plete band desufflation (conservative treatment), followed in the pathogenesis of diabetes mellitus (2 D.M.).
by a progressive insufflation. The failure of the conservative In 2004 Rubino and Gagner pinpointed a number of
treatment makes it necessary to reposition or to remove the early hormonal effects of GBP.
prosthesis. To prevent this kind of complication it is better In 2006 again Rubino elucidated, experimentally, the role
to create a virtual pouch above the “bursa omentalis” and to of duodenal exclusion in controlling 2 D.M. hypothesising
fix the prosthesis using gastro-gastric sutures. the presence of an anti-incretin substance secretion.
The incidence rate of the gastric erosion is between 1,6% According to the hindgut hypothesis unmodified food
and 6,3%, considering several clinical experiences. Solution reaching the terminal ileum stimulates ileum L-cells to
in most cases is mini invasive surgery: laparoscopic, endo- secrete GLP – 1.
scopic or combined laparoscopic-endoscopic. Finally the two main types of malabsorptive procedures
Clinical results, after LASGB, are considered satisfactory are: BPD and BPD – DS.
(BMI below 35) in 70-80 % of cases. The best results are BPD was conceived in 1972 and performed in man in
obtained in non super obese young women without ali- 1976 by Scopinaro.
mentary disorders like BED or sweet eating. In extreme synthesis Scopinaro obtained a high malab-
GBP represents 70% of all bariatric procedures in the sorptive effect with minimal malnutrition consequences.
U.S.A. Patho-physiology of BPD is related to two factors: - a 50
GBP determines a EWL of 60% in the long period (over cm common channel where mixing of food with the bilio-
14 years), cures co-morbidities like diabetes, hypertension pancreatic secretion occurs with diminished fat absorption
etc. in 80-90% of cases and has a low re- intervention rate. and diminished caloric intake; - a 200-250 cm alimentary
For all these reasons GBP in the USA is considered the gold channel in which proteins, calcium and glicids are absorbed
standard in the treatment of morbid obesity. lessening malnutrition problems.

Nicola Basso
32
In 1988 Scopinaro procedure was modified by Hess to and psychological profile of alimentary behaviour. Unfortu-
reduce the occurrence of possible troublesome diarrhoea nately, at present, precise and very reliable criteria do not exist.
symptoms. Main differences are: sleeve gastrectomy with The last word is always to the patient and to his satisfaction.
pylorus maintenance, 100 cm common channel: BPD-DS. In conclusion bariatric surgery determines an effective
Further Gagner proposed a two steps procedure: first the and long term EWL with a beneficial effect on co-morbidi-
sleeve gastrectomy. After an interval of 6-12 months and a ties. As a consequence life expectancy is lengthened and
significant EWL, the second step is performed. The two quality of life is ameliorated. The social-economic impact is
steps procedure significantly reduces morbidity and mortal- very effective.
ity when compared to the one step procedure. Key points are: correct selection of patients, adequate sur-
BPD determines a 50-75 % EWL at long (>10 years) fol- gical technique, and exhaustive follow-up.
low up, being the most effective procedure on excess weight. The laparoscopic approach is, by no means, the gold stan-
Similarly this procedure is very effective on the metabolic dard as it fulfils all criteria to be considered so: safety, efficacy,
syndrome (diabetes mellitus 2: 90/100 % resolution, hyper- reproducibility, cost effectiveness. The efficacy at the 10 years
cholesterolemia 100 % resolution, etc. follow-up will, we are certain, confirm the present results.
Complications of BPD are: bleeding (6 %), fistulization However there are a number of controversial “hot topics”
(2 %), pulmonary embolism (0.5 %) and respiratory prob- related to:
lems. In most instances the treatment is conservative. Anas- - age, both for the adolescent and for the elderly; weight
tomotic ulcers occurrence has been greatly reduced by pro- limits (class 1 obesity) for indication to surgery; - criteria for
ton pomp inhibitors therapy. selection of the type of surgery in the individual patient; -
Specific side effects of BPD include: tiredness, gas bloat diabesity; - sleeve gastrectomy.
syndrome, peripheral oedema and, most undesirable, diar- In the last few years age limits both on the upper and on
rhoea (15-20 %) with foul smelling stools. the lower range are under debate. Obesity is extending to
According to Hess and to Gagner BPD-DS seems to surprising new categories of individuals. Particularly worri-
decrease the incidence of these side effects due to the longer some is the phenomenon in the paediatric age with per-
common channel (100 vs 50 cm) and to the maintenance of centages that go as up as 20-25% between 9 and 12 years of
the pylorus. age. Italy holds first place in Europe, together with Greece.
Before closing on surgical procedures, only few words on Fifteen per cent of these children eventually will be morbidly
an old technique with novel interest. In the last few years the obese adults.
intra-gastric balloon (BIB) has had an ever increasing popu- Debate exists also for weight limits (class 1 obesity), since
larity among patients and surgeons due to the ease of appli- the ever increasing demand for surgery.
cation (endoscopy in sedation), and to encouraging results. Among the “hot topics”, diabetes and its relationship with
BIB has been used primarily in the treatment of border- obesity is, at present, the hottest. In the world there are 190
line cases and as a preoperative procedure to decrease ope- million diabetes mellitus patients, 90% of which are obese.
rative risks. “Diabesity” is the XXI century epidemic
A randomized study showed that the BIB induced weight- GBP and BPD seem to exert an anti-diabetic effect, inde-
loss is not a placebo effect but is dependent on a specific mech- pendently from the weight loss, determined by an endocrine
anism. BIB induced in 80% of cases a significant improve- mechanism in part clarified, but still needing further inves-
ment of respiratory function and sleep apnoea episodes. tigation.
One problem we are confronted with is the indication of The anti-diabetic effect of GBP and BPD is so relevant
the type of surgery in the individual patient. In the Nice 2000 that Dixon, in a momentous editorial strongly suggested a
EAES consensus conference suggestions have been given. The role for surgery in the therapy of DM 2.
criteria adopted take into account well established data. The goal of a surgical therapy for diabetes is pursued by
Although all the three main surgical procedure, more com- many surgeons around the world. Trials are ongoing in
monly executed, determine a significant EWL, this effect Europe, U.S.A. and South America. In the “Diabetes Surgery
increases from LASGB, to GBP, to BPD. Two additional fac- Summit (DSS)”, that took place in Rome in March 2007, the
tors taken into consideration are: existence of co-morbidities top medical and surgical authorities from all over the world

Globesity, diabesity and surgery


33
joined to put the basis for future investigational and clinical defining sleeve gastrectomy a suitable “option” in the treat-
studies. The impact of the summit was such that the Ameri- ment of morbid obesity “in particular in patients at high
can Society of Bariatric Surgery (ASBS) has decided to change preoperative risk or in super-super obese patients”. In these
the name to ASM(etabolic)BS. A similar decision was taken instances sleeve gastrectomy can be considered a “risk reduc-
by the Italian and other obesity surgery societies. tion strategy”.
Diabetes surgery is nowadays a developing reality. As far as indication for a “tailored” type of operation in
We retrospectively reviewed the results of 110 obese dia- the individual patient, in 2007 we are still in the stone age.
betic patients, who underwent laparoscopic gastric banding We need criteria that should take into account: behavioural
or gastric by-pass or sleeve gastrectomy with a mean follow index, metabolic index, genetic codex and, possibly, allow
up of 24 months. Regardless of the type of surgical proce- us to indicate more correctly and properly what is the best
dure, bariatric surgery cured diabetes in 76, 3% of these surgical treatment in the specific patient.
“diabesity” patients. In April 2007 Cohen et al. reported the On the other hand therapeutic trials are difficult for a
preliminary data on two diabetic patients with BMI of 22 number of reasons: different social environments determine
and 34 Kg/m², surgically treated with a duodenal-jejunal different economic conditions, different alimentary habits
by-pass. Patients had normal blood glucose levels 5 weeks and different surgical experiences. Further different genetic
after surgery and were off anti diabetic drugs. factors and the validation criteria necessitating a long fol-
An endo luminal technique has been proposed recently: a low-up period make the goal even harder to achieve.
prosthesis (60 cm in length) is anchored to the duodenal bulb, Obesity, appropriately defined “globesity” is, to all
so preventing contact of ingested food to the duodenal-jeju- accounts, a social problem. All components of society must
nal mucosa. The ingested food is separate from bilio-pancreatic take the burden: - the teaching institutions with an adequate
juices for all the length of the prosthesis, mimicking a surgical nutritional education; the National Health System, with effec-
duodenal-jejunal by-pass. Preliminary results on the resolution tive preventive campaign, as it has been done for smoking,
of glucose metabolism alterations are highly promising. and with specific outpatient structures for pre and post-
The enthusiasm is great and, may be, a word of caution surgery care; - the media with a correct information avoiding
may seem appropriate. misleading stories on the so called “malpractice”; - finally
In the last few years sleeve gastrectomy (or vertical gas- politicians who should not behave like the proverbial three
trectomy) performed as first step in DS, stimulated a novel monkeys: I do not listen, I do not see, I do not talk.
approach to obesity surgery, being proposed by a number of Where are we going and where is the future?
surgeons as a “solo” procedure. In the last two decades surgeons have been constantly
In a recent summit, in New York City, the results of sleeve pursuing the “mini-invasiveness”. On this path another pres-
gastrectomy on excess weight and on co-morbidities after a tigious enterprise has started: Natural Orifice Transluminal
follow-up of 3 years, have been reported. In collect reviews Endoscopic Surgery (N.O.T.E.S.). Trans vaginal, trans gas-
(775 patients) the results in terms of EWL (between 33- tric cholecystectomies and appendectomies have been per-
83%), morbidity (14%), mortality 0.4 % and the reduction formed, intra gastric per-endoscope procedures have been
of co-morbidities were very promising. Disadvantages of realized by means of endoscopic suturing devices. In bariatric
sleeve gastrectomy are: irreversible procedure, postoperative surgery the first experimental models of restrictive proce-
complications at a very low frequency but, when present, at dures have been realized. The road is open for exploration.
high risk. The advantage is that in patients with non satis- Will surgery be the ultimate weapon against obesity? Prob-
factory results, a second step procedure may be performed ably it will not. We are already trespassing from the genetic
with diminished operative risks. The second procedure may engineering (building with genes) to the genetic factory (build-
be multidirectional: D.S. or gastric by pass have been equally ing the genes). May be, sometimes in the future we will go from
adopted, with relative technical ease. the laparoscopic mini-invasiveness to the non invasiveness.
At present, clinical results of sleeve gastrectomy, as a “pri- In prehistory of man, obesity was a defensive factor, help-
mary solo” procedure, in the treatment of morbid obesity, ing the individual to survive through cold winters and famine.
encourage to pursue on this path. The American Society for Today obesity has become a global dramatic risk for man. Sur-
Metabolic Bariatric Surgery (ASMBS) gave out a statement gery seems to confront effectively with the problem.

Nicola Basso
34
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Obesidade: causas
e distribuição da epidemia
Henrique Barros, Elisabete Ramos

Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto

Nas sociedades ocidentais, a obesidade, com o taba- e obesidade, de âmbito intersectorial, nomeadamente,
gismo e o consumo de bebidas alcoólicas, constitui um entre os sectores da saúde, social, alimentar, educa-
conjunto de problemas de saúde com mais marcado cional e cultural, como também preparar medidas
efeito na morbilidade, na mortalidade e consequente- compreensivas de prevenção e gestão contra a obesi-
mente nos custos em saúde [1]. Estima-se que na dade”. Igualmente, lembra que dado a obesidade se
União Europeia a obesidade seja responsável por cerca encontrar intimamente ligada a outras doenças, como
de 7% dos custos em cuidados de saúde, percentagem a diabetes, as doenças cardiovasculares e as osteoarti-
que irá aumentar dada a tendência crescente na sua culares, “é necessário não apenas uma abordagem pre-
prevalência [2, 3]. ventiva, mas também uma intervenção curativa e de
Há mais de uma década que as diferentes organiza- gestão da doença e da obesidade, através de um pro-
ções internacionais com relevo na investigação e na grama específico para o efeito. Afirmava que seria
definição de políticas de saúde reconhecem que a ali- “criado em parceria com as sociedades científicas, no
mentação tem um papel determinante na saúde, sendo âmbito da Direcção-Geral da Saúde, um grupo de
conhecidas relações directas particularmente com a peritos com a missão de elaborar uma proposta de
ocorrência de doenças cardiovasculares e de cancro. programa nacional, com linhas estratégicas de com-
Em Portugal, o Plano Nacional de Saúde 2004- bate à obesidade”. Existe actualmente a Plataforma
2010 [4], reconhece que a obesidade “é um enorme Nacional Contra a Obesidade [5].
problema de saúde pública, pela elevada prevalência, Alguns aspectos anedóticos revelam a importância
natureza crónica do seu curso, morbilidade e morta- social da obesidade: foi preciso alargar os carros para
lidade de que se acompanha, assim como pela difi- transportar bebés porque uma proporção de crianças é
culdade e complexidade do tratamento.” Já então o obesa desde muito cedo e as suas medidas estavam para
Plano descrevia a obesidade como “um problema em lá dos padrões comuns fornecidos pelo mercado; a
crescente aumento” estimado entre os 10% e 15%, e cirurgia estética, nomeadamente a lipoaspiração, cres-
que a sua prevalência se “situava entre os 10% e 25% ceu 118% entre 1997 e 2005, nos Estados Unidos da
nos países europeus, prevendo-se que, em Portugal, a América; também na América foram aumentados os
prevalência se situe nos 15% para o sexo masculino e tamanhos das cadeiras dos estádios de basebol, dema-
nos 16% para o sexo feminino”. Em consequência, o siado estreitos e incómodos para uma proporção cres-
Plano explicita a necessidade de melhorar a informa- cente dos espectadores; em 2000, o excesso de peso
ção e a acção sobre a obesidade e para isso, nele se dos passageiros custou às companhias aéreas america-
escreve que “...deverá ser adoptada uma abordagem nas 1325 mil milhões de litros de combustível adicio-
de promoção da saúde e preventiva do excesso de peso nal e o peso que em si puseram esses passageiros cus-

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


35
tou a libertação para a atmosfera de mais quase quatro no sul dos Estados Unidos da América [7]. Os índios
toneladas evitáveis de dióxido de carbono [6]. Pima que vivem nos Estados Unidos começaram pro-
O tratamento cirúrgico da obesidade era inicial- gressivamente a apresentar maior peso desde o fim da
mente reservado a pessoas com a chamada obesidade segunda guerra mundial e actualmente a prevalência
mórbida (índice de massa corporal superior a 40 de obesidade é superior a 70%, sendo dos grupos
kg/m2) ou perante complicações resolúveis com a humanos com a mais elevada frequência de diabetes
perda de peso, como o são a insuficiência cardíaca ou do tipo 2. Como a herança genética não mudou no
a apneia de sono. A decisão cirúrgica pode ser tão radi- espaço de duas ou três gerações o que mudou foi o
cal quanto um “by-pass” gastro-intestinal, retirando ambiente e a obesidade é a expressão da incapacidade
grande parte do aparelho digestivo do circuito de pas- de uma determinada estrutura genética se adaptar efi-
sagem dos alimentos, ou tão simples quanto a coloca- cientemente a um novo ambiente, em curto período
ção de uma banda gástrica que deixa reduzido o espaço de tempo. É que um indio Pima mexicano pesa em
que o estômago oferece para acomodar alimentos e média cerca de vinte quilos menos que os seus paren-
estimula a sensação de saciedade, e com o que se pode tes do norte. Estaria deste modo apoiada, de forma
em 12 a 18 meses obter reduções de 60 a 80% do dramática, uma das teorias mais populares para expli-
excesso de peso. No entanto, é sempre considerada car a obesidade e que ficou conhecida como a teoria do
como um recurso limite (pelas complicações, que “gene da fome”: uma selecção para sobreviver a perío-
embora raras são bem conhecidas, pelo compromisso dos prolongados de fome ou penúria alimentar. Assim,
com mudanças radicais no estilo de vida, e natural- a obesidade seria a resposta a uma etapa da evolução
mente pelos custos) que pressupõe terem sido esgota- humana confrontada com a abundância estável.
das as opções com base na manipulação da dieta e do Foi possível identificar o efeito de alguns tipos de
exercício. adenovirus na ocorrência de obesidade, tanto em estu-
dos experimentais em animais como em observações
em humanos [8-11]. Foram identificados pelo menos
OBESIDADE: ASPECTOS ETIOLÓGICOS cinco vírus animais obesogénicos, quatro actuando
E DETERMINANTES DO RISCO sobre o sistema nervoso central e um quinto, o
SMAM-1, um adenovirus das aves, descrito na Índia,
A pobreza, a insegurança alimentar e a mal-nutri- que actua directamente sobre os adipócitos e é o único
ção estão ligadas à obesidade, ou seja, a um estado de vírus animal que está associado com a obesidade
sobre-nutrição. Esta situação paradoxal resulta de a humana [11].
ingestão alimentar de muitas das pessoas vivendo na Entre os seis adenovírus humanos investigados, o
pobreza ser adequada ou exceder as quantidades ener- adenovirus (Ad) 36, Ad-37 e Ad-5, que estão relacio-
géticas para responder às necessidades calóricas mas nados com a obesidade, também afectam directamente
falta-lhe a qualidade nutricional que promova a saúde os adipócitos [11]. Estes vírus estimulam enzimas e fac-
e previna as doenças crónicas. Assim, o constructo tores de transcrição que causam acumulação de trigli-
mal-nutrição, tradicionalmente definido pela insufi- cerídeos e a diferenciação dos pré-adipócitos em adi-
ciência tem que incluir também a dimensão do excesso pócitos maduros. Demonstrou-se que os Ad-5 e Ad-37
e ambas as situações podem emergir da pobreza. e o Ad-9 causavam obesidade em animais de labora-
Mas para lá dos determinantes sociais há outros fac- tório e o Ad-36, o mais estudado, foi o único que se
tores ambientais e genéticos implicados. Existe uma comprovou estar associado à obesidade em seres
interacção entre o repertório genético e o meio humanos. Ad-36 causa obesidade em galinhas, rati-
ambiente. A mostrá-lo está o caso extremo dos índios nhos, ratos e macacos, e estava presente em 30% de
Pima, uma tribo separada entre o México e Arizona, um conjunto de pessoas obesas por oposição a apenas

Henrique Barros, Elisabete Ramos


36
11% de indivíduos não obesos. O que é também inte- mente do conteúdo do bolo alimentar) será com-
ressante notar é que em gémeos discordantes para a preender como é que o cérebro percebe como sufi-
infecção com o Ad-36 o gémeo infectado era o mais ciente a quantidade ingerida de glicose ou lipídeos,
pesado e o que apresentava maior proporção de massa especificamente.
gorda. Voluntários obesos e não obesos foram avalia- A gordura corporal constitui um verdadeiro tecido,
dos quanto à presença de anticorpos para os Ad-37, com enorme actividade metabólica, e não um sistema
Ad-31 e Ad-2 não se tendo encontrado qualquer asso- passivo de armazenamento. A obesidade promove um
ciação com o índice de massa corporal ou a concen- processo inflamatório e induz respostas endócrinas
tração sérica de lipídeos. muito variadas [14]. Por exemplo, os adipócitos da gor-
Por outro lado, e através de vias distintas de actua- dura em torno das vísceras abdominais produzem
ção, foi-se perseguindo a ideia de a obesidade poder interleucina 6, que no fígado oestimula a produção de
ser uma situação em que outros agentes microbianos, proteina C reactiva, por sua vez capaz de lesar as arté-
agora bactérias intestinais, teriam um papel de relevo rias ou, pelo menos, contribuir para o fenómeno de
[12, 13]. As bactérias intestinais poderiam ainda servir lesão aterosclerótica, que desperta também uma res-
como biomarcadores e até potenciais alvos terapêuti- posta inflamatória e assim se perpetua uma cascata de
cos. Observou-se, quer em ratos quer em humanos acontecimentos patológicos.
obesos, que a quantidade relativa de dois dos grupos de Nos últimos anos, depois da descrição por Reaven
bactérias intestinais mais frequentes se encontrava alte- [15] de uma nova entidade clínica caracterizada pela
rada. Em experiências com animais de laboratório, agregação de obesidade, resistência à acção da insulina,
após sequenciar os genes dos agentes microbianos pre- aumento da glicemia, da pressão arterial e alterações
sentes em ratos obesos e ratos magros e transplantando dos lipídeos, designada síndrome metabólica, a obesi-
os diferentes agentes para ratos com aparelho digestivo dade deixou de ser vista como uma patologia isolada.
amicrobiano, pôde verificar-se que os agentes de ratos Todas os componentes da síndrome metabólica eram
obesos tendiam a obter maior número de calorias dos já bem conhecidas enquanto factores de risco para o
alimentos, pois os seus genes tinham maior capacidade desenvolvimento de aterosclerose e das suas complica-
de digerir polissacarídeos e propiciavam uma quanti- ções. Não é ainda claro se o conjunto dessas compo-
dade significativamente maior de gorduras aos recep- nentes resulta em consequências que mais do que a
tores celulares. Assim, para além da ingestão alimentar soma dos seus efeitos individuais sejam o produto
e do exercício a flora microbiana do aparelho digestivo sinérgico das suas acções.
poderá contribuir para determinar o risco de obesi- Na verdade, a obesidade é um dos factores mais
dade. importantes e modificáveis de risco cardiovascular e
Sem o apetite e a saciedade não ocorreriam as acções até de cancro, as duas principais causas de doença e
que através da alimentação asseguram a estabilidade morte nas sociedades desenvolvidas [1]. Mas não
das reservas plásticas. Apenas nas últimas décadas foi influencia apenas esses acontecimentos finais: a obesi-
possível desvendar o intrincado fluxo de informação dade aumenta a probabilidade de aparecimento de
que se estabelece entre o cérebro e o aparelho diges- valores anormalmente altos de colesterol, de pressão
tivo, nos seus diversos segmentos, seja através de trans- arterial e de diabetes do tipo 2, por si factores de risco
missores neuronais seja por intermédio de estímulos importantes para as doenças do coração e dos vasos [16,
hormonais. O estômago, por exemplo, produz a gre- 17]. Uma grande quantidade de informação científica
lina, que estimula a fome, enquanto o duodeno induz permitiu concluir que uma pessoa com um índice de
a secreção de um mediador para a saciedade. Mas mais massa corporal maior que 27 kg/m2, comparada com
interessante que estas respostas monótonas a estímulos outra de corpulência inferior, independentemente de
de volume (a distensão das vísceras independente- outras características, terá um risco cerca de três vezes

Obesidade: causas e distribuição da epidemia


37
superior de desenvolver hipertensão, diabetes não Importa salientar que o índice de massa corporal
dependente da insulina ou acidentes vasculares cere- pode ser uma medida enganadora perante situações
brais; um risco duas vezes superior de gota, litíase vesi- em que há uma massa muscular muito desenvolvida
cular, artroses, angina de peito ou enfarte agudo do (responsável pelo aumento de peso) bem como em
miocárdio; e um risco cerca de 50% mais alto de ocor- mulheres grávidas ou a amamentar, situações em que
rência de cancro colo-rectal ou da mama [18]. sobrestima a gordura corporal. Pelo contrário, pode
Algumas avaliações recentes permitiram calcular que subestimar a gordura corporal em idosos que, como
a obesidade diminui a esperança de vida em quatro a parte do processo de envelhecimento, perderam massa
nove meses. Cálculos similares, nos Estados Unidos da muscular.
América, quando aplicados às crianças e perante o con- Em todos os casos, parece haver uma diferença bem
tinuado aumento da obesidade nessa idade, permitem marcada na classificação individual quando o cálculo
estimar diminuições médias de dois a cinco anos de do índice de massa corporal é feito com base em medi-
vida [19]. A manter-se esta situação, as presentes gera- ções objectivas ou através da informação auto-decla-
ções de crianças dos países desenvolvidos tornar-se-iam rada. Verifica-se em ambos os sexos uma tendência
as primeiras da nossa história mais recente a viver vidas geral para indicar pesos menores que os reais e estatu-
mais curtas que as dos pais. ras mais elevadas, o que resulta em índices de massa
corporal mais baixos. Deste modo, não só a caracteri-
zação individual como o cálculo da prevalência da obe-
DEFINIÇÃO ANTROPOMÉTRICA DE OBESIDADE sidade, devem ter como base medições objectivas e
padronizadas. De outro modo são sistematicamente
A obesidade pode ser definida utilizando diferentes subestimadas as frequências de obesidade.
medidas, sendo o índice de massa corporal, pela sua Em crianças e adolescentes o índice de massa cor-
aplicabilidade prática, o mais utilizado, nomeada- poral é classificado de forma diferente dos adultos.
mente em estudos populacionais de larga dimensão Porque os rapazes e as raparigas têm um ritmo dife-
[20]. rente de crescimento o índice de massa corporal é clas-
Para os adultos, o índice de massa corporal obtêm- sificado de forma específica para o sexo e a idade. Os
se dividindo o peso em quilogramas pelo quadrado da pontos de corte para a classificação definem-se pela
altura, em metros. Embora seja uma variável contínua, distribuição percentual com base nas características de
o índice de massa corporal costuma ser considerado uma amostra com a qual é comparado o valor indivi-
em categorias, cujos limites e designações foram dual de cada criança [21].
mudando, e as pessoas classificadas de acordo com elas. Assim, e acordo com essas normas, uma criança é
Assim, um adulto é considerado: considerada:
– com baixo peso, se o índice de massa corporal for – com baixo peso, se o índice de massa corporal esti-
inferior a 18,5 kg/m2 ver abaixo do percentil 5
– com peso normal, se o índice de massa corporal se – com peso normal, se o índice de massa corporal se
encontrar entre 18,5 e 24,9 kg/m2 situar do percentil 5 até abaixo do percentil 85
– com excesso de peso, se o índice de massa corpo- – em risco de excesso de peso, se índice de massa
ral estiver compreendido entre 25,0 e 29,9 kg/m2 corporal se situar entre o percentil 85 e o percen-
– com obesidade, se o índice de massa corporal for til 95
igual ou superior a 30,0 kg/m2 – com excesso de peso, se o índice de massa corpo-
Adicionalmente, algumas classificações ainda subdi- ral for igual ou superior ao percentil 95.
videm a categoria obesidade de acordo com classes de 5 Além desta classificação da Organização Mundial da
kg/m2, reflectindo formas crescentemente mais graves. Saúde (OMS)[21], há a considerar a definida pela Inter-

Henrique Barros, Elisabete Ramos


38
national Obesity Task Force (IOTF)[22]. A Internatio- marcador mais sensível do risco cardiovascular – por
nal Obesity Task Force utiliza como referência os dados exemplo, o risco de sofrer um enfarte agudo do mio-
de Cole e colaboradores que estimaram para cada idade cárdio – do que o índice de massa corporal.
e sexo qual o índice de massa corporal que correspondia Em 2000 as Nações Unidas fizeram a Declaração
a 25,0 Kg/m2 e 30,0 Kg/m2 nos adultos – valores consi- do Milénio, na qual se estabeleceram oito objectivos
derados, como já vimos, para a definição, respectiva- para o desenvolvimento e um conjunto de indicadores
mente, de excesso de peso e obesidade nos adultos – assu- a atingir até 2015. O primeiro objectivo é a erradica-
mindo que, para cada idade e sexo, o valor correspon- ção da pobreza extrema e da fome. Para o conseguir
dente aos pontos de corte no adulto definem as respec- pretende-se reduzir em 50% a proporção das pessoas
tivas categorias nas crianças e adolescentes. que vivem com menos de um dólar por dia e reduzir
A Organização Mundial de Saúde propôs que se também para metade a proporção das pessoas que pas-
considerassem obesos os indivíduos que têm índice de sam fome. Algumas regiões do globo fizeram progres-
massa corporal superior ao percentil 95 para o sexo e sos no sentido destas metas mas a fome e a insegurança
idade, e com excesso de peso aqueles cujo índice de alimentar (inexistência de acesso físico, social ou eco-
massa corporal se encontra entre o percentil 85 e 95 nómico adequado a alimentos suficientes, seguros e
para o sexo e a idade. Alguns países, ou estudos, fazem nutritivos capazes de garantir as necessidades dietéticas
as suas próprias curvas de distribuição com base em e as preferências alimentares indispensáveis para uma
amostras consideradas representativas, para definir o vida activa e saudável) continuam excessivamente pre-
ponto de corte, enquanto outros adoptam curvas de sentes e ambas contribuem para a má-nutrição.
outros países, dificultando ainda mais a comparabili-
dade dos dados. Em Portugal, a Direcção-Geral da
Saúde optou pela definição da Organização Mundial A OBESIDADE EM PORTUGAL
de Saúde e como referência considera as curvas publi-
cadas pelo National Centre for Health and Statistics Em Portugal, o Inquérito Nacional de Saúde permite
dos Estados Unidos da América [23] (Circular Nor- descrever e acompanhar as tendências de alguns aspec-
mativa: Nº: 05/DSMIA de 21/02/2006). tos relacionados com a saúde, nomeadamente o excesso
Para classificar as crianças utiliza-se frequentemente de peso e a obesidade. A comparação entre os resultados
“excesso de peso” e “risco de excesso de peso” e não do inquérito realizado em 1995/96 e os dados de
obesidade, para contrariar a discriminação associada 1998/99 permite observar a nível nacional um aumento
com a obesidade, vista socialmente como uma des- da prevalência. Nos homens, a prevalência de excesso
vantagem, bem como o estigma que também crescen- de peso foi de 39,9% em 1995/96 e de 42,5% em
temente a acompanha. 1998/99. Nas mulheres estes valores foram 32,2% e
Deve-se acentuar que o índice de massa corporal é 32,3%, respectivamente. A prevalência de obesidade
um instrumento valioso para quantificar modificações aumentou em ambos os sexos, de 10,3% para 11,5%,
ao longo do tempo e monitorar o resultado de inter- nos homens e de 12,7% para 14,2%, nas mulheres [25].
venções. Mas há outros parâmetros antropometricos e Estes resultados provavelmente subestimam a real fre-
com eles podem-se obter formas alternativas de ava- quência do excesso de peso uma vez que se baseiam em
liar a gordura corporal e classificar individualmente as informações referidas pelo inquirido e não em medições
pessoas. Um desses parâmetros é o perímetro da cinta, por observador independente. Ao longo dos anos, e até
considerando-se anormal um valor superior a 88 cen- 2005, esses valores sempre cresceram.
tímetros nas mulheres e 102 centímetros nos homens Utilizando dados de uma amostra representativa da
[24]. Aliás, o perímetro da cinta, bem como a razão cidade do Porto, seleccionada por aleatorização de dígi-
entre o perímetro da cinta e o perímetro da anca, é um tos telefónicos (Estudo EPIPorto), observou-se que a pre-

