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ESCOLA PÚBLICA,
AÇÃO DIALÓGICA E AÇÃO COMUNICATIVA:
A RADICALIDADE DEMOCRÁTICA
EM PAULO FREIRE E JÜRGEN HABERMAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2005
BIANCO ZALMORA GARCIA
ESCOLA PÚBLICA,
AÇÃO DIALÓGICA E AÇÃO COMUNICATIVA:
A RADICALIDADE DEMOCRÁTICA
EM PAULO FREIRE E JÜRGEN HABERMAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2005
GARCIA, Bianco Zalmora
Escola pública, ação dialógica e ação comunicativa: a radicalidade
democrática em Paulo Freire e Jürgen Habermas / Bianco Zalmora Garcia --
São Paulo,
x, 202 f. ; 29 cm
__________________________________________________
Prof. Dr. Moacir Gadotti (orientador) - FEUSP
_______________________________________________
Prof. Dr. Antonio Joaquim Severino - FEUSP
__________________________________________________
Prof. Dr. José Eustáquio Romão - UJF
_______________________________________________
Prof. Dr. Gilvan Luiz Hansen - UEL
_______________________________________________
Prof. Dr. Bortolo Valle - PUCPR
Aos amigos
Hélio Dourado, Marco Politi e Mauro Peralta,
Roberto Baccho, Carlos Alberto Piazza,
Tony Ferrari, João Carlos e Antonio Ricardo,
Andre Camacho e Paulo Faria,
Rodrigo Cabral, Joseph Sideris,
Lefteri Doucas, Danilo Gonçalves,
pela amizade, lealdade, apoio e solidariedade e
presença gratuita nos momentos mais difíceis
fortaleceu os meus passos.
INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 1
PARTE I........................................................................................................................................... 6
AÇÃO DIALÓGICA, EDUCAÇÃO E SUBSTANTIVIDADE DEMOCRÁTICA EM PAULO
FREIRE............................................................................................................................................ 6
CAPÍTULO I ................................................................................................................................... 7
DIÁLOGO, EDUCAÇÃO E SUBSTANTIVIDADE DEMOCRÁTICA ........................................ 7
1. AÇÃO DIALÓGICA E SUBSTANTIVIDADE DEMOCRÁTICA ............................................................... 8
1.1. Dialogicidade e substantividade democrática ......................................................................14
1.2. Presença no mundo e com o mundo .....................................................................................17
1.3. Práxis dialógica, ação educativa e ação política .................................................................23
2. EDUCAÇÃO COMO ATO DE CONHECIMENTO ................................................................................24
2.1. Teoria e prática, unidade dialética ......................................................................................25
2.2. Diálogo e conhecimento ......................................................................................................27
3. EDUCAÇÃO COMO ATO POLÍTICO ................................................................................................30
3.1. Diretividade e ação educativa .............................................................................................31
3.2. Democracia e ação educativa ..............................................................................................34
CAPÍTULO II .................................................................................................................................37
DIÁLOGO E A ÉTICA UNIVERSAL DO SER HUMANO .........................................................37
1. A ETICIDADE RADICADA NA EXPERIÊNCIA VITAL DO SER HUMANO .............................................39
1.1. O sentido ético da presença humana no mundo ...................................................................42
1.2. O substrato ético-normativo da comunicabilidade dialógica ................................................47
2. EDUCAÇÃO COMO ATO DE LIBERDADE PARA A LIBERTAÇÃO .......................................................51
2.1. Subjetividade e responsabilidade histórica ..........................................................................53
2.2. Ação dialógica, conscientização e emancipação ..................................................................59
ix
PARTE II ........................................................................................................................................93
AÇÃO COMUNICATIVA, DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ESFERA PÚBLICA EM
JÜRGEN HABERMAS ..................................................................................................................93
CAPÍTULO I ..................................................................................................................................94
AÇÃO COMUNICATIVA E ESFERA PÚBLICA ........................................................................94
1. AÇÃO COMUNICATIVA, LINGUAGEM E SOCIEDADE .....................................................................96
1.1. Sociedade, mundo vivido e sistema ......................................................................................98
1.2. O caráter normativo do entendimento na coordenação comunicativa da ação ................... 101
2. AÇÃO COMUNICATIVA, ESFERA PÚBLICA E DEMOCRACIA DELIBERATIVA.................................. 107
2.1. O modelo discursivo de democracia deliberativa ............................................................... 109
2.2. A esfera pública: princípio normativo................................................................................ 113
pela qual se reproduzem as estruturas do mundo vivido e, nele, constitui a esfera pública. Para
ambos, este substrato remete à constituição de um ethos democrático que se pode aplicar ao
contexto educacional da escola pública, espaço privilegiado para a exercício e formação da
cidadania democrática para a liberdade e autonomia.
Ainda, a meu ver, a pertinência desta avizinhança crítica entre Paulo Freire e
Jürgen Habermas, ao apresentar e confrontar - apesar de seus contextos distintos - alguns de
seus mais significativos insights conceituais e os correspondentes desdobramentos teórico-
práticos em relação a radicalidade democrática na escola pública, justifica-se pelo fato de se
constituir em um fecundo aporte para o desenvolvimento de programas de investigação no
campo ético-político relativo à filosofia da educação. De fato, para ambos, a linguagem e a
comunicação ocupam um lugar privilegiado na tematização de questões fundamentais da
atualidade. De um lado, na concepção freiriana, ressalta-se a importância do diálogo no
processo de conscientização que resgata a importância do sujeito de ação em relação dialética
com o mundo que busca conhecer e transformar. Por outro lado, na concepção habermasiana,
a comunicação lingüística implica a importância do consenso intersubjetivo na coordenação
da ação dos sujeitos de ação para implementar propostas de políticas públicas ou para a
resolução discursiva dos dissensos ou controvérsias públicas na esfera pública. Enfim,
herdeiros das utopias da modernidade, ambos convergem para a construção de modelos de
ação de intervenção na realidade, efetivamente comprometidos com a emancipação e
autonomização de mulheres e homens em uma sociedade radicalmente democrática.
Do ponto de vista dos encaminhamentos metodológicos desta investigação, tendo
por objetivo demonstrar uma possível convergência e/ou uma complementaridade recíproca
entre Paulo Freire e Jürgen Habermas acerca da democratização substantiva das práticas
implementadas na escola pública, fundamentada na reconstrução da mediação normativa da
práxis social, procurei desenvolver um paralelismo entre estes autores em dois planos
analítico-conceituais distintos. No primeiro plano (Parte I e Parte II), procurei esboçar
elementos interpretativos no pensamento de Freire e Habermas que configuram uma
fundamentação, de um lado, do pensamento freiriano a respeito da ação dialógica e, por outro
lado, a concepção habermasiana do modelo discursivo de esfera pública e democracia de
Habermas. No segundo plano desta estratégia analítico-interpretativa comparativa apresento
as considerações finais sem nenhuma pretensão de fechar ou esgotar alguma temática na
forma peremptória de uma “conclusão”. Na verdade, a intenção deste momento analítico é
oferecer algumas aproximações relevantes para alicerçar as bases de sustentação das
discussões em torno da radicalidade democrática na escola pública.
Portanto, este estudo apresenta três partes. Na Parte I intitulada “Ação dialógica,
educação e substantividade democrática em Paulo Freire” procuro tematizar, no capítulo I, a
proposta política e pedagógica de Freire apresentando os fundamentos conceituais - éticos e
epistemológicos - de uma teoria da ação dialógica, a partir dos quais se pode delinear a
concepção normativa de substantividade democrática e suas implicações nas práticas político-
educacionais e na militância político-revolucionária em contraposição às práticas autoritárias,
anti-democráticas e opressivas fundadas numa ação antidialógica que coisifica o ser humano e
o condena ao silêncio, impedindo-lhe de realizar sua vocação ontológico-existencial de
humanizar-se, humanizando o mundo, na e pela práxis. Neste sentido, desenvolvo aspectos
políticos e epistemológicos da educação como uma interface teórico-prática da ação dialógica.
No capítulo II, destaco a eticidade radicada na experiência vital do ser humano e o sentido
ético da presença humana no e com o mundo que se pode apreender no substrato normativo
da comunicabilidade dialógica. Considerando o sentido emancipatório da ação dialógica,
tematizo a educação como ato de liberdade e de libertação e como ato de conscientização pelo
qual resgata a importância da subjetividade na sua relação dialética com a objetividade. No
4
capítulo III, a reflexão se abre com a tematização da educação como ato de esperança onde
procuro resgatar a compreensão freiriana sobre o papel do sujeito em sua concepção de
história como possibilidade e os aspectos de seu pensamento utópico: a utopia como sonho
possível. Na seqüência, ao tratar sobre a relação entre substantividade democrática e a
reinvenção do poder, procuro tematizar a questão sobre a formação da cidadania democrática,
enfatizando a educação como um ato democrático para a democracia.
A Parte II, intitulada “Ação comunicativa, democracia deliberativa e esfera pública
em Jürgen Habermas”, apresenta-se dividida em três capítulos pelos quais se estabelece um
paralelo lógico-argumentativo com a primeira parte dedicada a Freire em virtude da estratégia
metodológica de análise comparada conceitual-interpretativa. Entretanto, esta disposição
simétrica não implica forçar uma interpretação convergente dos dois autores, o que
desvirtuaria a proposta desta pesquisa. A simetria, na verdade, refere-se a três momentos de
convergências e aproximações no pensamento de Freire e Habermas: o primeiro momento
refere-se a fundamentação da relação dialética entre teoria e prática na busca da
reconceituação da práxis social e sua perspectiva emancipatória; o segundo momento remete
aos aspectos ético-normativos derivados deste esforço teórico de fundamentação que
destacam a eticidade intrínseca à práxis fundada na radicalidade da liberdade e da democracia;
e o terceiro momento que diz respeito ao poder democrático e o exercício da cidadania sob
horizonte emancipatório do processo de democratização social.
Deste modo, nesta segunda parte deste estudo, no capítulo I, a partir da reconstrução
habermasiana da autocompreensão da modernidade procuro desenvolver uma análise de sua
concepção dual de sociedade - mundo vivido e sistema - da qual decorrerá concepção-chave
de colonização do mundo vivido. É neste contexto que Habermas desenvolve a interpretação
das bases analíticas do conceito de esfera pública na reconceituação da relação entre
sociedade e Estado. Ao tratar do caráter normativo do entendimento na coordenação
comunicativa da ação procuro ressaltar a distinção entre dois modelos de ação racional e seus
respectivos princípios de integração societária: integração social e integração sistêmica. Em
seguida adentro-me na conceituação habermasiana de esfera pública e democracia
deliberativa, a partir da crítica aos modelos liberal e republicano, dos quais Habermas assimila
reconstrutivamente alguns aspectos, supera outros, de modo que formula uma terceira
possibilidade: o modelo procedimental de democracia deliberativa, na perspectiva da teoria do
discurso, o que lhe permite reconceituar a categoria esfera pública como princípio normativo
fundamental. No capítulo II, a partir da compreensão abrangente da teoria da ação
comunicativa, busco tratar de aspectos principais da ética do discurso que se referem à
reconstrução dos pressupostos pragmático-formais da linguagem para fundamentação dos
princípios procedimentais que conferem universalmente a legitimidade dos processos
discursivos. Por fim, no capítulo III, o conceito de esfera pública é retomado e aprofundado
para que se possa compreender o seu lugar no modelo tripartite da relação sociedade-Estado
desenvolvido por Habermas. Deste modo se pode compreender o alcance da reformulação
substantiva deste conceito dentro da teoria discursiva de democracia deliberativa. Esta
abordagem permite a compreensão do princípio de soberania popular e sua relação com o
poder comunicativo.
