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EPISTEMOLOGIA

Faculdade de Letras/Universidade de Coimbra


Pedro de Moura Vilar

O papel da História na ‘Estrutura das Revoluções Científicas’ de Thomas kuhn.


O papel da História na ‘Estrutura das Revoluções Científicas’ de Thomas kuhn.

Preâmbulo.

Este texto propõe-se explicitar algumas das linhas de força daquele que seria desejavelmente um
trabalho de maior amplitude elaborado para a disciplina de Epistemologia. Não tendo sido possível
desenvolvê-lo adequadamente em todas as suas implicações aqui fica registado nos seus objectivos
e desenvolvimentos centrais.

Objectivos.

Este trabalho pretende explicitar o conceito de História e de historiografia na ‘Estrutura das


Revoluções Científicas’, pondo em evidência o investimento crítico que Thomas Kuhn faz incidir
na historiografia canónica, tradicional, e os dualismos em que incorre na proposição de uma nova
escrita da História da Ciência.
Desenvolvimentos.

A historiografia da Ciência tem para Thomas Kuhn uma importância inegável, na medida em que
esta ou distorce ou fornece uma imagem rica e mais verdadeira da realidade da investigação
científica. A historiografia distorce na medida em que simplifica a descrição dos processos de
descoberta e transmissão do conhecimento científico ao longo dos eixos da História, destacando
determinados protagonistas e concepções centrais e esquecendo outros agentes, pensamentos e
circunstâncias contextuais; a realidade alargada, a conjuntura epocal, nas suas múltiplas dimensões
não são aqui observadas nem estudadas . A história da Ciência, tal como os manuais clássicos no-la
fornecem, é uma cronologia asséptica, vocacionada para a observação selectiva do eixo das
sucessividades dos factos históricos, enquanto a historiografia que Kuhn propõe – salientando o
contributo decisivo de historiadores precursores como Alexandre Koyré (pg. 22) – privilegia as
simultaneidades, as justaposições e interpenetrações na sincronia histórica; destaca o possível atrito
e dinâmica das relações no seio de um dado grupo:

“Em vez de procurar as contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para nossa
perspectiva privilegiada, eles procuram apresentar a integridade histórica daquela ciência, a partir
de sua própria época. Por exemplo, perguntam não pela relação entre as concepções de Galileu e as
da Ciência moderna, mas antes pela relação entre as concepções de Galileu e aquelas partilhadas
por seu grupo, isto é, seus professores, contemporâneos e sucessores imediatos nas ciências”. (pg.
22)

Como se tivéssemos de reconhecer que para uma dada tradição, ou corpo consolidado de
conhecimentos, contribuem figuras cimeiras e figuras menores e intermédias, e na medida em que a
interacção e interdependência entre estas é uma realidade inegável e produtiva para o brotar e
circular das ideias - os jogos de forças, as assimetrias e clivagens são assim considerados.

Kuhn debate a importância de uma nova abordagem da história e da tradição do manual – suporte
clássico do ensino de uma ciência e veículo, segundo este, de uma versão redutora da realidade –
em dois capítulos: ‘Um papel para a História’ e ‘A invisibilidade das revoluções’. Por um lado,
refere-se aos manuais como depositários de um conhecimento que devém autoritário: o manual,
uma vez definido, torna-se uma vulgata: “Quando falo de fonte de autoridade, penso sobretudo nos
principais manuais científicos, juntamente com os textos de divulgação e obras filosóficas moldadas
naqueles.” (pg.174) Por outro, põe em relevo a natureza parcelar e tendencialmente cristalizadora,
dizendo destes:“Para preencher sua função não é necessário que proporcionem informações
autênticas a respeito do modo pelo qual essas bases foram inicialmente reconhecidas e
posteriormente adotadas pela profissão. Pelo menos no caso dos manuais, existem até mesmo boas
razões para que sejam sistematicamente enganadores nesses assuntos.” (idem).

Os manuais científicos têm uma vocação pragmática instrutiva, isto é, informam e enformam uma
dada comunidade científica e portanto rasuram necessariamente informações contíguas ou pertença
de outras esferas do saber; até por razões práticas, por ser necessário conter, em alguns limites, de
espaço e de tempo, informação essencial.
Kuhn faz acentuar pois a dinâmica de um fenómeno cristalizador que esgota a Ciência: se por uma
lado, num dado período de tempo, um paradigma que se exprime num corpo coerente de saberes
sintetizado no manual, constitui fonte de estudo e actividade produtiva, num momento subsequente,
e decorrendo da sua natureza parcelar e tendencialmente fechada, exibe anomalias e começa a
declinar. A historiografia clássica, no seio de uma dada disciplina científica, acaba por desempenhar
portanto um papel limitador porque ela própria se limita na sua unidimensionalidade, mas por outro
lado ela não pode ser ilimitada na sua exposição da historicidade por ter de responder a uma
situação conjuntural e a desafios específicos. Esta natureza dual perpassa na argumentação de
Kuhn, e entre outros momentos, quando diz:

“Por razões ao mesmo tempo óbvias e muito funcionais, os manuais científicos (e muitas das
antigas histórias da ciência) referem-se somente àquelas partes do trabalho de antigos cientistas que
podem facilmente ser consideradas como contribuições ao enunciado e à solução dos problemas
apresentados pelo paradigma dos manuais. Em parte por seleção e em parte por distorção, os
cientistas de épocas anteriores são implicitamente representados como se tivessem trabalhado sobre
o mesmo conjunto de problemas fixos (…)” (pg. 176)

Thomas Kuhn foi físico de formação, o que terá reforçado a credibilidade do seu trabalho de
epistemólogo junto dos cientistas; o seu esforço de identificação e análise dos paradigmas apoia-se
numa renovação conceptual da história da Ciência – ‘Revolução historiográfica’, assim a designa –
que pode ser estudada mantendo presentes as suas exigências empíricas concretas e abertura
holística à totalidade da sua prática.
Bibliografia consultada:

ANDRÈ, João Maria, “Da história das ciências à Filosofia da Ciência. Elementos para um modelo
ecológico do progresso científico”. Revista Filosófica de Coimbra, nº 10, pp. 315-359.

ECHEVERRIA, Javier – Introdução à Metodologia da Ciência, Almedina, 2003, pp. 115-134

KUHN, Thomas, A Estrutura das Revoluções Científicas. S. Paulo, Editora Perspectiva, 2000.

MAGALHÃES, J. B., A ideia de progresso em Thomas Kuhn no contexto da “Nova Filosofia da


Ciência”, Porto, Ed. Contraponto, 1996.

MURCHO, Desidério, ‘Saber pensar a Ciência’, Público, Suplemento Mil-Folhas, 2003

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