Obesidade: causas e distribuição da epidemia


39
valência de obesidade, definida como o índice de massa nesta população do Porto, a síndrome metabólica é
corporal ≥30 kg.m-2, era 25,8% nas mulheres e 15,9% muito frequente e está caracteristicamente associada a
nos homens, e que 36,6% das mulheres e 47,2% dos valores elevados de pressão arterial, em consonância
homens apesar de não serem obesos apresentavam com a elevada morbilidade e mortalidade cardiovas-
excesso ponderal (Tabela 1) [26]. Se utilizarmos o perí- cular Portuguesa (Tabela 2).
metro da cintura para definir obesidade abdominal, e de Numa amostra de 2040 adolescentes portugueses
acordo com os pontos de corte definidos pelo Adult nascidos em 1990, estudantes nas escolas da cidade do
Treatment Panel III, 40,4% das mulheres e 16,8% dos Porto, e avaliados aos 13 anos, verificou-se que tendo
homens apresentam uma acumulação de gordura a nível em conta a definição da Organização Mundial de
abdominal, considerada de elevado risco cardiovascular. Saúde e utilizando as curvas do National Centre for
Estas proporções sobem se utilizarmos pontos de corte Health and Statistics, a prevalência de excesso de peso
mais recentemente estabelecidos pelo European Group foi 15,9% nas raparigas, e 16,8% nos rapazes. A pro-
for the Study of Insulin Resistance (EGIR) e pela Inter- porção de obesos foi 9,2% nas raparigas e 11,1% nos
national Diabetes Federation (IDF), em 2005, de acordo rapazes. Neste estudo os adolescentes foram pesados e
com cujos critérios 64,3% das mulheres e 44,9% dos medidos por inquiridores treinados. Quando se estu-
homens na cidade do Porto apresentam obesidade cen- daram os factores que o determinavam verificou-se que
tral. Pelo parâmetro razão perímetro cintura - anca eram o facto de os pais serem obesos e, claro, a inten-
(Organização Mundial de Saúde, 1995) quase todos os sidade das actividades físicas no lazer [29].
indivíduos do Porto apresentam valores acima dos reco- Do mesmo modo que para os adultos também nos
mendados [27]. adolescentes, e em idades relativamente precoces,
Pela primeira vez foi possível estimar a prevalência como são os 13 anos das crianças na amostra do Porto,
da síndrome metabólica numa amostra representativa a presença de excesso de peso se associa com aumento
de adultos de um grande centro urbano português. A da prevalência de valores mais elevados de pressão arte-
síndrome metabólica foi definida de acordo com o rial, duplicando a frequência da hipertensão em ambos
Adult Treatment Panel III, pela presença de três ou
mais dos seguintes indicadores: perímetro da cintura
>102 cm nos homens e > 88 cm nas mulheres, trigli- Tabela 1: Prevalência de obesidade, avaliada por intermédio do índice
de massa corporal e dos perímetros da cintura e da anca
cerídeos >150 mg/dl, colesterol HDL < 40 mg/dl nos
homens e < 50 mg/dl nas mulheres, pressão arterial
sistólica superior a 130 e diastólica acima de 85 mmg
Hg, glicemia em jejum 110 mg/dl. A prevalência bruta
da síndrome metabólica foi de 23,9 %, (27,0% no
sexo feminino e de 19,1 % no sexo masculino), sendo
o seu valor após padronização para a população euro-
peia de 14,5%. A prevalência da síndrome aumenta
com a idade em ambos os sexos, atingindo o valor
máximo na faixa etária dos 60-69 anos (35,0% nas
mulheres e 32,9% nos homens). Verificámos uma ele-
vada prevalência de pressão arterial igual ou superior a
130/85 mm Hg em ambos os sexos (68,0 % nas
mulheres e 73,5% nos homens), sendo o factor menos
prevalente a glicemia em jejum maior que 110 mg/dL
(6,0% nas mulheres e 8,2% nos homens) [28]. Assim,

Henrique Barros, Elisabete Ramos


40
Tabela 2: Prevalência (e respectivos intervalos de confiança a 95 %) da síndrome meta- os sexos quando comparamos adolescen-
bólica em homens e mulheres adultos, residentes na cidade do Porto, por classes de idade.
tes normo ponderais com adolescentes co
excesso de peso [30]. Também são fre-
quentes entre adolescentes valores altera-
dos dos critérios que definem a síndrome
metabólica e a própria índrome definida
pela presença de pelo menos três desses
critérios (Tabela 3).
A utilização do índice de massa corpo-
Tabela 3· Prevalência (intervalo de confiança 95%) de síndrome metabólico e seus com-
ponentes individuais em adolescentes com 13 anos.
ral como marcador de obesidade acarreta
problemas uma vez que a relação
peso/estatura no adolescente é diferente
da do adulto, acrescido ainda de que
muitas das varições dependem mais da
idade biológia (maturação) do que da
idade cronológica. Utilizando novamente
os dados do estudo EPITeen para ilustrar
esta dificuldade, podemos observar que,
qualquer que seja o critério considerado,
a prevalência de excesso de peso e obesi-
dade é maior nos adolescentes do sexo
masculino. Este resultado é concordante
com outros dados nacionais e internacio-
nais que usam o índice de massa corporal
para a classificação [21, 31]. No entanto,
quando avaliada a proporção de massa
Tabela 4: Estimativas de prevalência de excesso de peso (excesso de peso e obesidade), con- gorda (estimada utilizando o equipa-
siderando o método de avaliação do peso e estatura e o critério utilizado na classificação. mento Tanita®) para o total do peso cor-
poral verificou-se que são as adolescentes
que apresentam média (± desvio padrão)
superior (26,3±7,79 versus 14,9 ± 7,36,
em %). No entanto, a utilização do
índice de massa corporal é considerada
apropriada uma vez que é um método
não invasivo, barato e o equipamento
necessário para o estimar (balança e esta-
diometro) é fácil de transportar, estas
características tornam o índice de massa
corporal particulatmente útil para a ava-
liação de grandes grupos. E permite com-
parações simples ao longo do tempo e
entre áreas geográficas, como mostra a
tabela 4.

Obesidade: causas e distribuição da epidemia


41
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Henrique Barros, Elisabete Ramos


42
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Cirurgia bariátrica
Isabel do Carmo1, Maria João Fagundes2, José Camolas3

Endocrinologista, Professora da Faculdade de Medicina,


1

Directora do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Santa Maria (HSM)


2 Psicóloga clínica, responsável de avaliação psicológica na consulta de obesidade do HSM

3 Nutricionista, Técnico Superior da Consulta de Obesidade no HSM

Para algum observador externo poderá parecer para- como os EUA, é suficientemente grande para se calcu-
doxal, ou mesmo bizarro, que em metade do mundo larem cerca de 32.000 grandes obesos em Portugal em
cerca 700 milhões padeçam de fome e que na outra idade adulta. Deverá ainda ser adicionada a população
metade do mundo se tenha que “ afunilar” o estômago com obesidade grau II com doenças associadas.
para que não entrem mais alimentos. E no entanto, não Esta população de grandes obesos tem provavel-
é assim tão estranho. Segundo a Organização Mundial mente um forte factor genético. Esta afirmação pode-
de Saúde , na metade do mundo que vive em estado se basear em três razões:1. Estando inseridos num con-
de insuficiência proteíco-calórica, à medida que houver junto populacional sujeito às mesmas condições de
disponibilidade de alimentos, os indivíduos entrarão mudanças alimentares e sedentarismo, destacam-se no
directamente ( alguns já estão a entrar) na obesidade e desenvolvimento duma obesidade grave, enquanto que
dentro desta uma parte terá obesidade grave ou mór- os restantes se distribuem por graus mais moderados 2.
bida. As razões para esta mudança directa de um estado Na anamnese é quase constante o relato duma obesi-
para o outro são a selecção genética da resistência à dade que vem desde a pequena infância 3. São fre-
fome, os baixos custos da disponibilidade alimentar quentes os casos de familias de grandes obesos. Pensa-
hipercalórica e os custos altos da alimentação menos se hoje que são poucos os casos de defeitos genéticos
calórica e com maior valor nutricional. Como exem- que se reduzem a uma determinante, como é o caso da
plo pode-se observar o que se passa na India, onde na leptina, mas que há uma situação (ou terreno) poligé-
região de Nova Deli no Norte da India, as mulheres da nico que determina a gravidade dos casos, após a expo-
zona urbana tem 16,4 % de obesidade( um pouco sição aos factores alimentares e ao sedentarismo (5).
superior à nossa) e as da zona rural têm 2,2 % (1). As
determinantes sociais são bem patentes nos EUA onde PATOLOGIA ASSOCIADA
na avaliação do NHANES de 2003-2004 (2) a obesi-
dade grau III tem uma prevalência de 2,8% entre os Na obesidade mórbida, ou grave ou grau III, acen-
brancos não-hispânicos na população dos 18 aos 64 tuam-se todos os riscos que se apontam para a obesi-
anos e de 6,9 nas mulheres do mesmo grupo, sendo de dade em geral. Ou seja: riscos cardiovasculares, pro-
5,4% entre os homens afro-americanos. Quanto a nós, babilidade de ocorrência de diabetes tipo 2, probabi-
temos 0,6% de obesidade grau III (0,8 nas mulheres e lidade acrescida de certos cancros, doenças osteoarti-
0,2 nos homens), num conjunto de 14,2% de obesi- culares, pertubação do sono e problemas psicológicos
dade, a qual se agrava sucessivamente à medida que se e psico-sociais. O risco relativo de morte calculado aos
desce na escala social (3,4). E apesar da nossa prevalên- 50 anos para homens e mulheres com IMC≥40 não
cia ser pequena comparada com a de outros países, fumadores é respectivamente de 3,82 e 3,79 (6) e para

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


43
os jovens grandes obesos o risco é 12 vezes superior aos quilos depois. Têm toda a razão pois não há segui-
de pêso normal(7,8). E, numa época em que se dis- mento de intervenção que resista a este enorme peso,
cute muito os custos dos Sistema de Saúde e em que mas o doente vê-se num bêco sem saída. Todo o acon-
tudo se avalia, ao que parece, mais em números de des- selhamento estereotipado que possamos fazer de “dieta
pesa do que em sofrimento humano, vale então a pena saudável e exercicio” é desadequado, senão ridículo.
dizer que os custos anuais em saúde dos obesos com 2. A pertubação do sono. Por circunstâncias tam-
IMC≥35 são três vezes superiores aos dos individuos bém mecânicas estes doentes têm roncopatia e sono per-
de pêso normal(9). Este ponto de corte no IMC de 35 turbado, com apneias. Esta situação tem sérios riscos de
e não no de 40, a partir do qual se considera obesidade pertubação da conjugalidade e tem aumento dos riscos
grau III justifica-se pelo facto de, a partir do IMC de de mortalidade, como é sabido. A consequente sono-
35( grau II) se estabelecerem doenças associadas – dia- lência diurna, que ocorre subitamente, muitas vezes sem
betes, HTA, doenças arteriais cardíacas e cerebrais, anúncio, é causa de acidentes graves, alguns mortais. É
doenças osteoarticulares, doenças venosas dos mem- frequente que o grande obeso que é motorista de pro-
bros inferiores – em relação às quais se torna imperioso fissão, com grandes refeições e sedentarismo, acabe por
utilizar os instrumentos medicamentosos existentes no vir parar ao serviço de urgência dos hospitais, politrau-
mercado, de modo a minorar o sofrimento e o risco. O matizado por acidente que ocorreu em consequência do
recurso ao médico, às urgências hospitalares e a inter- adormecimento súbito ao volante.
namentos é muito grande. A partir do IMC de 35 com 3. A pertubação psicológica e social. Uma pessoa
doenças associadas é tambem a situação individual a que arrasta desde a infância uma condição de pêso
partir da qual o absentismo ao trabalho ou o desem- grave tem necessáriamente pertubações emocionais de
prego implicam custos sociais e pessoais. Importa, por- reacção a essa circunstância. A existência tão cêdo desta
tanto, salientar toda esta morbilidade e risco de mor- marca física trás também pertubações da personalidade
tabilidade. No entanto, pela experiência clínica e ao que passam a integrar o indivíduo definitivamente. De
encontro dos dados que surgem nas nossas séries e em modo que parece mais lógico considerarmos as pertu-
outras, gostariamos de destacar aspectos particulares bações psicológicas como uma consequência do que
destes doentes: como uma causa das grandes obesidades. Quanto ao
1. A patologia osteo-articular. Estes doentes são comportamento alimentar ter-se-à que considerar que
portadores de sintomas de dor, dificuldade de mobili- a marca genética também funciona ao nível do com-
dade e mesmo de incapacidade, sobretudo relaciona- plexo sistema de apetite/saciedade, que um corpo volu-
dos com a coluna vertebral, os joelhos e os pés. As moso tem necessidades alimentares superiores às dum
razões mecânicas são óbvias, mas a verdade é que tam- corpo de pêso recomendável para a mesma idade e
bém estão afectadas as pequenas articulações das mãos. sexo e que estas pessoas têm muitas vezes uma história
A existência de outras causas, para além das mecânicas, de vida com sucessivas tentativas de restrição alimen-
parece derivar da insulino-resistência e dos factores tar que provocam uma consequente compulsão ali-
pró-inflamatórios associados. mentar que não é patológica, mas sim lógica, como se
A verdade é que estamos perante doentes que se explica à frente na avaliação psicologica ( pseudo binge-
mobilizam com dificuldade, em relação aos quais a eating) Socialmente também sabemos quanto esta
recomendação de exercicio tem que ser muito caute- situação é marginalisante.
losa, para além da mandatada pela sua fraca capaci-
dade cardio-respiratória. INDICAÇÕES PARA A CIRURGIA BARIÁTRICA
Muitas vezes estes doentes têm a “porta fechada”
pelo colega de ortopedia em relação a prótese da anca Perante o que atrás fica dito, é necessária uma inter-
ou dos joelhos que esperam por eles menos 30 ou 40 venção da natureza da cirurgia bariátrica nos indivi-

Isabel do Carmo, Maria João Fagundes, José Camolas


44
duos que obedeçam aos critérios que estão estabeleci- ção tiroideia e supra-renal, análises de pesquisa de
das pelas guidelines europeias: doentes entre os 18 e os eventual síndroma do ovário poliquístico nas mulhe-
60 anos; IMC ≥40 Kg/m2; IMC≥35 Kg/m2 com res e análises relativas ao estado nutricional( ferro, tran-
doenças associadas, em relação às quais se espera ferrina, ferritina, ac.fólico, vitB12, zinco,cálcio, fós-
melhorias pela perda de pêso induzida pela cirurgia; foro, magnésio e proteinograma). Os doentes fazem
estes doentes terão que ter uma história de tentativas também avaliação cardiológica, com ecg, ecocardio-
frustadas de perda de pêso através de tratamento grama e outras provas se necessário. Na nossa consulta
médico ou perda de pêso seguida de recuperação. fazem sistemáticamente estudo do sono e provas de
Os doentes com menos de 18 anos ou com mais de função respiratória. No período mais próximo da
60 têm que ser considerados individual e excepcional- intervenção fazem endoscopia alta. A avaliação médica
mente(8). Além dos critérios de exclusão que mais deve conresponder a pelo menos 5 consultas.
adiante serão descritos na avaliação psicológica, há cri- Os doentes com IMC superior a 50Kg/m2 são acon-
térios de exclusão clínica gerais: doentes sem condição selhados a colocar balão intra-gástrico previamente,
anestésica cirurgica; portadores de doença que reduz sig- para haver uma perda de pêso que facilite a interven-
nificativamente a esperança de vida ( neoplasias, doença ção cirurgica.
coronária sitomática, insuficiência renal crónica, cirrose No espaço de 360 dias após a intervenção deverá
hepática); doenças gastro-esofágicas não tratadas. haver pelo menos 7 consultas aos 15, 30, 90, 150, 210,
270 e 360 dias, com avaliação do estado de saúde
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA geral, das co-morbilidades e do estado nutricional. A
carência pós-cirurgica mais comum que temos encon-
O doente que vai ser sujeito à cirurgia bariàtrica trado e tratado tem sido a carência de zinco, patente
deve ser avaliado por endocrinologia/medicina, psi- nas análises e nos sintomas.
cologia/psiquiatria e nutrição/dietética. No entanto, o acompanhamento do doente que faz
Esta avaliação demora alguns meses. Este tempo é cirurgia bariátrica não pára aos 360 dias. O seguimento
necessário para os vários exames e sobretudo para a ava- dos doentes intervencionados, apesar das melhorias
liação psicológica detalhada, mas também é necessário enormes do seu estado de saúde, é para a vida. Nos que
para optimizar o tratamento das co-morbilidades e per- têm complicações pós-cirurgia ou simplesmente adap-
mite que o doente mostre que é capaz de ser assíduo nas tações o seguimento é ainda mais exigente.
consultas. Este seguimento pré- operatório mostrará
também que o doente assume o tratamento e o projecto INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA NA CIRURGIA
cirurgico como um acto da sua opção, que é capaz de BARIÁTRICA.
modificar hábitos alimentares e que está motivado.
Com o número de grandes obesos existente em Por- (A experiência na Consulta de Obesidade Mórbida
tugal, o doente teve um tempo de espera importante do Serviço de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo
para integrar a consulta de obesidade, que nos vários Hospital de Santa Maria, Lisboa)
centros estamos a tentar reduzir. No entanto, também Como ficou exposto atrás, a intervenção na obesi-
não podemos dar a ideia de que quando é chamado o dade mórbida e consequentes doenças metabólicas
está a ser para a cirurgia. É necessário explicar que a inte- passa, cada vez mais, por uma solução cirúrgica. Para
gração na consulta é o inicio dum novo processo que os próprios doentes, a saúde e/ou a melhoria de qua-
levará alguns meses, pelo menos seis, e explicar-lhe tam- lidade de vida são a razão principal para a procura ou
bém os riscos, limitações e benefícios da cirurgia. aceitação desta cirurgia 10 . Aos psicólogos clínicos que
A avaliação médica inclui Rx torax, análises de trabalham em contexto de Saúde, a avaliação e acom-
hematologia e bioquimica de rotina, avaliação da fun- panhamento dos obesos candidatos a cirurgia bariá-

Cirurgia bariátrica
45
trica pressupõe um conjunto de práticas que, infeliz- intervenção nas possíveis complicações psicológicas e
mente, não estão, ainda, organizadas num protocolo do âmbito psicossocial (v.g. perturbações do compor-
nacional e/ou internacional11 tamento alimentar, depressão, ansiedade ou agrava-
Cada grupo de trabalho constitui a sua bateria de mento da sintomatologia psicológica prévia à inter-
testes, critérios de exclusão, periodicidade e tipo de venção). Em síntese, pretende excluir-se candidatos
intervenção psicoterapêutica. cujo risco supere o benefício; seleccionar os que apre-
Para colmatar o que se considera ser uma lacuna sentam melhor prognóstico12. Quanto aos restantes
importante, o Núcleo de Psicologia da Sociedade Por- intervir quando os critérios são “limite” de modo a que
tuguesa de Cirurgia Bariátrica e o Grupo de Trabalho de estes candidatos possam, a seu tempo, ser submetidos
Psicologia e Comportamento da Sociedade Portuguesa à cirurgia. A actualização científica deve ser constante,
para o Estudo da Obesidade estão a produzir, em con- já que a experiência de outros grupos, com outras téc-
junto, um protocolo que, pretendemos, sirva de orien- nicas, grandes séries e acompanhamento longitudinal
tação para os profissionais portugueses bem como se se revela de enorme interesse13,14 .
constitua a proposta nacional para o protocolo europeu.
Neste artigo, descrevemos a prática do grupo mul- OBESIDADE MÓRBIDA, AVALIAÇÃO
tidisciplinar da Consulta de Obesidade Mórbida do PSICOLÓGICA, CIRURGIA BARIÁTRICA
Hospital de Santa Maria em Lisboa.
Na nossa consulta o encaminhamento para a Cirurgia A consulta de Obesidade Mórbida tem uma estru-
Bariátrica é feito, por equipa multidisciplinar, com base tura multidisciplinar que inclui consultas de endocri-
em critérios médicos e psicológicos. Para tal, foi criado nologia, cirurgia, psicologia e nutrição.
um protocolo de intervenção psicológica, com base na Todos os candidatos são avaliados na consulta de
literatura internacional e dados empíricos de centros hos- psicologia. O Protocolo consiste numa Avaliação Psi-
pitalares que realizam esta avaliação há várias décadas. cológica (A.P.), em cinco sessões, onde é aplicada uma
A intervenção do psicólogo pode esquematizar-se Entrevista semi-estruturada e uma bateria de testes psi-
do seguinte modo: Pré-operatório: Avaliação Psicoló- cométricos e projectivos conforme Tabela 1.
gica (A.P.) e acompanhamento visando a adesão ao tra- A Entrevista é o primeiro instrumento de avaliação.
tamento (v.g. mudanças comportamentais, estratégia Com base nesta se fará, logo na primeira fase, o diag-
de coping alternativa à “alimentação emocional”, incre- nóstico diferencial das Perturbações do Comporta-
mento da actividade física). Pós-operatório: despiste e mento Alimentar e do padrão alimentar do obeso:

Tabela1: Instrumentos utilizados na avaliação psicológica

Isabel do Carmo, Maria João Fagundes, José Camolas


46
Petisco contínuo, Hiperfagia prandial; e o que chamamos PÓS-OPERATÓRIO
Pseudo Binge Eating (Crise de Voracidade Alimentar) que
cessa após o poli fraccionamento, e ainda o diagnóstico O follow-up pós-operatório consiste em 6 consultas
de Psicopatologia que se completará com os testes. calendarizadas do seguinte modo: Dia da alta e após 2,
O processo dura 6 meses podendo chegar ao ano. 4, 12, 24 e 52 semanas desta. No segundo ano, 6 e 12
O tempo é o necessário para A.P. e intervenção prepa- meses após a última consulta. A todos os doentes é
ratória22 para a cirurgia. Os candidatos são mantidos facultada a marcação de consulta, em qualquer data,
em acompanhamento no sentido de promover a modi- sempre que o solicitem.
ficação comportamental que se operacionaliza, entre O procedimento consiste numa entrevista semi-
outras medidas, por uma perda de peso de 10% e ade- estruturada, protocolar, onde são investigados o com-
são às consultas. O critério é a evolução do doente. portamento alimentar, alterações de humor, vida ins-
Para esta intervenção estão estabelecidos Critérios de tintiva (sono, apetite e líbido). A escuta atenta é, como
Exclusão23 que, no nosso protocolo, são os da imagem sempre, uma “ferramenta” imprescindível. A melho-
seguinte 24. ria, objectiva, da qualidade de vida não deve compro-
Cada vez mais os Critérios de Exclusão se prefiguram meter o despiste de eventual sintomatologia depres-
no que, no nosso entender, deveria classificar-se como siva27 ou emergência de comportamento alimentar
Critérios de Intervenção Obrigatória. Conforme pode- perturbado29 (crises de voracidade alimentar, night
mos verificar apenas dois destes são considerados Cri- eating syndrome, bulimia nervosa v.g.) Post-Surgical
térios de Exclusão absolutos: o uso/abuso de substân- Eating Avoidance Disorder (PSEAD)30 ou dificuldades
cias25 e a Perturbação de Personalidade (Eixo II) ou de ordem psicossocial31 . A experiência de grandes per-
Psiquiátrica não compensadas. Considerando-se, por- das de peso, que podem ser da ordem dos 30% a 40%
tanto, que o doente recusa o acompanhamento psi- do peso inicial, são vivenciadas por cada sujeito de
quiátrico ou não adere ao tratamento. forma particular, estando descritos na literatura des-
Se, e quando, compensado é reintegrado na con- compensações psiquícas graves32.
sulta e é estabelecido uma intervenção psicoterapêu- Fizemos referência à intervenção individual. O
tica,26 individual, segundo o parecer do psicólogo que acompanhamento em grupo é uma possibilidade van-
acompanha o caso. tajosa, quer em termos logísticos quer promovendo
Após esta avaliação e se os valores forem considera- benefício terapêutico específico.
dos normativos, são programadas quatro consultas Em síntese, podemos dizer que a obesidade é uma
mensais, nas quais se pretendem elaborar estratégias doença crónica e a Cirurgia Bariátrica não é uma cura.
de modificação comportamental, adequação ao novos
hábitos de exercício físico, alimentares (v.g comer de 3
em 3 horas, introdução de hábitos na família, e a ade-
são às consultas) 27. É, ainda, assinado um “Consenti-
mento Informado” documento que, entre outras infor-
mações, sintetiza as possíveis complicações da cirur-
gia. Na consulta de psicologia, é com a assinatura deste
documento, feita obrigatoriamente com cônjuge,
familiar ou amigo próximo, que se afere o suporte
social e se discutem, em família, muitas das adapta-
ções a realizar no futuro. Após a 7ª consulta, o caso é
apresentado em reunião multidisciplinar e discutida a
intervenção adequada.