Nas Considerações Finais, tendo por tema “Um encontro possível entre Freire e
Habermas”, na perspectiva da radicalidade democrática que deve envolver as diferentes
dimensões da práxis escolar, procuro discorrer sobre aspectos convergentes que se destacam
nesta avizinhança entre estes dois autores. Dentre estes aspectos procuro ressaltar os
desdobramentos da reconstrução da mediação normativa da práxis e da relação entre
radicalidade democrática e a compreensão de esfera pública e sua relação com a escola
pública. Deste modo, sobre a escola pública, enraizada no mundo vivido, procuro delinear
5
contrafacticamente seu estatuto societário como espaço público democrático em razão do qual
deve se abrir aos fluxos comunicacionais da esfera pública para sua democratização. Neste
sentido proponho um redimensionamento diferenciador dos conceitos esfera pública,
sociedade civil e espaços públicos democráticos.
.
PARTE I
Ação Dialógica, Educação e Substantividade Democrática em
Paulo Freire
CAPÍTULO I
“Quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo
que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do
diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus
elementos constitutivos. Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de
tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se
ressente, imediatamente , a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a
palavra verdadeira seja transformar o mundo” (Freire, 1999a: 77).
1
Em Medo e ousadia, Freire, ao lado dos atos epistêmicos e políticos, acrescenta o ato estético à sua
concepção de educação. Ele afirma que a educação é, simultaneamente, uma determinada teoria do
conhecimento posta em prática, um ato político e um ato estético. Essas três dimensões estão sempre juntas
como momentos simultâneos da teoria e da prática (cf. Freire e Shor, 2003a: 146). No presente trabalho não será
desenvolvida uma tematização da educação como ato estético, embora esta se apresente instigante ao relacionar
a esteticidade constitutiva da práxis educacional à questão da substantividade democrática, autonomia e
liberdade.
9
2
Em Pedagogia do oprimido, Freire apresenta elementos de uma teoria da ação dialógica que se aplica ao
que ele denomina de “ação cultural dialógica” em oposição à “ação cultural adialógica”. Esta ação cultural
desdobra-se em ação política educativa e em ação política revolucionária, enquanto orientações teórico-práticas
da práxis dialógica.
3
Entendo que as iniciativas de educação popular organizadas também constituem ações formais
institucionalizadas que podem ser vinculadas ou não ao sistema educacional vigente.
10
política e, por esta razão, ela se orienta substantivamente para a (e pela) liberdade e para a (e
pela) democracia radicalmente consideradas em razão do sentido que as envolve: a
emancipação, a humanização, a libertação4. Assim sendo, a teoria da ação dialógica de
Freire de modo algum se reduz a uma teoria pedagógica, mas orienta-se para uma práxis
libertadora, que tem na dialogicidade sua condição de possibilidade: práxis libertadora que é
substantivamente democrática. Ora, esta práxis, em virtude da própria dialogicidade que lhe é
intrínseca, torna-se necessariamente democrática.
O diálogo restabelece o direito do ser humano pronunciar o mundo pela palavra,
concebida como síntese da ação e reflexão, isto é, palavra concebida como práxis. A práxis,
por sua vez, é concebida enquanto um constitutivo existencial do homem e de seu processo de
humanização, de libertação e de transformação permanente do mundo. E em virtude da
intersubjetividade originária do diálogo, a pronúncia do mundo é realizada necessariamente
na reciprocidade solidária dos sujeitos envolvidos, comprometidos. Neste sentido, o diálogo
apresenta um conteúdo ético-normativo para a coordenação das ações dos sujeitos. Ao
romper os esquemas verticais de relações, marcadamente autoritárias, o diálogo constitui uma
relação horizontal, simétrica, dos sujeitos entre si, os quais interagindo solidariamente, ao
pronunciar o mundo para nele intervir e transformá-lo, orientam-se por um compromisso
amoroso, por isso, dialógico, movidos por uma intensa fé no ser humano, “no seu poder de
fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais” (cf. Freire, 1999a: 78-
81).
Em Pedagogia do oprimido se pode observar que, ao desenvolver os pressupostos
teórico-práticos de uma teoria da ação dialógica, Freire se refere tanto à “ação educativa”
quanto à “ação política” como interfaces de uma mesma ação. Ele afirma que “a ação
educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico” do povo com relação à sua
situação do mundo tal como se reflete por sua visão de mundo e que se manifesta nas várias
formas de sua ação (Freire, 1999a: 86-87). Freire recusa toda e qualquer forma de doação de
“pacotes” de conteúdos, não apenas pela verticalidade nociva desta prática, em flagrante
oposição à dialogicidade, mas pela ruptura epistemológica que desenraiza o povo de sua
situação presente, existencial, concreta, sofrida e carregada de aspirações, desejos e sonhos.
Freire se refere ao “conteúdo programático da educação ou da ação política”:
“Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas
dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo que
se manifesta nas várias formas de sua ação reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A
ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se
fazer „bancária‟ ou de pregar no deserto” (Freire, 1999a: 87).
Observe que nesta citação, Freire se reporta apenas a uma e mesma ação que
apresenta uma dupla qualidade: a de ser educativa e a de ser política. Entretanto, em outro
momento, quando ele critica práticas verticalizadas de transmissão de conteúdos, ocorre uma
possível indefinição semântica como se indicasse uma dupla ação, quando ele conclui: “E isto
é o que se faz [...] na ação educativa como na política” (Freire, 1999a: 114, grifo nosso). De
qualquer forma, importa apenas considerar dois planos de orientação teórico-prática de
4
Com relação à educação a que se refere Freire, ao longo deste estudo, apresentá-la-ei conceitualmente como
uma interface teórico-prática da ação dialógica: a da ação política educativa, substantivamente política e
adjetivamente pedagógica (uma qualificação com base nas palavras do próprio Freire em Freire e Shor, 2003a:
69; cf. Freire, 2000b: 59). Freire não demonstra a preocupação semântica por delimitar as categorias ação
educativa e ação política, as quais, na maioria das vezes “confundem-se” numa única ação. Aliás, a meu ver, é
uma confusão oportuna para compreendê-las como interfaces de uma mesma práxis dialógica. Por vezes a ação
dialógica é identificada com a educação enquanto tal.
11
Freire, 2001c: 86-87). Nesses termos, a teoria da ação dialógica, em Freire remete a uma
práxis radicalmente democrática seja no âmbito da ação educativa propriamente dita, como
também na ação política propriamente dita. Entretanto, convém ressaltar que, como já foi
acenado anteriormente, numa perspectiva dialética, politicidade e educabilidade emergem
co-originariamente da mesma fundamentação ética e epistemológica da ação dialógica e,
como tais, desdobram-se enquanto interfaces teórico-práticas da práxis dialógica e entre si
convergem reciprocamente, sem que percam sua identidade. Na verdade, a teoria da ação
dialógica de Freire, emancipatória e substantivamente democrática, tem sua base de
fundamentação na radicalidade ontológica do ser humano - na vocação de mulheres e
homens para ser mais - em que se inscreve a dialogicidade como exigência existencial. A
dialogicidade manifesta o movimento dialético tanto da consciência intencionada ao mundo
em sua transitividade crítica como da intersubjetividade originária no encontro, mediatizado
pelo mundo objetivado, de mulheres e homens que se reconhecem sujeitos e se assumem
como tais.
Neste sentido, a dialogicidade possibilita a reconceituação da unidade dialética entre
teoria e prática, ação e reflexão (epistemologia) e constitui os parâmetros normativos de
coordenação das ações - liberdade e substantividade democrática - remetendo-as
teleologicamente à utopia da humanização - o “inédito viável” freiriano - enquanto horizonte
de sentido. (eticidade). Nesta direção, a fundamentação da teoria da ação dialógica de Freire
prolonga-se por duas dimensões críticas convergentes e indissociáveis que lhe conferem o
estatuto ético e epistemológico e que, por sua vez, constituem a subjetividade ética e
epistêmica: o ser humano constitui-se como ser ético e ser de conhecimento. A práxis, por sua
vez, em virtude do diálogo enquanto condição de sua possibilidade orienta-se por duas
interfaces teórico-práticas da ação dialógica: a política educativa e a política revolucionária
(esta chamada simplesmente de ação libertadora), ambas possuindo um duplo estatuto ético e
epistemológico.
Considerando as referências adjetivas que atribui ao termo “político” quando
relacionado à ação, acredito que se possa concebê-lo a partir da radicalidade emancipatória
que marca a ação dialógica. Por este modo, não obstante os vários significados que se podem
atribuir à política, entendo que, de modo mais estrito, aqui se refira propriamente à luta
política configurada nas diversas ações dialógicas que se orientam à conquista e manutenção
do poder na perspectiva revolucionária, radicalmente democrática e libertadora. Independente
do contexto sócio-político em que se inscreve, esta luta política remete às ações articuladas
mediante a organização e mobilização das massas populares direcionadas para o implemento
de processos substantivamente democráticos de superação das situações concretas de
opressão e do poder de dominação institucionalizado e, por conseguinte, para a libertação
de mulheres e homens que se tornam sujeitos de uma radical transformação das estruturas
sociais, econômicas e políticas da sociedade. Certamente que difere da concepção de política
que denota as ações antidialógicas que se realizam em situações de opressão/dominação
institucionalizadas, marcadamente verticalizadas, no sentido de sua manutenção. Neste caso o
poder refere-se ao controle e ao comando de grupos sociais, de instituições e da própria
sociedade. De qualquer modo, a concepção estrita de política conjuga práxis e poder.
Freire, em Pedagogia do oprimido, define a ação política junto aos oprimidos como uma
“ação cultural” para a liberdade, portanto uma ação política educativa. E, ao reconhecer a
dependência emocional do oprimido ao opressor “que se serve desta mesma dependência para
criar mais dependência”, continua referindo à ação política estritamente como ação
libertadora:
“A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como
ponto vulnerável, deve tentar, através da reflexão e da ação, transformá-la em independência. Esta
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porém não é doação que uma liderança, por mais bem-intencionada que seja, lhes faça. Não podemos
esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação [de mulheres e] de homens e não de „coisas‟. Por
isto, se não é autolibertação - ninguém se liberta sozinho - , também não libertação de uns feita por
outros” (Freire, 1999a: 53; cf. Freire, 2001c: 85).
5
Em Conscientização Freire apresenta dois tipos antagônicos de ação cultural. “Enquanto a Ação cultural
para a liberdade se caracteriza pelo diálogo e seu fim principal é conscientizar as massas, a ação cultural para a
dominação se opõe ao diálogo e se serve para domesticá-las” (Freire, 2001c: 91-92).
14
com os alunos, sob o risco de torná-lo uma técnica manipulatória (cf. Freire e Shor, 2003a:
123).E Freire continua:
“Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza
histórica dos seres humanos. É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tornarmos
seres humanos. [...] Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres
humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o momento
em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem. Outra
coisa: na medida em que somos seres comunicativos, que nos comunicamos uns com os outros
enquanto nos tornamos capazes de transformar nossa realidade [...]” (Freire e Shor, 2003a: 122-123)
Em À sombra desta mangueira, Freire também faz uma crítica semelhante contra a
distorção da dialogicidade que, ao esvaziá-la de seu fundamento, torna-a uma pura tática de
sujeitos “espertos” para alcançar resultados e não uma exigência estratégica. Para ele, a
“dialogicidade não pode ser entendida como instrumento usado pelo educador, às vezes, em
coerência, com sua opção política” (cf. Freire, 2004: 74).
Na verdade, a dialogicidade é uma exigência ontológica (portanto, radical e
substantiva) da natureza humana constituindo-se social e historicamente e por
conseguinte, um reclamo da opção democrática do educador. Aqui, Freire está colocando em
discussão a relação dialógica enquanto prática fundamental, de um lado à natureza humana e à
democracia; de outro, como exigência epistemológica (cf. Freire, 2004: 74). Observa-se, ao
longo desta análise do pensamento freiriano, o interesse por compreender esta contigüidade
que Freire destaca para os conceitos de natureza humana e democracia. Tal contigüidade
encerra uma reciprocidade conceitual que não se pode dicotomizar. Logo adiante, de um
lado, numa perspectiva epistemológica, a análise se encaminhará para o tratamento da relação
do diálogo com o conhecimento ao refletir sobre a educação como ato gnosiológico. De
outro, ao abordar a educação como ato político, será retomada e aprofundada esta relação
entre natureza humana e democracia que se apresenta crucial na fundamentação ético-política
de uma teoria da ação dialógica no sentido de uma educação libertadora.