Cirurgia bariátrica
47
Mas, neste importante processo, a avaliação e acompa- seas, vómitos e alterações do trânsito intestinal)
nhamento psicológico devem ser realizados por profis- – Alterações do paladar e olfacto
sionais experientes, munidos de um protocolo testado e – Preferências alimentares e aversões (incluindo
com uma calendarização que sirva o doente. O acom- questões éticas e culturais)
panhamento não tem um fim previsível. A estabilidade – Presença de alergias ou intolerâncias alimentares
emocional e a modificação de hábitos de vida terão de – Consumo de bebidas alcoólicas
se conquistar e manter diariamente. As memórias, físi- – Capacidade de aquisição e intervenção na prepa-
cas e psicológicas, da obesidade mórbida, não se apa- ração de alimentos
gam num só momento. Para isso, teremos de estar dis- – Grau de actividade física
poníveis, pessoal e institucionalmente, para o resto, do – Fármacos e Suplementos Nutricionais
que desejamos, seja uma boa e longa vida. • Iniciar o processo de Reeducação Nutricional;
• Esclarecer o doente sobre as fases da Dieta Pós-
Avaliação/Seguimento Nutricional -Operatória
Pré-Balão/Cirurgia Bariátrica
O protocolo que se segue é o resultado dum traba- SEGUIMENTO NUTRICIONAL PÓS-BALÃO/
lho comum dos especialistas de nutrição/dietética do /CIRURGIA BARIÁTRICA
Hospital de Santa Maria e do Hospital Pulido Valente:
Patrícia Nunes, Silvia Neves, Anabela Santos, José 1. Periodicidade e duração das consultas:
Camolas, João Vieira e Maria Guiomar Ferreira. • A data da alta o doente receberá orientação ali-
1. Número, periodicidade e duração das consultas: mentar do técnico de nutrição que dá apoio ao Ser-
• O candidato a Balão/Cirurgia Bariátrica deve fre- viço de Cirurgia e é orientado para, aproximadamente
quentar um mínimo de três consultas de avaliação/ uma semana depois, se dirigir à consulta de ambula-
/seguimento nutricional antes da cirurgia; tório para receber novas orientações;
• A periodicidade será aproximadamente mensal; • As consultas seguintes de ambulatório terão uma
• A duração será de aproximadamente 30 a 40 periodicidade aproximadamente quinzenal, nos pri-
minutos, no caso de serem primeiras consultas, e de meiros dois meses, mensal, até aos seis meses, bimes-
20 minutos, nas consultas de seguimento; tral, até ao ano, trimestral, após os 12 meses, e bianual,
2. Tem como objectivos: aos dois anos após a intervenção;
• Proceder à História Clínica e Avaliação Nutricio- • A duração será de aproximadamente 20 minutos.
nal, visando avaliar: 2. Características da Dieta
– Altura, peso (actual, habitual e adequado, bem Conteúdo Energético
como a sua evolução), perímetro da cintura e perí- As técnicas restritivas ou mistas permitem a existência
metro da anca de uma sensação de saciedade precoce, devida à reduzida
– Patologias associadas (Diabetes, DCV, HTA, dimensão do primeiro reservatório. Durante os três pri-
entre outras) meiros meses após a cirurgia a restrição calórica é mais
– Antecedentes familiares de obesidade e/ou outras intensa, sobretudo devido à redução espontânea da
patologias associadas ingestão de alimentos, à diminuição do apetite e à sacie-
– Alterações do Comportamento Alimentar (Night dade precoce. Nos primeiros 6-12 meses a ingestão caló-
Eating Syndrome, Binge Eating Syndrome, Sweet rica rondará as 800 Kcal/dia. Posteriormente, com a dila-
Craving, entre outras) tação do reservatório e com a consolidação dos hábitos
– Esquema alimentar do doente alimentares, a ingestão rondará as 1000-1200 Kcal/dia.
– Apetite e níveis de saciedade Consistência
– Presença de sintomatologia gastrointestinal (náu- Ainda no internamento o doente deve ser estimu-

Isabel do Carmo, Maria João Fagundes, José Camolas


48
lado a começar por ingerir água e/ou infusões, na Nas Técnicas Malabsorptivas, normalmente não são
quantidade de 20-30 ml cada 5 a 10 minutos. Poste- necessárias restrições significativas à quantidade. No
riormente, deve existir uma evolução progressiva da entanto, são frequentes os problemas com a absorção
consistência da dieta, distinguindo-se 4 fases que da gordura, o que implica a existência de esteatorreia,
devem ser respeitadas: que é directamente proporcional à presença de gor-
1ª FASE – Dieta Líquida dura na alimentação.
Deve ser seguida durante o 1º mês após a cirurgia, Na primeira semana após a alta estão indicados
visa permitir a adequada recuperação. É essencial que volumes de aproximadamente 50ml, nos quinze dias a
forneça quantidades adequadas de proteínas, que é asse- três semanas seguintes os volumes evoluirão para os
gurada pela ingestão de leite e iogurte líquido (aproxi- 100 a 150 ml, de acordo com o grau de tolerância dos
madamente 1 litro/dia) e eventualmente um suple- doentes. Seguidamente, ainda que variando conside-
mento proteico, também na forma líquida, que forne- ravelmente entre os indivíduos, os volumes rondam os
cerá cerca de 20g de proteínas. Também se recomenda 200 a 250 ml.
o consumo de sumos de frutas e/ou de legumes, e cal- Consideração a propósito das consequências nutricionais
dos de carne e peixe, com ou sem legumes, coados. É essencial um follow-up estreito nos primeiros 3
2ª FASE – Dieta Pastosa meses após a intervenção, uma vez que neste período
A ser seguida durante o 2º mês após a cirurgia. Uti- existe um défice proteico, que habitualmente é resta-
lizam-se papas, que incluem carne ou peixe triturados belecido por volta dos 18 meses.
e misturados com os fornecedores de amidos e gordu- Nas técnicas restritivas, existe o risco de vómitos
ras. Podem comer-se frutas cozidas ou assadas. Trata- recorrentes com possível défice proteico e vitamínico.
se de uma fase que, habitualmente, é de difícil aceita- Assim, é essencial incentivar o doente a comer devagar,
ção por parte dos pacientes, porque se fartam facil- mastigando bem os alimentos. Considera-se indispen-
mente deste tipo de alimentação. Assim, o período, sável a suplementação com multivitamínicos/minerais
sempre que o doente demonstre boa evolução, pode nos primeiros dois a três meses após a intervenção.
ser reduzido para apenas 15 dias. No Bypass Gástrico (Y de Roux) os alimentos inge-
3ª FASE – Dieta Mole ridos não passam pelo fundus, corpo e antrum gástri-
Inicia-se cerca do 3º mês após a cirurgia, na qual o cos, nem pelo duodeno e por uma porção variável do
doente pode comer quase tudo, excepção feita a ali- jejuno. Desta forma, podem ocorrer carências de Ferro
mentos muito elaborados ou condimentados. (por ausência da conversão do Fe ferroso => Fe fér-
4ª FASE – Dieta Livre rico), de Vitamina B12 (por falta do factor intrínseco)
É iniciada a partir do 3º mês após a cirurgia. Nesta e de Vitamina D e Cálcio (porque o duodeno e o
fase o doente tem uma grande liberdade para escolher jejuno são zonas de absorção preferenciais). Assim, é
os seus alimentos, ainda que alguns possam continuar necessária a suplementação com multivitamínicos/
a ser difíceis de digerir, como é o caso habitual das car- /minerais com Vitamina B12, Ferro e Cálcio para o
nes vermelhas. resto da vida.
Volume Nas Diversões Bílio-Pancreáticas com ou sem
É essencial garantir a adequada ingestão de nutrien- Switch Duodenal, a associação da malabsorção com a
tes, em particular de proteínas e de energia com volu- redução da capacidade gástrica implicam a necessidade
mes pequenos. de suplementação, também para o resto da vida.
Nas Técnicas Restritivas, o volume ingerido deve ter Pode ser considerada a suplementação alimentar,
em conta a dimensão do primeiro reservatório, uma vez com recurso a produtos modulares, nomeadamente
que a comida, depois de chegar ao mesmo, passa com proteínas e hidratos de carbono, visando a satisfação
lentidão através do estoma para o restante estômago. das necessidades individuais mínimas.

Cirurgia bariátrica
49
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Isabel do Carmo, Maria João Fagundes, José Camolas


50
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

A obesidade do ponto de vista


do gastrenterologista
Obesity from the gastroenterologist’s perspective
M. Bispo1, P. Barreiro1, T. Bana1, L. Matos2
1 Interno do Internato Complementar de Gastrenterologia
2 Director do Serviço de Gastrenterologia

Serviço de Gastrenterologia – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. – Hospital de Egas Moniz

RESUMO
Introdução: A crescente epidemia da obesidade conduziu à procura de novas opções terapêuticas, tendencialmente menos invasivas,
associadas a menor morbilidade e a menores custos económicos. O papel da Gastrenterologia nesta área, com o aparecimento recente
de novas terapêuticas endoluminais e a perspectiva futura de procedimentos bariátricos transgástricos, é promissor.
Métodos: Revisão da literatura actual, seleccionada em bases de dados médicas informatizadas (MEDSCAPE, MEDLINE), sobre os
tratamentos endoscópicos da obesidade, já disponíveis e em investigação.
Resultados: A terapêutica endoluminal da obesidade com o balão intra-gástrico revelou já um bom perfil de segurança e tolerabilidade,
com eficácia a curto e longo-prazo demonstrada em vários estudos europeus prospectivos. Possibilita uma redução ponderal compara-
tivamente inferior à cirurgia bariátrica, mas suficiente para atingir os objectivos definidos pela OMS no tratamento da obesidade, com
melhoria das principais comorbilidades associadas. Encontram-se em fase investigacional novas terapêuticas endoluminais e transgás-
tricas, que combinam as vantagens da endoscopia flexível com procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, na perspectiva de virem
a ter um papel relevante na abordagem multidisciplinar da obesidade.
Conclusões: O balão intra-gástrico associa-se a sucesso técnico e clínico, permitindo melhoria das principais complicações médicas da
obesidade. A crescente evolução de novos procedimentos endoluminais e transgástricos surgem como mais-valias promissoras no com-
bate a este problema mundial de saúde pública.
Palavras-chave: obesidade; endoscopia terapêutica; balão intra-gástrico; bariátrica.

ABSTRACT
Background: Along with obesity’s epidemic growth, came the need for new therapeutic options, tendencially less invasive, associated
with lower morbidity and lower cost. Gastroenterolgy plays a promissing role in this field, with emerging new endoluminal procedu-
res and the future perspective for transgastric bariatric treatments.
Methods: A literature review was done, selected from computerized medical data bases (MEDSCAPE, MEDLINE), on currently avai-
lable and investigational bariatric endoscopic procedures.
Results: Several prospective european studies have shown that endoluminal obesity’s treatment with intra-gastric balloon is safe and
well tolerated, with satisfactory short and long-term success rates. It allows shorter weight loss when compared to bariatric surgery, but
enough to accomplish WHO’s main goals for obesity treatment, with improvement in major medical comorbidities. New endolumi-
nal and transgastric procedures combining the skills and techniques of flexible endoscopy with minimally invasive surgery are under
investigation, with the perspective of a future relevant part in obesity’s multidisciplinary management.
Conclusions: Intra-gastric balloon shows high technical and clinical success rates, with prompt improvement in associated medical com-
plications. Evolving endoluminal and transgastric procedures come as valuable therapeutical options in this worldwide health problem.
Key Words: obesity; therapeutic endoscopy; intragastric balloon; bariatric.

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


51
INTRODUÇÃO luminal) surge agora como um novo conceito, que
combina as vantagens da endoscopia flexível com téc-
Para além da Gastrenterologia, com a multiplici- nicas cirúrgicas laparoscópicas, procurando um lugar
dade de órgãos da sua área de preocupação, ter que nas áreas da Gastrenterologia e da Cirurgia Geral.
lidar com várias complicações médicas associadas à Neste artigo faz-se uma revisão crítica do desenvol-
obesidade (como a esteatose hepática, a esteatohepatite vimento técnico dos procedimentos endoscópicos uti-
e a litíase biliar), tem sido chamada a intervir endos- lizados no tratamento da obesidade, salientando-se a
copicamente com métodos terapêuticos bariátricos sua eficácia, segurança e tolerabilidade. O BIG é dis-
adjuvantes. O progresso da Medicina tem como objec- cutido em maior detalhe, por constituir a terapêutica
tivo primordial atingir o melhor resultado terapêutico, endoscópica actualmente utilizada na prática clínica, e
com a menor taxa possível de complicações ou efeitos para a qual já existe informação resultante de estudos
adversos. Apesar da evolução da cirurgia bariátrica no prospectivos. São ainda descritas novas técnicas de
sentido de se tornar cada vez menos invasiva, e da cirurgia bariátrica endoluminal e transgástrica, que se
rápida expansão europeia desta cirurgia utilizando a encontram em fase investigacional.
banda gástrica de silicone, estes procedimentos conti-
nuam a estar associados a uma taxa considerável de
complicações (1, 2, 3, 4) e ao estigma que envolve qual- MATERIAL E MÉTODOS
quer procedimento cirúrgico. O receio da cirurgia
bariátrica poderá explicar em parte, porque é que ape- Foi efectuada uma pesquisa informática das bases
nas cerca de 1% dos doentes nos EUA, que preenchem de dados MEDSCAPE e MEDLINE, identificando
os critérios do National Institutes of Health (NIH) para os artigos publicados até 2007, abordando o tema
cirurgia bariátrica, são submetidos a este procedimento “procedimentos bariátricos endoscópicos”, e tendo
(5). A terapêutica endoscópica da obesidade foi ini- sido utilizadas para a pesquisa as palavras-chave “intra-
cialmente concebida de forma a minimizar estas preo- gastric balloon”, “bioenterics”, “endoscopic bariatric
cupações, e a constituir uma alternativa não cirúrgica, procedures”, “endoluminal/transgastric bariatric sur-
que possibilitasse o regresso rápido às actividades da gery”. Foram adicionalmente pesquisados artigos
vida diária. O interesse crescente no tratamento endos- publicados entre 1990 e 2007, referentes à eficácia e
cópico da obesidade associou-se também à evidência complicações da cirurgia bariátrica, utilizando para o
de que a maioria dos doentes obesos não necessitava da efeito as palavras-chave “bariatric surgery”, “gastric
redução ponderal substancial alcançada com a cirur- bypass”, “gastric band(ing)”. Também foram analisa-
gia bariátrica convencional (banda gástrica e bypass) dos livros de referência e listas de referências de artigos
(6). Na verdade, as recomendações actuais da OMS (7) seleccionados.
e do NIH (8) no tratamento da obesidade contrariam
alguns conceitos do passado, definindo como objec-
tivo primordial terapêutico uma redução ponderal RESULTADOS
mantida de 10 a 15%, de forma a reduzir as compli-
cações associadas e o risco cardiovascular global. Desde a descoberta da correlação entre bezoars e
Após mais de uma década da introdução do balão perda de peso, na primeira metade do século XX, a
intra-gástrico (BIG) no tratamento da obesidade, pers- comunidade médica perspectivou a utilização de
pectiva-se a convergência da tecnologia endoscópica “bezoars iatrogénicos” aplicados endoscopicamente,
com procedimentos cirúrgicos minimamente invasi- como uma alternativa minimamente invasiva no tra-
vos, na criação de novas alternativas terapêuticas (9). A tamento da obesidade (10). Assim, a terapêutica endos-
cirurgia bariátrica endoluminal e transgástrica (trans- cópica da obesidade, baseou-se inicialmente na ideia

Miguel Côrte-Real da S. Bispo, Pedro Miguel B. Fernandes Barreiro, Tiago dos Santos N. Bana e Costa, Leopoldo Maria L.s Cunha Matos
52
de reduzir a capacidade de reserva do estômago, de se, posteriormente, as novas tecnologias endoluminais
forma a produzir uma sensação de saciedade precoce. e transgástricas que estão na origem do novo conceito
Este conceito levou ao desenvolvimento do primeiro de cirurgia bariátrica endoscópica.
BIG (balão de Garren-Edwards), em 1986, mais tarde
retirado do mercado devido ao elevado número de I. Balão intra-gástrico (BIG)
complicações associadas (nomeadamente, casos de Como já referido, o BIG foi concebido de modo a
desinsuflação espontânea e oclusão intestinal) (11). O diminuir a capacidade de reserva do estômago e a pro-
novo BIG (BioEnterics Corp., Carpinteria, Calif.), duzir uma sensação de saciedade precoce, contri-
produzido pouco tempo mais tarde, revelou, por sua buindo para a aquisição de novos hábitos alimentares.
vez, um bom perfil de segurança e tolerabilidade (12), São considerados elegíveis para este tratamento ape-
sendo constituído por um material inerte de silicone, nas os doentes motivados, em que a terapêutica con-
não tóxico, não irritativo, com indicação para perma- servadora (dieta, terapêutica comportamental e far-
nência na cavidade gástrica de 4 a 6 meses. O Serviço macoterapia) mantida durante pelo menos 6 meses foi
de Gastrenterologia do Hospital de Egas Moniz foi ineficaz (14). O BIG constitui uma opção terapêutica
pioneiro em Portugal no tratamento da obesidade com particularmente atractiva no grupo de doentes resis-
o BIG. Desde o primeiro tratamento realizado em tentes ao tratamento conservador, que não preenchem
Outubro de 2000, o número destes procedimentos os critérios do NIH para cirurgia bariátrica (15). Doldi
continua a aumentar. Actualmente, o BIG continua a et al (16), considera que os grupos de doentes que mais
constituir a única terapêutica endoscópica da obesi- beneficiam deste tratamento são:
dade disponível na nossa prática clínica diária. 1. Obesos mórbidos (IMC>40 Kg/m2) e super-obe-
Só mais recentemente, a dimensão da terapêutica sos (IMC>50 Kg/m2) na preparação para cirurgia
endoscópica da obesidade foi alargada, surgindo o con- bariátrica;
ceito de cirurgia bariátrica endoluminal e transgástrica 2. Obesos com IMC 35-40 Kg/m2 (classe II), na
(9). Por um lado, a cirurgia endoluminal é definida pela presença de pelo menos uma doença associada à
realização de procedimentos cirúrgicos inteiramente obesidade;
no lúmen gastrointestinal, usando a endoscopia flexí- 3. Obesos com IMC 30-35 Kg/m2 (classe I), na pre-
vel. Por outro lado, a cirurgia transluminal (ou trans- sença de comorbilidade grave associada (ex:
gástrica), engloba procedimentos dentro da cavidade doença médica não controlada, doença coroná-
peritoneal, com acesso a partir da cavidade gástrica. A ria, ou pelo menos duas doenças associadas à obe-
cirurgia bariátrica transgástrica integra-se colectiva- sidade).
mente na “Natural Orifice Transluminal Endoscopic A colocação do BIG é habitualmente realizada sob
Surgery” (NOTES) (13). A utilidade de novos equipa- sedação profunda, com monitorização cardíaca e oxi-
mentos cirúrgicos endoluminais está actualmente a ser metria de pulso. O balão deve ser colocado no fundo
analisada em estudos pré-clínicos e clínicos, incluindo gástrico, sob controlo endoscópico, e preenchido com
a revisão de cirurgias bariátricas prévias, e como poten- uma solução de 400-800ml de soro fisiológico (ajus-
ciais procedimentos primários para a redução de peso. tado à cavidade gástrica de cada doente) e 10ml de azul
Se a segurança e eficácia destes novos procedimentos de metileno (Figura 1). Após o procedimento, deve ser
bariátricos for comprovada, surgirá na prática clínica instituída terapêutica com inibidor da secreção ácida
uma nova dimensão de cirurgia minimamente inva- gástrica, anti-emético e anti-espasmódico, com neces-
siva. sidade de um período de vigilância hospitalar de ape-
De seguida, é feita uma breve revisão da terapêutica nas duas horas (17). A extracção do BIG é igualmente
endoscópica endoluminal da obesidade mais difundida realizada sob sedação e controlo endoscópico (Figuras
na prática clínica: o balão intra-gástrico, apresentando- 2 A, B e C), em regime de ambulatório (17).

A obesidade do ponto de vista do gastrenterologista


53
3 dos estudos publicados mais relevantes. Nas referidas
séries, o objectivo definido pela OMS em termos de
redução ponderal e melhoria das principais comorbi-
lidades (7) foi atingido na maioria dos doentes. Genco
et al (18), descrevem a resolução completa das princi-
pais comorbilidades encontradas (diabetes e hiperten-
são) em 44,3% dos doentes tratados.
A eficácia a longo-prazo (após a remoção do BIG) é
mais polémica, tendo sido demonstrada por um
número limitado de estudos prospectivos em centros
experientes (14, 20) e sendo questionada por alguns
autores (24). Os resultados a longo-prazo (ao fim de 2
Figura 1. Fotografia endoscópica: colocação do BIG (endoscópio em anos do inicio do tratamento) indicam que 55% dos
inversão). Balão intra-gástrico adequadamente colocado no fundo gás- doentes conseguem manter pelo menos 10% da redu-
trico (preenchido com soro fisiológico e azul-de-metileno).
ção do peso inicial (14), cumprindo assim o endpoint do
tratamento definido pela OMS (7). Falta analisar pros-
pectivamente quais os grupos de doentes que mais
O bom perfil de segurança e tolerabilidade do BIG beneficiam a longo-prazo deste tratamento, de forma
sugerido nos estudos clínicos iniciais (12) foi confir- a predefinir critérios de selecção.
mado posteriormente em diversos estudos retrospecti-
vos de grande dimensão (16, 18, 19) e em estudos pros- II. Cirurgia bariátrica endoluminal e transgástrica
pectivos (14, 20). A taxa de sucesso técnico descrita nos De um ponto de vista técnico, podemos então divi-
procedimentos de colocação/extracção do BIG é > dir a endoterapia bariátrica em 2 grandes grupos: a
99,0% (16, 18, 19). Na maior série retrospectiva descrita cirurgia endoluminal e a transluminal (transgástrica),
na literatura (18), Genco et al descrevem uma taxa glo- esta última ainda em fase experimental em animais. A
bal de complicações do tratamento < 3,0%, sendo a cirurgia bariátrica endoluminal baseia-se em diferentes
complicação mais frequente a esofagite de refluxo (em métodos com o objectivo comum de reduzir o aporte
1,3% dos casos). As duas complicações descritas mais calórico através do tracto gastrointestinal. As inter-
temíveis do tratamento, a perfuração gástrica e a obs- venções endoscópicas nesta área são divididas em 4
trução gastrointestinal são descritas em 0,2 e 0,8% dos grupos: 1. técnicas de sutura endoscópica; 2. colocação
casos, respectivamente, sendo a taxa de mortalidade de próteses endoluminais; 3. técnicas de ablação teci-
inferior a 0,1% (18). As queixas de náuseas e vómitos dual; 4. técnicas de estimulação eléctrica (9).
são frequentes durante a primeira semana de trata-
mento, ocorrendo em 66 a 90% dos casos (20, 21). No 1. Técnicas de sutura endoscópica
entanto, os casos de intolerância ao tratamento exi- Swain et al (25), iniciaram em 1986 trabalhos pio-
gindo a sua interrupção precoce são pouco frequentes, neiros no desenvolvimento de aparelhos de sutura que
afectando apenas 4,3 a 8,5% dos doentes (16, 19, 20, 21). pudessem ser aplicados por via endoscópica. O pri-
A eficácia a curto-prazo deste tratamento (durante meiro equipamento de sutura endoscópica disponível
o período de permanência do BIG) foi já demonstrada no mercado, o Endo-Cinch®, foi inicialmente conce-
em vários estudos europeus retrospectivos (16, 18, 19, 22) bido para o tratamento da doença de refluxo gastro-
e prospectivos (14, 20, 23). O quadro 1 resume as prin- esofágico (DRGE). Para além do Endo-Cinch®, foram
cipais características demográficas e os resultados obti- recentemente disponibilizados no mercado dois dis-
dos durante o tratamento com BIG (a curto-prazo) em positivos adicionais, o Plicator® e o aparelho de sutura

Miguel Côrte-Real da S. Bispo, Pedro Miguel B. Fernandes Barreiro, Tiago dos Santos N. Bana e Costa, Leopoldo Maria L.s Cunha Matos
54
da Wilson-CookTM. Os resultados promissores deste
tipo de tratamento na DRGE (26), criam boas expec-
tativas e a iniciativa em expandir este procedimento a
outras situações clínicas, nomeadamente na correcção
de perfurações viscerais e na terapêutica bariátrica.
À imagem dos aparelhos de sutura, estão também a
ser criados e aperfeiçoados agrafadores endoscópicos,
actualmente representados pelo SurgASSIST®.
Fogel et al (27), relataram o único estudo clínico de
sutura endoluminal como tratamento primário da
obesidade. Neste estudo, 10 doentes com IMC médio
A
de 39Kg/m2, foram submetidos a gastroplastia endos-
cópica, utilizando o sistema de sutura Endo-Cinch®.
Foram colocadas aplicações ao longo da pequena cur-
vatura gástrica, com sucesso técnico na totalidade dos
casos. O tempo médio da intervenção foi de 60 a 90
minutos, sem registo de complicações. Registou-se
uma perda ponderal rápida, variando entre 15 e 45
Kg, num período total de 9 meses. Este estudo pers-
pectiva o desenvolvimento da gastroplastia endoscó-
pica como uma alternativa no tratamento primário da
obesidade a curto-prazo.

2. Colocação de próteses endoluminais B

Várias têm sido as próteses desenvolvidas na tera-


pêutica bariátrica, com diferentes características e for-
mas de actuação. Existem 2 grandes grupos: os dispo-
sitivos intragástricos, que têm por objectivo ocupar
espaço no lúmen gástrico; e os dispositivos que dimi-
nuem a absorção intestinal (6).
Para além do já conhecido BIG, novos dispositivos
têm sido desenvolvidos nesta área. Actualmente, já em
estudos clínicos, encontra-se o Butterfly (28). Este dis-
positivo de polietileno foi concebido para colocação
endoscópica no lúmen gástrico, sem necessitar de ser
insuflado ou moldado. A sua eficácia na terapêutica da
obesidade ainda é desconhecida.
Encontram-se também em investigação próteses C
endoentéricas (consistindo em tubos ou stents coloca-
dos por via endoscópica no duodeno e jejuno proxi-
mal), com o objectivo de criar um bypass à absorção Figura 2 – A, B e C. Fotografias endoscópicas: remoção do BIG.
Punção guiada por endoscopia e aspiração do conteúdo do balão intra-
intestinal. A companhia GIDinamicsTM está a desen-
gástrico (Figuras 2A e 2B), até desinsuflação completa. O balão já
volver um tubo ultrafino de polietileno, impermeável, removido (com o auxílio de uma pinça) é observado na Figura 2C.

A obesidade do ponto de vista do gastrenterologista


55
Quadro 1. Caracterização demográfica e principais resultados obtidos durante o tratamento com BIG em 3 estudos
publicados (resultados a curto-prazo).

ligado a uma prótese metálica auto-expansível, colo- ção do seu real valor. O dispositivo eléctrico mundial-
cado no lúmen intestinal numa extensão variável de mente mais conhecido é o sistema Transcend®. Este
180 a 360cm (29). Numa série recente com 10 doen- sistema, primariamente colocado por laparotomia ou
tes (6), registou-se após 3 meses de uso da prótese, uma laparoscopia, poderá vir a ser colocado endoscopica-
redução de aproximadamente 20% do peso inicial, mente, funcionando como um pace-maker gástrico.
não se tendo objectivado complicações técnicas na O mecanismo de acção passa por colocar eléctrodos
colocação e remoção do dispositivo. endoluminais que promovem um atraso no esvazia-
mento gástrico.
3. Técnicas de ablação tecidual
As técnicas de ablação, nomeadamente a radiofre- CIRURGIA BARIÁTRICA TRANSLUMINAL
quência, têm sido usadas no tratamento endoscópico (TRANSGÁSTRICA)
da DRGE, induzindo lesão tecidual com consequente
retracção das fibras de colagénio, o que leva ao O entusiasmo em redor das emergentes técnicas
aumento do tónus da transição esófago-gástrica. transluminais tem sido grande. Vários são os trabalhos
Actualmente encontra-se disponível no mercado o sis- publicados nesta área, descrevendo inovadores dispo-
tema de radiofrequência Stretta®. Esta tecnologia está sitivos, multifacetados, e novas técnicas cirúrgicas rea-
a ser testada como terapêutica ablativa aplicada ao lizadas em animais.
antro e piloro, com o objectivo de atrasar o esvazia- Dois estudos recentes independentes apresentaram
mento gástrico, condicionando saciedade precoce (30). métodos para a realização de anastomoses gastrojeju-
A ablação tecidual com escleroterapia, foi também nais, mediante técnicas transluminais. Kantsenvoy et al
descrita por Spauling no tratamento (revisão) de dila- (32) e Park et al (33), relataram a criação de gastrojeju-
tações de estomas gastrojejunais, como complicação nostomias em porcos, acedendo à cavidade peritoneal
pós-bypass gástrico em Y-de-Roux (31). Nesta série de por via transgástrica.
20 doentes, 15 retomaram a redução ponderal poste-
riormente a esta terapêutica. DISCUSSÃO

4. Técnicas de estimulação eléctrica O excelente perfil de segurança e tolerabilidade


Tem havido bastante entusiasmo em relação à esti- demonstrado com o BIG, foi determinante para a
mulação eléctrica e dispositivos de enervação do estô- rápida expansão europeia da terapêutica endoscópica
mago para fins bariátricos, aguardando-se a confirma- da obesidade que se registou na última década. Apesar

Miguel Côrte-Real da S. Bispo, Pedro Miguel B. Fernandes Barreiro, Tiago dos Santos N. Bana e Costa, Leopoldo Maria L.s Cunha Matos
56
da perda ponderal atingida com este tratamento ser vez menos invasivos, perspectivam a rápida emergência
substancialmente inferior à documentada com a cirur- da cirurgia bariátrica endoscópica (9). Os resultados de
gia bariátrica (1, 24, 34), cumpre os objectivos terapêuti- ensaios clínicos actualmente a decorrer irão conduzir a
cos definidos pela OMS (7) na maioria dos doentes, o evolução destas tecnologias e responder a questões
que se traduz pela melhoria das principais comorbili- como a eficácia relativa, durabilidade e segurança des-
dades registadas (14, 16, 17, 18, 19, 20, 21). A longo-prazo, tes procedimentos. Perspectiva-se que as primeiras indi-
a eficácia do BIG não é consensual, pelo que não é cações a surgir serão na utilização de técnicas endolu-
incluído nas recomendações internacionais do trata- minais como ponte para a cirurgia bariátrica conven-
mento da obesidade (1). Dois importantes estudos pros- cional e na reparação de complicações pós-cirúrgicas,
pectivos recentes (14, 20), sugeriram que uma proporção sendo os dados preliminares encorajadores (27).
da perda ponderal atingida durante a permanência do A expectativa do papel que as técnicas cirúrgicas
BIG é durável até aos 24 meses, considerando que o endoluminais possam vir a ocupar na medicina bariá-
sucesso clínico do BIG é extensível a longo-prazo. A trica é muito grande. Espera-se que estes procedimen-
eficácia clínica comprovada da cirurgia bariátrica, que tos reduzam ou eliminem muitos dos riscos associados
é actualmente considerada a terapêutica gold-standard à cirurgia bariátrica convencional, criando o conceito
da obesidade mórbida (15), é, por sua vez, contrabalan- de cirurgia bariátrica de ambulatório (38). Pensa-se
çada pelo receio dos doentes dum procedimento mais ainda que possam vir a alargar o grupo de potenciais
invasivo, e pela evidência do número não desprezível candidatos cirúrgicos, englobando graus de obesidade
de complicações precoces e tardias já documentadas (1, menos severos (9).
2, 3, 4, 35). Alguns autores (36, 37) consideram que o BIG Coloca-se a importante questão de quem irá realizar
“pré-cirúrgico” (como “ponte” para a cirurgia bariá- os procedimentos bariátricos endoluminais. Apesar des-
trica), para além de possibilitar uma redução do risco tes procedimentos serem actualmente realizados prima-
anestésico e de complicações intra e pós-operatórias, riamente por gastrenterologistas, o papel dos cirurgiões
permite seleccionar os doentes que mais beneficiam neste campo tem sido encorajado (38). Esse papel será
com um procedimento cirúrgico restritivo (como a particularmente relevante com o desenvolvimento da
banda ou o bypass), devendo os doentes “resistentes” ao cirurgia transgástrica (NOTES). Dada a especificidade
BIG ser submetidos a um procedimento que induza destes procedimentos e as exigências técnicas destes
mal-absorção. equipamentos, poderá mesmo vir a surgir uma especia-
A realidade actual da terapêutica endoscópica da lidade híbrida única (9). É fundamental um trabalho
obesidade ultrapassa o BIG e entra num novo estadio conjunto da Gastrenterologia e da Cirurgia Geral, den-
de desenvolvimento. A evolução da tecnologia endos- tro de uma estrutura multidisciplinar, para uma har-
cópica e a exigência de procedimentos cirúrgicos cada moniosa evolução da endoterapia bariátrica.

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A obesidade do ponto de vista do gastrenterologista


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Correspondência:
LEOPOLDO MATOS
Serviço de Gastrenterologia
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. – Hospital de Egas Moniz
Rua da Junqueira, 126 – 1349-019 Lisboa
Telefone: 917 222 578
leopoldomatos@hegasmoniz.min-saude.pt

Miguel Côrte-Real da S. Bispo, Pedro Miguel B. Fernandes Barreiro, Tiago dos Santos N. Bana e Costa, Leopoldo Maria L.s Cunha Matos
58
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Tratamento da obesidade mórbida


com banda gástrica
António Sérgio
Hospital do Carmo, Porto

INTRODUÇÃO incluindo emprego, mobilidade e actividades familia-


res (2)
A obesidade é um verdadeiro problema de saúde A aplicação na última década das técnicas laparoscó-
pública, já considerada a epidemia do século XXI, cuja picas a todas as áreas da cirurgia geral tem-se intensifi-
prevalência tem vindo a aumentar em todos os grupos cado e a cirurgia bariátrica não é excepção, aliás citando
etários, duplicando em cada década; a grande respon- Henry Buchwald “ provavelmente a maior inovação na
sável pelo crescimento da prevalência da diabetes tipo cirurgia bariátrica é a revolução laparoscópica” (3). É
II e associada a muitas outras patologias, actualmente cada vez mais aceite que a cirurgia laparoscópica, na
a maior forma de má-nutrição, razão pela qual não obesidade, deve ser o método de eleição (4) para realizar
deve nunca deixar de ser tratada. cirurgias que levem a perda de peso, desde que os prin-
O grau de obesidade mede-se através do Índice de cípios da cirurgia bariátrica sejam mantidos e sejam rea-
Massa Corporal (IMC), obtendo-se assim a gradação lizadas com toda a segurança; beneficiando o paciente
da mesma consoante os seus índices de gravidade das conhecidas vantagens da cirurgia laparoscópica:
recuperação e mobilização precoce com menos dor, con-
IMC > 18 < 25 Kgs/m2 Normal sequente melhoria da função respiratória e cicatricial e
IMC > 25 < 30 Kgs/m2 Excesso de peso diminuição do risco de infecção.
IMC > 30 < 35 Kgs/m2 Obesidade moderada (grau I) Introduzidas em 1978 por Lawrence H. Wilkinson,
IMC < 35 < 40 Kgs/m2 Obesidade grave (grau II) utilizando uma rede de Marlex à volta da parte alta do
IMC > 40 Kgs/m2 Obesidade mórbida (grau III) estômago, realizando bolsas gástricas com volume entre
25 e 50 mls sem secção do estômago e desde então
A cirurgia bariátrica é actualmente o único trata- amplamente utilizadas, em particular na década
mento efectivo para doentes que sofram de obesidade seguinte por Molina que, embora nunca tivesse publi-
mórbida, diminuindo os custos e aumentando inclu- cado o seu trabalho, foi o grupo que mais bandas não
sive a sobrevida destes doentes (1). ajustáveis por via clássica realizou em todo o Mundo
O tratamento cirúrgico da obesidade está indicado como nos explica Oria que teve a oportunidade de tra-
em doentes que possuam 45 kgs acima do peso ideal, balhar com Molina, na revisão por si feita (5). Foi no
ou um IMC igual ou superior a 40 kg/m2, um IMC entanto, com o aparecimento das bandas de volume
entre 35 e 40 kg/m2 desde que possuam pelo menos ajustável no fim da década de 80 e inicio de 90 desen-
duas comorbilidades de alto risco (apneia sono, dia- volvidas por Kuzmak e Peter Forsel (6, 7) que estas se tor-
betes, hipertensão, etc.) ou problemas fisicos major naram o método preferencial no tratamento desta pato-
que afectem adversamente o seu estilo de vida, logia, em particular na Europa, Austrália, alguns Países

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


59
da América Latina e a partir de Junho 2001 nos Estados equipe de suporte com o intuito de trabalhar esta ver-
Unidos da América com aprovação da Lap-band pela tente da doença, tornando o doente o mais participativo
FDA. A simplicidade do processo, a baixa morbimor- possível, corresponsabilizando-o nos resultados, através
talidade, a inexistência de invasão de um órgão oco do conhecimento completo da cirurgia e uma partici-
(estômago) e, particularmente a sua completa reversibi- pação activa no processo de emagrecimento, única
lidade, fizeram da banda gástrica a técnica cirurgica mais forma de obter um bom resultado a longo prazo, pois
inóqua para o controle da obesidade severa. como Van Houf et al (11) comenta, “a cirurgia bariátrica
Na última reunião de consenso na ASBS em 2004 é uma modificação comportamental forçada”.
sobre as indicações para a utilização de banda gástrica
ficou definido (8):
• Apropriação dos critérios de NIH PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
• Há evidência clara para suportar a segurança e efi-
cácia da utilização da banda gástrica ajustável em Devido à complexidade da doença na sua génese e
se tornar uma intervenção primária para doentes evolução, que assume características de doença crónica,
bariátricos em centros apropriados, com follow up o tratamento cirúrgico deve ser encarado de uma forma
a longo prazo global, não como curativo da doença, mas como a
• Neste momento há pouca evidência que qualquer melhor ferramenta disponivel para ajudar a controlá-
grupo de doentes específico responda melhor a la em particular este tipo de cirurgia restritiva. Assim, a
outro tipo de cirurgia de obesidade todos os doentes eleitos para cirurgia e, atenção devem
• Necessidade de cuidados a longo prazo pela cro- ser considerados somente aqueles que possuam risco
nicidade da doença operatório aceitável sem contraindicações, como abuso
de álcool e drogas, psicose intratável ou falência major
de qualquer órgão ou sistema, deve ser proporcionado
AVALIAÇÃO E PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA um conhecimento completo do acto cirúrgico e pro-
cesso terapêutico a que vão submeter-se. É fundamen-
Nos últimos anos a cirurgia emergiu como o trata- tal que o paciente tome conhecimento do mecanismo
mento mais eficaz dos doentes com obesidade mórbida de funcionamento da cirurgia. A cirurgia pode falhar e
(9). No entanto, com o aumento do número de doentes esta possibilidade será tanto maior quanto menor for a
operados, constatou-se que a cirurgia só por si, embora cooperação constante entre ambas as partes, paciente e
ocupasse o papel fundamental no tratamento desta equipe multidisciplinar. É fundamental que o paciente
patologia, pelas características muito próprias da tenha consciência que os seus hábitos alimentares irão
doença, não era suficiente para a sua resolução, atri- imperiosamente modificar-se e que o seu comporta-
buindo-se cada vez mais importância à multidisciplina- mento é peça fundamental para os resultados que pro-
ridade da equipa de cirurgia bariatrica, no sentido de cura. Desde 1999 que funcionamos com grupos de
melhorar os resultados obtidos através do esclareci- suporte realizando reuniões mensais para os pré opera-
mento e co-responsabilização do paciente no processo tórios e semanais para os pós-operatórios.
terapêutico (10). Se este facto é importante em todas as Verificamos que após institucionalização destes
cirurgias, na cirurgia com colocação de banda gástrica actos na sequência do início de uma equipe multidis-
torna-se um instrumento fundamental para o sucesso, ciplinar no tratamento da doença os nossos resultados
porque ao contrário das outras cirurgias só tem uma melhoraram, não só periodo no pré-operatório (Qua-
característica – restrição e, a maior parte dos pacientes dro 1) mas também pós-operatóriamente (Quadro 2).
apresentam maus hábitos alimentares que a cirurgia por Durante a preparação, além do esclarecimento dos
si só não resolve. É necessário o apoio de uma óptima riscos que o acto cirúrgico por si só comporta, são

António Sérgio
60
• Tromboembolismo pulmonar (12,13)
• Hiperglicemia pós operatória
• Infecção

TÉCNICA CIRÚRGICA

Houve desde o inicio uma grande variabilidade nas


técnicas cirúrgicas utilizadas.
A 1ª inserção de banda gástrica via laparoscópica é
atribuída a Cadiére (14) no ano de 1993. Várias modi-
Quadro 1 – Evolução IMC com e sem reuniões
ficações se deram na técnica durante estes anos e várias
técnicas descritas como R. Weiner (15), Fielding (16) e
Belachew (17). O maior impacto obteve-se quando se
passou da técnica de inserção perigástrica para a técnica
via pars flácida. Com este tipo de colocação o número
de complicações diminuiu (18). Segundo a nossa expe-
riência os casos colocados por via perigástrica possuem
um maior número de dilatações e slippages (16,6%
para2,2% e 10% para 2 % respectivamente).
Actualmente a técnica base instituida para se con-
seguir uma correcta colocação de uma banda gástrica
incide em três princípios fundamentais:
1. Criação de uma abertura junto ao ângulo de His
minimizando o trauma gástrico (Fig. 1)
Quadro 2 – Evolução do peso com e sem reuniões 2. Criação de um túnel retrogástrico logo abaixo da
junção esofagogástrica e assegurando-se que este
fica acima da “bursa omentalis” (Fig. 2)
valorizadas e esclarecidas a forma de prevenir pelo 3. Confecção de um túnel anterior livre de tensão,
menos três situações que podem por em perigo a vida sem apertar o estômago sobre qualquer área da
do paciente, não só no acto operatório, mas também banda, minimizando assim o aparecimento de
pós operatorio: erosão gástrica (Fig. 3)

Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3

Tratamento da obesidade mórbida com banda gástrica


61
particular osteoarticulares, no entanto é fundamental
que o paciente se envolva em algum programa de acti-
vidade fisica regular, pois ajuda não só a manter a
massa magra mas também um balanço proteico posi-
tivo (21).
Um dos problemas que pode ocorrer neste período
é a obstipação assim, no sentido de minimizar esta
ocorrência os doentes são instruídos a ingerirem o
maior volume de líquidos e quantidade de fibras pos-
sível e, se mesmo assim não se consegue obter um
movimento cólico diário adequado, iniciamos a admi-
Fig. 5: 1 – trocar subxifoideu afastador fígado; 2 – trocar nistração de lactulose e por vezes macrogol associado
mediano - óptica; 3 – trocar linha mamilar esqdª; 4 – tro-
car mão esqdª cirurgião; 5 – trocar do ajudante (+ esqdª)
(movicol).
Como a restrição é o ponto chave desta cirurgia e
para evitar que hajam falhas de macro e micronu-
trientes, temos notado que os nossos doentes apresen-
A mortalidade desta cirurgia é muito baixa, varia tam um défice (22) por vezes de ferro, vit B1 e B12,
entre 0 e 0,5% (19,20) nas grandes séries. Em 1300 zinco e vit. C, são instruídos nesse sentido e são admi-
doentes operados temos a registar um óbito (0.08%) nistrados suplementos vitamínicos em particular sob a
em doente que fez uma aspiração de vómito no pós- forma de líquidos e com as quantidades adequadas
operatório e veio a falecer 31 dias mais tarde. destes nutrientes ao consumo diário. O ferro merece-
nos uma atenção especial, em particular nas mulheres
em idade fértil porque de facto a ingestão é muito
CUIDADOS E ORIENTAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS baixa e podem ter perdas aumentadas.
Às 4 semanas de pós-operatório os doentes recor-
Sempre que um paciente é operado vários são os rem à consulta para se fazer a primeira injecção de soro
problemas que posteriormente se levantam, mas o fisiológico na banda (a quantidade depende do tipo de
doente deve já ser portador de informação suficiente banda introduzida), e alterar o tipo de alimentação,
proveniente de toda a preparação fornecida previa- iniciando agora dieta mole por um período de 4-5
mente. dias. Posteriormente a alimentação será a mais variada
Os doentes têm alta nas primeiras 24 horas pós-ope- possível, reforçando as orientações préviamente forne-
ratórias, cuidados de higiene e vigilância visando a pre- cidas relativamente à forma de ingestão/mastigação,
venção e despiste percoce de infecção, em particular pois o sucesso da cirurgia pode ser conseguido e mui-
do port, que está mais na dependência do paciente. tas das complicações podem ser evitadas se as duas
Orientação para a ingestão de alimentos liquidos nas principais regras forem obedecidas: mastigar bem os
primeiras 4 semanas, que não deve ser hipercalórica, alimentos e engolir devagar. A não ocorrência de vómi-
caso contrário o paciente tem mais dificuldade em per- tos permite uma maior diversidade nos alimentos que
der peso. Normalmente ao 4º-5º dia, o paciente pode poderão ingerir, aumenta a confiança e permite uma
iniciar a sua actividade profissional sem qualquer limi- perda de peso mais eficaz.
tação (desde que esta não envolva esforços fisicos vio- Durante o primeiro ano normalmente serão neces-
lentos) e é aconselhado a iniciar exercício numa base sários em média 3 a 4 ajustes por paciente, após o que
regular ao fim de 3 semanas. A actividade fisica nunca é muito raro haver necessidade de novos ajustes,
deve ser violenta, podendo acarretar graves mazelas em embora em alguns doentes a banda sofra uma perda

António Sérgio
62
ligeira de liquido, em torno de 10% ano e haja neces- remover a banda, o terceiro por opção do doente ficou
sidade de repicar 1 a 2 vezes para manter o peso. internado com fluidoterapia e ao fim do 8º dia os sin-
tomas desapareceram.
O problema major no pós-operatório imediato é a
COMPLICAÇÕES E RESULTADOS infecção (25).

As complicações devemos dividi-las em 2 tipos dife-


rentes: COMPLICAÇÕES A MÉDIO E LONGO PRAZO
• Pós-operatórias imediatas e a curto prazo (30 dias)
• Tardias As queixas mais comuns nos doentes submetidos a
colocação de banda gástrica ajustável são as náusea,
vómitos e refluxo gastroesofágico. Se as náuseas e os
COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS IMEDIATAS E A vómitos normalmente aparecem após as primeiras
CURTO PRAZO: insuflações do balão da banda gástrica, havendo por
vezes necessidade de desinsuflar um pouco a banda, o
As complicações imediatas incorporam as intraope- refluxo gastroesofágico aparece por norma tardiamente
ratórias que podem, como em todas as cirurgias do à cirurgia, normalmente após o primeiro ano e, é
andar superior do abdómen englobar lesões esplénicas devido à dificuldade de esvaziamento esofágico que a
que podem obrigar a esplenectomia, lacerações hepá- banda à volta do estômago promove.
ticas, lesões da veia cava e da aorta abdominal. As mais
frequentes são as lesões de perfuração de víscera oca
(19), que podem ser quer do esófago, quer do estô-
mago, obrigando à sua reparação imediata ou de outro
modo coloca em risco a vida do doente. Nos 1298
doentes operados entre 15/11/1996 e 15/11/2006
documentamos 3 perfurações gástricas.
A disfagia e os vómitos são intercorrências que
podem verificar-se no pós operatorio imediato. Se os
vómitos se resolvem a maior parte das vezes com anti-
eméticos (embora muito raramente possa provocar um
deslizamento por rotura dos pontos gastro-gástricos do
túnel anterior) a disfagia não (23,24) porque pode ser
provocada por interposição de tecido, ou por edema
pós-operatório pelo facto de o diâmetro da banda ser Fig. 7
pequeno para a quantidade de tecido que envolve. Esta
complicação é mais frequente após a utilização da via
“pars flácida”. Quando esta situação acontece pode De notar que este refluxo (regurgitação) é predomi-
resolver-se de duas formas: aguardando em média 8 a nantemente nocturno, acordando o doente por vezes
10 dias (resolução do edema), reoperando para des- pela tosse que provoca, sendo causa frequente de pneu-
truição da gordura do “fat pad” interposta. A nossa monias. Revela-se infrutifero nestes casos combater o
experiência envolve três casos (0,23%) com disfagia refluxo com inibidores da bomba de protões ou pro-
imediatamente a seguir à cirurgia, dois deles foram pulsores esofagogástricos pois não resolvem o pro-
reoperados e destruída a gordura do “fat pad”, sem se blema, dado que o mecanismo esfincteriano esofágico

Tratamento da obesidade mórbida com banda gástrica


63
Fig. 8 Fig. 9

inferior é destruído, ocorrendo dilatação esofágica, cada novamente, mais superiormente, ou optar por
sendo necessário aliviar a pressão exercida pela banda outra atitude cirúrgica.
sobre a parede gástrica, permitindo assim um melhor Outra complicação que pode desenvolver-se e que
esvaziamento gástrico (Fig. 7). pode estar directamente relacionada com crises hemé-
Por vezes esta sintomatologia de regurgitação noc- ticas graves é o deslizamento do estômago através da
turna não é mais do que um sinal de inadaptação do banda ou slippage (27), provocando sintomas de obs-
doente à banda gástrica, que insiste em comer e beber trução e dor epigástrica, que pode ser provocada
inusitadamente, ocasionando vómitos e forçando a somente pela distensão gástrica ou por necrose da
bolsa de forma repetida, provocando consequente- parede. Na nossa experiência, ocorreu em 1,5% dos
mente a dilatação da bolsa gástrica (26) que obriga mui- 1298 doentes. É uma verdadeira urgência cirúrgica,
tas vezes a reintervenção cirúrgica (27,28) para recolo- pelo risco de necrose do estômago e consequências que
cação da banda (Figs. 8, 9). daí possam advir (Figs.10, 11).
A percentagem de dilatação de bolsa gastrica com A complicação provavelmente mais grave é a erosão
necessidade de recurso a cirurgia para recolocação da provocada pela banda através da parede para o lúmen
banda é de 2,2% nos 1298 doentes operados. É de ter gastrico (29,30,31). Pensa-se que as duas principais
em conta que sempre que exista dilatação da bolsa gas- razões para que tal aconteça são a banda se encontrar
trica, a banda deve ser removida do seu leito e recolo- demasiado apertada ou infecções que possam aconte-

Fig. 10 Fig. 11 Fig. 12

António Sérgio
64
cer e passar despercebidas, provocando a erosão trico, ao contrário de outros autores (30) somos da
(Fig.12). opinião que a remoção da banda e a execução de nova
Normalmente esta complicação não se manifesta técnica cirurgica devem ser realizados em tempos dis-
por peritonite ou abcesso intraabdominal, podendo se tintos.
manifestar por um abcesso da parede abdominal Outro dos problemas major verificado, está também
(infecção do port), aumento de peso e por hemorra- relacionado com a estabilidade do material protésico
gia digestiva alta por erosão de um vaso sanguíneo. (32,33) utilizado e a sua longevidade, a banda aparece ao
Nos primeiros 1298 doentes operados verificamos 20 final de algum tempo danificada (rompe-se), tendo
migrações (1,5%), estas migrações apareceram na sua várias sido já removidas devido a este problema (Fig.
maioria entre os 12 e os 24 meses de pós-operatório, 13,14).
no entanto, as 4 últimas migrações sucederam em Este acontecimento, que se verificou em 2,37% dos
doentes portadores de banda gástrica há 8 anos, sem doentes, provoca um extravasamento do líquido con-
manifestação clinica prévia. tido no balão da banda, diminuindo a sensação de
O tratamento passa pela remoção da banda e pos- saciedade e consequente aumento de peso, sem outras
terior realização de outra cirurgia ou colocação de nova queixas. Como acontece com a migração também a
banda. Das 20 migrações intra-gastricas referidas, 4 rotura da banda é mais frequente em tipos de banda
dos pacientes colocaram nova banda, optando os específicos (A. Sérgio – comunicação Tóquio X Con-
outros por outra técnica cirurgica como bypass gas- gresso Mundial IFSO).

Fig. 13 Fig. 14

Tratamento da obesidade mórbida com banda gástrica


65
A perda de peso pode ser expressa em percentagem aumenta de peso, isto é justificado pela possibilidade
do excesso de peso perdido (% EPP), ou em percenta- que o sistema tem, de com o tempo perder uma
gem da perda de Índice de Massa Corporal, no pequena percentagem de liquido contido no balão
entanto neste capítulo optamos por exprimir a perda (purosidade) diminuindo a sensação de saciedade, após
de peso em % EPP (34,35,36). a sua reposição desaparece a sensação de fome e o peso
A % de EPP varia muito de acordo com os autores mantém-se estável.
e, na cirurgia com banda gástrica há uma dificuldade Os bons resultados não se medem somente pela
muito grande, ao contrário da derivação biliopancreá- perda de peso, isto seria o menos importante se, esta
tica ou mesmo bypass gástrico, em obtermos resulta- perda de peso não estivesse associada à melhoria das
dos em séries longas e com muitos anos de evolução. comorbilidades (37,38) e, é esta melhoria e por vezes
O perfil da perda de peso nos doentes com banda mesmo a resolução de parte das doenças associadas
gástrica é um pouco diferente do que acontece com o com esta doença que inferem de um bom resultado,
bypass gástrico. Normalmente o doente perde peso de tabela 1. Na mesma população de 1298 doentes estu-
uma forma mais lenta, em média 45 a 50% do excesso dada 660 (60%) tinham patologia associada e, parte
de peso no primeiro ano, para se tornar ainda mais deles mais do que uma doença:
lento posteriormente. O emagrecimento implica ajus- • 60% Dos doentes tinham osteoartropatia
tes regulares da banda, de forma a promover uma • 40% Hipertensão arterial
saciedade precoce. A perda de peso máxima estabelece- • 24% Diabetes tipo II
se por volta do 3º, 4º ano (quadro 3), para se manter • 30% Roncopatia
a partir de então. • 14% Apneia de sono
O gráfico corrobora estes dados e caracteriza uma • 6% Hérnia hiato
população obesa estudada de 1298 doentes, operada • 8% Refluxo gastroesofágico com hérnia hiato
• 6% Litiase vesicular

Comorbilidades Nº de doentes Sem doença Melhorados Sem alteração


Osteoartropatia 360 210 150
Hipertensão 240 138 102
Diabetes tipo I 144 95 49
Apneia sono 84 50 34
Roncopatia 180 110 70

Quadro 3 – Evolução peso, % EPP e IMC - 10 anos


(A. Sérgio comunicação) DISCUSSÃO

entre Novembro de 1996 e Novembro de 2006, com Na evolução dos processos cirúrgicos desde a década
um IMC médio de 47 kg/m2, para um mínimo de 33 de 50, a banda gástrica ajustável foi indiscutivelmente
kg/m2 e máximo de 77,3 kg/m2, um peso médio de o último processo com carácter restritivo e eficácia no
121 kgs para um mínimo de 86 kgs e máximo de 242 tratamento da obesidade a fazer parte do armamentá-
kgs. rio nesta luta constante contra a epidemia deste século.
A estabilidade do peso é conseguida pelo facto de O manter a inviolabilidade gástrica, a ajustabilidade
existir sempre a possibilidade de reajustar a banda com do estoma criado, a sua reconversão fácil sempre que
pequenas quantidades de liquido, quando o paciente necessário, pareciam tornar este acto cirúrgico a cirur-

António Sérgio
66
gia de eleição para o tratamento da obesidade mas, a tensão, que juntamente com a melhoria da dislipidé-
colocação de material protésico cuja longevidade e mia reduz francamente o risco de desenvolvimento de
estabilidade é desconhecida, o tratarmos com doentes doenças cardiovasculares, melhoria de todas as condi-
que têm características muito próprias (11), a necessi- ções agravadas pela obesidade como incontinência uri-
dade de grupos de suporte e a falta de trabalhos com nária de esforço, apneia de sono, melhorando a ferti-
follow up mais longo, embora não inviabilizem o lidade da mulher com gravidezes de menor risco.
método, desencadeiam ainda alguma desconfiança no A qualidade de vida melhora francamente, com
meio médico. aumento da autoestima, diminuição dos sintomas
No entanto, uma técnica cirúrgica bem conduzida, depressivos, fumentada não só pela melhoria da ima-
a possibilidade da sua realização em regime ambulato- gem corporal bem como pelo recuperar de actividades
rio (40), um follow up adequado (39) com um suporte por vezes hà muito perdidas.
franco ao doente (grupos de suporte), tornam a banda
gástrica ajustável, como uma solução segura e eficaz CONCLUSÃO
no tratamento da obesidade mórbida.
Segurança – a mortalidade pós-operatória é baixa, A cirurgia é a única forma de tratamento da obesi-
apontada entre 0 e 0,5%, é a mais baixa de todas as téc- dade mórbida que oferece uma solução a longo prazo
nicas cirúrgicas, assim pode-se dizer que é 1/10 da mor- do problema, promovendo não só a perda de peso,
talidade do bypass gástrico e Derivação biliopancreática mas também a melhoria das doenças que lhe estão rela-
Eficácia – Como referido anteriormente, a perda de cionadas. O tratamento da obesidade mórbida com
peso é progressiva e ocorre normalmente nos primei- banda gástrica ajustável é uma forma de cirurgia bariá-
ros 3 ou mesmo 4 anos, em particular nos superobe- trica aceitável pela sua segurança, eficácia e reversibi-
sos, com uma variabilidade grande 50-60% de perda lidade. No entanto, a sua aplicação deve ser confinada
do excesso de peso, verificamos na nossa experiencia a centros que promovam um follow up compreensivo
64% EPP aos 8 anos. para toda a vida, fazendo o doente entender que é
Uma franca redução das comorbilidades, por vezes parte integrante do tratamento, a cirurgia por si só não
com cura completa das doenças associadas acompanha traz resultados, é necessario o desenvolvimento de
esta perda de peso, com melhorias significativas nas esforços por parte da equipa, de forma a trabalhar em
condições componentes do síndrome metabólico, com conjunto com o paciente com o intuito de modificar
melhoria ou mesmo remissão numa percentagem comportamentos.
grande de diabetes tipo II (41,42,43), minorando assim A cirurgia não cura a obesidade, mas é uma arma
as suas consequências. Melhoria significativa da hiper- muito potente no seu combate.