Neste momento, convém adentrar por uma breve digressão no sentido de considerar
que Freire, em sua concepção de diálogo, embora encontre no pensamento dialógico de
Martin Buber uma fonte fecunda de inspiração, na verdade, supera-o ao resgatar o mundo
para a qual convergem as consciências na intencionalidade compartilhada solidariamente e,
por isso mesmo, sem o qual não há possibilidade do diálogo.
Ora, para Freire, o diálogo é o encontro de consciências co-intencionadas em
torno do objeto que buscam conhecer para nele e por ele agir. Ou melhor, é co-
pronunciar a palavra referida ao mundo que se há de transformar, o que implica um
encontro de mulheres e homens para esta transformação. Neste sentido, Freire reconhece a
dialeticidade inerente ao diálogo, pelo qual se alcança uma compreensão cada vez mais
crítica da realidade (conscientização), afirmando que o diálogo é esse encontro de mulheres e
homens, mediatizados pelo mundo, para “pronunciá-lo” não se esgotando na “relação “eu-
tu”” (Freire, 1999a: 78, Freire, 2001c: 82). Relações com o mundo e relações intersubjetivas,
marcadamente simétricas e horizontais, constituem-se dialeticamente e, assim, manifestam o
caráter substantivamente democrático do diálogo.
Na perspectiva buberiana, o ser humano é um ser de relações inserido em contextos
sócio-interacionais. Enquanto tal, para que possa se estabelecer e confirmar-se como pessoa,
precisa pronunciar-se: entrar em relação-com-o-outro, por meio da palavra - dialógica,
princípio e fundamento da existência humana - sendo que este "outro" ao responder-lhe o
confirma como pessoa. A respeito do diálogo como aspecto intrínseco ao ser humano, Buber
destaca que os limites de possibilidade do dialógico são os limites de possibilidade de uma
16
silêncio que os homens [mulheres] se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas se
dizer a palavra verdadeira [...] é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns
homens [algumas mulheres]”, mas direito de todos os homens [as mulheres]. Precisamente por isto,
ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição,
com o qual rouba a palavra aos demais. (Freire, 1999a: 78)
inerente. Aliás, sem a dialogicidade não haveria comunicação. Ela manifesta a comunicação
humana que, presente no núcleo do fenômeno vital, é fator de “mais vida”, que se realiza na e
pela busca permanente dos seres humanos de humanizar-se humanizando o mundo (cf. Freire,
2004: 74-75).
“O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas estivesse no mundo não haveria
transcendência nem se objetivaria a si mesmo. Mas como pode objetivar-se, pode também distinguir
entre um eu e num não-eu. Isto o torna um ser capaz de relacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos
outros; de transcender. Pode distinguir órbitas existenciais distintas de si mesmo. Estas relações não
de dão apenas com os outros, mas se dão no mundo, com o mundo e pelo mundo [...]. O animal não é
um ser de relações, mas de contatos. Está no mundo e não com o mundo” (Freire, 2001b: 30).
83; Freire, 1999a: 79) e condição fundamental para a sua humanização (Freire 1999a:
134), que se pode realizar na radicalidade da democracia e liberdade (cf. Freire, 1999a: 79).
O diálogo, segundo Freire, é o encontro dos homens e das mulheres, para ser mais.
Isso por que, pela práxis dialógica, reconhecem a si mesmos em sua vocação ontológica e
histórica de ser mais. Não é possível à mulher e ao homem realizar sua vocação ontológica
fora do mundo, uma vez que o ser humano, enquanto ser-em-relação, realiza-se enquanto
ser-em-situação, e como tal não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo
(cf. Freire, 2001c: 28). E sem o mundo, por cuja mediatização os sujeitos se encontram em
comunhão, para desvelá-lo e transformá-lo, não há diálogo. A partir de sua intersubjetividade
originária a palavra é essencialmente diálogo, porque lugar do encontro e do reconhecimento
das consciências. A palavra abre a consciência para o mundo comum das consciências,
portanto, em comunicação dialógica, (cf. Freire, 1999a: 19).
“Se o mundo é o mundo das consciências intersubjetivadas, sua elaboração forçosamente há
de ser colaboração. O mundo comum mediatiza a originária intersubjetivação das consciências: o
auto-reconhecimento plenifica-se no reconhecimento do outro. [...] A intersubjetividade, em que as
consciências se enfrentam, dialetizam-se, promovem-se, é a tessitura última do processo histórico de
humanização. [...] Reencontrar-se, como sujeito, e liberar-se, é todo o sentido do compromisso
histórico. [...] A consciência emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o
como projeto humano” (Freire, 1999a: 17).
Freire, está no ser humano em sua concretude histórico-existencial. Como não há mulheres ou
homens sem mundo, isto é sem realidade, o movimento parte das relações que o ser humano
trava com o mundo. “Daí que este ponto de partida esteja sempre nos homens [mulheres] no
seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram ora imersos, ora
emersos, ora insertados” (Freire, 1999a: 73-74).
Em sua crítica à concepção “bancária” de educação, em Pedagogia do oprimido,
Freire afirma que ela sugere uma dicotomia inexistente entre mulheres/homens e mundo.
Mulheres e homens “simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros”. Mulheres
e homens espectadoras/es e não recriadoras/es do mundo. Esta equivocada concepção de ser
humano distorce a compreensão de consciência, como se esta fosse um recipiente vazio
“dentro” de mulheres e homens, “mecanisticamente compartimentada, passivamente aberta ao
mundo que irá „enchendo‟ de realidade. Uma consciência continente a receber
permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz e que se vão transformando em
conteúdos” (Freire, 1999a: 62-63).
Mas o que vem a ser este mundo para Freire?
Acompanhando a progressão teórico-prática de seu pensamento, observa-se que o
mundo apresenta um caráter polissêmico. Entretanto, apesar da pluralidade de sentidos que
lhe são atribuídos, em Educação como prática da liberdade, torna-se fundamental partir da
consideração do caráter relacional do ser humano que o distingue totalmente da esfera animal,
isto é, “de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas
com o mundo”. O mundo refere-se à realidade objetiva na qual o homem e a mulher em
sua cotidianidade não apenas vivem e estão, mas com a qual se envolvem na malha de
suas relações pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas. “Estar com o mundo, resulta de
sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é” (Freire, 2000a: 47).
Pela ação dialógica, os sujeitos tomam a cotidianidade mesma em que se encontram
como objeto de sua análise crítica, no sentido de desopacizá-la, alcançando assim, pouco a
pouco e na continuidade da prática, a razão de ser da própria maneira como estão no mundo.
Neste processo de desopacização da cotidianidade, superam o conhecimento que permanece
preponderantemente circunscrito ao âmbito da intuição prática imediata dos fatos (realidade)
pelo conhecimento cada vez mais rigoroso sobre a razão de ser dos mesmos. Em outras
palavras, com base na reflexão analítico-crítica, configurada pela comunicação dialógica,
mulheres e homens vão aprofundando-se cada vez mais sobre sua própria experiência
cotidiana, superando sua maneira espontânea de „mover-se‟ no mundo, assumindo o papel de
sujeitos conhecedores do mundo que buscam transformar. “Este „mover-se‟ ou orientar-se
espontaneamente no mundo, que implica em estar no mundo e com o mundo, algo mais que
viver – envolvendo, indiscutivelmente a consciência de si dos sujeitos que se movem e a
consciência do mundo em que se movem não significa, porém, que o mundo – realidade –
seja tomado como um objeto de real conhecimento. (Freire, 1984: 152-155).
Para Freire, em À sombra desta mangueira, esta realidade objetiva perpassada pela
cotidianidade apresenta-se mais imediata quando se reporta ao emaranhado de suas relações
carregadas de amorosidade no mundo e com o mundo a partir da realidade do “quintal da
casa” por onde começa seu caminho existencial abrindo-se para outros espaços, não
necessariamente outros quintais, por uma leitura do mundo posterior que vai se constituindo
de forma cada vez mais crítica, menos ingênua, mais rigorosa:
“Porque sou um ser no mundo e com ele, tenho não um pedaço imediato do suporte mas
possuo o meu mundo mais imediato e particular: a rua, o bairro, a cidade, o país, o quintal da casa
onde nasci, aprendi a andar e a falar, onde tive os meus primeiros sustos, meus primeiros medos [...]
Meu primeiro mundo foi o quintal de casa, com suas mangueiras, cajueiros de fronde quase
22
ajoelhando-se no chão sombreado, jaqueiras e barrigudeiras. Árvores, cores, cheiros, frutas que
atraindo passarinhos vários, a eles se davam como espaço para seus cantares. [...] Aquele quintal foi a
minha imediata objetividade” (Freire, 2004: 24).
Freire mostra que é, precisamente, este enraizamento numa realidade local que lhe
concede a sua dimensão universal. Da mesma forma, mulheres e homens, como seres de
relação ontologicamente vocacionados a ser mais, não se contêm no “seu quintal”, e por isso
mesmo são arrastados pela curiosidade a contemplar outros espaços mais amplos, sem se
fecharem. O mundo, em sua objetividade, adquire o sentido de realidade social e
cultural, espaço histórico, mutável, marcado por múltiplas contradições, “coexistência
dramática de tempos díspares”, que exige decisão, posicionamento, ruptura, opção (Freire,
2004: 26-27). É o mundo da opressão objetiva que provoca a indignação ética, a justa raiva
que desencadeia a luta por sua transformação e humanização. Neste sentido, ele afirma em À
sombra desta mangueira:
“Minha terra é dor, fome, miséria, esperança também de milhões, igualmente famintos de
justiça. [...] Minha terra é boniteza de águas que se precipitam, de rios e praias, de vales e florestas, de
bichos e aves. Quando penso nela, vejo o quanto temos de caminhar, lutando, para ultrapassar
estruturas perversas de expoliação Por isso, quando longe dela estive [no exílio], dela a minha saudade
jamais se reduziu a um choro triste, a uma lamentação desesperada. Pensava nela e nela penso como
um espaço contraditório, que me exige como a qualquer outro, decisão, tomada de posições, ruptura,
opção. Estando a favor de algo e de alguém, me acho necessariamente contra alguém. „Contra quem
estou? Contra quê e quem estou?” Pensar em minha terra sem fazer-me estas perguntas sem a elas
responder me levaria a puras idealizações estranhas à realidade. A falta de clareza quanto aos
problemas envolvidos nessas indagações e o desinteresse por eles fazem-nos solidários com os
violentos e com a (des-)ordem que lhes serve. (Freire, 2004: 26-27)
perspectiva de uma educação para a libertação dá-se por meio da práxis social e histórica de
seres humanos enquanto sujeitos.
mundo, caracteriza o ser humano como projeto, da mesma forma que sua intervenção no
mundo envolve uma curiosidade em constante disponibilidade para, refinando-se, alcançar a
razão de ser das coisas” (Freire, 2000c: 120).