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Surgery of Obesity

António Sérgio
68
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Bypass gástrico
Rui Ribeiro
Cirurgião Geral – Centro Hospitalar de Lisboa Central – E.P.E.
Hospital de S. José – Serviço de Cirurgia 1

A obesidade mórbida é uma doença multifactorial, res centraram-se na tentativa de reduzir o peso por
crónica, com consequências físicas, psicológicas e meio da amputação da capacidade de absorção intes-
socioeconómicas devastadoras que diminuem, de tinal criando o bypass intestinal. Mais tarde, com o
forma hoje comprovada, a expectativa e a qualidade advento do bypass gástrico percebeu-se o interesse do
de vida. componente restritivo, de tal forma que, nas décadas
Os efeitos negativos das doenças que provoca, de de 80 e 90, receberam a preferência da maioria dos
todos conhecidas, têm um efeito lento mas devastador cirurgiões. Hoje, com o bypass gástrico assumindo o
sobre o organismo. Para alguns epidemiologistas a pre- papel de operação “gold standard” e a gastroplastia
valência crescente da obesidade e suas comorbilidades tubular calibrada (“sleeve”) em ascensão, começa-se a
faz com que esta tivesse ultrapassado já o tabagismo reforçar o conceito da cirurgia endócrina.
como causa principal de mortalidade (1). De inovação em inovação, várias concepções foram
Nos E.U.A., 40% da população é obesa. Em Portugal testadas, sempre com o intuito de encontrar a opera-
temos 14% de obesos (3) e a tendência é para aumentar, ção ideal que levasse ao máximo de perda de peso com
a avaliar pelos múltiplos trabalhos que documentam o o mínimo risco e desconforto. Seguramente, o pro-
agravamento da incidência da obesidade infantil. cesso continua e ainda estamos, algures, num ponto
Por ser uma doença multifactorial, o tratamento da do percurso...
obesidade mórbida deve ter um tratamento multidis- Na cirurgia bariátrica o êxito do tratamento avalia-
ciplinar. As especialidades nucleares envolvidas, além se, normalmente, pelo emagrecimento obtido. O parâ-
da cirurgia, são a psicologia e a nutrição. Acessoria- metro que melhor transmite essa medida é a Percenta-
mente devem estar disponíveis cuidados de fisiatria, gem de Excesso de Peso Perdido (%EWL, abreviatura
pneumologia, cardiologia, endocrinologia, radiologia, do inglês % Excess Weight Loss). Mas, o parâmetro real-
gastroenterologia e cirurgia plástica e reconstrutiva. mente importante, e a ter sempre em linha de conta, é
O objectivo do tratamento é a reeducação alimentar a taxa de cura ou controle das comorbilidades.
e comportamental e, para tal, o papel da equipa é indis- Noutra vertente, a avaliação do êxito da cirurgia deve
pensável. A intervenção da cirurgia consiste despoletar ser feita também por estudos de qualidade de vida e
o processo de mudança ao mesmo tempo que facilita a estes demonstram, de forma homogénea, grande melho-
obtenção e manutenção dos resultados ambicionados. ria das pontuações. Temos pois um tratamento que con-
trola (quando não cura) doenças e dá qualidade de vida,
duas contribuições importantes para o bem-estar e,
A EVOLUÇÃO DA CIRURGIA BARIÁTRICA pode-se dizer, para a felicidade dos cidadãos.
No início dos anos 90, a implementação generalizada
O tratamento cirúrgico da obesidade começou a ser da abordagem laparoscópica, aplicada à cirurgia bariá-
conhecido na década de 50. De início os investigado- trica, permitiu reduzir substancialmente o desconforto

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


69
e, sobretudo, o risco operatório. Esta mudança foi a estudos experimentais em cães, Mason demonstrou
grande responsável pela vaga de entusiasmo que se gerou que o “bypass gástrico” tinha resultados sobreponíveis
em redor desta nova “subespecialidade”. ao seu antecessor intestinal. Algumas fragilidades
No início de 2008, a cirurgia assume-se e é reconhe- como o facto de fazer uma montagem em ansa provo-
cida como profundamente eficaz no controle da obesi- cando gastrite e esofagite alcalina, ou a tendência ulce-
dade e comorbilidades associadas. A abordagem lapa- rogénica do bypass de Mason, foram corrigidos mais
roscópica é largamente dominante mas a laparotomia tarde com a montagem em y de Roux e a redução do
clássica terá de ser sempre uma reserva “estratégica” para calibre da bolsa e, como tal, da secreção ácida (6).
casos de maior dificuldade ou complicados. As técnicas Outros autores tentaram modificações capazes de
mais populares entre os cirurgiões da actualidade são, aumentar a eficácia e segurança da técnica. Em 1977,
por ordem de complexidade de execução técnica, a Alden foi o primeiro a tentar a partição gástrica com
banda gástrica, a gastroplastia tubular calibrada vulgo agrafadores mecânicos, sem secção da parede gástrica,
“sleeve”, o bypass gástrico e a derivação bilio-pancreática para construir a bolsa gástrica (7). Passou ainda a usar
com desvio duodenal, vulgo “duodenal switch”. uma ansa de delgado antecólica. A cirurgia resultava
Segundo o resultado de um censo realizado pela mais simples e segura e os resultados eram semelhan-
IFSO e apresentado no Congresso Mundial de Cirur- tes, com menos casos de fístulas anastomóticas (8).
gia da Obesidade, em Salamanca em 2006, o bypass Mas, mais tarde, foi registada uma taxa de 2 a 15% de
gástrico era utilizado em 66% dos casos de cirurgia casos de repermeabilização da partição gástrica (9,10,11)
bariátrica a nível mundial. e a ideia foi precocemente abandonada prevalecendo o
Na Europa , a banda gástrica teve uma implementa- conceito da transsecção gástrica.
ção notável na década de noventa. Nos últimos anos Griffen, ainda em 1977, teve o mérito de introdu-
verificou-se já neste Século XXI uma tendência, nos zir a montagem em “Y de Roux” (12). Com isso,
centros mais notados, para a sua substituição pelo modernizou o bypass ao conseguir a redução do
bypass gástrico. Nos Estados Unidos da América pas- refluxo bilio-pancreático. Também o facto de, na bolsa,
sou-se um pouco o contrário. Sendo o bypass uma téc- existir apenas saliva, diminui a gravidade de uma even-
nica já dominante (70%) face a relatos iniciais de maus tual fístula. Conseguiu também, provavelmente sem o
resultados da banda gástrica nos anos noventa, verifica- calcular, abrir mais uma frente de variação da técnica
se actualmente uma tendência para o aumento do uso de bypass gástrico: a determinação do comprimento
da banda, sobretudo depois da aprovação pela FDA de óptimo a dar à ansa alimentar. Se nos primeiros anos,
todas as bandas produzidas no mercado americano. o comprimento de 75 cm foi considerado padrão, esse
valor viria a ser questionado com os trabalhos de Bro-
O BYPASS GÁSTRICO lin (13) e depois Murr (14) que demonstraram que os
casos com ansa alimentar alongada (Bypass Gástrico
Se a cirurgia bariátrica nasceu em 1954 com uma com Ansa de Roux Longa) produzem maior perda de
operação denominada “bypass intestinal”, entretanto peso embora à custa de uma maior taxa de complica-
abandonada por elevada taxa de complicações metabó- ções ligadas à absorção das proteínas e das vitaminas
licas, o seu crescimento deu-se nos anos sessenta com o lipossolúveis.
desenvolvimento do conceito do “bypass gástrico”. Verificou-se mais tarde que , na história natural da
Esta técnica foi introduzida, em 1967, por Mason gastrojejunostomia, esta sofria uma dilatação possivel-
e Ito, na Universidade de Iowa (5) a partir da observa- mente responsável alguns casos de recuperação parcial
ção de que os doentes submetidos a gastrectomia sub- do peso perdido. Tentando evitar esse fenómeno, Fobi
total por doença péptica tinham dificuldade em recu- (1986) e Capella (1990) propuseram a incorporação
perar peso perdido no decurso da sua doença. Após de um anel de “silastic” proximal ao estoma (15,16).

Rui Ribeiro
70
Fobi junta ainda uma gastrostomia circundada por comprida e à custa da pequena curvatura (menos dis-
uma placa radiopaca para permitir um eventual acesso tensível e mais próxima do Treitz). Depois faz uma anas-
endoscópico ao estômago, em caso de necessidade tomose da bolsa ao jejuno, a 200cm do ângulo de Treitz.
diagnóstica. Menos preocupado com esse aspecto, Esta versão assume-se como uma variante de bypass de
Capella desenha uma operação em que o delgado é mais fácil execução e que, embora com alguns proble-
usado como um “patch” sobre parte da linha vertical mas de reprodutibilidade, cumpre os objectivos do tra-
de agrafagem da bolsa gástrica, reduzindo o risco de tamento. Segundo este autor, numa série de 2410 casos
fistulização gastro-gástrica e conseguindo, também operados (22), os resultados são sobreponíveis aos do
algum efeito anti-refluxo. Numa ou noutra modali- bypass com montagem em Y de Roux (80% EWL) e o
dade, o bypass anelado, como também é conhecido, tempo operatório médio foi de 37,5 minutos o que diz
ficou popular entre muitos grupos como, por exem- bem do potencial interesse desta variante, pelo menos
plo, entre os cirurgiões bariátricos brasileiros. De qual- nalgumas situações de maior dificuldade técnica ou
quer forma, continua por demonstrar a superioridade numa fase inicial de prática do bypass.
dos resultados deste tipo de variante.
Em 1994, Wittgrove and Clark (17) fizeram, pela pri- AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA E SELECÇÃO
meira vez, o bypass gástrico por abordagem laparoscó- DA TÉCNICA
pica conseguindo minimizar alguns dos problemas da
técnica aberta. Na sua versão, usavam uma bolsa de 15 A selecção criteriosa dos doentes é a chave para o
a 30 ml, uma anastomose mecânica com calibre 21 mm êxito da cirurgia. A avaliação pré-operatória do candi-
e uma ansa alimentar de 75 cm. As grandes séries pro- dato a bypass faz-se de acordo com critérios disponí-
duzidas por Wittgrove mas também por Schauer (18), veis em “guide-lines” definidos por conferências de
Nguyen (19) e Higa (20) viriam a demonstrar claramente consenso das principais Sociedades ligadas ao tema. As
a equivalência de resultados face à abordagem clássica “guide-lines” da European Association of Endoscopic
aberta, bem como uma significativa diminuição do Surgery (EAES) e da American Society of Bariatric
tempo de internamento, do tempo de regresso a activi- Surgeons (ASBS) são excelentes referências mas as
dades sociais e ainda uma importante redução da mor- recomendações do National Institute of Health (23),
bilidade sobretudo no tocante a infecções da parede definidas em 1991, são ainda as mais seguidas (Qua-
abdominal, pneumonias e hérnias incisionais. dro 1).
Em 1996, Lonröth (21) descreve uma montagem em Estão contra-indicados para cirurgia bariátrica casos
que é feita primeiro a gastrojejunostomia com uma de doentes com diagnósticos de doença endócrina des-
ansa em ómega e só depois a jejunojejunostomia compensada (Hipotiroidismo e Cushing), doença psi-
(ambas com agrafador linear e encerramento manual quiátrica (excepto depressões reactivas ligeiras), doen-
do orifício resultante). Mais tarde, faz-se a secção da ças infecciosas crónicas (Hepatite B, HIV+), doenças
ansa aferente para criar um Y de Roux. Este tipo de digestivas inflamatórias crónicas (D. Crohn, Colite
montagem, com a qual iniciámos a prática do bypass ulcerosa), gravidez e casos em que não haja garantia
por laparoscopia em 2002, viria a ser fortemente divul- de o doente poder voltar regularmente ao seio da
gado em Portugal com base na colaboração e apoio do equipa no acompanhamento do pós-operatório
excelente grupo Paulista dos Drs. Almino Ramos e Estão ainda contra-indicados, segundo os critérios
Manuel Galvão Neto. À sua versão chamaram bypass N.I.H., os doentes menores de 18 e maiores de 65
simplificado e esta é, seguramente, a variante mais pra- anos. No entanto entende-se, hoje em dia, que estes
ticada em Portugal. limites podem ser ultrapassados em casos selecciona-
Rutledge, em 1997, retoma a ideia do inicial bypass dos e em que a relação risco versus benefício seja favo-
em ansa. Começa por construir uma bolsa gástrica mais rável.

Bypass gástrico
71
Quadro 1 – Sumário dos critérios de selecção de doentes grama e provas de coagulação, bioquímica e urina tipo
(1991 NIH Consensus Statement) II). Nos casos de superobesidade e em doentes com
patologia cardíaca o ecocardiograma pode ser necessá-
O paciente adulto deve:
rio bem como a prova de esforço ou a cintigrafia mio-
1 – Ter IMC acima de 40 Kg/m2
cárdica na suspeita de cardiopatia isquémica.
2 – Ter IMC entre 35 e 40 Kg/m2 com morbilidades associadas
3 – Ter uma baixa taxa de sucesso com medidas não operatórias As provas de função respiratória devem ser sempre
4 – Estar bem informado sobre os riscos e benefícios a curto e a longo prazo feitas nos maiores de 30 anos e em qualquer idade se
5 – Estar fortemente motivado para perder peso pela cirurgia há associação de patologia respiratória ou tabagismo.
6 – Ter um risco peri-operatório aceitável Nos casos com IMC > 50 ou em qualquer um em
7 – Estar disposto a manter vigilância médica a longo prazo que existam sintomas sugestivos de apneia do sono deve
ser feito estudo do sono (polissonografia) e, eventual-
mente, avaliação por pneumologista. Este pode reco-
ESTUDO PRÉ-OPERATÓRIO mendar o uso de aparelhos de suporte ventilatório noc-
turno (CIPAP). O uso destes aparelhos, só por si, pode
O estudo pré-operatório dos candidatos à técnica induzir a perda de 10% do excesso de peso, o que pode
envolve uma completa avaliação clínica e laboratorial. ser precioso no período de preparação pré-operatória.
Por ser uma doença de causa multifactorial, o seu tra- Num doente superobeso, ou com apneia do sono
tamento deve ser, desde cedo, multidisciplinar. A coor- grave, é sempre recomendável reservar uma vaga de
denação da equipa e a avaliação dos casos especiais cuidados intensivos para o pós-operatório imediato.
compete ao cirurgião bariátrico. Considera-se cirur- O envolvimento activo do pessoal de enfermagem em
gião bariátrico o que tem mais de 200 casos operados, todo o processo é tido como essencial nos centros com
faz mais de 50 cirurgias/ano e tem a capacidade de exe- grande experiência. O envolvimento precoce do doente
cutar diversas técnicas de cirurgia bariátrica. nas actividades de um grupo de suporte ligado à equipa
A avaliação complementar deve incluir observações multidisciplinar amplifica muito o impacto da cirurgia
pelos especialistas envolvidos sendo recomendável uma no período peri-operatório e maximiza os resultados
avaliação endocrinológica nos casos em se suspeite, clí- diminuindo as complicações no pós-operatório.
nica ou laboratorialmente, de doença desse foro.
O envolvimento do nutricionista, do psicólogo clí-
nico e do fisiatra é sempre recomendado. O internista QUANDO OPTAR PELO BYPASS GÁSTRICO ?
, o cardiologista ou o pneumologista sê-lo-ão em caso
de patologia da sua área. O cirurgião plástico avalia o Se existem ainda cirurgiões ou grupos que utilizam
doente mais tarde, pelo menos 6 meses depois da esta- predominantemente uma técnica, a tendência actual
bilização ponderal, se houver lugar a correcções para é para a adopção de uma abordagem personalizada em
remodelação corporal. que a técnica escolhida o é, tendencialmente, em fun-
Na avaliação do cirurgião, deve ser feita uma história ção de critérios orientadores, muitas vezes registados
clínica exaustiva focando em particular aspectos da evo- na forma de fluxogramas de decisão como o que usa-
lução ponderal, hábitos alimentares, patologia associada, mos actualmente (Figura 1).
avaliação da situação social e da motivação para a cura. Nunca é demais dizer, até pela frequência com que
Os protocolos de estudo devem incluir sempre a tende a ser esquecido, que a avaliação por equipa mul-
endoscopia digestiva alta, a ecografia abdominal, a ava- tidisciplinar é fundamental, não só na avaliação do
liação da composição corporal, provas de função tireói- perfil do doente, importante para a selecção persona-
deia (T3f, T4f e TSH) e supra-renal (cortisol) para lizada da técnica operatória, como no acompanha-
além das rotinas habituais (ECG, Rx tórax, hemo- mento e aconselhamento pós-operatório.

Rui Ribeiro
72
reforçada pois a taxa de cura do refluxo é tendencial-
mente de 100%.
Outro aspecto importante é a avaliação da função
hepática. O bypass aumenta, de facto, o stress meta-
bólico hepático e é frequente verem-se aumentos dis-
cretos das transaminases nos exames pós bypass gás-
trico. A existência prévia de uma insuficiência hepá-
tica ou mesmo de evidência de hipertensão portal
devem ser considerados factores desfavoráveis à opção
pelo bypass. Alguns autores recomendam a realização
de biopsia hepática intra-operatória para avaliação de
Figura 1
base da histologia hepática.
Pelo contrário, a presença de doenças auto-imunes
é um factor, muitas vezes esquecido, que desaconselha
Normalmente, o IMC é o primeiro critério a con- a colocação de próteses de silicone e aí o bypass é nor-
siderar. Obesos de grau III ou superobesos serão os malmente a primeira opção terapêutica, hoje me dia
candidatos preferenciais para bypass, pois nestes casos com a concorrência do ”sleeve”.
as técnicas restritivas são, demasiadas vezes, insufi-
cientes do ponto de vista da perda ponderal, ou do MECANISMOS DE ACÇÃO
controle das comorbilidades.
O perfil psicológico e o perfil alimentar devem entrar, O bypass gástrico é uma operação dita de tipo misto
a seguir, em linha de conta. Em doentes com distúrbios que reúne três componentes responsáveis pelos seus
psicológicos mais graves, ou em casos de comedores efeitos fisiológicos.
compulsivos de doces (“sweet eaters”), ou os típicos 1 – O componente restritivo, determinado pela
beliscadores (“binge-eaters”), ou ainda em doentes com pequena dimensão da bolsa (15 a 30 cc) e pelo calibre
problemas psiquiátricos devidamente controlados, a da gastrojejunostomia, que deve ter cerca de 20 mm.
operação mínima deverá ser o bypass gástrico. 2 – O componente, dito mal-absortivo, ocorre por-
Os exames complementares de diagnóstico são tam- que os alimentos são dirigidos precocemente para o
bém muito importantes. Por exemplo, assume particu- delgado, não passando no duodeno nem no jejuno
lar importância a endoscopia digestiva alta (EDA) pois, proximal. Porque essa zona é precisamente aquela
em casos de gastrite crónica atrófica, o bypass deverá ser onde são preferencialmente absorvidos o cálcio, ferro,
evitado dado o risco acrescido de desenvolvimento de Vit. B12, ácido fólico, zinco e vitaminas lipossolúveis
cancro gástrico cujo diagnóstico pode ser atrasado no (A,D,E e K), a carência destes elementos é o aspecto
caso de localização no estômago remanescente. que merece maior atenção pelas eventuais repercussões
Também a presença de infecção com Helicobacter no organismo e que determina a necessidade de dar
Pilori no estômago do doente deve ser avaliada, seja aos doentes doses suplementares desses nutrientes e
com a biopsia da mucosa gástrica seja com a serologia. vigiar regularmente os seus níveis séricos.
Verificada a presença da infecção deve ser obrigatoria- Para além disto, existe hoje evidência científica cres-
mente realizada terapêutica de erradicação bem como cente de que esta operação actua nos eixos hormonais
documentada a eficácia da mesma. responsáveis pela presença da fome e da saciedade. A
A EDA diagnóstica com frequência detecta casos de exclusão da maior parte do estômago e do duodeno do
esofagite de refluxo, com ou sem hérnia do hiato, até circuito alimentar parece levar à alteração da produção
então insuspeitos. Neste caso, a opção pelo bypass fica de hormonas, resultando em ausência de fome e numa

Bypass gástrico
73
saciedade precoce, apesar das pequenas quantidades de O bypass gástrico é uma operação de tipo misto,
alimentos ingeridas. A diminuição da produção da Gre- mais complexa que a banda ou o “sleeve”, com uma
lina no fundo gástrico e a produção precoce no período exigência de capacidade técnica por vezes difícil de
pós-prandial do Glucagon Like Peptid 1 (GLP-1) e do contornar e que obriga a que seja executada apenas por
Péptido Y3-36 (PPY), são as alterações mais comenta- equipas cirúrgicas particularmente dedicados ao trata-
das, mas outras deverão ocorrer (31). Em condições nor- mento da obesidade. Só dessa forma se pode obter a
mais, e por via destas alterações, um doente com bypass experiência e a rotina indispensáveis à sua realização,
gástrico não terá fome durante cerca de um ano, período dentro de estreitos limites de segurança.
em que o emagrecimento se mantém. Trata-se, assim, Apesar de ser considerada a técnica “gold standard”,
de uma verdadeira operação endócrina e aí reside o o bypass continua a ter uma limitação importante que
segredo do seu êxito. é existência de um número indeterminado de varia-
Um aspecto importante no bypass é a possibilidade ções da técnica. Alguma variabilidade dos resultados
da ocorrência de fenómenos de “dumping”, precoce ou é induzida pelas diversas “personalizações” que, assim,
tardio. Se por um lado é incómodo e pode perturbar bas- podem retirar homogeneidade e credibilidade cientí-
tante o doente, evita-se com medidas do foro dietético e, fica à técnica. Sendo altamente dependente da padro-
de alguma forma, obriga o doente a cumprir o plano ali- nização de mecanismos, equipa, material e gestos, o
mentar estabelecido. Sendo o consumo de açucarados conceito do bypass só teria a ganhar se fosse feito um
uma das causas frequentes do “dumping” podemos con- esforço para reduzir drasticamente o número de
cluir que o bypass protege os doentes com maior ten- variantes. Concretizando a ideia, interessa saber hoje
dência para a ingestão desses tipo de alimentos. em dia, com elevado grau de evidência, ou seja com
Ao contrário do que por vezes é dito, o bypass gás- estudos prospectivos envolvendo apenas algumas
trico não é uma operação irreversível mas sim de rever- variantes, se o comprimento da ansa alimentar se
sibilidade mais trabalhosa. Na literatura encontramos reflecte realmente na perda de excesso de peso, se a
vários casos publicados e nós próprios tivemos a neces- colocação de anel pré-anastomótico mantém a com-
sidade de reverter um mini-bypass numa operação de ponente restritiva mais tempo que as versões sem anel,
Mason. ou ainda, qual a real taxa de complicações do mini-
bypass gástrico.
Focando sobretudo as abordagens laparoscópicas,
TÉCNICA CIRÚRGICA ocorrem variações técnicas na construção da gastroje-
junostomia, na posição e no comprimento da ansa ali-
mentar (de Roux), bem como na construção da jeju-
nojejunostomia (figura 2).
A gastrojejunostomia pode ser construída com
sutura intracorporal, com agrafadores circulares ou
com técnica mista (agrafador linear e sutura intra-cor-
poral).
No primeiro caso, protagonizado por Higa (20), a
anastomose é construída exclusivamente com sutura
intracorporal. Os seus defensores reclamam como prin-
cipais vantagens uma menor taxa de fistulização, a
ausência de manipulação esofágica e um custo reduzido.
No segundo caso, está descrito o uso de agrafado-
res circulares de calibre 21 ou 25 mm (15,16,17,24,26).

Rui Ribeiro
74
O uso do calibre 21 provoca um maior número de parecer provocar menos casos de hérnia interna e oclu-
estenoses mas que respondem bem à dilatação pneu- são intestinal. Também por este motivo todas as “bre-
mática endoscópica. O uso do calibre 25 provoca chas” mesentéricas criadas na remontagem intestinal
menor número de estenoses mas diminui o efeito res- devem ser suturadas com material de sutura não absor-
tritivo e pode comprometer a perda ponderal. A his- vível para evitar o aparecimento de hérnias internas do
tória natural da anastomose mostra-nos que, a partir futuro.
do primeiro ano de pós-operatório, o calibre da anas- Apesar das diferenças, alguns aspectos são consen-
tomose é igual em ambos os casos. suais e dão alguma uniformidade à técnica do bypass
Do ponto de vista técnico, o batente da máquina gástrico. São eles a reduzida capacidade da bolsa gás-
pode ser introduzido pela boca, solidarizado numa trica (15-30cm), uma gastrojejunostomia restritiva
sonda nasogástrica que é recolhida num orifício feito com cerca de 20mm de diâmetro e a construção de
na bolsa gástrica, para onde o batente vai ser orientado uma ansa alimentar de comprimento variável entre 75
– técnica de Gagner (24). e 200cm. Tanto a calibração da gastrojejunostomia
Noutros casos o batente é introduzido no abdómen como o encerramento das brechas não suscitam polé-
e depois na bolsa gástrica. Para isso, Himpens descre- mica hoje em dia.
veu uma variante que consistia em colocar o batente
no interior do estômago, deslocá-lo para o cárdia, RESULTADOS
recortar a bolsa e fazer o espigão furar a bolsa,
entrando depois a máquina num orifício de trocarte e Os resultados do bypass gástrico realizado por via
na ansa que irá ser a alimentar (25). Feito o disparo da laparoscópica são sobreponíveis aos realizados por via
máquina e verificada a integridade dos anéis circulares aberta, como já vimos, com vantagem no capítulo da
e a ausência de pontos de fraqueza na bolsa gástrica duração do internamento, nas complicações precoces
(teste com azul de metileno), o coto da ansa onde a e mesmo nas tardias.
máquina entrou é encerrado com um disparo de agra- Vários estudos demonstram que, à distância, os
fador linear. resultados do bypass são duradouros, pese embora uma
Outros, como “de la Torre” e “Carrasquillo” recor- tendência para recuperar, a partir dos 2 ou 3 anos de
tam a bolsa abrindo-a depois para introduzir o batente, operados, uma pequena parte do peso perdido mas
suturando então o orifício em redor da haste para fazer, mantendo um bom controlo da morbilidade (29).
como descrito atrás, o disparo e o teste de estanquici- No bypass gástrico, a ingestão alimentar não é tão
dade (26). limitada como nas técnicas restritivas e os estudos de
Os autores que usam agrafadores lineares (18,21,22) qualidade de vida indicam melhor resultado do que
abrem um orifício na bolsa gástrica e outro na ansa com as técnicas restritivas puras.
jejunal, introduzem uma mandíbula da máquina em Em relação à Percentagem de Perda de Excesso de
cada um dos dois orifícios e fazem o disparo sendo, Peso (%EWL) o valor médio cifra-se entre os 68 e os
depois disso, encerrado o orifício comum com sutura 80%. Este valor e a taxa de resolução das principais
contínua intra-corporal sobre tubo calibrador e reali- comorbilidades podem ser verificado no quadro 2
zado teste com azul de metileno. numa recolha da autoria do grupo de Schauer (30).
Em relação à ansa alimentar existem autores que Quanto à resolução das comorbilidades, o efeito
optam por comprimentos fixos mas a maioria adapta mais importante, sem dúvida, é sobre a diabetes mel-
o comprimento ao IMC pré-operatório do doente litus tipo II. Pories, com uma “cohort” de 608 doen-
existindo mesmo protocolos diversos para o efeito (27). tes com 16 anos de follow-up entre 1980 a 1996,
Nuns casos a ansa fica retrocólica (28) e noutros ante- obteve um estado euglicémico em 83% dos diabéticos
cólica (21). Esta última opção tem ganho adeptos por e em 99% dos doentes com diminuição da tolerância

Bypass gástrico
75
nostomia ou da ansa bilio-pancreática é um evento
temível e que exige elevada suspeição diagnóstica.
Existem também complicações a médio e longo
prazo como sejam as hérnias internas, as úlceras da
boca anastomótica ou duodenais, a estenose da gas-
trojejunostomia, a recuperação de peso por dilatação
da bolsa gástrica e/ou alargamento da gastrojejunosto-
mia, o “dumping” e as complicações ligadas à má
absorção do Cálcio (osteopénia) Fe e Vit. B12 (ane-
mia), Complexo B (Síndroma Wernicke Korsakoff ),
cálcio (osteoporose e fracturas) ou zinco (alopécia).
Para prevenir estes eventos os doentes devem fazer
suplementação crónica polivitamínico e cálcio, even-
Figura 2
tualmente com ferro, ácido fólico, Vit. B12 ou outros.
As úlceras marginais normalmente cicatrizam bem
à glicose (31). Este efeito, profundo e imediato, sobre com esquemas terapêuticos envolvendo a erradicação
o metabolismo dos hidratos de carbono desencadeou do Helicobacter Pilori e uma protecção da bolsa gás-
uma onda de investigação em curso sobre a possibili- trica com inibidores da bomba de protões. Quando
dade de resolver a diabetes, mesmo no doente não crónicas podem levar às estenoses da gastrojejunosto-
obeso, por via cirúrgica. mia mas, mesmo assim, estas quase sempre podem ser
Na hipertensão, o resultado é também muito signi- resolvidas com dilatação pneumática endoscópica.
ficativo mas parece, ao contrário da diabetes, correla- Raramente a cirurgia pode ter de intervir.
cionar-se melhor com a perda de peso ao longo do pri- O dumping, já comentado atrás, resolve-se com cui-
meiro ano. Em muitos casos não se consegue a “cura” dados dietéticos, normalmente eficazes. Se necessário,
da doença mas consegue-se, quase sempre, uma redu- podemos restabelecer cirurgicamente o efeito restritivo
ção da medicação. com a colocação de um anel pré-anastomótico que vai
Quanto ao refluxo gastro-esofágico, embora nalguns evitar a “inundação” do intestino pelos alimentos hipe-
grupos a taxa de resolução na literatura não seja 100%, rosmolares.
verificamos essa cifra nos nossos operados. Eventual-
mente tal diferença pode ficar a dever-se ao facto de o Quadro 2 – Benefícios
comprimento que usamos na ansa alimentar variar
Perda do excesso de peso 68-80%
entre 75 e 200 cm, a maior parte das vezes 150 cm.
Estadia Hospitalar 2 a 4 dias
COMPLICAÇÕES
Resolução / melhoria de comorbilidades
Diabetes tipo II (do obeso) 82-98%
Por ser uma cirurgia com anastomoses e de duração Hipertensão arterial 52-92%
mais longa implica um risco de complicações peri-ope- Hipercolesterolemia 63%
ratórias superior às outras técnicas (cerca de 10%) e Doença de refluxo gastro-esofágico 72-98%
Sindroma da apneia do sono 74-100%
tem também um risco de mortalidade de 1-2% prin- Doenças degenerativas articulares 41-76%
cipalmente devido ao tromboembolismo pulmonar e Incontinência urinária 44-88%
à ocorrência de fístulas anastomóticas na gastrojeju- Depressões 60%
nostomia. A dilatação gástrica aguda com rotura do Infertilidade 70%
Roncopatia (ressonar) 95%
estômago remanescente por obstrução da jejunojeju-

Rui Ribeiro
76
Vejamos a distribuição das complicações ainda ros 74 casos com follow-up superior a 2 anos verificá-
segundo a recolha de Schauer (30): mos 81,17 % de perda de excesso de peso (%EWL)
Um aspecto muito discutido é a possibilidade de com uma morbilidade de 15,5% (< 30 dias: 7% e >
aparecimento de cancro gástrico no estômago rema- 30 dias: 8,3%).
nescente. Para além de não existir evidência científica A taxa de resolução das comorbilidades foi de 83%
de que esse seja um problema significativo, pois são para os diabéticos, 68% para os hipertensos, 88% para
raros os relatos de tal circunstância, existe evidência a dislipidemia, 52% para as depressões, 83,5% para a
experimental (trabalhos de F.Rubino) que apontam no apneia do sono e 62% de melhoria de queixas articu-
sentido de o cancro ser um fenómeno raro no estô- lares.
mago em “repouso”. No total dos 180 doentes operados ocorreu um caso
Medidas como a erradicação pré-operatória e depois de mortalidade em 2004 (0,56%) por tromboembo-
anual do H.Pilori e a exclusão das propostas para lismo na sequência de internamento prolongado por 3
bypass dos casos de gastrite crónica atrófica, deverão meses em UCI, devido a perfuração tardia do esófago
diminuir esse risco. torácico.
Para mais, em caso de suspeição forte, existe sem- No grupo de doentes com menos de 2 anos de fol-
pre a possibilidade de explorar o estômago residual low-up (106) não ocorreu mortalidade e verificou-se
com uma endoscopia por gastrotomia laparoscópica uma redução marcada dos casos de morbilidade no
ou, mais recentemente divulgada a sua exequibilidade, que parece ser uma evolução normal na curva de
com enteroscopia de duplo balão. Isto para além dos aprendizagem que é longa (superior a 100 casos
métodos imagiológicos modernos como o TAC heli- segundo a maioria dos autores) e difícil de vencer.
coidal ou a Endoscopia virtual.
REINTERVENÇÕES

EXPERIÊNCIA PESSOAL
O bypass é ainda uma boa solução para casos de
complicações de outras técnicas bariátricas, sobretudo
Até à presente data usámos o bypass gástrico em 180 as restritivas puras. Em particular no caso de bandas
casos, dos quais 11 por via aberta, no início da expe- complicadas com prolapso gástrico (slippage) ou após
riência em 2002. Numa avaliação recente dos primei- estenoses da gastroplastia vertical anelada (Operação
Quadro 3 – Riscos e complicações
de Mason), a construção do bypass permite uma saída
muito interessante para o doente: não só permite resol-
Conversão para cirurgia aberta 0 a 8% ver a complicação como oferece a manutenção de um
Complicações pós-operatórias (major + minor) 4,2 a 30% factor restritivo associado aos outros efeitos do bypass.
Hemorragia 0,4 a 4% Como consequência, e em condições normais, estes
Fístula anastomótica 0 a 4,4% doentes ficam ainda com a possibilidade de perder
Infecções feridas operatórias 0 a 8,7%
algum peso melhorando a qualidade de vida em geral
Tromboembolismo venoso/Embolia pulmonar 0 a 1,3% / 0 a 1,1%
e de ingestão alimentar em particular.
Complicações tardias (major + minor) 8,1 a 47%
Estenose da anastomose 2 a 16%
Úlcera marginal 0,7 a 5,1% CONCLUSÕES
Oclusão intestinal 1,1 a 10,5%
Taxa de reoperações 0 a 13,8%
Deficiência de ferro 6 a 52% O bypass gástrico é a operação mais praticada (“gold
Deficiência de Vit B12 3 a 37% standard”) em cirurgia bariátrica porque é efectiva
Taxa de mortalidade 0 a 2% quanto à perda de peso (80%EWL) e à redução das

Bypass gástrico
77
doenças associadas, permitindo longevidade acrescida A curva de aprendizagem é longa e ultrapassa, no
e melhor qualidade de vida aos doentes operados. mínimo, a centena de casos.
É uma técnica cirúrgica que deve ser usada em con- A morbimortalidade a 30 dias é de cerca de 10% e
texto de equipa especializada e multidisciplinar. Deve as sequelas metabólicas podem ser evitadas pela toma
ser feita por laparoscopia para reduzir as complicações regular de suplementos vitamínicos e minerais. O con-
mas a via aberta pode ser útil sobretudo nos casos de trolo analítico deve ser pendular em períodos entre 6
reintervenções. meses a 1 ano.
Tem um efeito de controlo altamente benéfico sobre É uma técnica que permite resolver, sem perda da
as comorbilidades, com particular destaque para a dia- capacidade de emagrecimento, as complicações das
betes do adulto. operações restritivas.

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Rui Ribeiro
78
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Gastrectomia vertical calibrada “Sleeve”


Edgar Jesus da Rosa
Cirurgião Geral – Serviço de Cirurgia Hospital São Francisco Xavier, CHLO, Lisboa

Procedimento de cirurgia restritiva gástrica que con- de Grelina, chamada de “Hormona da Saciedade”,
tráriamente á banda gástrica, não implica o uso de cujo foco principal de produção se situa no fundo gás-
material estranho. Neste tipo de procedimento o trico, embora possam existir focos ectópicos de pro-
fundo gástrico é removido enquanto o estômago rema- dução desta hormona, mais frequentemente no intes-
nescente é constituído pelo antrum intacto e parte do tino delgado proximal.
corpo.
A preservação da pequena curvatura tem como fun-
ção a manutenção da função secretora do estômago.
O uso desta técnica, definido como gastrectomia
parcial com remoção de aproximadamente 70% a
80% do estômago em doentes super-obesos, tem dado
excelentes resultados em termos de perda de peso tal
como acontece com outras técnicas, porém com
menor morbilidade.
Embora não seja uma técnica recente (1º tempo da
cirurgia em dois tempos – “Duodenal Switch”), o seu
uso como técnica isolada no tratamento da obesidade
“per si”, não está totalmente estudada. No entanto, nos
últimos anos tem havido algum esforço de publicação
de artigos com informação sobre os benefícios da gas-
trectomia vertical em doentes obesos e diabéticos tipo II.
As publicações mais recentes, nomeadamente Dr.
Lee and colleagues [1] comparando o resultados de 216
doentes submetidos a esta técnica entre Novembro de
2002 e Agosto de 2005, demonstraram que os resul-
tados comparativos a técnicas como o “Bypass Gás-
trico” e o “Switch Duodenal“ são sobreponíveis. PRINCÍPIOS GERAIS DA TÉCNICA
A porção do estômago calibrado serve inicialmente
para restringir o volume de alimentos ingeridos con- …..Cirurgia puramente restritiva e sem qualquer
duzindo assim a perda de peso. Existem no entanto componente de malabsorção….
algumas teorias que tentam explicar um fenómeno
bioquímico decorrente da remoção do estômago, • Criação de tubo gástrico calibrado (sonda / tubo
nomeadamente factores relacionados com a produção de calibração de 32 Fr) com remoção de 70 a 80%

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


79
de estômago com redução significativa do tempo nitivo realizado em dois tempos (Duodenal Switch)
cirúrgico e 0% de mortalidade nos grupos de nos doentes com IMC superior a 55.
pacientes de alto risco, iniciando a cerca de 6 cm • Procedimento definitivo em doentes com IMC
do piloro. baixo sem padrão alimentar “Sweet”.
• Teste final do tubo gástrico com azul-de-metileno. • Perda de peso semelhante a Derivação Bilio-Pan-
creática e “Duodenal Switch”
• Procedimento seguro como 1º passo da cirurgia
definitiva em doentes super-obesos e/ou de alto
risco.
• Aparentemente boa eficácia em doentes com Índice
de Massa Corporal (IMC) baixo com padrão ali-
mentar essencialmente de “volume” e sem grandes
co-morbilidades.

Embora ainda pouco divulgada como alternativa


terapêutica para a cura da obesidade mórbida, já exis-
tem centros com resultados bastante animadores.

INDICAÇÕES

• Alternativa técnica à “ Banda Gástrica” (IMC 35 -


60), no entanto não está recomendada como trata-
mento de escolha após gastroplastia com banda.
• Primeiro passo de um potencial procedimento defi-

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Edgar Jesus da Rosa


80
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Derivação biliopancreática
com duodenal switch
Pedro Gomes
Assistente Graduado de Cirurgia Geral – Hospital dos Covões – Centro Hospitalar de Coimbra

INTRODUÇÃO à cirurgia bariátrica um período de travessia do


deserto, que chegou ao fim quando se avançou para
A Cirurgia Bariátrica, tem ao longo da sua evolução uma outra concepção no tratamento cirúrgico da obe-
passado por várias fases correspondentes a diferentes sidade.
concepções sobre o tratamento cirúrgico da obesidade. O novo conceito foi o da compartimentação gástrica,
No século passado, em meados da década de 50, possível a partir do aparecimento e desenvolvimento
vários cirurgiões norte americanos iniciaram a prática dos instrumentos de sutura por agrafagem de vísceras
consistente de cirurgias especificamente dirigidas para (stapplers ).
o tratamento dos grandes obesos. Deste modo foi iniciada a Era da CIRURGIA RES-
À data, o conceito em moda era o BYPASS INTES- TRITIVA com o cirurgião norte americano Edward
TINAL com a finalidade de estabelecer má absorção Mason da Universidade de Iowa.
digestiva, à custa da exclusão do circuito digestivo de Baseando-se nos dados do seguimento dos doentes
extensos segmentos de intestino delgado e grosso. com úlcera péptica submetidos a Gastrectomia sub
Estávamos em plena Era da CIRURGIA de MÁ total, em que se verificava com frequência, perda con-
ABSORÇÃO. sistente de peso, concebeu uma compartimentação
Kremen da Universidade do Minnesota com o total da parte superior do estômago com agrafagem
Bypass Jejunoileal em 1954 e Payne com o Bypass Jeju- sem ressecção e execução de uma gastrojejunostomia
noCólico em 1956, foram pioneiros nessa nova con- em ansa (1967 ).
cepção cirúrgica. Estava lançada a ideia de BYPASS GÁSTRICO.
Muitas outras variações do mesmo conceito foram Várias modificações foram idealizadas e postas em
propostas por outros cirurgiões mas todas associadas a prática por muitos outros grupos cirúrgicos, mas sem-
morbilidade e mortalidade muito elevadas, decorren- pre respeitando o princípio de uma bolsa receptora
tes em grande parte das inevitáveis diarreias e conse- gástrica (reservatório) de pequenas dimensões, de loca-
quente expoliação hidroelectrolitica. lização justa cárdia, separada do estômago restante e
As complicações mais frequentes eram a Litíase com um reduzido estoma de saída para uma ansa de
Renal e a Insuficiência Hepática que muitas vezes pro- delgado.
gredia para uma grave e fatal Falência Hepática termi- As deiscências da anastomose gastroentérica, o dum-
nal ping, a úlcera da boca anastomótica, o síndrome de
Esta estigmatização de maus resultados colocada ansa eferente eram as complicações frequentes e de
sobre a cirurgia para o tratamento dos grandes obesos, muito difícil resolução com os meios terapêuticos exis-
na forma do Bypass Intestinal, impôs de alguma forma tentes na época.

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


81
Em 1982 Mason propôs uma operação de pura do qual se misturam alimentos e enzimas digesivas,
compartimentação gástrica, sem anastomose ao intes- constituindo o denominado canal comum da absorção.
tino, utilizando stapplers circular (EEA) e linear (TA) Esta operação tinha associada uma percentagem sig-
na construção de um reservatório gástrico, com uma nificativa de dumping e úlcera marginal o que para
boca de saída, estreitado à custa de um anel de rede muitos cirurgiões a limitava na sua escolha como alter-
sintética. nativa cirúrgica.
Era a Gastroplastia Vertical Anelada de Mason (GVA),
que rapidamente se tornou numa das mais praticadas
operações na história da cirurgia bariátrica. A DERIVAÇÃO BILIOPANCREÁTICA
Foi a primeira concepção de uma operação total- COM DUODENAL SWITCH
mente restritiva.
A B
O desenvolvimento da cirurgia bariátrica, envolvia
um cada vez maior número de cirurgiões e centros
cirúrgicos com grande actividade clínica e de investi-
gação, o que originou o lançamento de novas ideias
dentro dos conceitos em voga.
Assim, em1983 foi proposta por Torres, a Gastro-
plastia Vertical com Bypass Gástrico, impondo uma gas-
troenterostomia, mas salvaguardando o conceito de
pequena bolsa por compartimentação gástrica pro-
posta na GVA de Mason.
Iniciava-se um período em que aparecia uma outra
concepção que consistia na associação de um compo-
nente restritivo, representado pela bolsa gástrica cada
Figura 1 – (A) Scopinaro, (B) Derivação bibliopancreática com duo-
vez de menores dimensões e uma ansa de jejuno em denal switch
montagem de Y de Roux, com maior ou menor com-
primento de ansa, deste modo introduzindo um com-
ponente de má absorção. Em 1988, Douglas Hess um cirurgião norte-ameri-
A Era da CIRURGIA MISTA tinha começado. cano e Picard Marceau, um cirurgião canadiano, modi-
Já em 1976, Nicola Scopinaro de Génova efectuara ficaram a operação proposta por Scopinaro e propuse-
uma Derivação Biliopancreática (DBP). Fig 1A ram um novo procedimento denominado Derivação
Era uma operação verdadeiramente do tipo misto. Biliopancreática com Duodenal Switch (DBP DS) Fig 1B
Consistia num componente restritivo, representado Transformaram a gastrectomia sub total numa gas-
por uma gastrectomia parcial e um componente de má trectomia vertical (linear), à custa da ressecção da
absorção, constituído pela divisão do intestino delgado grande curvatura e fundo gástrico, construindo um
a 250 cm da válvula ileocecal, seguindo-se uma anas- tubo de estômago denominando-o de sleeve gastrectomy
tomose da ansa distal ao estômago sob a forma de uma (gastrectomia em manga). Preservando a inervação gás-
montagem em Y de Roux para transporte dos alimen- trica pelos nervos vagos, e mantendo o antro na sua
tos, formando a ansa digestiva. O restante segmento quase totalidade e o piloro intactos resulta daí a manu-
de delgado, formado pelo duodeno, jejuno e íleon pro- tenção do funcionamento da bomba antral.
ximal transporta o conteúdo de sucos biliares e pan- O estômago residual comporta-se pois, como um
creáticos, formando a ansa enzimática, que era anas- verdadeiro tubo gástrico funcionante mas com proprie-
tomosada a 50 cm da válvula ileocecal, ponto a partir dades restritivas devido à redução volumétrica sofrida.

Pedro Gomes
82
Introduziram também o conceito de “duodenal tuada do apetite e ao contrário do que acontece nos
switch” proposto por DeMeester para o tratamento do procedimentos puramente restritivos, raramente exis-
refluxo duodeno gástrico. tem vómitos embora os doentes refiram com frequên-
O duodeno é seccionado num ponto situado 3 a 4 cia, sensação de saciedade precoce pós prandial.
cm distal ao piloro, seguindo-se uma anastomose do
duodeno proximal á ansa distal do ileon seccionado a
250 cm da válvula ileo-cecal (duodenoileostomia)
constituindo-se a via alimentar. Por sua vez o topo
proximal irá ser anastomosado ao ileon terminal cons-
tituindo a via enzimática . Esta anastomose distará
entre os 65 cm e os 100 cm da válvula ileo cecal, sem- Figura 2
pre superior aos 50 cm propostos por Scopinaro no
seu procedimento. Constatou-se nos estudos cintigráficos efectuados
Este segmento de ileon terminal, mais ou menos pelo grupo de Melissas (4) incidindo numa refeição
longo segundo as opções de cada cirurgião, constitui o sólida enriquecida com radioisótopo, a existência de
denominado canal comum da absorção. um esvaziamento gástrico rápido no sleeve. Este facto
As alterações estabelecidas na DBP DS em relação à associado à distensão do antro por acumulação dos ali-
DBP de Scopinaro revelaram-se muito importantes. mentos nesta área após a ressecção do fundo produtor
A gastrectomia linear quando correctamente efec- de grelina, hormona digestiva associada ao apetite,
tuada, ao ressecar a totalidade do fundo gástrico tem pode ser o mecanismo tornado dominante no que se
como consequência originar uma acentuada queda na refere á justificação da diminuição do apetite e ao esta-
produção de ácido e eliminar ou diminuir drastica- belecimento da sensação de saciedade precoce.
mente a produção de grelina com efeitos marcados no Esta parece ser a principal causa da acentuada perda
apetite. Por outro lado a preservação do antro e do ponderal nos primeiros 9 a 12 meses pós cirurgia.
piloro inervados pelos vagos permite manter o con- O componente de má absorção da DBP DS, rela-
trole do esvaziamento gástrico. ciona-se principalmente com a má absorção de lipidos
Estes factores são responsáveis pela inexistência das e está directamente dependente da extensão do canal
conhecidas complicações, úlceras marginais e dum- comum da absorção no ileon terminal. A bílis e as enzi-
ping, nos doentes operados de DBP DS em relação aos mas pancreáticas ao serem desviadas para este curto
submetidos à técnica de Scopinaro. segmento distal da ansa alimentar criam as condições
necessárias para a absorção lipídica. A dimensão do
BASES FUNCIONAIS DO PROCEDIMENTO canal comum é pois um importante factor no êxito da
cirurgia. Se for excessivamente longo não se verificará
A DBP DS é um procedimento bariátrico do tipo uma suficiente diminuição da absorção das gorduras
misto. e como tal não haverá a adequada perda de peso. Se
O componente restritivo é representado pela gastrec- pelo contrário o canal comum for demasiado curto
tomia linear, verdadeiro tubo gástrico funcional que terá como consequência uma baixa acentuada da
sofreu uma redução volumétrica em relação ao órgão absorção lipídica, com esteatorreia abundante e mar-
original de cerca de 70 a 75 %. cada perda de peso que poderá impor cirurgia de revi-
O estômago residual suporta um volume de 100 a são. Autores experientes e com responsabilidades acres-
150 cc. cidas neste tipo de cirurgia, como é o caso de Picard
Nos primeiros meses pós cirurgia nos doentes sub- Marceau (3), utilizam um canal comum com dimen-
metidos a DBP DS, verifica-se uma diminuição acen- sões fixas de 100 cm. Existe um certo consenso em que

Derivação biliopancreática com duodenal switch


83
utilizando a mesma extensão de canal comum para aconselha a manutenção da perda de peso a longo
todos os doentes, o valor mais adequado será de 75 prazo.
cm. Outros autores como Douglas Hess propõem A fórmula dos 40% do comprimento total do del-
extensões variáveis para o canal comum, 50, 75 e 100 gado aplicada como cálculo para a extensão da ansa
cm, entrando na decisão factores diversos como a alimentar parece ser apropriada em virtualmente todos
idade, sexo, peso e morbilidades associadas. Outra pro- os casos (1).
posta para a extensão do canal comum é ter como
valor 10% do comprimento total do intestino delgado,
medido do Treitz à válvula ileocecal (1). PROCEDIMENTOS ASSOCIADOS
A extensão da ansa alimentar tem consequências
directas na absorção das proteínas e em menor escala Na DBP DS é procedimento standart efectuar-se a
na absorção dos hidratos de carbono. Colecistectomia devido ao elevado risco de apareci-
Existirá deficiente absorção proteica se as ansas mento de litiase vesicular nos anos seguintes. O estudo
forem demasiado curtas. Um dos principais objectivos ecográfico sistemático pré operatório para despiste de
na DBP DS é a construção de uma ansa alimentar com colelitiase é fundamental. História anterior de episó-
extensão suficiente para que proporcione adequada dios de colecistite ou pancreatite aconselham estudo
absorção proteica.. Se a ansa alimentar fôr demasiado mais completo e especifico, nomeadamente uma
longa, impedirá uma perda ponderal aceitável. Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada
No que respeita aos hidratos de carbono uma ansa (CPRE) que permitirá o diagnóstico de litiase do colé-
alimentar excessivamente curta afecta de algum modo doco e consequente tratamento endoscópico, com
a sua absorção, mas de modo nenhum com a mesma extracção de cálculos e Esfincterotomia Endoscópica.
intensidade que afecta a aborção proteica. A razão Aconselha-se também que no decurso de uma DBP
disto situa-se no facto fisiológico que uma parte subs- DS seja efectuada uma Biópsia Hepática.
tancial da amilase (cerca de 40%) é produzida nas Nos doentes obesos, nomeadamente nos grandes
glandulas salivares, parótida e sub maxilares, tendo obesos é quase uma inevitabilidade a existência de um
como consequência que a digestão dos hidratos de car- figado gordo, a esteatose hepática, a cada vez mais
bono é iniciada na boca, daqui resultando que exista citada na literatura, Doença Hepática Gorda Não
uma mais do que suficiente absorção de hidratos de Alcoólica que apresenta um espectro variado de lesões
carbono mantida ainda que na presença de uma ansa hepáticas desde a simples esteatose com ou sem infla-
alimentar demasiado curta. mação inespecifica, podendo evoluir para a cada vez
Picard Marceau (3), em relação à extensão da ansa mais reconhecida Esteatohepatite Não Alcoólica
alimentar preconiza um valor total fixo, na ordem dos (NASH) e desta para uma etapa mais gravosa, a Cir-
250 cm, incluindo os 100 cm do canal comum. Tam- rose (6;7).
bém aqui existem autores como Douglas Hess, com O seguimento dos parâmetros hepáticos é impor-
responsabilidades neste tipo de cirurgia, que preconi- tante nos doentes operados de DBP DS. Cirurgia com
zam um cálculo variável para o valor da extensão da influência marcada na absorção proteica e dos hidra-
ansa alimentar. Este valor obtem-se calculando 40% tos de carbono, poderá ter reprecurssões na função
da extensão total do intestino delgado (1). hepática. Isto explica a importância dos dados forne-
Genèricamente poder-se-à afirmar que a decisão cidos pela Biópsia intra operatória e no caso de insu-
quanto à extensão da ansa alimentar deverá resultar de ficiência hepática evolutiva nos meses ou anos pós
uma equilibrada ponderação entre uma extensão de cirurgia podermos confrontar esses dados com os de
ansa suficientemente longa para que seja prevenida a uma nova Biópsia efectuada desta feita por controle
deficiência proteica e uma extensão tão longa quanto ecográfico e decidir qual a melhor atitude terapêutica.

Pedro Gomes
84
Finalmente o terceiro procedimento aconselhado tes operados de DBP DS, aberta (n=525) desde Março
como rotina no decurso de uma DBP DS é a Apendi- de 1994 e laparoscópica (n=240) desde Outubro de
cectomia. 2000.A análise incidiu sobre 90% dos doentes com 5
Invoca-se como razão justificativa, o evitar de uma anos de recuo.
futura apendicite impondo intervenção cirúrgica e por A perda máxima verificou-se aos 30 meses. Aos 5
outro lado obstar a que qualquer eventual dor abdo- anos o IMC baixou para 29.82; a %EPP foi de
minal no futuro possa ser confundida com apendicite 70.59% e a % Excesso de IMC Perdido (%EIMCP)
aguda conduzindo a dificuldades diagnósticas de uma foi de 78.76%.
sempre possivel complicação da DBP DS ou de qual- O nosso grupo cirúrgico de (Pedro Gomes;L Simões
quer outra causa de dor abdominal. Reis;J Conceição;A Firmo), operou 81 doentes de
DBP DS por laparotomia, desde Outubro 2001 a
Dezembro de 2007. Nesta série, 15 doentes têm um
EVOLUÇÃO DA PERDA DE PESO recuo de 5 anos e todos se mantêm em follow up. O
IMC médio destes 15 doentes antes da cirurgia era de
No tratamento cirúrgico do grande obeso, o princi- 51.3. Aos 5 anos a %EPP média é de 74.7% e o IMC
pal objectivo é não apenas a perda de peso mas tam- médio baixou para 30.4.O pico da perda ponderal
bém a manutenção dessa perda ao longo dos anos, em (nadir) foi verificado ao 4º ano com uma %EPP média
conjugação com a melhoria ou cura das morbilidades de 76.5%. Aos 6 anos, os 6 doentes que actualmente
eventualmente associadas e com a consequente atingiram este recuo apresentam uma %EPP média de
melhoria da qualidade de vida. 71.3% e um IMC médio de 31.6.
Globalmente a DBP DS é de todos os procedimen- Um certo grau de recuperação do peso a longo prazo
tos bariátricos o que melhor alcança estes objectivos. é inevitável. A perda máxima do peso (nadir) ocorre
Em relação à perda de peso, é sem a menor dúvida regra geral entre o 2º e o 4º ano. Nos doentes com boa
a operação que consegue maiores perdas ponderais e a evolução pós cirurgia, verifica-se seguidamente uma
longo prazo atinge as melhores percentagens de excesso certa recuperação ponderal e finalmente estabilização.
de peso perdido (% EPP) para todos os niveis de IMC. Esta evolução do peso pós cirurgia está relacionada
Hess (1) refere uma série seguida de 182 doentes numa primeira fase com o funcionamento da compo-
operados conseguindo um follow up de 92% aos 10 nente de restrição representada pela Gastrectomia
anos (167 doentes).Verifica um máximo da perda pon- Linear (Sleeve).
deral aos 4 anos com uma %EPP de 80%, a partir O reconhecimento deste facto originou a proposta
daqui caindo ligeiramente. Aos 5 anos para 78%,aos do grupo de M. Gagner (9) sobre a utilização num pri-
10 anos 75% e aos 12 anos 72%. meiro tempo cirúrgico do Sleeve laparoscópico nos
Por sua vez Picard Marceau (3) numa muito recente Super Obesos (IMC ≥ 50) e fundamentalmente nos
publicação de 2007, apresenta um estudo de 1423 Super Super Obesos (IMC ≥ 60), seguido num
doentes submetidos a DBP DS num período com- segundo tempo, entre os 6 meses e os doze meses, de
preendido entre 1992 e 2005. É evidente a manuten- uma DBP DS.
ção da perda ponderal ao longo dos anos. Para doen- A manutenção ao longo dos anos da perda ponde-
tes com < 5 anos a %EPP média é de 77%; para doen- ral obtida com a DBP DS é atributo da modificação
tes entre os 5 anos e os 10 anos a %EPP média é de das condições fisiológicas da absorção digestiva com
69.4%; para os doentes com > 10 anos, a %EPP média reprecurssão directa na aborção proteica e em menor
é de 68.9% grau na aborção dos hidratos de carbono. Desta forma
Aniceto Baltasar (8) numa revisão em 2005, publi- ficam reunidas as condições de base para a desejada
cada em 2006 analisou resultados aos 5 anos de doen- manutenção da perda ponderal.