Esta vocação para a intervenção no mundo “demanda um certo saber do contexto
com o qual o ser relaciona ao relacionar-se com os outros seres humanos” (Freire, 2000c:
120). Portanto, mulheres e homens, enquanto sujeitos epistêmicos, são impulsionados a se
inserir num permanente movimento de busca em que, curiosos e indagadores, não apenas se
dão conta das coisas, mas também delas podem alcançar um conhecimento sempre mais
crítico. Esta capacidade de aprender não se orienta apenas para a adaptação ao suporte, mas,
orienta-se, sobretudo para que se possa apreender intersubjetivamente a substantividade do
objeto na totalidade de suas relações para que se possa nele intervir como sujeitos, recriando-
o.
mulheres e homens sobre o mundo. Acontece, porém, que o sentido desta práxis, pela qual
mulheres e homens transformando o mundo, transformam-se, não pode prescindir daquela
atitude comprometida que, de modo algum prescinde da rigorosidade crítica do conhecer
cientificamente a realidade. Num segundo momento, “a atitude comprometida diante dos
temas se explica ainda pelo fato de que todo tema tem o seu contrário e envolve tarefas a
serem cumpridas, tão antagônicas entre si quanto contrários os temas entre eles”. Assim,
quando os sujeitos adentram na compreensão de um tema, ao desvelá-lo desvelam igualmente
o seu contrário, o que lhes impõe uma opção que, por sua vez, tem por exigência uma ação
coerente. Quanto mais desvelam a realidade histórico-social em que se constituem os temas
em relação dialética com seus contrários, tanto mais se torna impossível afirmar a
neutralidade em face deles (Freire, 2002b: 114-115). Com relação a esta coerência da ação
com relação à opção a ser tomada, Freire esboça a relação entre humanização e
desumanização que demandam, cada qual, a ação dos homens sobre a realidade:
“Por isso mesmo é que toda neutralidade proclamada é sempre uma opção escondida. É que
os temas, insistamos, enquanto históricos, envolvem orientações valorativas dos homens [mulheres]
na experiência existencial dos [das] mesmos [das]. Não pode ser outra a nossa posição em face do
tema que agora nos reúne - tal o da humanização dos homens [mulheres] e suas implicações
educativas. No momento mesmo em que nos aproximamos, criticamente a este processo e o
reconhecemos como um tema, somos obrigados a apreendê-lo, não como um ideal abstrato, mas como
um desafio histórico, em sua relação contraditória com a de desumanização que se verifica na
realidade objetiva em que estamos. Isto significa que desumanização e humanização não podem
ocorrer a não ser na história mesma dos homens, dentro das estruturas sociais que os homens criam e a
que se acham condicionados. A primeira apresenta-se como expressão concreta de alienação e
dominação, a segunda, como projeto utópico das classes dominadas e oprimidas. Ambas implicando,
obviamente, a ação dos homens sobre a realidade social“ (Freire, 2002b: 115).
entre política e educação, as quais, sem dúvida alguma, estão no centro dos dilemas
educacionais de nosso tempo. O movimento dialético que constitui este percurso, de acordo
com Afonso C. Scocuglia (2001: 323), foi marcado por um fio condutor teórico-metodológico
permanente expresso no binômio educação-política. Neste sentido, suas intuições e
convicções iniciais são modificadas, alargadas e fortalecidas, as ingênuas percepções vão
dando lugar a argumentos mais sólidos, deficiências são corrigidas, sem que se perca o
horizonte de sentido que permite conferir uma “unidade dialética” em toda sua obra. A
educação proposta por Freire, que se refletiu ao longo de toda sua práxis educativa, pode ser
sucintamente definida como uma educação para a liberdade e para a co-responsabilidade
política e social que se realiza como diálogo, que traz dentro de si um forte impulso
democrático: o diálogo é substantivamente democrático. (cf. Torres, 1998: 53)
Em Ação cultural para a liberdade (cf. Freire, 2002b: 172), Freire fala da superação
de seus equívocos iniciais decorrentes do fato de não encarar a dialeticidade entre
conhecimento da realidade e transformação da realidade, como se fosse suficiente uma
conscientização dissociada da prática, isto é, se pudesse desvelar a realidade fora dela: uma
“conscientização” asséptica, sem nenhum compromisso com a ordem política. Em seguida, ao
considerar a separação entre educação e política, afirma:
“Pensar a educação independentemente do poder que a constitui, desgarrá-la da realidade
concreta em que se forja, nos leva a uma das seguintes conseqüências. De um lado, reduzi-la a um
mundo de valores e ideais abstratos, que o pedagogo constrói no interior de sua consciência, sem
sequer perceber os condicionamentos que o fazem pensar assim; de outro, convertê-la num repertório
de técnicas comportamentais. Ou ainda, tomar a educação como alavanca da transformação da
realidade. Na verdade, porém, não é a educação que forma a sociedade de uma certa maneira, mas a
sociedade que, formando-se de uma certa maneira, constitui a educação de acordo com os valores que
a norteiam. Mas, como este não é um processo mecânico, a sociedade que estrutura a educação em
função dos interesses de quem tem o poder, passa a ter nela um fator fundamental para sua
preservação”. (Freire, 2002b: 173)
tem uma direção. [...] A natureza diretiva da prática educativa que conduz a determinado objetivo
deve ser vivida pelos educadores [educadoras] e educandos. (Freire e Macedo, 1994: 86)”.
Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção
democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que nosso
discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado” (Freire, 2003a: 25)
porque mulheres e homens aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem, porque mulheres
e homens se puderam assumir como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que não
sabem. De saber melhor o que já sabem, de saber o que ainda não sabem. A educação tem sentido
porque, para serem, mulheres e homens precisam estar sendo. Se mulheres e homens simplesmente
fossem não haveria porque falar em educação” (Freire, 2000c: 40).
7
Ao ressaltar este aspecto, permito-me fazer apenas uma alusão ao atual debate entre “universalistas” (dentre
os quais Habermas, Rawls, Apel e Kohlberg) e “comunitaristas” (Taylor, MacIntyre, Arendt e Heller, dentre
outros) quanto à natureza e justificativa de proposições morais e político-filosóficas a partir da concepção de
uma moral universalizável em constante conflito com os aspectos contingentes das diferentes formas culturais de
vida social e suas relações políticas. De um lado, os “universalistas” sustentam a possibilidade de se alcançar os
princípios que fundamentam a moral, de outro, em oposição, os “comunitaristas” negam tal possibilidade.
Assim, a questão da objetividade em argumentação moral está longe de se constituir um locus consensual.
Entretanto, não obstante a relevância de tais discussões, interessa-me considerar tão somente o fato de que, no
âmbito da elucidação dos fundamentos normativos da crítica social, as premissas universalistas -
universalizabilidade e normatividade - são inseparáveis e sempre precedem tradições e contextos em que
transcorre a discursividade filosófica da modernidade. Neste sentido, proponho em aberto uma questão
provocativa diante da possibilidade de inserir Freire na esteira deste debate, a saber: apesar das possíveis
indefinições semânticas relativas ao termo pós-moderno associadas a uma concepção unilateral de racionalidade
moderna reduzida à lógica mecanicista e excludente da ideologia capitalista, a posição “pós-modernamente
progressista” assumida pelo próprio Freire em oposição à pós-modernidade “conservadora”, na verdade, não
seria a manifestação teórico-prática de uma crítica à própria modernidade, sem dela se desvencilhar levando em
conta a apropriação de suas categorias analíticas, resgatando e assumindo, pela concepção dialógica de ação e
racionalidade, o seu potencial eminentemente emancipatório? Certamente, tal questão apresenta-se instigante e
merece um estudo posterior específico e extremamente rigoroso para que não se incorra levianamente em
análises ou posicionamentos superficiais.
38
8
A expressão "paridade simétrica", apropriada do âmbito jurídico, equivalente à isonomia processual ou
discursiva, significa que a oportunidade de dizer e contradizer no processo comunicativo será igual para ambas
as partes. Assim sendo, torna-se exigência imprescindível para o desenvolvimento das ações dialógicas, onde
devem ser proporcionadas chances simétricas para todos os envolvidos nas trocas comunicativas e, por isso,
torna-se também um princípio normativo que confere legitimidade democrática aos procedimentos deliberativos.
39
reflexiva e afetiva9 dos sujeitos da ação sobre sua visão de mundo, seu modo de vida e
situação sócio-cultural de sua experiência cotidiana.
Assim sendo, no horizonte ético-normativo do pensamento político-pedagógico de
Freire, não há como pensar a práxis libertadora sem recorrer à análise desta
normatividade inerente ao diálogo e à conscientização. Deste modo, na perspectiva
freiriana da compreensão dialética da relação subjetividade-objetividade pela qual reconceitua
a unidade teoria-prática, torna-se possível desenvolver a tematização dos pressupostos
constitutivos de uma fundamentação normativa - ética e política - da teoria da ação dialógica
de Freire. Com certeza, no momento, em razão da amplitude desta proposta por considerar a
fecundidade e complexidade da produção freiriana, este estudo tem por pretensão esgotar
todas as possibilidades fundamentadoras. Importa apenas apontar alguns elementos da base
ético-normativa do pensamento freiriano acerca da força emancipatória da ação dialógica e
sua relação com a formação da subjetividade democrática.
9
Considerando, segundo Freire, que "a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade" (Freire, 2001e:
159-160), posso inferir que as interações dialógicas, as quais sem a amorosidade não se podem realizar, devem
ser perpassadas de afetividade. Como um ato de amor, o diálogo envolve as emoções, a sensibilidade, a
ludicidade, os sonhos, os desejos dos sujeitos que se encontram mediatizados pelo objeto de sua curiosidade. A
intencionalidade da consciência ao mundo envolve a corporeidade do sujeito, isto é, mente e corpo, razão e
sensibilidade, afeto e sonhos, desejos e medos, alegrias e decepções, enfim, corpo consciente todo. Assim, de
acordo com Gadotti em Freire a racionalidade, que tem seu locus no diálogo, só pode ser concebida "molhada de
afetividade"(Gadotti, 1997: s/p).
40
de sua própria educação. "Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém" (Freire,
2001b: 27-28).
Nesta mesma linha, ainda em Educação e mudança, Freire afirma que o ímpeto
ontológico de criar que existe em toda mulher e todo homem nasce de sua inconclusão, de
modo que, quanto mais este ímpeto for desenvolvido mais autêntica será a educação (cf.
Freire, 2001b: 32). Levando em consideração o que Freire postula em Pedagogia da
autonomia, este ímpeto criador enraíza-se na “experiência vital” de todo ser humano, ou como
Freire no que também denomina de “fenômeno vital” (cf. Freire, 2001e: 61). Importa
considerar que o inacabamento do ser humano ou sua inconclusão, segundo Freire, é próprio
da experiência vital. Afinal, onde há vida, há inacabamento. Entretanto, “só entre mulheres
e homens o inacabamento se tornou consciente” (Freire, 2001e: 55) e, por isso mesmo,
inventam e reinventam sua existência e assim constróem o mundo humano, a cultura, a
linguagem conceitual e a comunicabilidade do inteligido, o conhecimento. Neste sentido, de
acordo com Freire, é possível ponderar com mais exatidão que, embora inacabado como todo
ser vivo, uma vez que a inconclusão faz parte da experiência vital, o ser humano se tornou,
contudo, capaz de se reconhecer em seu inacabamento. A consciência do inacabamento o
insere num permanente movimento de busca por ser mais, intervindo no mundo, criando
e recriando sua existência individual e social, fazendo história. De fato, aqui radica a
educabilidade do ser humano (cf. Freire, 2000c: 119-120; cf. Freire, 2001e: 76). Freire, em
Pedagogia da autonomia, afirma:
“A inconclusão, repito, faz parte da natureza do fenômeno vital. Inconclusos somos nós,
mulheres e homens, mas inconclusos são também as jaboticabeiras que enchem, na safra, o meu
quintal de pássaros cantadores; inconclusos são estes pássaros como inconcluso é Eico, meu pastor
alemão, que me „saúda‟ contente no começo das manhãs. Entre nós, mulheres e homens, a
inconclusão se sabe como tal. Mais ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma implica
necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca” (Freire,
2001e: 61).
10
Em Extensão e comunicação?, ao tratar da argumentação de Nicol a respeito da relação dialógica
constitutiva do ato do conhecimento, Freire rompe com o modelo cartesiano de sujeito monológico. Neste
contexto, ressalta que “o sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de
outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‟penso‟, mas um „pensamos‟. É o „pensamos‟ que
estabelece o „penso‟ e não o contrário. Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação.
O objeto, por isto mesmo, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da
comunicação”. Para Freire, este sujeito pensante é designado consciência intencionada à realidade (corpo
consciente) em reciprocidade dialética com outros sujeitos pensantes, co-intencionados ao objeto do
conhecimento por meio do qual se comunicam ao coamunicar o conteúdo conhecido (cf. Freire, 2002a: 66-67).
42
mover-se no mundo, com o mundo e com outros, em sua permanente busca por ser mais (cf.
Freire, 2000a: 49; cf. Lima, 1981: 62-63).