Derivação biliopancreática com duodenal switch


85
SEGUIMENTO PÓS CIRÚRGICO (FOLLOW UP) O doente deve entender a necessidade absoluta de
suplementação diária e para toda a vida em polivita-
Em cirurgia bariátrica esta é uma etapa absoluta- minas e cálcio.
mente fundamental. Sem um seguimento programado A tendência para Anemia não é uma inevitabilidade,
a longo prazo, durante anos, não é possível uma ava- mas a sua prevalência está aumentada e como tal
liação dos resultados obtidos nem controle dos poten- impõe vigilância da hemoglobina que poderá apontar
ciais riscos e complicações que podem aparecer se os para uma suplementação circunstancial com ferro e
doentes não cumprirem algumas regras alimentares e ácido fólico oral.
terapêuticas. O doseamento da albuminemia é muito impor-
tante. Constitui por si só um marcador nutricional. A
1. Défices em Vitaminas e Oligoelementos existência de má nutrição pós DBP DS constitui um
potencial risco mas não é frequente e sobretudo é em
grande parte evitável através de ajustes dietéticos. Se
se verificar uma baixa acentuada e permanente da
albumina sérica será necessário o recurso a outras
medidas terapêuticas. Para além do reforço proteico
da dieta impõe-se o tratamento com Albumina iv e
enzimas pancreáticas por via oral. Se a baixa da albu-
mina persistir e se agravar, associada a alterações das
transaminases e GT será necessária a introdução de
Alimentação Parenteral Total. Por vezes esta necessi-
dade obriga a repetidos internamentos.
Uma nova baixa da albumina após a reposição dos
níveis séricos aconselha a execução de uma Biopsia
Hepática com agulha sob controle de ecografia. O
Figura 3 confronto dos resultados entre a primeira biopsia efec-
tuada durante a cirurgia e a actual servirá para despiste
de um eventual agravamento da doença hepática
No caso especifico dos procedimentos mistos, nos incluindo evolução para cirrose.
quais se engloba a DBP DS, as alterações já referen- Perda de peso excessiva, hipoalbuminemia acen-
ciadas da absorção proteica e dos hidratos de carbono, tuada e persistente, anemia e hipocalcemia são em
associadas a défices da absorção de vitaminas e sais conjunto indicadores de má nutrição.
minerais consequentes às modificações produzidas no O diagnóstico fundamentado de Má Nutrição não
circuito digestivo (Fig 3) impõem um rigoroso segui- controlável associada com frequência a diarreia são
mento sob pena de aparecerem patologias iatrogénicas indicação formal para Cirurgia de Revisão.
É fundamental que o doente submetido a uma DBP A Revisão Cirúrgica consiste fundamentalmente
DS fique perfeitamente ciente da sua nova fisiologia num alongamento da ansa alimentar à custa do avanço
através de uma explicação médica adequada e com- proximal desta sobre a ansa biliopancreática o que con-
preensível para o seu entendimento antes da cirurgia diciona um aumento conjunto das dimensões da ansa
ser efectuada. alimentar e do canal comum com efeitos seguros na
Deve compreender o porquê da necessidade de um melhoria da absorção proteica.
seguimento calendarizado e com recurso a exames ana- Hess (1) na revisão dos 1243 doentes submetidos a
liticos. DBP DS encontrou uma taxa de 1.53% (n=19) de

Pedro Gomes
86
Revisões Cirúrgicas com alongamento conjunto da mentação oral diária e prolongada por toda a vida à
ansa alimentar e canal comum. Marceau (3) num total custa de um polivitaminico equilibrado.
de 1423 doentes operados refere uma taxa de 0.7% Deve ser referida, por ser uma situação patológica
(n=9) com o mesmo tipo de revisão. de estabelecimento mais ou menos agudo e que se
Na nossa série de 81 doentes operados foi necessá- reveste de grande aparato clínico, o denominado Sin-
ria uma Revisão Cirúrgica para alongamento da ansa drome de Wernicke-Korsakoff, complicação de qual-
alimentar e canal comum numa doente com má nutri- quer procedimento bariátrico que tenha como conse-
ção não controlável com %EPP de 108% aos 2.5 anos quência uma rápida perda de peso sobretudo se asso-
pós cirurgia, correspondendo a uma percentagem de ciada a vómito.
1.23% (n=1). Ao atingir o Sistema Nervoso Central, caracteriza-
Se apesar da Revisão se mantiver uma situação pro- se por uma clínica exuberante com nistagmus, oftal-
gressiva de má nutrição não controlável a solução moplegia, ataxia e confusão mental, originando a
extrema será uma Reconversão Cirúrgica. denominada Encefalopatia de Wernick. É uma situa-
A Reconversão consegue-se à custa de uma anasto- ção que pode surgir após qualquer cirurgia que con-
mose latero-lateral entre a ansa de jejuno no segui- duza a uma rápida perda de peso. Por este facto poderá
mento do Treitz e um segmento proximal da ansa ali- estar também relacionada com uma DBP DS.
mentar. O restabelecimento deste circuito entre a ansa Qualquer cirurgião que pratique cirurgia bariátrica
biliopancreática e a alimentar anula o efeito de má deve ter presente esta complicação para que atempa-
absorção. damente a possa reconhecer e tratar. Um quadro neu-
A Reconversão da DBP DS é uma situação de rológico deste tipo que sobrevém num doente com
excepção em todas as séries publicadas com taxa de vómitos sujeito a uma operação bariátrica num pas-
incidência < 1%. sado mais ou menos recente deve levar à suspeição de
Outros problemas podem e devem ser diagnostica- um défice de Tiamina ( vitamina B1 ). Esta vitamina
dos no seguimento dos doentes, visto que impondo é crucial no metabolismo dos hidratos de carbono e a
terapêutica especifica em tempo adequado são tratá- administração destas substâncias pela via oral ou
veis e não evoluem para complicações mais graves. parenteral, são um factor desencadeante dos défices de
Uma das queixas mais frequentes, muitas vezes incó- Tiamina. O tratamento consiste na administração de
moda e comprometedora para o doente é o mau cheiro Tiamina na dose de 100mg iv / dia durante 7 dias,
das fezes e gazes intestinais (70%) associada a circuns- seguido de suplementação oral (12).
tancial distensão abdominal (48%). Uma parte signi- A queda de cabelo é outro sintoma muito comum
ficativa do circuito alimentar sem a presença das enzi- nos doentes submetidos a cirurgia bariátrica. Está asso-
mas biliopancreáticas é a causa desses sintomas. Alguns ciado a uma deficiência de Zinco que se pode prolon-
ajustes nas regras dietéticas e a introdução de enzimas gar até cerca de um ano pós cirurgia sobretudo na fase
pancreáticas ( Kreon®) associado a curtos ciclos de 2 de maior perda ponderal. A suplementação com Zinco
a 3 dias de Metronidazol (Flagyl®) resolvem frequen- deve estar incluída no complexo vitamínico utilizado.
temente a situação. Existe um potencial risco de Doença Óssea Meta-
A DBP DS ao ter efeitos significativos na absorção bólica como complicação a longo prazo de toda a
das gorduras, consequentemente diminui a absorção cirurgia bariátrica mas especialmente na DBP DS que
das vitaminas lipossolúveis e ácidos gordos essenciais. tem uma componente de má absorção evidente.
Os défices de vitaminas hidrosolúveis são menos Na base deste problema está a baixa da absorção de
frequentes. Cálcio após esta cirurgia. O Cálcio é principalmente
Genericamente os défices de vitaminas após uma absorvido por transporte activo no duodeno e jejuno
DBP DS, são normalmente evitáveis por uma suple- proximal num processo intimamente ligado ao que

Derivação biliopancreática com duodenal switch


87
acontece à forma activa da Vitamina D. A produção da No estudo de Marceau (3) no seguimento de 15 anos
forma activa é fisiologicamente regulada pelo cálcio pós DBP DS a oclusão intestinal impondo tratamento
extra celular e pela concentração da parathormona. cirúrgico ocorreu em 6% de casos (83/1356), em
A absorção oral de Vitamina D ocorre através de média 3.2 anos após a cirurgia inicial.
quilomicrons e é prejudicada por condições geradoras As oclusões intestinais por hérnias internas, bem
de esteatorreia. como má rotações do intestino são mais frequentes
Tendo presente as alterações da fisiologia produzidas após cirurgia por laparoscopia (8).
pela DBP DS, entende-se a importância da monitori- As hérnias Incisionais são relativamente frequentes
zação e suplementação em Cálcio e Vitamina D no pós laparotomia e raras em cirurgia laparoscópica.
follow up destes doentes, ao longo de toda a vida.
As doses de suplementação em cálcio serão de 1200 a 3. Tipo de Dieta
1500 mg diários e para a vitamina D de 800 UI/diária. A Dieta pós DBP DS não se diferencia da estabele-
cida para outros procedimentos bariátricos no que se
2. Outras Complicações a Longo Prazo refere às primeiras semanas de pós operatório.
Para além das complicações anteriormente referidas Nas 2 a 3 primeiras semanas pós cirurgia a dieta
consequentes às alterações fisiológicas estabelecidas deve ser liquida e rica em proteínas. Seguir-se-à pro-
pela DBP DS, outras existem que poderão ser impu- gressivamente uma dieta mole (duas semanas) e final-
táveis a um qualquer procedimento de cirurgia major. mente uma dieta sólida normal, mas sempre rica em
A Oclusão Intestinal, complicação sempre possível proteínas e com restrições em hidratos de carbono e
e das mais frequentes após uma cirurgia abdominal gorduras.
seja por laparotomia seja por laparoscopia é particu- A DBP DS tem a vantagem de ser o único procedi-
larmente importante no seguimento da cirurgia de mento de cirurgia bariátrica que permite o recurso a uma
bypass e nomeadamente na DBP DS. A razão desta dieta normal. Mais de 90% dos operados ingere todo o
importância acrescida, tem a ver com a eventual difi- tipo de alimentos. O vómito é pouco frequente, ocor-
culdade no diagnóstico. Se a ansa comprometida no rendo apenas em menos de 5% dos casos, contraria-
mecanismo de oclusão é a ansa alimentar, o diagnós- mente ao que se verifica nos procedimentos restritivos.
tico é relativamente acessível, pois será baseado num A vantagem desta conjugação de factos é permitir a
clássico quadro clínico e imagiológico de oclusão intes- possibilidade de grande parte da suplementação ali-
tinal alta. Se pelo contrário é a ansa biliopancreática mentar exigida ser efectuada através de uma dieta nor-
que está implicada na causa da oclusão, o diagnóstico mal.
poderá então rodear-se de maior dificuldade. Excluída A desvantagem é devida à grande tolerância ali-
do trajecto alimentar a ansa intestinal implicada não é mentar induzindo a que por vezes não sejam cumpri-
passível de estudo por exame radiológico contrastado. das as regras de dieta que assegurem uma perda pon-
Perante uma dor abdominal persistente e de inten- deral adequada e mantida ao longo dos anos nos níveis
sidade crescente deve ser colocada a suspeição diag- desejados.
nóstica de oclusão da ansa biliopancreática. Deve ser Esta é uma razão suficiente para que se verifique
efectuada uma TAC Abdominal com contraste diges- uma vigilância dietética ao longo do follow up destes
tivo e perante a imagem de ansa(s) dilatadas fora do doentes.
circuito do contraste, o diagnóstico passará a ter uma
certa consistência. Para complemento poderá ser EFEITO SOBRE AS MORBILIDADES ASSOCIADAS
pedido um estudo cintigráfico com HIDA, que reve-
lará a acumulação de bílis marcada nas ansas a mon- As doenças associadas à obesidade atingem todos os
tante da oclusão. sistemas orgânicos.

Pedro Gomes
88
A melhoria ou cura dessas doenças é outro dos res e 1 registou apenas diminuição dos valores do
objectivos que se pretende atingir com a cirurgia asso- colesterol e normalização dos triglicerideos. De notar
ciada à perda de peso. que os 3 doentes que normalizaram os valores da dis-
No topo da lista das doenças melhoradas ou curadas lipidemia, esta enquadrava-se num quadro de Sin-
estão a Diabetes e as Dislipidemias. drome Metabólica que se resolveu na globalidade.
A eventual cura ou melhoria de outras patologias Os 2 doentes com ulcera varicosa registaram cica-
associadas está directamente relacionada com a quan- trização total em tempo variável mas apenas quando a
tidade de peso perdido. %EPP atingiu os 50%.
Também neste aspecto a DBP DS tem seguramente Os doentes com recuo de 3 anos (n=2), com pato-
a longo prazo os melhores resultados. logia degenerativa articular registaram com a perda de
Na série já referida de 81 doentes operados de DBP peso melhoria dos sintomas consequente à menor
DS pelo nosso grupo, em 61 doentes (75.3%) verifi- sobrecarga, mobilizando-se com maior facilidade.
cou-se a associação com outras patologias. Contudo mantiveram clinica e sinais imagiológicos de
As seis patologias mais frequentes que foram regis- artroses (anca e joelho) com indicação para artroplas-
tadas: tias.
Os resultados revistos por A.Baltasar (8) apontam
Hipertensão arterial 47 (58.0%) para uma resolução em 100% dos doentes diabéticos
Sindrome de Apneia do Sono 41 (50.6%) e 76% de cura da HA.
Diabetes tipo 2 16 (19.7%) Marceau (3) na revisão de 1356 doentes, registou
Dislipidemia 10 (12.3%) 27.8% (n=377) diabéticos. Destes, 301 eram medica-
Patologia degenerativa articular 6 (7.4%) dos, enquanto 76 apenas cumpriam dieta. O efeito
Ulcera varicosa 3 (3.7%) terapêutico da perda de peso pós cirurgia foi notável,
já que numa primeira fase 97% (292/301) diminuí-
Registamos seguidamente os resultados recolhidos ram a medicação e com o passar do tempo 92% dei-
do seguimento dos 53 doentes com 3 anos de recuo xaram mesmo os antidiabéticos orais. Nos doentes que
sobre a cirurgia. faziam terapêutica associada de insulina com antidia-
Verificou-se a cura da diabetes em 100% dos 9 béticos orais, 98% deixaram a insulina enquanto
doentes diabéticos, 2 dos quais eram medicados com 61.3% suspenderam também a medicação oral. Dos
insulina. doentes que utilizavam no pré operatório CiPAP , ape-
Dos 28 doentes com hipertensão arterial, 21 (75%) nas 7% (n=14) o mantém.
passaram a ter valores normais de TA, enquanto 6
(21.4%) tiveram ajustes da terapêutica por diminui-
ção dos valores da TA e apenas 1 doente (3.5%) man- CIRURGIA ABERTA / CIRURGIA LAPAROSCÓPICA
teve valores inalterados.
Em relação à apneia do sono, que despistamos antes A Cirurgia Minimamente Invasiva é cada vez mais
da cirurgia em todos os doentes super obesos através de e em todos os ramos da Cirurgia uma abordagem de
registo poligráfico durante o sono, dos 25 doentes que eleição.
sofriam de apneia, 17 (68%) registaram cura com A Cirurgia Bariátrica não é excepção. A abordagem
abandono do ventilador. Nos restantes 8 (32%) regis- por laparoscopia é actualmente não só possível como
tou-se melhoria motivando alterações nas pressões do desejável em todos os procedimentos cirúrgicos para
CiPAP. tratamento da obesidade, devido às inúmeras e conhe-
Relativamente aos valores da dislipidemia, dos 4 cidas vantagens que a cirurgia minimamente invasiva
doentes com recuo de 3 anos, 3 normalizaram os valo- apresenta.

Derivação biliopancreática com duodenal switch


89
Apesar disto a cirurgia aberta não está de modo a estabilização da indicação para DBP DS no nosso
nenhum proscrita. A cirurgia aberta pode e deve ser grupo.
sempre considerada uma alternativa praticável face a O IMC médio de toda a série (n=81) é 54.6 com
uma impossibilidade da via laparoscópica. mínimo de 39.1 e máximo 79.4 Kg/m².
Na Conferência de Consenso da American Society Utilizamos segundo o aconselhado por Aniceto Bal-
of Bariatric Surgery (ASBS) realizada em Washington tasar (5) na via aberta, uma Incisão transversal supra
em Maio de 2004 um dos itens finais estabelecidos foi umbilical que sendo motivadora de menos dor, favo-
que a cirurgia efectuada por via aberta ou por via lapa- rece a dinâmica respiratória, condiciona menos even-
roscópica, são válidas e complementares. trações e finalmente numa futura cirurgia moduladora
A DBPC DS é um procedimento de grande cirur- corporal, poderá ser esta cicatriz excisada ao ser efec-
gia que implica uma linha de secção e de agrafagem tuada a abdominoplastia com óptimo resultado esté-
da grande curvatura gástrica (sleeve), a tecnicamente tico.
exigente secção duodenal cerca de 3 cm pós pilórica Consideramos indispensável a utilização de um apa-
com o consequente encerramento do coto duodenal relho de dissecção ultrasónico para a laqueação/secção
distal e finalmente duas anastomoses (duodeno/ileos- dos vasos gastro epiploicos e vasos curtos para liberta-
tomia e jejunoileostomia). ção de toda a grande curvatura gástrica e adequada
Este é um procedimento que pela eficácia dos resul- mobilização do fundo. A gastrectomia linear (sleeve) só
tados a longo prazo está cada vez mais reconhecido será verdadeiramente eficaz na sua função de restrição
como a cirurgia indicada nos Super Obesos (IMC>50) se fôr tubular, baseada a ressecção numa calibração
e nos Super Super Obesos (IMC>60). Em doentes com sonda de Foucher 40 e se fôr removido todo o
com este grau de obesidade a hepatomegália pela estea- fundo gástrico.
tose é factor condicionando dificuldades técnicas A linha de agrafagem da secção do corte com as GIA
acrescidas. Existem propostas para abordagem destes é finalmente reforçada com uma sutura continua
doentes por etapas. Balão intra gástrico (BIB) durante serosa a serosa com fio absorvível.
o máximo 6 meses seguido de cirurgia. Outra pro- A anastomose entre o duodeno (seccionado ± 3 cm
posta, feita em primeira mão por M.Gagner, é a exe- pós piloro) e o ileon que foi trazido para posição supra
cução de um Sleeve num primeiro tempo, seguido de mesocólica é por nós efectuada invariavelmente
Duodenal Switch seis a doze meses depois. Contudo unindo as duas estruturas término/lateral com uma
apesar das opções aconselhadas continua a ser uma sutura continua num só plano com Prolene ® 3/0.
conjugação problemática, a morfologia anatómica dos A intervenção termina com a introdução de soro
grandes obesos e uma DBP DS por laparoscopia com salino misturado com azul de metileno através da
curva de aprendizagem difícil e prolongada, superior à sonda de Foucher com a extremidade distal posicio-
do bypass gástrico mesmo em experientes cirurgiões nada na junção esofagogástrica, permitindo testar a
laparoscopistas. integridade das linhas de sutura do sleeve e a permea-
O nosso grupo (Pedro Gomes;L Simões Reis;J bilidade da duodenoileostomia.
Conceição A.Firmo), preconiza actualmente a DBP Nos 81 doentes operados, utilizando sempre as téc-
DS como primeira opção cirúrgica para obesos com nicas referidas conforme inicialmente aconselhado por
IMC>60. Dos 81 doentes operados, todos por via Aniceto Baltasar (5), não se registou nenhum leak do
aberta, 55 (67.9%) tinham IMC>50 e destes, 25 Sleeve, registando-se duas fistulas de pequena dimen-
(30.8%) são Super Super Obesos (IMC>60), sendo são, avaliadas por imagem de Rx com gastrografina (6º
que 8 (9.8%) têm IMC>70. e 13º doentes operados) que com tratamento conser-
Dos últimos 35 doentes operados apenas 6 tinham vador cicatrizaram entre o 16º e 24º dias sem compli-
IMC <55 e em 18 deles o IMC >60 o que demonstra cações nem sequelas posteriores.

Pedro Gomes
90
Registaram-se em dois doentes hemorragias intra A Baltasar (8) para a DBP CD aberta tem uma taxa
abdominais intensas nas primeiras 24 horas de pós de mortalidade de 0.95% e para a via laparoscópica é
operatório que impuseram laparotomias de revisão. de 0.85%.
Em ambos os casos foram encontrados volumosos Na nossa série de 81 doentes registaram-se 2 óbitos.
hematomas supra mesocólicos, estendendo-se em A mortalidade operatória foi de 1.2% correspondente
intima relação com o novo tubo gástrico e que após ao falecimento de um doente nas primeiras 24 h por
cuidadosa aspiração e revisão não foi percebida a ver- embolia pulmonar. Registou-se outra morte ao 4º mês
dadeira causa da hemorragia. Passámos, após estes dois por pneumonia pulmonar bilateral contributo para
episódios a ter maior atenção à manipulação do grande que a mortalidade global da série seja de 2.4%.
epiplone desinserido da grande curvatura gástrica após
a laqueação de vasos com o aparelho ultra sónico.
A complicação minor mais frequente foram os Sero- CONCLUSÃO
mas (n=12 – 14.8%) da parede apesar da drenagem
sistemática com drenos de vácuo. • A Derivação Biliopancreática com Duodenal Switch
Foram até ao momento diagnosticadas três Hérnias (DBP DS) é o procedimento bariátrico que regista
Incisionais (3.7%) não estando nenhuma delas rela- os melhores resultados na perda de peso e na manu-
cionada com seromas prévios, mas uma delas foi num tenção dessa perda a longo prazo.
dos doentes que teve hemorragia pós operatória • Cura ou promove significativamente a melhoria das
impondo uma segunda laparotomia. morbilidades associadas.
No estudo de Marceau (3) são descritas hérnias inci- • Sendo uma cirurgia do tipo misto em que associa
sionais em 13% dos doentes operados (176/1356). um componente restritivo (Sleeve) com o compo-
nente indutor da má absorção (Duodenal Switch)
cria uma nova fisiologia que obriga a um segui-
MORTALIDADE mento criterioso e prolongado de modo a serem
detectados e corrigidos eventuais défices vitamino/
A DBP DS apesar de ser um procedimento tecni- /minerais e as consequentes patologias que lhe estão
camente exigente, seja qual fôr a via de abordagem associadas.
escolhida, apresenta taxas de mortalidade que se • É o único procedimento bariátrico que cria as con-
enquadram no que é aceitável em cirurgia bariátrica. dições para que seja possível a prática de uma ali-
É facto conhecido que o IMC > 50 KG/m² funciona mentação quase normal em que o sintoma vómito é
como elemento agravante da mortalidade operatória. quase inexistente.
Marceau (3) registou uma mortalidade operatória • A DBP DS é do ponto de vista técnico uma opera-
(nos primeiros 30 dias) de 1.1% (16/1423) .Quando ção de alguma complexidade sobretudo se efectuada
regista os dados referentes a 90 dias a mortalidade pela via laparoscópica. Apesar disto e desde que
sobe ligeiramente para 1.3%. sejam respeitados os timings de uma curva de apren-
Estes dados são sobreponíveis aos verificados em dizagem exigente, a morbilidade e mortalidade
doentes submetidos a Bypass Gastrico. situam-se em níveis perfeitamente aceitáveis sobre-
Hess (1) apresenta valores de mortalidade global para tudo tendo em conta os doentes Super Obesos
a DBP DS de 0.57%. Contudo quando se refere a (IMC>50) que constituem a indicação preferencial
doentes com IMC > 50 a taxa é de 1.16%. deste procedimento.

Derivação biliopancreática com duodenal switch


91
BIBLIOGRAFIA

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12. DJ Davies; Nutritional Deficiencies after Bariatric Surgery- Obesity Surgery vol 17 n.° 9 September 2007, 1150-57

Pedro Gomes
92
GRANDES TEMAS: OBESIDADE

Physiologie de l’absorption alimentaire:


diversion biliopancréatique.
Mise à jour à propos de 3000 interventions
N. Scopinaro
Gênes – Italie

“Reproduzido com autorização do “Journal de Coelio Chirurgie”, Copyright SREC diffusion”


Se este artigo fôr citado em qualquer futura publicação e/ou apresentação, deve ser usada como citação a publicação original:
Journal de Coelio Chirurgie n.° 64 – Dezembro 2007, 10-15

RÉSUMÉ
L'auteur à propos d'une série de 3 000 interventions, dont 162 réalisées par voie coelioscopique, présente les avantages et les inconvé-
nients de la diversion bilio-pancréatique (DBP). La DBP assure une réduction de plus de 70% de l'excès pondéral initial, tant chez les
obèses que chez les superobèses ; cette perte de poids est constante et surtout se maintient à très long terme (25 ans). La DBP a un effet
très favorable sur le métabolisme du glucose, avec 98% de guérison du diabète à 10 ans ; elle réduit à long terme le cholestérol sérique
avec augmentation du HDL cholestérol. Elle normalise la tension artérielle dans 80% des cas à 10 ans. Elle constituerait ainsi le traite-
ment le plus puissant de l'hyperlipidémie et du diabète sucré type II. L'anémie, la déminéralisation osseuse, l'ulcère gastrique et la neu-
ropathie périphérique peuvent être contrôlés aisément ; le problème le plus important est celui de la malnutrition protéique (MP), qu'il
s'agisse de la forme épisodique précoce ou de la forme récurrente. L'auteur, en adaptant aux caractéristiques du patient dans la "DBP ad
hoc" le volume gastrique d'une part, et la longueur de l'anse alimentaire d'autre part, obtient à 10 ans chez les 300 derniers opérés, 1%
de MP récurrente entraînant 1% de réinterventions, avec une réduction permanente de 71% de l'excès de poids initial.
(MOTS CLÉS: Obésité, Dérivation bilio-pancréatique (DBP), Syndrome métabolique, Diabète type II, Hyperlipidémie)

SUMMARY
A propos of a series of 3,000 procedures, 162 of which were performed laparoscopically, the author presents the advantages and draw-
backs of biliopancreatic bypass (DBP). DBP allows an over 70% initial excess weight loss, both in obese and superobese patients ; the
weight loss remains constant and above all it is long lasting (25 years). In fact, DBP has a favourable effect on glucose metabolism, with
98% of cases of diabetes cured at 10 years ; it lowers serum cholesterol lastingly and increases HDL cholesterol. DBP also regulates blood
pressure in 80% of cases at 10 years. DBP could represent the most powerful treatment against hyperlipidemia and type II diabetes
mellitus. Anaemia, bone demineralisation, gastric ulcer and peripheral neuropathy are easily controlled ; the major problem is that of
protein malnutrition (MP) both in its early episodic form and recurring form. In "ad hoc DBP " the author tailors the procedure to
patient characteristics, namely gastric volume and length of feeding loop. In his last 300 operated patients, his results at 10 years are
1% of recurring MP leading to 1% reoperations, with a 71% permanent loss of initial excess weight.
(KEY WORDS: Obesity, Biliopancreatic bypass (DBP), Metabolic syndrome, Type II diabetes, Hyperlipidemia)

RIASSUNTO
L'autore presenta i vantaggi e gli svantaggi della diversione bilio-pancreatica (DBP) su una serie di 3000 interventi, di cui 162 eseguiti
in laparoscopia. La DBP assicura la riduzione di oltre il 70% dell'eccesso ponderale iniziale, tanto nei soggetti obesi quanto nei super-
obesi ; questa perdita di peso è costante e soprattutto si mantiene a lungo termine (25 anni). La DBP ha un effetto molto favorevole
sul metabolismo del glucosio, con 98% di guarigione del diabete a 10 anni ; riduce a lungo termine il colesterolo sierico con aumento
del L colesterolo. Normalizza la pressione arteriosa nel 80% dei casi a 10 anni. Essa costituirebbe inoltre il trattamento più potente
dell'iperlipidemia e del diabete mellito di tipo II. L'anemia, la demineralizzazione ossea, l'ulcera gastrica e la neuropatia periferica pos-
sono essere controllate facilmente ; il problema più importante è la malnutrizione proteica (MP), sia nella forma sporadica precoce che
nella forma ricorrente. L'autore, adattando alle caratteristiche del paziente nella "DBP ad hoc" il volume gastrico da una parte e la lun-
ghezza dell'ansa alimentare dall'altra, ottiene a 10 anni, negli ultimi 300 operati, 1% di MP ricorrente che impone 1% di reinterventi,
con una riduzione permanente del 71% dell'eccesso di peso iniziale.
(PAROLE CHIAVE : Obesità, Diversione bilio-pancreatica (DBP), Sindrome metabolica, Diabete tipo II, Iperlipidemia)

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


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PATIENTS ET MÉTHODE trois caractéristiques de perte de poids qui font de la
DBP la plus efficace des procédures jamais proposées:
La diversion bilio-pancréatique (DBP) a été conçue – la première est son amplitude qui excède 70% de
et expérimentée sur le chien il y a plus de trente ans [1] l'excédent pondéral initial à la fois chez les obèses et
et pratiquée pour la première fois chez l'homme en chez les superobèses;
1976 [2], en gardant à l'esprit que la réduction de poids – la seconde caractéristique est la constance de cette
est sans intérêt si elle n'est pas suivie par une stabilisa- perte de poids;
tion définitive du poids. – la troisième, et de loin la plus importante caracté-
L'opération consiste en une gastrectomie distale ristique de la perte de poids dans la DBP, est son très
avec une reconstruction par anse à la Roux, l'entéro- strict maintien à long terme, les 70% de perte de l'ex-
entérostomie étant placée à un niveau iléal distal. Cette cès de poids initial se maintenant jusqu'à 25 ans dans
opération de chirurgie générale, que tout bon chirur- un groupe de patients subissant l'intervention dans sa
gien général peut réaliser, comporte un détail tech- forme originale.
nique important qui est la mesure de l'intestin grêle, Une étude sur l'absorption intestinale des graisses,
tant en chirurgie open qu'en coelioscopie [3], qui doit d'énergie et d'azote [5], nous donne l'explication de ce
être complètement tendu afin d'obtenir des mesures presque incroyable maintien illimité du poids, démon-
reproductibles. trant que le mécanisme digestif d'absorption dans la
L'opération peut être considérée comme une pro- DBP a une capacité maximale de transport pour les
cédure combinée avec un mécanisme temporaire pour graisses et les féculents, et donc pour l'énergie qui cor-
la perte de poids et un mécanisme permanent pour le respond à environ 1250 calories par jour et que, en
maintien pondéral. conséquence, tous les apports énergétiques qui dépas-
Le premier mécanisme est basé sur la réduction du sent le seuil maximum de transport ne sont pas absor-
volume gastrique qui, à travers une large gastro-enté- bés. Pour cette raison, puisque l'apport énergétique des
rostomie, se vide rapidement dans un segment intes- patients opérés est largement plus élevé que le seuil de
tinal relativement distal. Cela provoque une baisse transport susmentionné, l'absorption quotidienne
temporaire de l'appétit et la survenue d'un syndrome d'énergie est constante pour chaque sujet ; c'est aussi
postcibal et, ainsi, une diminution des apports ali- pourquoi le poids va rester constant de façon perma-
mentaires responsable de la perte de poids initial. nente. Ce phénomène a été confirmé par une expé-
Comme ces effets sont d'autant plus importants et rience de suralimentation dans laquelle 10 sujets, por-
durent d'autant plus longtemps que le volume gas- teurs d'une DBP à long terme, ont maintenu un poids
trique est plus petit, depuis 1984 le volume gastrique corporel absolument constant alors qu'ils étaient nour-
est adapté aux caractéristiques individuelles des ris pendant 15 jours avec un supplément de 2000 calo-
patients, incluant l'excèdent initial de poids corporel et ries en graisses et féculents.
d'autres variables. Le mécanisme essentiel de l'action À côté du bénéfice évident dû à la perte de poids,
de la DBP est le retard du mélange entre le bol ali- quelques actions spécifiques de la DBP expliquent la
mentaire et les sucs biliopancréatiques avec pour normalisation permanente du cholestérol et du glu-
conséquence une digestion raccourcie de façon per- cose sérique chez 100% des sujets avec des taux préo-
manente et donc une diminution de l'absorption des pératoires anormalement hauts, ce qui, avec plus de
graisses et des féculents [4]. 90% et 80% de normalisation des triglycérides et de la
pression artérielle, signifie un effet extraordinaire sur le
Les avantages de la DBP sont très importants syndrome métabolique [6].
Notre série dépasse maintenant les 3 000 interven- • L'effet sur le métabolisme du glucose dans les opé-
tions dont 162 réalisées par voie coelioscopique. Il y a rations de chirurgie restrictive est lié uniquement à la