11
A despeito da imprecisão semântica do termo “ético” em suas inúmeras ocorrências nos diferentes
contextos discursivos de Freire, entendo que seja possível aproximar-se de uma interpretação unívoca. Quando
Freire trata adjetivamente o termo ético parece aludir à concepção pouco rigorosa do termo "ética” que
comumente é usada em avaliações morais de determinadas condutas ou procedimentos, como por exemplo,
quando alguém enuncia que "não é ético fazer tal coisa" ou "isso é ético”, como se o termo ética denotasse tão
somente uma adequação positiva do agir humano em relação à expectativa de um determinado comportamento
que é socialmente (moralmente) aceito dentro de uma determinada comunidade e que, como tal, deve ser
adotado em uma determinada situação. Isso implica reduzir a ética ao seu conteúdo contingenciado, o que lhe
nega a possibilidade de ser pensada universalmente, portanto, reduz-se a um discurso circunstanciado, relativo e
volátil. Ressalta-se que a problemática recai sobre esta interpretação reducionista e não propriamente sobre o
conteúdo da moralidade. Na verdade, a meu ver, confunde-se moralidade com ética, cuja distinção, apesar de
controvertida, pode ser encontrada na medida em que se entende por ética o discurso epistêmico sobre os
fundamentos racionais da conduta humana (normatividade) e do sentido último da ação humana (horizonte de
sentido) ou sobre a moralidade - ethos - propriamente dita. Ora, para Freire, a matriz da eticidade encontra-se na
radicalidade ontológica do ser humano em virtude da qual mulheres e homens são vocacionados a serem sujeitos
da “palavra verdadeira” (práxis) informada necessariamente do caráter intersubjetivo-dialógico. Portanto,
entendo, por um lado, que a subjetividade ética - o ser/existir ético - constitui-se na capacidade e possibilidade
do sujeito dialógico - por uma razão “molhada” de afetividade - discernir criticamente, decidir, escolher, optar e
romper, o que lhe confere liberdade e autonomia. Inclusive, o sujeito tem a capacidade de transgredir a ética.
Aqui, o termo ético indica a coerência da ação relativa à radicalidade ontológica (universal) humana: a negação
da humanidade e de sua vocação à humanização corresponde ao que se pode denominar de uma radical
transgressão da eticidade inerente à condição humana, à condição de ser sujeito de sua busca por ser mais. É o
que Freire entende por uma ética malvada como ao se referir à ética (anti-ética ou pseudo-ética) do mercado em
oposição à ética universal do ser humano. De fato, a transgressão ética constitui uma perversão do sentido ético
da existência humana. Por outro lado, observo que o termo ético, em Freire, em seu sentido adjetivado mais
amplo, apresenta uma ligeira ambigüidade semântica: ao se referir à subjetividade ética indica a capacidade de
escolha e decisão do sujeito na tensão existencial entre humanização e desumanização e ao qualificar as ações
constitui-se em um referente ético-normativo para discernir o sentido das ações considerando sua relação
necessária com a radicalidade ontológica do ser humano, sua experiência vital.
44
prática educativa para a libertação possui uma eticidade que falta à responsabilidade da
prática educativa autoritária e dominadora. A partir de então, esclarece o sentido desta
eticidade:
“É que a ética ou a qualidade ética da prática educativa libertadora vem das entranhas
mesmas do fenômeno humano, da natureza humana constituindo-se na história, como vocação para o
ser mais. Trabalhar contra esta vocação é trair a razão de ser de nossa presença no mundo, que
terminamos por alongar em presença com o mundo. A exploração e a dominação dos seres humanos,
como indivíduos e como classes, negados no seu direito de estar sendo, é imoralidade das mais
gritantes. [...] Há uma imoralidade radical na dominação, na negação do ser humano, na violência
sobre ele, que contagia qualquer prática restritiva de sua plenitude e a torna imoral também. Imoral é a
dominação econômica, imoral é a dominação sexual, imoral é o racismo, imoral é a violência dos mais
fortes sobre os mais fracos. Imoral é o mando das classes dominantes de uma sociedade sobre a
totalidade de outra, que deles se torna puro objeto, com sua maior ou menor dose de conivência. A
educação para a libertação, responsável em face da radicalidade do ser humano, tem como imperativo
ético a desocultação da verdade. Ético e político” (Freire, 1997: 91-92)
12
Em sua interpretação crítica dos processos comunicacionais, ao final da década de 60, Paulo Freire opõe a
comunicação dialógica à comunicação extensionista de saberes desenvolvida nos programas de desenvolvimento
rural na América Latina. Mais especificamente, sua crítica se dirigiu à atuação do “agrônomo extensionista”,
incumbido de difundir “técnicas agrícolas mais modernas” entre os agricultores latino-americanos. Ele
estabelece um paralelismo com a prática educacional em geral, refundamentando a relação pedagógica a partir
da reciprocidade dialética constitutiva do diálogo. Deste modo, Freire denuncia a “invasão cultural”
representada por esses programas, questionando seus fundamentos éticos, políticos e pedagógicos e propõe como
alternativa a “ação cultural dialógica”.
48
13
Ao analisar a relação dialógica, em Extensão ou comunicação?, Freire refere-se ao corpo consciente
(consciência intencionada ao mundo, à realidade) ao falar sobre o ser humano que atua, pensa e fala sobre a
realidade que é a mediação entre ele e outros homens, que também atuam, pensam e falam (Freire, 2002a: 66).
Adiante, de forma mais explícita, ele define o ser humano como um corpo consciente, uma vez que sua
consciência intencionada ao mundo, o que permite a relação dialética entre ambos: consciência e mundo (Freire,
2002a: 74). Em Pedagogia do oprimido, com relação ao animal, sem consciência de si, cujo viver é marcado
pela total determinação, Freire afirma que os mulheres e homens, pelo contrário, porque são consciência de si, e
assim, consciência do mundo, porque são um 'corpo consciente', vivem uma relação dialética entre os
condicionamentos e sua liberdade" (Freire, 1999a: 90). O conceito de "corpo consciente" envolve e mistura a
consciência nas manifestações da corporeidade, com as quais, ela se torna una. Enfim, segundo Freire, em Por
uma pedagogia da pergunta, "o corpo consciente, que olha as estrelas, é o corpo que escreve, é o corpo que fala,
é o corpo quer luta, é o corpo que amam, que odeia, é o corpo que sofre, é o corpo que morre, é o corpo que vive.
(Freire e Faundez, 2002: 28)
49
E por fim, para concluir esta linha de argumentação convém ressaltar a relação entre
comunicabilidade e dialogicidade, como Freire apresenta em Extensão ou comunicação?:
“O que caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se, é que ela é
diálogo, assim como o diálogo é comunicativo. Em relação dialógica-comunicativa, os sujeitos
interlocutores se expressam [...] através de um mesmo sistema de signos lingüísticos. É então
indispensável ao ato comunicativo, para que este seja eficiente, o acordo entre os sujeitos,
reciprocamente comunicantes. Isto é, a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida
dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito. [...] Deste modo, o significado passa a ter
a mesma significação para ambos” (Freire, 2002a: 67-68)
14
Por esta razão, uma das tarefas essenciais da educação, de acordo com Freire, é trabalhar criticamente a
inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade, instigando constantemente a curiosidade do
educando em vez de “amaciá-la” ou “domesticá-la” (cf. Freire, 2001e: 140).
50
A desumanização, por sua vez, verifica-se não apenas como viabilidade ontológica,
enquanto distorção da vocação humana para ser mais, mas como realidade histórica. Assim,
15
Segundo Romão, Paulo Freire não escreveu uma “pedagogia para o oprimido”, mas uma pedagogia do
oprimido. “Significa dizer que tentou colocar-se na perspectiva do oprimido para construir o processo
educacional e pedagógico. Mas, esta perspectiva não aparece na superfície da consciência do oprimido, ela tem
de ser buscada na sua inserção no processo histórico, na sua historicidade, que constrói traços de consciência
libertadora, independentemente das consciências psicológicas, nem das socialmente manifestas” (Romão, 2002:
03).
52
16
Em vários momentos de sua obra, Freire acena para a dimensão estética do ato educativo, apesar de
remetê-la, na maioria das vezes, à linguagem e sua expressividade. De qualquer forma, a consideração do
elemento estético da práxis possibilita ponderar acerca do substrato normativo da fundamentação da teoria da
ação dialógica de Freire. Entretanto, intencionalmente permito-me, no presente trabalho, deixar esta lacuna em
aberto para estudos posteriores. Entendo que, ao lado dos fundamentos éticos e epistemológicos, a abordagem
dos fundamentos estéticos apresenta-se apropriada e consistente para a compreensão mais ampla da ação
dialógica em suas interfaces político-revolucionária e político-pedagógica.
17
Freire, em Medo e ousadia, apresenta a dinâmica do ciclo gnosiológico, em seus dois momentos, que se
relacionam dialeticamente. "O primeiro momento do ciclo ou um dos momentos do ciclo, é o momento da
produção, da produção de um conhecimento novo, de algo novo. O outro momento é aquele em que o
conhecimento produzido é conhecido ou percebido. Um momento é a produção do conhecimento novo e o
segundo é aquele em que você conhece o conhecimento existente. O que acontece, geralmente, é que
dicotomizamos esses dois momentos, isolamos um do outro. Conseqüentemente, reduzimos o ato de conhecer do
conhecimento existente a uma mera transferência do conhecimento" (Freire e Shor, 2003a).
54
Esta busca realiza-se através do movimento dialético pelo qual a consciência, por sua
intencionalidade transcendental, constitui a objetividade dos objetos. Em Pedagogia do
oprimido, Freire ressalta que a base desta objetivação da consciência consiste na capacidade
do ser humano em refletir sobre si e sobre seu estar no mundo, o que lhe permite agir sobre o
mundo:
“A reflexividade é a raiz da objetivação. Se a consciência se distancia do mundo e o
objetiva, é porque sua intencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde o primeiro momento de
sua constituição, ao objetivar seu mundo originário, já é virtualmente reflexiva. É presença e distância
do mundo: a distância é condição da presença. Ao distanciar-se do mundo constituindo-se na
objetividade, surpreende-se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha de entendimento, reflexão e
mundo, subjetividade e objetividade não se separam: opõem-se, implicando-se dialeticamente. A
verdadeira reflexão crítica origina-se e dialetiza-se na interioridade da „práxis‟ constitutiva do mundo
humano - é também „práxis‟. Distanciando-se de seu mundo vivido, problematizando-o,
„descodificando-o‟ criticamente, no mesmo movimento da consciência, [a mulher e] o homem se re-
descobre [re-descobrem] como sujeito [sujeitos] instaurador [instauradores] desse mundo da
experiência” (Freire, 1999a: 14-15).
sentido, em Educação e mudança, Freire coloca a seguinte questão: quem pode comprometer-
se?
“A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz
de agir e refletir. É preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma
pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz, sem dúvida, de ter
consciência desta consciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a
própria forma de estar sendo, que condiciona sua consciência de estar. [...] Somente um ser que é
capaz de sair de seu contexto, de „distanciar-se‟ dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para,
objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação, um
ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isto, de
comprometer-se. Além disso, somente este ser é já em si um compromisso. Este ser é [a mulher e] o
homem” (Freire, 2001b: 16-17).
18
Basismo e elitismo referem-se às formas ideológicas sectárias de conceber e lidar com os “saberes de
experiência feitos” do senso comum. Segundo Freire, em Pedagogia da esperança a superação destes saberes
para o conhecimento resultante de procedimentos mais rigorosos de aproximação aos objetos cognoscíveis é um
direito que as classes populares têm. Entretanto, numa prática coerentemente democrática, “o que não é possível
é o desrespeito ao saber de senso comum; o que não é possível é tentar superá-lo sem, partindo dele, passar por
ele". Freire reconhece que há diversas formas de se lidar com esses saberes que resultam da experiência
sociocultural. Subestimar estes saberes indica um grave erro cientifico e denota inequivocamente a presença de
uma ideologia elitista. Por outro lado, tão contestável que a negação do saber popular é a sua mitificação ou
exaltação, de natureza basista. "Basismo e elitismo, de tal maneira sectários que presos à e em sua verdade se
tornam incapazes de ir mais além de si mesmos" (cf. Freire, 1999b: 84-85; cf. também Freire e Faundez, 2002:
59; Freire, 2000c: 38; Freire, 2000b: 125).