N. Scopinaro
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perte de poids de sorte que s'il y a reprise de poids, au détriment du pool cholestérolique, et par l'absorp-
l'effet favorable disparaît. Pour comprendre ce qu'il tion fortement réduite du cholestérol endogène due à
advient après bypass gastrique ou DBP rappelons-nous l'absorption minimale de graisses. Ces actions sont
que, selon l'hypothèse de Randle [7, 8], le diabète dans également prouvées par une étude qui montre une
l'obésité serait dû à l'augmentation de l'oxydation des excrétion quotidienne de sels biliaires d'environ 750
FFA (free fatty acid) qui, à son tour, inhibe l'oxyda- mg, versus une valeur normale de 400 mg, et de nou-
tion glucidique, causant ainsi une résistance à l'insu- veau une absorption de graisses extrêmement limitée
line. Plus récemment l'école suédoise [9] a suggéré que [5] qui certainement autorise l'absorption d'une part
l'hyperinsulinémie serait due à une diminution de la minime de cholestérol endogène.
clearence hépatique à l'insuline, secondaire à l'aug- Sur les 2 266 patients avec "DBP ad hoc", avec un
mentation de la concentration portale en FFA et de la suivi minimum d'un an, 317 d'entre eux (14%)
compétition qui s'en suit avec les récepteurs insuli- avaient une simple hyperglycémie préopératoire, 140
niques. (6,2%) avaient un diabète sucré type 2 traité avec des
Si nous considérons qu'indépendamment de ces hypoglycémiants oraux, et 39 (1,7%) patients avaient
pathogénies le diabète sucré de type 2 est caractérisé un diabète sucré de type 2 nécessitant un traitement à
par le cercle vicieux dans lequel l'hyperinsulinémie l'insuline. Parmi ces patients tous, exceptés deux,
cause la résistance à l'insuline et vice versa, il est clair avaient un an après DBP et de façon permanente une
que tout facteur influençant ce cercle vicieux aura une glycémie normale sans traitement et avec un régime
répercussion sur le diabète. C'est le cas de l'annulation entièrement libre.
virtuelle de l'axe entéro-insulaire due au bypass du Il y a eu 4 autres cas de rechute tardive, mais aucun
duodénum et du jéjunum proximal qui cause une de ces patients à long terme n'a eu besoin d'un traite-
réduction de la production d'insuline et ainsi aug- ment quelconque. Significativement cela s'est accom-
mente la sensibilité à l'insuline. La DBP ajoute à cela pagné d'une normalisation des niveaux sériques d'in-
au moins une autre action spécifique consistant en suline, comme cela a été démontré par une analyse
l'extrême réduction de l'absorption lipidique avec une longitudinale [4], et par une analyse transversale mon-
diminution conséquente de la graisse intramyocellu- trant des niveaux sériques de base postopératoires nor-
laire et renversement de la résistance à l'insuline [10] et maux ainsi que la réponse au repas test, et la surface
naturellement réduction ou annulation de la toxicité au-dessous de la courbe, et par la normalisation de la
aux graisses des cellules béta [11]. sensibilité à l'insuline qui fut explorée dans une autre
La presque annulation de l'axe entéro-insulaire est étude au moyen d'une restriction isoglycémique
prouvée par l'extrême réduction du GIP (Gastric Inhi- hyperinsulinémique [4].
bitory Polypeptide) qui est considéré comme la plus De façon intéressante les patients avec un diabète
importante incrétine qui après DBP a des niveaux de insulinodépendant préopératoire avaient déjà un niveau
base fortement réduits, une courbe plate en réponse à sérique moyen de glucose normalisé un mois après la
un repas, et une réponse intégrée très réduite [12]. L'ab- DBP, alors que l'excès de poids était encore autour de
sorption graisseuse minime est attestée [5] montrant 80% ce qui prouve à nouveau un effet spécifique indé-
une absorption quotidienne moyenne d'environ 40 gr pendant du changement de poids. De la même façon les
de lipides après DBP. valeurs HOMA, et donc la sensibilité à l'insuline, étaient
Différemment du bypass gastrique la DBP a aussi normales un à deux mois après l'intervention [13].
deux actions spécifiques sur le métabolisme du cho- Il est intéressant de comparer les effets bénéfiques à
lestérol, représentées par l'interruption calibrée de la long terme de la DBP sur le métabolisme du glucose
circulation entérohépatique des sels biliaires avec l'aug- avec ceux de l'autre opération qui, à côté de très bons
mentation consécutive de la synthèse d'acides biliaires résultats à long terme sur le poids, a aussi une action

Physiologie de l’absorption alimentaire: diversion biliopancréatique


95
spécifique sur le métabolisme glucidique : le bypass Concernant les effets de la DBP sur le cholestérol
gastrique qui, avec seulement une des actions spéci- sérique, il n'y a pas de comparaison possible; le GBP,
fique du DBP, a un impact inférieur sur la cure du dia- comme toutes les opérations gastriques purement res-
bète. Le groupe Greenville, et précisément Walter trictives, n'a pas d'effets autres que ceux liés à la perte de
Pories et al [1]. et Kennet MacDonald et al [15], a pré- poids. Dans notre série la réduction moyenne du cho-
senté les résultats à dix ans du GBP dans le traitement lestérol sérique après DBP est d'environ 30% chez les
du diabète sucré de type 2 concernant environ 150 patients qui avaient des valeurs préopératoires normales,
patients diabétiques. et d'environ 45% chez les patients hypercholestérolé-
Pour cette raison nous avons pris en compte les miques en préopératoire. En particulier sur les 2 800
1 576 "DBP ad hoc" qui avaient un minimum de 10 patients opérés (série totale) avec un suivi minimum
ans de suivi fin 2003, dont 312 avaient un diabète préo- d'un mois, 1 486 avaient un cholestérol sérique à un
pératoire défini par une glycémie à jeun supérieure à taux supérieur à 200 mg/ dl, 609 à plus de 240 et 102
125 mg/ dl : dix ans après l'opération 42 des patients à plus de 300 mg/ dl. Tous avaient un cholestérol infé-
opérés (13%) étaient perdus de vue; sur les 270 restants rieur à 200 déjà à un mois postopératoire et aucune
33 (12%) étaient décédés de sorte que 237 étaient éli- valeur supérieure à 200 n'a été enregistrée durant les 30
gibles pour évaluation. Les patients avec GBP avaient ans de suivi. Si nous ne prenons en compte que les
une réduction moyenne de la glycémie à jeun de 187 à patients dont le taux de HDL cholestérol était disponi-
moins de 140, stabilisée jusqu'à 10 ans. Les valeurs cor- ble ces résultats se maintenaient à moyen terme chez 51
respondantes pour les patients avec DBP étaient de 178 patients appariés, tandis que le HDL cholestérol mon-
à moins de 90. Le pourcentage de patients guéris, c'est- trait une augmentation légère mais significative, et à très
à-dire normoglycémiques en régime libre et sans médi- long terme, chez les 10 patients opérés par le modèle
cations, est de 83% dans la série de Pories, alors que original de "half-half" DBP et pour lesquels les valeurs
dans notre série il varie de 99 à 100%, avec 98% à 10 étaient disponibles à 15 à 20 ans.
ans. Dans les deux séries les résultats peuvent se voir • Les effets de la DBP sur l'hypertension artérielle sont
quelques jours après l'opération confirmant ainsi l'ac- moins impressionnants mais encore manifestement
tion spécifique de ces opérations. très bons. Si l'on considère comme normale une pres-
Dans le groupe de Mac Donald le nombre de sion systolique inférieure à 140 et une diastolique au-
patients traités à l'insuline ou aux hypoglycémiants dessous de 85, en tenant compte seulement des 73
oraux tombe de 32% avant chirurgie à 9% au dernier opérés dont la T.A. est disponible sur 10 ans, la nor-
contrôle après GBP, alors qu'aucun de nos opérés, ni malisation de la pression artérielle augmente durant
même le très petit nombre avec guérison incomplète les dix ans de suivi, atteignant 80% à 10 ans en dépit
ou légère rechute, n'a jamais pris aucune médication du vieillissement et de la stabilité de poids corporel, ce
dans les deux ans de suivi. Enfin la mortalité dans le qui est exactement le contraire de ce que l'étude SOS
groupe contrôle de Mac Donald était de 28% versus démontrait après les procédures restrictives [16].
9% au total dans le groupe chirurgical. Nous n'avons Des considérations très importantes peuvent être
pas de groupe de contrôle jusqu'à présent et notre taux faites à ce stade: comme nous l'avons vu les effets
global de mortalité est de 12%, avec 4 cas de dénutri- métaboliques de la DBP sont totalement indépendants
tion protéique, que l'on aurait pas aujourd'hui, mais du changement de poids, et cela est démontré par les
qui représentaient probablement à cette époque le plus changements obtenus, à un mois déjà après l'inter-
haut prix à payer pour une opération avec possibilité vention, sur la glycémie, la sensibilité à l'insuline, les
de complications tardives à vie. Il y a eu seulement 4 graisses intramyocellulaires, et également par la nor-
décès d'origine cardio-vasculaire, c'est un peu moins malisation de la pression sanguine, qui continuent à
de 1%, à comparer aux 15% des groupes contrôle. s'améliorer à long terme en dépit de la stabilisation du

N. Scopinaro
96
poids corporel. Aussi, pourquoi ne pas utiliser la DBP • La déminéralisation osseuse requiert aussi une sup-
chez les patients non-obèses morbides et même non- plémentation calcique à titre préventif et curatif. De
obèses mais présentant un syndrome métabolique ? façon intéressante un pourcentage significatif de
Certainement pas par peur d'une perte de poids non patients obèses a déjà une maladie osseuse modérée à
désirée. En fait imaginons un patient avec un seuil sévère qui apparemment tend à s'améliorer du fait de
d'absorption énergétique intestinal correspondant à la perte de poids. Ce qui se produit probablement c'est
un poids de 80 kg. Nous savons que c'est le poids qu'il que, durant la première année, l'effet défavorable de
atteindra nécessairement quel qu'élevé que soit son la réduction d'absorption de Ca prévaut, provoquant
poids de départ. Que va-t-il se produire si, au une augmentation du pourcentage de troubles osseux,
contraire, son poids de départ est de 70 kg? La réponse alors que secondairement c'est l'effet bénéfique de la
évidente est qu'il ne va pas perdre de poids. Ainsi pour perte de poids. Ce phénomène général est particuliè-
ne prendre aucun risque plaçons le seuil à un niveau rement évident dans les populations présentant les
plus élevé. Nous avons besoin maintenant de considé- altérations préopératoires les plus importantes, c'est-
rer que dans la DBP, seule l'absorption des graisses est à-dire les patients plus âgés et plus lourds [18, 19, 20].
limitée à l'anse commune, alors que les protéines et les • L'incidence de l'ulcère d'estomac essentiellement
féculents sont absorbés 'à la fois dans l'anse commune limitée à la première année postopératoire est forte-
et dans l'anse alimentaire (voir ci-dessous). C'est pour- ment influencée en particulier chez la femme par l'al-
quoi le seuil d'absorption énergétique intestinal peut cool et surtout par la cigarette. Bien que l'ulcère soit
être considérablement relevé en allongeant l'anse ali- aisément curable par les médicaments antisécrétoires,
mentaire, ce qui n'affecte en rien les autres effets spé- chez les fumeurs il peut rechuter indéfiniment jusqu'à
cifiques de l'opération. Ce n'est pas seulement une l'arrêt du tabac [4].
hypothèse puisque cela a pu être vérifié chez deux • La neuropathie périphérique, autre complication
jeunes filles maigres présentant une chilomicronémia précoce, est très aisément prévenue par la supplémen-
familiale qui n'ont perdu aucun poids après avoir subi tation à la thiamine [21].
une DBP avec une anse alimentaire plus longue [17]. • La malnutrition protéique (MP) avec ses symp-
La conclusion évidente est que la DBP est actuelle- tômes classiques est la complication la plus sérieuse de
ment le traitement disponible le plus puissant pour la DBP. Généralement épisode précoce unique, elle est
l'hyperlipidémie et le diabète sucré de type 2, et qu'elle due au nonrespect des règles alimentaires qui doivent
pourrait être sûrement et efficacement utilisée dans le être observées en début de période postopératoire. Plus
traitement des syndromes métaboliques sévères chez les rarement cet épisode peut être récurrent en raison
obèses mais aussi chez les sujets non-obèses. d'apport de protéines inférieur à celui requis : une cor-
Evidemment cela a un prix, comme toutes choses rection chirurgicale est alors nécessaire avec allonge-
dans la vie, en particulier les bonnes. La pratique et ment de l'anse commune [22, 23]. La lutte contre cette
l'expérience nous ont conduits, hors learning curve, à complication a été la plus importante dans le déve-
une mortalité opératoire fermement réduite au-des- loppement de la DBP.
sous de 0, 5% avec progressivement une quasi-dispa- Pour comprendre comment la technique, les indi-
rition des complications générales et des complications cations et le management postopératoire ont évolué
chirurgicales majeures. jusqu'à ce que nous obtenions éventuellement le
contrôle de cette complication, nous devons revenir
La DBP a des complications tardives spécifiques. en arrière sur quelques principes de base de la physio-
• L'anémie, qui ne survient que chez les patients logie des complications nutritionnelles de la DBP. Le
avec un saignement chronique, peut être réduite au- volume gastrique influence grandement l'absorption
dessous de 5% avec une supplémentation adéquate. énergétique et protéique, à la fois dans la période post-

Physiologie de l’absorption alimentaire: diversion biliopancréatique


97
opératoire précoce en provoquant une baisse d'appétit Dans la période postopératoire précoce, du fait de la
et la survenue d'un syndrome postprandial, et à long réduction obligatoire des apports alimentaires, la pré-
terme en influençant le temps de transit intestinal. Ces valence de protéines dans le faible apport de nourri-
effets sont d'autant plus intenses que le volume gas- ture consommée favorise le développement de la forme
trique est plus petit et que l'anastomose gastro-intes- "marasmatique" de malnutrition en protéines et éner-
tinale est plus distale. De plus il est très important de gie, ce qui est exactement le but de l'opération.
comprendre que très peu, voire pas du tout, d'enzymes Au contraire quand la préférence est donnée aux
pancréatiques atteignent l'anse commune, de telle hydrates de carbone la forme "hypo-albuminique" peut
sorte qu'il n'y a pas de digestion pancréatique à ce se développer et elle représente la vraie complication,
niveau. La seule capacité digestive disponible est celle nécessitant réhospitalisation et nutrition parentérale.
des enzymes de la bordure en brosse intestinale. En Etant donné que l'opération fonctionne pour la vie
conséquence les protéines et les féculents sont digérés entière la malnutrition protéique sporadique peut sur-
et absorbés dans la totalité du segment intestinal entre venir à n'importe quelle distance de l'intervention et
la gastroentérostomie et la valve iléo-coecale, tandis est généralement due à une diarrhée infectieuse virale
que, du fait de la nécessité des sels biliaires, seule l'ab- prolongée ou à une réduction des apports alimentaires
sorption des graisses est strictement confinée à l'anse quelle qu'en soit la cause.
commune [24]. Comme nous le savons la DBP La forme récurrente de malnutrition protéique est
entraîne un seuil maximum d'absorption pour les d'une importance beaucoup plus grande. Un certain
graisses et les féculents et donc l'énergie qui, avec les nombre de facteurs, isolés ou combinés, peuvent abou-
longueurs standards dans nos populations, correspond tir à cette forme. Des facteurs sujet-dépendants tels
à une moyenne d'environ 40 gr / jour pour les graisses qu'apports protéiques insuffisants, absorption pro-
et 225 gr / jour pour les féculents, ce qui explique à la téique insuffisante par unité de surface intestinale, ou
fois la constance et le maintien à long terme de la perte excessive d'azote endogène, et des facteurs opé-
réduction pondérale après la DBP. La longueur de ration-dépendants tels qu'estomac trop petit entraî-
l'anse commune est également importante car elle doit nant une vidange et de ce fait un transit intestinal trop
permettre une absorption de sels biliaires suffisante et rapide avec une absorption réduite de façon perma-
ne pas provoquer de perte excessive de sels biliaires nente, ou encore une anse intestinale trop courte pro-
dans le côlon et donc de diarrhée avec sa réduction voquant une absorption protéique insuffisante. Un ou
d'absorption colique de protéines consécutive. De plusieurs de ces facteurs peuvent être responsables de
façon intéressante, et heureusement, contrairement à cette complication. Le concept est que cette opération
l'absorption des graisses et des féculents, l'absorption spécifique chez tel ou tel patient, est incompatible avec
des protéines après DBP dépend de l'apport alimen- un bon statut nutritionnel protéique. Après deux ou
taire et avec nos longueurs standards correspond à trois épisodes de malnutrition protéique on doit déci-
environ 70%. Par conséquent plus l'apport alimentaire der une reprise chirurgicale avec allongement de l'anse
sera important et plus l'anse alimentaire sera longue, commune. Etant donné, comme on l'a déjà dit, que
plus l'absorption protéique sera importante mais, du l'absorption protéique dépend de la longueur d'intes-
fait de la plus grande absorption concomitante des tin entre la GEA et la VIC (valve iléo-coecale) l'allon-
féculents, la perte de poids sera aussi moindre. Enfin gement ne doit pas être réalisé au niveau de l'anse ali-
une quintuple augmentation de la perte d'azote endo- mentaire mais au niveau de l'anse bilio-pancréatique.
gène a été démontrée après DBP. Tout calcul fait cela Le standard qui, entre nos mains, garantit la solution
porte les quantités moyennes requises de protéines à de tous les problèmes nutritionnels protéiques est
environ 90 grammes par jour et cela explique le risque d'ajouter 150 cm pour obtenir une longueur finale de
de malnutrition protéique après DBP. 4 mètres. Cela évidemment entraîne la restabilisation

N. Scopinaro
98
du poids du corps à un niveau moyen qui correspond dence globale de 11% de MP avec un taux de récur-
à un regain d'environ 25% de l'excès de poids. rence de 4,3% et une perte d'excès de poids corporel
Pour mieux comprendre comment nous avons initial de 75%. A ce point l'absence de différence signi-
modifié l'opération dans le but de minimiser le risque de ficative entre le volume gastrique des patients avec MP
malnutrition protéique (MP) résumons les causes de MP et sans MP démontrait qu'il n'avait plus d'influence
après DBP. D'un côté la DBP elle-même qui en dimi- sur l'incidence de MP.
nuant l'absorption protéique et en augmentant la perte C'est pourquoi afin de diminuer ultérieurement le
d'azote endogène augmente la demande protéique qui, taux de cette complication, depuis 1992 nous avons
à son tour, influence à la fois la MP épisodique et récur- également commencé à adapter la longueur de l'anse
rente. D'un autre coté la diminution du volume gas- alimentaire aux caractéristiques individuelles des
trique qui, par une diminution temporaire des entrées patients, la principale caractéristique socio-comporte-
alimentaires, influence la MP précoce épisodique et, mentale corrélée avec le risque de MP étant le contenu
par une diminution permanente du temps de transit protéique de l'alimentation habituelle, la capacité de
intestinal et ainsi une réduction de l'absorption pro- modifier les habitudes alimentaires en fonction de
téique, influence à la fois la MP précoce épisodique et besoins et le statut financier.
la MP tardive récurrente. Nous avons été initialement L'intervention "DBP avec estomac ad hoc et anse
très fortement attirés par l'extraordinaire perte de poids alimentaire ad hoc" qui résulte de ces modifications,
obtenue en réduisant le volume gastrique et à une phase analysée chez les 300 derniers patients ayant un fol-
ancienne de développement de la DBP nous avons low up moyen de 10 ans, entraîne une incidence
drastiquement réduit le volume moyen à 150 cc obte- presque négligeable de seulement 1% de MP récur-
nant de ce fait une spectaculaire réduction de 90% de rente ce qui signifie seulement 1% de réinterventions
l'excès de poids initial, mais une incidence catastro- pour des complications tardives spécifiques associées
phique de 30% de MP avec un taux de 10% de récur- encore à une très bonne réduction permanente de
rence. L'importance du volume gastrique est prouvée 71% de l'excès de poids initial.
par le fait que l'estomac des sujets avec MP était signi- Le fait que cette dernière politique procure le meil-
ficativement plus petit que celui des patients sans MP. leur compromis entre efficacité et sécurité est confirmé
Dans le but de diminuer l'incidence de MP sans perdre par une évaluation BAROS récente de plus de 800
les avantages du petit estomac, nous avons adapté le patients qui montrait chez les patients opérés après
volume gastrique aux caractéristiques de chaque 1992 un taux d'échecs de seulement 2% et plus de
patient. La philosophie originale de la DBP avec "esto- 90% de résultats bons et excellents.
mac ad hoc" était de confiner le risque de MP aux En conclusion, une bonne connaissance de la phy-
patients qui requéraient la plus grande perte de poids siologie de la DBP permet l'adaptation à la fois du
en adaptant le volume gastrique seulement à l'excès de volume gastrique et de la longueur de l'anse alimen-
poids initial. Le volume gastrique moyen fut réduit à taire aux caractéristiques individuelles du patient. Le
environ 300 cc avec une incidence totale de MP de taux qui en résulte de 1% de reprise pour complica-
15% et avec encore une très bonne perte d'excès de tions tardives spécifiques fait de la DBP entre nos
poids de 79%. Naturellement les patients avec un mains l'intervention la plus efficace mais aussi la plus
volume gastrique inférieur à 300 cc avaient encore une sûre utilisable dans le traitement de l'obésité.
incidence de MP significativement plus importante. Par ailleurs la learning curve a aussi influencé favo-
Nous avons décidé alors d'adapter le volume gas- rablement notre taux de complications tardives spéci-
trique aux autres caractéristiques des patients, en par- fiques la MP chutant de 15 à moins de 3%, l'ulcère
ticulier l'âge, le sexe, les habitudes alimentaires et le gastrique de 9 à 4%, cependant que les complications
degré de compliance escompté. Le résultat fut une inci- neurologiques disparaissaient totalement.

Physiologie de l’absorption alimentaire: diversion biliopancréatique


99
Comme conclusion générale nous pouvons dire garantissant un certain nombre d'opérations par an
que la DBP est une arme puissante et que de ce fait et un suivi à vie très soigneux, peuvent acquérir l'ex-
elle peut être très dangereuse si elle est utilisée périence nécessaire pour adapter l'intervention à
improprement. C'est pourquoi elle ne devrait pas leur population de patients et ainsi obtenir les meil-
être faite de façon sporadique. Son usage devrait leurs résultats possibles avec le moins de complica-
être confiné entre les mains de chirurgiens qui, en tions.

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12. BENOTTI PN, FORSE RA : Safety and long term efficacy of revisional surgery in severe obesity. : Am. J. Surg. 1996 ; 172 : 232-5.
13. MOGNOL P, CHOSIDOW D, MARMUSE JP : Laparoscopic conversion of laparoscopic gastric banding to Roux-en-Y gastric bypass : a
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Université de Médecine de Gênes


Gênes – Italie
scopinar@unige.it

N. Scopinaro
100
CASO CLÍNICO

Síndrome de Boerhaave
Sousa, L., Garrido, R. & Santos, L.
Serviço de Cirurgia II – H.N.S.R., E.P.E. – Barreiro
Director de Serviço: Dr. José Pereira

INTRODUÇÃO

A síndrome de Boerhaave foi descrita em 1724 pelo médico e


botânico holandês Hermann Boerhaave. É uma entidade rara
com elevada mortalidade que continua a desafiar a nossa capaci-
dade clínica de inverter um prognóstico tão sombrio.

CASO CLÍNICO

Homem de 22 anos, sem antecedentes pessoais relevantes, que


na sequência de vómito, após refeição copiosa acompanhada de
bebidas alcoólicas, refere toracalgia esquerda súbita, intensa, com
irradiação escapular esquerda. Recorreu ao Serviço de Urgência(
S.U.) de outro hospital onde fez Radiografia do tórax que mostrou
Fig.1– Rx do tórax PA - hidropneumotórax esquerdo
discreto apagamento do seio costo-frénico esquerdo. O doente teve
alta medicado com analgésico. Cerca de 5 horas depois é admitido
no S.U. do nosso hospital por agravamento da dor torácica, acom- ainda sem mediastinite purulenta. Foi detectada uma perfuração
panhada de febre e dispneia. Repetiu a Radiografia de tórax que de 2 cm no esófago distal, cerca de 1 cm acima do diafragma. Após
revelou um derrame pleural esquerdo e foi internado. “toilette“ da cavidade pleural optou-se por esofagorrafia num
Durante as horas seguintes houve um agravamento progressivo plano, reforçada por “patch” pleural (Fig. 3). Associou-se trata-
do quadro e foi nessa altura solicitada a nossa colaboração, já após mento intensivo na UCI, com ventilação mecânica, correcção do
um novo radiograma que revelou hidropneumotórax esquerdo choque, antibioticoterapia de largo espectro e alimentação paren-
com colapso total do pulmão e desvio do mediastino(Fig.1). térica total.
No exame objectivo, o doente apresentava dispneia sem cia- Como complicações há apenas a mencionar atelectasia lobar infe-
nose, febre (38,5ºC), taquicardia e hipotensão (90/60 mm Hg). rior esquerda com pneumonia associada. A situação foi debelada.
Palpava-se discreta crepitação subcutânea ao nível da fúrcula ester- Ao 9º dia do pós-operatório fez exame contrastado do esófago
nal. Na auscultação pulmonar o murmúrio vesicular estava abo- que não mostrou deiscência da esofagorrafia. Ao 16º dia repetiu
lido no hemitórax esquerdo. O abdómen apresentava-se plano, TAC torácico que apenas revelou um pequeno derrame pleural
indolor e sem organomegálias. septado. O doente teve alta com indicação de manter cinesitera-
Face ao quadro clínico foi admitida a hipótese de rotura do pia em ambulatório e encontra-se bem passados dois meses.
esófago após vómito (síndrome de Boerhaave).
Realizou de imediato TAC torácico com ingestão oral de gas- DISCUSSÃO
trografina, que confirmou a existência de uma perfuração ao nível
do terço inferior do esófago, com passagem do contraste para a A síndrome de Boerhaave, ou rotura expontânea do esófago é
cavidade pleural esquerda e pneumomediastino, além de volu- caracterizada pela tríade de Mackler: vómitos, dor torácica e enfi-
moso hidropneumotórax homolateral (Fig. 2). sema subcutâneo. É uma entidade rara, ocorre predominante-
Foi operado com cerca de 14 horas de evolução. Submetido a mente no sexo masculino (80 % dos casos) entre os 40 e 60 anos
toracotomia póstero-lateral esquerda, constatou-se importante e tem mortalidade entre os 28 e os 85 %. [3] Este prognóstico
contaminação da cavidade pleural com restos alimentares, mas sombrio e variável depende, primordialmente, da rapidez diag-

II Série • Número 4 • Março 2008 Revista Portuguesa de Cirurgia


101
A rotura do esófago é consequência de um aumento súbito da
pressão intraesofágica, acima dos 200 mm Hg (5 vezes a pressão
desencadeada no esforço habitual de um vómito) e localiza-se,
maioritariamente, no terço distal e no bordo pósterolateral
esquerdo, por duas razões anatómicas: o maior calibre do esófago
no 1/3 distal que determina a maior pressão nesse segmento e a
rarefacção da camada muscular oblíqua que gera nesta zona um
locus de minor resistência. [5]
Quase sempre a perfuração faz-se para a cavidade pleural
esquerda.
A passagem de saliva com a flora anaeróbia, associada ao
refluxo de secreções cloridropépticas e biliares, criam as condi-
ções para uma agressão química do mediastino, seguida de medias-
Fig. 2 – Fístula esofágica observada em TC Torácico tinite purulenta e necrótica frequentemente com piotórax.
O tratamento é cirúrgico salvo raras excepções (colocação de
prótese esofágico e drenagem pleural) [2] e as técnicas dependem
das condições locais e do tempo de rotura. A maioria dos autores
actualmente defende que se os bordos da brecha esofágica não
apresentam grande edema ou necrose e se ainda não existe uma
mediastinite purulenta o procedimento ideal consiste na esofa-
gorrafia que pode ser apoiada por “patch” pleural muscular ou
com fundoplicatura, independentemente do tempo de rotura, se
bem que, estas condições ocorram habitualmente nos casos com
menos de 24 horas. [4] Em casos de maior conspurcação ou
tempo de evolução a rafia da rotura deve ser protegida pela exclu-
são bipolar do esófago, com sutura automática associada a esofa-
gostomia cervical lateral, gastrostomia e jejunostomia de alimen-
tação. Neste caso se não ocorrer deiscência da esofagorrafia é pos-
sível manter o órgão, pois ocorre a repermeabilização do lumen
Fig. 3 – Rotura observada no esófago esofágico ao fim de cerca de 4 semanas ( a qual pode ser ajudada
por endoscopia ). Alguns autores preconizam uma fistulização
nóstica e terapêutica e, secundariamente, do estado geral, patolo- dirigida com tubo de Kehr(Abbot). [1] Parece-nos uma opção des-
gia associada e idade do doente. necessária nos diagnósticos precoces e pouco segura nos casos tar-
A tríade patognomónica nem sempre está presente, sendo fun- dios, deixando sempre o problema de uma fístula dirigida por
damental uma elevada suspeição diagnóstica. A história de um encerrar. Finalmente nalguns casos mais arrastados, com intensa
vómito violento nem sempre existe. Nalguns doentes nem é possí- necrose mediastínica, pesa a decisão de uma intervenção mais
vel colher dados anamnésticos, porque estão em choque ou conec- agressiva, num doente geralmente muito afectado pela disfunção
tados a um ventilador. A atitude é sempre a de excluir a perfuração multiorgânica e que consiste na esofagectomia com derivação e
do esófago através de um radiograma contrastado (meio de con- drenagem do mediastino, gastrostomia e jenunostomia de ali-
traste hidrossolúvel) e se necessário com recurso a TAC torácica. mentação, com a consequente esofagoplastia diferida, após o con-
A esofagoscopia de princípio está contraindicada. trolo da sépsis e recuperação das condições gerais do doente.

REFERÊNCIAS

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Sousa, L., Garrigo, R. & Santos, L.


102
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