56
sujeito, transformado em objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá
ou impõe. (cf. Freire, 2002a: 26-28).
Com efeito, o ser humano, movendo-se no mundo e com o mundo e com outros, em
permanente devir, é impulsionado por sua perfectibilidade e por sua curiosidade a conhecer,
transcender-se, construir e reconstruir sua própria existência, atuando sobre si e sobre a
realidade. Somente quando se assumem como sujeitos de ação, mulheres e homens, em
solidariedade na práxis, podem realizar (co)responsavelmente sua vocação histórica na
direção da humanização da realidade histórico-social em que se inserem. Esta busca por
humanização coloca o ser humano diante dos obstáculos que negam a humanidade e lhe
impõe, enquanto sujeito ético, a responsabilidade quanto às escolhas, decisões, rupturas,
opções. O caráter ético de sua inquietação existencial se constitui na medida em que trata de
estabelecer critérios normativos de conduta e de ação capazes de articular coerentemente seu
pensar, seu sentir e seu agir. A responsabilidade histórica do ser humano enquanto ser de
práxis consiste em sua capacidade de responder epistemologica e eticamente aos desafios
que partem do mundo histórico-social-cultural que pronuncia, cria e recria.
Segundo Freire, em Educação como prática da liberdade, a responsabilidade
consiste em uma das necessidades fundamentais da radicalidade humana e da
democratização da sociedade. Assim sendo, ele dirige sua crítica às ações assistencialistas,
contrárias àquelas que se constituem sob a forma da ação dialógica, uma vez que negam a
vocação ontológica do ser humano - a de ser sujeito e não objeto - e, por isso mesmo,
contradizem a substantividade democrática necessária das ações que sejam efetivamente
emancipatórias, que demandam o comprometimento e a (co)responsabilidade dos sujeitos.
“O assistencialismo [...] é uma forma de ação que rouba [à mulher e] ao homem condições à
consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma - a responsabilidade. [...] a
responsabilidade é um dado existencial. Daí não poder ser ela incorporada ao homem
intelectualmente, mas vivencialmente. No assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão.
Só há gestos que revelam passividade e „domesticação‟ [da mulher e] do homem. Gestos e atitudes. É
esta falta de oportunidade para a decisão e para a responsabilidade participante [da mulher e] do
homem, característica do assistencialismo, que leva suas soluções a contradizer a vocação da pessoa
em ser sujeito e a democratização” [...] (Freire, 2000a: 66).
que nos tornou seres condicionados. E só se vai mais além dos fatores determinantes, o que os
transforma em fatores condicionantes, se se ganha a consciência deles e de sua força. Mesmo que isso
não seja suficiente. Não haveria como falar em liberdade sem a consciência da determinação que se
torna assim condicionamento” (Freire, 2000c: 121-122, grifo nosso).
humanizadora, criam e recriam o mundo, fazendo e refazendo a história (cf. Freire, 2002a:
30).
Neste sentido, conceber a educação tendo necessariamente por eixo o
desenvolvimento de um processo de conscientização apresenta implicações pedagógicas e
didáticas significativas que convergem para práticas educacionais que, realizadas
dialogicamente, orientam-se para desmistificação da realidade, desvelando-a em sua razão de
ser para nela atuar transformando-a. Sendo assim, educadores/as e educandos, enquanto
sujeitos do mesmo ato de conhecimento, podem assumir (co)responsavelmente o
compromisso histórico em favor da humanização pela qual se engajam solidariamente pela
inserção crítica na realidade.
Em Pedagogia da autonomia, a conscientização é apresentada por Freire como
exigência da própria experiência existencial de todo ser humano:
“[...] a conscientização é exigência humana, é um dos caminhos para a posta em prática da
curiosidade epistemológica. Em lugar de estranha, a conscientização é natural ao ser que, inacabado,
se sabe inacabado. A questão substantiva não está por isso no puro inacabamento ou na pura
inconclusão. A inconclusão, repito, faz parte da natureza do fenômeno vital. [...] Entre nós, mulheres e
homens, a inconclusão se sabe como tal. Mais ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma,
implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca.
Histórico-sócio-culturais, mulheres e homens nos tornamos seres em quem a curiosidade,
ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção do
conhecimento. Mais ainda, curiosidade é já conhecimento” (Freire, 2001e: 60-61).
da experiência humana. Por sua vez, essa abertura da consciência humana, que revela sua
estrutura intencional a partir da qual é possível o movimento dialético consciência-mundo,
constitui-se como a própria condição da possibilidade do “conhecimento verdadeiro” que
se realiza como ação-reflexão.
A consciência emerge capaz de perceber-se a si mesma - consciência reflexiva -
como intencionalidade e não como um recipiente vazio a ser enchido; ao contrário,
intenciona-se ao mundo para captar sua razão de ser. Ela é capaz de refletir sobre si mesma e
conhecer sua própria estrutura; essa consciência de si mesmo faz do sujeito um ser capaz de
ação-reflexão. Realizando a reflexão sobre si e sobre o mundo, os homens e as mulheres
ampliam criticamente seu campo de percepção e mudam a visão que têm da realidade o que
corresponde a novas formas de atuação nesta mesma realidade.
Ora, a realidade objetiva da situação concreta de opressão implica a existência de
uma relação de contradição entre os que oprimem e aqueles que são oprimidos. Deste modo, a
superação desta contradição “exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora,
com que, objetivando-a, simultaneamente atuam sobre ela” (Freire, 1999a: 38) Isso só se pode
verificar na reciprocidade dialética de dois pólos que se constituem em unidade
indicotomizável: objetivamente, com a transformação das estruturas societárias que
sustentam a situação de opressão, e subjetivamente, pelo reconhecimento crítico desta
situação para que, através do engajamento em (co)responsabilidade na ação transformadora
que incida sobre ela, se instaure uma outra situação concreta, que possibilite aquela busca de
ser mais de toda mulher e de todo homem. Este permanente movimento dialético da
subjetividade (consciência) e objetividade (mundo) se realiza na práxis. Aliás, “somente
na sua solidariedade, em que o subjetivo constitui com o objetivo uma unidade dialética, é
possível a práxis autêntica. [...] Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-
oprimidos” (ibidem).
Portanto, frente à exigência radical de transformação objetiva da situação concreta
que gera a opressão de modo algum nega o papel da subjetividade na luta pela modificação
das estruturas desumanizantes (cf. Freire, 1999a: 34-38). Com efeito, em Pedagogia do
oprimido, Freire afirma:
“Não se pode pensar em objetividade sem subjetividade. Não há uma sem a outra, que não
podem ser dicotomizadas. A objetividade dicotomizada da subjetividade, a negação desta na análise
da realidade ou na ação sobre ela, é objetivismo. Da mesma forma, a negação da objetividade, na
análise como na ação, conduzindo ao subjetivismo que se alonga em posições solipsistas, nega a ação
mesma, por negar a realidade objetiva, desde que esta passa a ser criação da consciência. Nem
objetivismo, nem subjetivismo ou psicologismo, mas subjetividade e objetividade em permanente
dialeticidade” (Freire, 1999a: 37).
Ao lado da radical fé-amorosidade pelo ser humano em seu poder de criar e recriar
pressuposto na dialogicidade, a verdadeira humildade é a atitude de coerência crítica a ser
assumida pelo intelectual para que se torne capaz de viver em comunhão com o povo e com
ele aprender e lutar. De fato, em Pedagogia do oprimido, Freire afirma que o diálogo, como
encontro de mulheres e homens, não se realiza sem o amor-compromisso e a fé nos homens.
Tampouco é compatível com a autosuficiência. E ainda ele não se realiza se não houver
humildade, uma vez que, na comunicação dialógica, “a pronúncia do mundo, com que os
homens [e as mulheres] o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante” (Freire,
1999a: 80-81).
Em Por uma pedagogia da pergunta, Freire aponta para a emergência de um novo
intelectual - liderança que sonha com a transformação radical da sociedade e que, em
comunhão com as classes populares, vai “molhando-se das águas culturais e históricas, das
aspirações, das dúvidas, dos anseios, dos medos das classes populares” e, com as quais
organicamente, vai inventando “caminhos verdadeiros de ação, distanciando-se cada vez mais
dos descaminhos da arrogância e do autoritarismo”, sem que se renuncie a sua experiência de
intelectual e ao conhecimento sistemático dela advindo, “pelo contrário, junta àquela
experiência o saber das massas”. Assim, “aprendendo a mobilizá-las mobilizando-as e
mobilizando-se na mobilização que faz, aprendendo a organizar-se organizando-se e
organizando” vai redescobrindo e reinventando o seu papel no sonho possível de libertação
que constrói junto às classes populares, reconhecendo sua importância sem superestimá-lo
nem tampouco subestimá-lo. Desde modo, Freire achega-se do que considera ser a
verdadeira humildade (cf. Freire e Faundez, 2002: 68).
“Nem superestimar, nem subestimar o seu papel implica a verdadeira humildade, que o
intelectual deve experimentar na luta com as classes trabalhadoras em favor da transformação da
sociedade. [...] Reivindico um papel nesta luta ao lado das classes trabalhadoras, mesmo porque estou
convencido de que o meu papel como intelectual só se solidifica, se robustece, só tem sentido na
medida em que este papel se cumpre com as classes trabalhadoras e não para elas, pior ainda sobre
elas. [...] Não posso compreender um intelectual que sonha com a transformação radical da sociedade
assumindo o seu papel, qualquer que seja ele, distante das classes populares, prescrevendo-lhes suas
receitas, as da liderança” (Freire e Faundez, 2002: 69).
64
chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o [ser
humano] assume uma posição epistemológica" (Freire, 2001c: 26).
19
Em Pedagogia da autonomia, Freire afirma: “não há para mim, na diferença e na „distância‟ entre a
ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos
metodicamente rigoroso, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que
a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza”
(Freire, 2001e: 34).
66
e homens o criam e recriam, o diálogo se impõe como caminho - a práxis - pelo qual estas
mulheres e estes homens ganham significação enquanto seres humanos, isto é, como sujeitos
históricos. Por isto, “o diálogo é uma exigência existencial”. É o encontro de mulheres e
homens que pronunciam o mundo e, ao pronunciá-lo, se reconhecem como seres de práxis.
Na palavra compartilhada solidarizam-se a ação e reflexão do “sujeitos endereçados ao
mundo a ser transformado e humanizado” (cf. Freire, 1999a: 79) Portanto, a ação dialógica
constitutiva da práxis orienta-se no sentido de recuperar a voz do oprimido, libertando-o
continuamente, e na libertação do oprimido alcançar a libertação dos opressores, como
condição fundamental da emancipação humana. Aqui se fundamenta a radicalidade
utópica - humanizadora e libertadora - que determina, enquanto horizonte de sentido, a
normatividade da teoria da ação dialógica de Freire.
Reiterando, a conscientização não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o
ato dialógico da ação e reflexão, cuja unidade dialética constitui, de maneira permanente, o
modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza mulheres e homens. Por isso mesmo,
a conscientização é um compromisso histórico (cf. Freire, 2002a: 26). É também
consciência histórica: é inserção crítica na história como sujeitos que transformam a
realidade. De acordo com Freire, o “descobrir-se oprimido só começa a ser processo de
libertação quando este descobrir-se oprimido se transforma em compromisso histórico que
significa engajamento. Engajamento é algo mais que compromisso; é exatamente a inserção
crítica na história para criá-la, para fazê-la”. Portanto, a conscientização implica que o ser
humano, ao reconhecer-se oprimido, alcance a inteligibilidade crítica da realidade pela qual,
em sua autocompreensão, possa entender que a libertação só se realiza na medida em que se
superem as contradições antagônicas que configuram a situação opressora concreta. Então, a
conscientização implica o compromisso histórico com a transformação da sociedade e
superação de suas estruturas desumanizantes. É por esta razão que a conscientização vincula-
se à utopia que a informa e a mobiliza permanentemente (cf. Freire, 1979: 97).
Liberdade e libertação constituem juntas uma tarefa permanente, histórica.
Como tais constituem os referenciais normativos que conferem sentido emancipatório às
práticas educacionais que, em sua autenticidade, possibilitam interações dialógicas
coordenadas em ambientes pedagógicos radicalmente democráticos, nas quais, educandos e
educadores participam igualmente, de maneira livre e crítica. A concepção freiriana de
liberdade e libertação perpassa toda sua obra, implícita ou explicitamente. Segundo, Freire,
em Educação na Cidade,
“Acho que a tarefa mais fundamental que a gente tem aí [...] é a tarefa da libertação. Veja
bem, não é sequer a tarefa da liberdade. Acho que a liberdade é uma qualidade natural do ser humano.
Até diria, com mais radicalidade, que a liberdade faz parte da natureza da vida, seja ela animal, seja
ela vegetal. A árvore que cresce, que se inclina procurando o sol, tem um movimento de liberdade,
mas uma liberdade que está condicionada à sua espécie, a um impulso vital apenas” (Freire, 2001d:
90).
pretende libertadora e, por isso, constituída e configurada pela dialogicidade, não se esgota no
“educativo” e tampouco no “escolar”. Por sua intencionalidade ético-política e
epistemológica, regulada pelo princípio fundante da dialogicidade, a educação se projeta em
reciprocidade dialética para o campo social e político, sendo portadora de um projeto utópico,
não determinado por algum sentido idealista e tampouco por um determinismo mecanicista,
mas pelo compromisso histórico e engajamento efetivo de mulheres e homens como sujeitos
nas lutas de transformação radicalmente democrática das estruturas societárias na sociedade
na busca de sua humanização e de libertação das condições de opressão e dominação.
“A vida torna-se existência e o suporte, mundo, quando a consciência do mundo, que implica
a consciência de mim, ao emergir já se acha em relação dialética com o mundo. [...] As relações entre
ambos são naturalmente dialéticas, não importa a escola filosófica de quem as estuda. Se mecanicistas
ou idealistas não podem alterar a dialética consciência/mundo e subjetividade/objetividade, isso não
significa que nossa prática idealista ou mecanicista seja eximida de seu erro fundamental. Alcançam
rotundo fracasso os planos de ação que se fundam na concepção da consciência como fazedora
arbitrária do mundo e defendem que mudar o mundo demanda antes „purificar‟ a consciência moral.
Da mesma forma, projetos baseados na visão mecanicista, segundo a qual a consciência é puro reflexo
da materialidade objetiva não escapam à punição da história” (Freire, 2004: 21).
possível na história, mas não vocação histórica”, afirma Freire em Pedagogia do oprimido
(1999a: 30). Na verdade, admitir a desumanização como vocação histórica dos homens
implicaria esvaziar e negar a significação utópica das ações emancipatórias levando
mulheres e homens a uma atitude de conformismo diante de um destino pré-estabelecido. Ao
contrário, para Freire, a luta pela humanização torna-se possível tão somente pelo fato de que
a desumanização, enquanto realidade histórica, “não é um destino dado, mas o resultado de
uma „ordem‟ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos” (cf. Freire,
1999a: 30).
Do mesmo modo, ao romper com a visão determinista da história, a libertação e a
opressão não podem ser concebidas - de acordo com as interpretações objetivistas e
mecanicistas das esquerdas autoritárias - como inscritas na história numa perspectiva de
inexorabilidade. Ora, segundo Freire, em Pedagogia da esperança, “da mesma forma a
natureza humana, gerando-se na história, não tem inscrita nela o ser mais, a
humanização, a não ser como vocação de que o seu contrário é distorção na história”. De
fato, ao longo da história, mulheres e homens inventaram a possibilidade de se libertarem na
medida em que se tornaram capazes de se perceber inacabados, limitados, condicionados,
históricos. “Percebendo, sobretudo, também que a pura percepção da inconclusão, da
limitação, da possibilidade não basta. É preciso juntar a ela a luta política pela transformação
do mundo. A libertação dos indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a
transformação da sociedade” (cf. Freire, 1999b: 100)
Deste modo, a humanização de mulheres e homens e suas implicações educativas
devem ser compreendidas não como um ideal abstrato, mas assumidas como um desafio
histórico em sua relação contraditória com a de desumanização que se verifica na realidade
objetiva em que estão inseridos. Isso significa que a desumanização, “como expressão
concreta de alienação e dominação”, e a humanização, “como projeto utópico das classes
dominadas e oprimidas”, implicam, cada uma a seu jeito, a ação das mulheres e dos homens
sobre a realidade social - a primeira, no sentido da preservação do status quo; a segunda, no
sentido de modificá-la tendo em vista a radical transformação do mundo opressor. Ambas não
podem ocorrer a não ser na história mesma de mulheres e homens, dentro das estruturas
sociais que elas e eles criam e a que se acham condicionados e não determinados 20. (cf. Freire,
2002b: 115).
A desumanização, sendo expressão concreta de alienação e dominação (cf. Freire,
2002b: 115), manifesta-se como a distorção da vocação para a humanização. Esta, pelo
contrário, é projeto emancipador em permanente devir, que exige a implementação de
processos de transformação, de modificação da realidade, sob condições histórico-sociais e
culturais contingentes. Constitui-se, portanto, em permanente processo de reinvenção da
20
À medida que se engajam na ação-reflexão, superando cada vez mais a curiosidade ingênua em direção de
uma curiosidade epistemológica - rigorosamente metódica - que resiste à sua domesticação, os sujeitos, em
solidariedade dialógica, tornam-se capazes de, "tomando distância" de si mesmos e da vida de que são
portadores, conhecer autenticamente o objeto do qual se aproximam e com cuja intervenção transformadora se
comprometem co-responsavelmente na busca por realizar sua vocação para a humanização (cf. Freire, 2000c:
106-108). Assim, em Pedagogia da esperança, Freire afirma: "[...] é por estarmos sendo assim que vimos nos
vocacionando para a humanização e que temos, na desumanização, fato concreto na história, a distorção da
vocação. Jamais, porém outra vocação humana. Nem um nem outra, humanização e desumanização, são destino
certo, dado dado, sina ou fado. Por isso mesmo é que uma é vocação e outra, distorção da vocação. É importante
insistir em que, ao falar do 'ser mais' ou da humanização como vocação ontológica do ser humano, não estou
caindo em nenhuma posição fundamentalista, de resto, sempre conservadora. Daí que insista também em que
esta 'vocação', em lugar de ser algo a priori da história é, pelo contrário, algo que se vem constituindo na
história" (Freire, 1999b: 99).
76
realidade em que se insere, na e pela práxis. Um dos equívocos próprios de uma concepção
ingênua do humanismo radica em seu empenho por apresentar um modelo ideal de ser
humano, esquecendo-se da concretude existencial de mulheres e homens inseridos em
contextos espaço-temporais específicos, marcadamente contraditórios e conflitantes. Ora, a
humanização é um fazer permanente, e como tal, é condição e imperativo para mulheres e
homens em seu estar no mundo com o mundo e com os outros. Ao se referir à prática
educativa como uma dimensão necessária da prática social e, por isso mesmo, um fenômeno
exclusivamente humano, Freire afirma que a existência humana não tem um ponto
determinante de sua trajetória fixado na espécie, como ocorre nos animais. Ao inventar a
existência, como também os materiais que a vida lhes oferece, mulheres e homens inventaram
ou descobriram a possibilidade que implica necessariamente a liberdade, que não recebem
por uma outorga mas que a conquistam lutando por ela. Assim, mulheres e homens, por sua
curiosidade, arriscam-se, aventuram-se e se educam no jogo da liberdade (cf. Freire 1994: 86).
O reconhecimento crítico de que a humanização dá-se processualmente na história ao
longo da qual, na luta por sua conquista, a subjetividade desempenha um papel fundamental,
permite superar duas maneiras equivocadas de se entender a educação decorrentes das
concepções antidialéticas da historicidade da ação humana que foram delineadas até o
momento. De um lado, o entendimento pessimista da educação que, enquanto epifenômeno
supra-estrutural, determina-se reprodutivamente às transformações de base na sociedade, o
que implica reduzi-la e subordiná-la à infra-estrutura produtiva. Esta compreensão acrítica e
antidialética da prática educativa apóia-se na “visão mecanicista de história que guarda em si
a certeza de que o futuro é inexorável, de que o futuro vem como está dito que ele virá”, de tal
modo que nega qualquer poder à educação antes que as condições materiais da sociedade
sejam transformadas (mecanicismo determinista). Por outro lado, o entendimento otimista
ingênuo, de natureza idealista e declaradamente conservador, daqueles que conferem à
educação a chave das transformações sociais e a solução para todos os problemas sem que
necessariamente se alterem as estruturas sociais, econômicas e políticas (subjetivismo
idealista).
E, por fim, ao conceber a inexorabilidade do devir, da qual deriva o entendimento
errôneo acerca de um domínio humano de determinação, dificilmente poder-se-ia falar da
responsabilidade ética do ser humano como ser da decisão, da ruptura, da opção.
Tampouco, ao ser humano, poder-se-ia pensar a liberdade de intervir no mundo para
transformá-lo em sua luta incessante pelo direito de ser sujeito da história e não apenas nela
objeto (cf. Freire, 2001e: 83; Freire, 2003b: 150). Ao contrário, conceber criticamente a
história como possibilidade e não como determinação permite entender que a ordem
atualmente estabelecida, que engendra, dentre outras formas de violência desumanizadora, a
miséria de mulheres, homens e crianças, apresenta-se sob condições históricas factíveis e,
portanto, possivelmente mutáveis. De fato, sem uma compreensão crítica da história na
perspectiva dialética do entendimento das relações contraditórias e processuais constitutivas
da realidade torna-se impossível pensar a superação da opressão e da discriminação em todas
suas manifestações desumanizantes. Afirmar a factibilidade histórica da realidade permite
romper com a docilidade fatalista frente à negação da radicalidade ontológica do ser
humano. Mudar, apesar de difícil, torna-se possível. A utopia se torna um sonho possível.
A propósito, mais uma vez convém reafirmar que a teoria freiriana da ação dialógica
introduz uma nova dimensão na relação entre teoria e prática ressignificando-a radicalmente,
a partir de seus fundamentos éticos e epistemológicos. Destaca-se a fé amorosa e perpassada
de esperança na capacidade dos oprimidos - mulheres e homens - em lutar por sua própria
77
21
cf. Freire, 2001e: 27; 65; 94; 164; Freire, 2000b: 36-37; 93-95; 125-126; Freire, 1997: 12; 66-69; 93; 100-
101; 104, dentre outros
22
Asserção retirada da Entrevista “Nous sommes programmés, mais pour apprendre”, Le Courrier,
UNESCO, fevereiro, 1991)
78
(Freire, 1997: 104). Mulheres e homens, apesar de “programados”, não são determinados.
Ninguém nasce feito, o ser humano se faz social e historicamente. E assim encontram-se
"impossibilitados de viver sem a referência de um amanhã", de modo que "onde quer que haja
mulheres e homens há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que
aprender" (Freire, 2001e: 94; Freire, 2000c: 85).
Isso remete à compreensão da educação como processo permanente fundado na
inconclusão do ser que se reconhece como tal. Para Freire, em Pedagogia da autonomia, “a
consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o
ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca” (Freire, 2001e: 64).
É justamente esta percepção de mulheres e homens como seres “programados, mas para
aprender”, e por isso mesmo para ensinar, para conhecer, para intervir, que lhe permite
entender a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do
desenvolvimento da autonomia e da liberdade de educadores e educandos (cf. Freire, 2001e:
164). Condicionados, “programados” mas não determinados, abertos às possibilidades de
mudanças, de transformações que operam pela intervenção de suas mãos, mulheres e homens
são capazes de se tornar conscientes de seus condicionamentos. Conscientes de sua radical
incompletude inserem-se enquanto seres histórico-sociais num permanente processo de busca
e de reinvenção do próprio mundo e de si mesmos. Seres da transformação e não da
adaptação, mulheres e homens tornam-se capazes de pronunciar o mundo, na medida em
que o transformam e o reinventam, reinventando a si mesmos. (cf. Freire, 1999b: 100).
Portanto, a compreensão dialética das relações corpo-consciente-mundo em que se
funda o entendimento da história como possibilidade implica reconhecer que os seres
humanos, enquanto condicionados e, ao mesmo tempo, conscientes do condicionamento, não
estão determinados, o que lhes permite mover-se no mundo no sentido de superar a força
condicionante das heranças culturais, tornando-os aptos a lutar pela liberdade e nesta
luta ampliar os espaços do exercício de sua autonomia e autodeterminação. O ser
humano, ao se construir social e historicamente, de um lado, vivencia a tensão contraditória
entre a herança genética com que vem ao mundo e a herança cultural em que se insere. Por
outro, ao mesmo tempo, ele vivencia a contradição da unidade individualizada dessas
heranças recebidas na prática da qual faz parte com os outros seres humanos e pela qual,
atuando, constrói-se a si mesmo. É neste movimento dialético que mulheres e homens vão se
inclinando cada vez mais para isto ou para aquilo em sua existência, forjando sua
subjetividade e a individualidade de seu “estar sendo” no mundo. Segundo Freire, em
Política e educação:
“Foi reinventando-se a si mesmo, experimentando ou sofrendo a tensa relação entre o que
herda e o que recebe ou adquire do contexto social que cria e que o recria, que o ser humano veio se
tornando este ser que, para ser, tem de estar sendo. Este ser histórico e cultural que não pode ser
explicado somente pela biologia ou pela genética nem tampouco apenas pela cultura. Que não pode
ser explicado somente por sua consciência como se esta em lugar de ter-se constituído socialmente e
transformado seu corpo em um corpo consciente tivesse sido a criadora todo-poderosa do mundo que
o cerca, nem tampouco pode ser explicado como puro resultado das transformações que se operaram
neste mundo. Este ser que vive, em si mesmo a dialética entre o social, sem o que não poderia ser e o
individual, sem o que se dissolveria no puro social, sem marca e sem perfil. Este ser social e histórico,
que somos nós, mulheres e homens, condicionados mas podendo reconhecer-se como tal, daí poder
superar os limites do próprio condicionamento, „programado [mas] para aprender‟ - teria
necessariamente que entregar-se à experiência de ensinar e de aprender” (Freire, 1997: 67-68).
Convém ressaltar que, em Professora sim, tia não, Freire elucida a importância da
identidade de educador e educandos enquanto sujeitos na ação dialógica. Aqui a identidade é
entendida como a relação contraditória, processual e dinâmica, que constitui a
subjetividade em sua individualidade, entre o que herda e o que adquire. Condicionados,
79
“[...] não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se
cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e
eticamente, por nós, mulheres e homens. A utopia implica essa denúncia e esse anúncio, mas não
deixa esgotar-se a tensão entre ambos quando da produção do futuro antes anunciado e agora um novo
presente. A nova experiência de sonho se instaura, na medida em que a história não se imobiliza, não
morre. Pelo contrário, continua” (Freire, 1999b: 91-92).
ser mais inscrito na natureza humana. Diante desta negação não se pode cruzar os braços
fatalistamente recusando a própria responsabilidade a favor do discurso cínico e niilista da
acomodação. Contrária à resignação em face das ofensas que desumanizam mulheres e
homens, a rebeldia decorrente da recusa inconformada das injustiças fundamenta-se também
na compreensão da problematicidade do futuro e na vocação para o ser mais como expressão
da natureza humana em processo de estar sendo. A rebeldia, enquanto denúncia, deflagra a
justa raiva, mas somente na esperança, ela pode se alongar para uma posição mais
radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A utopia da
humanização-libertação e a luta histórica por sua realização implica a dialetização entre a
denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação: o sonho possível.
“Para mim, o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos
atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura
humanizante. Por esta razão a utopia é também compromisso histórico. A utopia exige o
conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante
se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do
anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de
um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso
transformar meu anteprojeto em projeto. [...] Além disso, entre o anteprojeto e o momento da
realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a
história que devemos criar com nossas mãos e que devem os fazer; é o tempo das transformações que
devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico” (Freire, 2001c: 27-28).
A utopia como sonho possível se levanta contra o pensamento fatalista que sufoca o
sonho e aprisiona a imaginação ao desencanto. Ela se abre às possibilidades históricas, à
realização do inédito nas fronteiras do viável e do factível. A utopia não consegue mudar as
estruturas, ao menos projeta a trangressão de sua vigência. Neste sentido, o pensamento
utópico de Freire, "molhado" de história, se nos apresenta como uma linguagem subversiva
da possibilidade23, uma defesa à radicalidade ontológica do ser humano e de sua
humanização, de um lado, a partir denúncia do presente das inúmeras manifestações de
desumanização, desmascarando as pseudolegitimações da extrema pobreza e da debilidade
democrática das relações sociais e das estruturas societárias, de outro, no anúncio do amanhã
que é engendrado no aqui e no agora, indicando a possibilidade da reinvenção da
sociedade, de suas relações de poder e de produção, da cultura e da educação, da superação de
suas estruturas desumanizantes, assentes na radicalidade ético-política da liberdade e da
autêntica democracia. Para Freire, adotar uma posição utópica implica a lealdade e a
coerência ao sonho e, por isso mesmo, a luta solidária de todos pela materialização do sonho
compartilhado realizando no aqui e agora as possibilidades que se apresentam factiveís na
direção da humanização e libertação de mulheres e homens. O sonho freiriano vislumbra,
considerando as situações historicamente concretas, a possibilidade de desenhar o projeto de
um socialismo substantivamente democrático.
23
Peter McLaren considera que Freire, ao ligar as categorias de história, política, economia e classe aos
conceitos de cultura e poder, “conseguiu desenvolver uma linguagem de crítica e uma linguagem de esperança
que operam de forma conjunta e dialética e que têm demonstrado sua eficácia na libertação das vidas de gerações
de pessoas desprivilegiadas. É a linguagem de esperança de Freire - aquilo que Giroux chama sua „linguagem de
possibilidade‟” (McLaren, 1987: 6). De fato, na práxis emancipatória, na perspectiva da radicalidade utópica da
teoria freiriana da ação dialógica, a tensão dialética entre anúncio e denúncia marca a construção desta
linguagem subversiva e revolucionária da libertação como possibilidade histórica.
82
pela busca de realizar histórica e socialmente sua vocação para ser mais. Segundo as palavras
do próprio Freire: "sem esperança não há como sequer começar a pensar em educação.
Não é possível ser um ser interminado, como nós somos, conscientes desta inconclusão, sem
buscar. E a educação é exatamente este movimento de busca, essa procura permanente".
(Freire, 2001f: 171).
históricas que culminaram nesta obra, bem como, investigando as condições históricas em
seus próprios contextos:
“Quando alguém pensa sobre o contexto que deu origem a Pedagogia do oprimido e pensa,
também, sobre seu próprio contexto, poderá começar a re-criar a Pedagogia do oprimido. Se [as
educadoras e] os educadores forem fiéis a essa reinvenção radical compreenderão minha insistência
em que os educandos devam assumir o papel de sujeitos cognoscentes; ou seja, sujeitos que conhecem
juntamente com o educador, que é também um sujeito cognoscente. Esse é o princípio para a tomada
de uma atitude epistemológica, filosófica, pedagógica e política. [...] Essencialmente, os educadores
devem trabalhar muito para que os educando assumam o papel de sujeitos cognoscentes e possam
viver essa experiência de sujeitos” (Freire e Macedo, 1994: 81-82).
26
De acordo com o Afonso Celso Scocuglia, não se pode deixar de enfatizar que um dos alicerces indeléveis
da prática e da teoria de Paulo Freire é a questão da democracia. "Se há uma questão central que percorre o
discurso freiriano, em todos seus diversos e diferentes momentos, esta é a questão da educação e da pedagogia
enquanto prática e teoria contribuintes da 'radicalidade democrática', mesmo quando evidenciaram equívocos de
populismo „de esquerda‟ e do nacionalismo-desenvolvimentista dos anos 1950 e 1960 [...]. Se nos seus escritos a
'humanização não se fará sem a destruição da sociedade de exploração e da dominação humana', o itinerário da
consecução de tal possibilidade é sempre democrático" (Scocuglia, 1999: 34)
86
realidade. Isso porque “nem a ingenuidade, nem a espontaneidade, nem o rigor científico
vão transformar a realidade. A transformação da realidade implica a união desses dois
saberes, para alcançar um saber superior que é o verdadeiro saber que pode transformar-se em
ação e em transformação da realidade” (Freire e Faundez, 2002: 60). A ação dialógica
implementada na escola e na luta política é substantivamente democrática e, por isso mesmo,
contrária a práticas autoritárias ou espontaneístas ou manifestações de intolerância ou de
poder discriminatório. Por isso mesmo, a substantividade democrática, segundo Freire, exige
maior radicalidade ética (cf. Freire, 2003b: 227).
A democracia não acontece de uma hora para outra, por uma outorga legal ou por
uma concessão de alguma autoridade que se arrogue o título de democrática. “Não se recebe
democracia de presente. Luta-se pela democracia. Não se rompem as amarras que nos
proíbem de ser com uma paciência bem comportada, mas com Povo mobilizando-se,
organizando-se, conscientemente crítico”, afirma Freire (2000b: 117). A democracia, a
liberdade e a ampliação dos espaços da autonomia se conquistam ao longo de um
processo ininterrupto de lutas, avanços e revezes, no qual exercita-se a comunicação dialógica
e o poder democrático de todos sujeitos que participam da caminhada. Este movimento
substantivamente democrático que faz parte da própria humanização do ser humano, de sua
vocação para ser mais, realizando-se sob condições históricas concretas, torna-se um
aprendizado permanente para a democracia. Assim, na e pela práxis, mulheres e homens,
mobilizando-se, organizando-se, conhecendo em termos críticos, vão partejando o novo.
Segundo Freire, em Política e educação, “a vocação para o ser mais, enquanto expressão da
natureza humana fazendo-se na história, precisa de condições concretas sem as quais a
vocação se distorce. Sem a luta política, que é luta pelo poder, essas condições necessárias
não se criam” (Freire, 1997: 11).
Assim, no marco da concepção freiriana da radicalidade democrática, as alterações
na ordem política, jurídica, social e econômica só podem ser compreendidas legitimamente
quando sustentadas por uma profunda democratização - reinvenção democrática - da
sociedade e do poder. Na verdade, segundo Freire, a reinvenção da sociedade exige a
reinvenção do poder (cf. Freire e Macedo, 1994: 36). E a reinvenção do poder, isto é, “o da
crescente participação popular no poder e na gestão do poder” (Freire e Faundez, 2002: 98),
por sua vez, refere-se a todas as dimensões societárias. Nesta reciprocidade, a radicalidade
democrática demanda a criação e recriação permanente de um novo poder e de uma nova
sociedade e, neste processo, os sujeitos reinventam-se, recriam-se. É neste sentido que Freire
concebe dialeticamente a reinvenção do poder e da sociedade. Em Por uma pedagogia da
pergunta, ao tratar da atualidade da questão do poder, ele afirma:
“Não tenho dúvida de que o problema fundamental que se coloca hoje na luta pela
transformação da sociedade não é o da pura tomada do poder, mas o da tomada que se alongue
criativamente na reinvenção do poder. É criar um poder novo que não tema ser contestado e que não
se enrijeça em nome da defesa da liberdade conquistada que, no fundo, deve ser uma liberdade
conquistando-se. Indiscutivelmente, este tema não pode ser pensado sem se repensar ao mesmo tempo
o tema da democracia ou, como venho chamando, o da substantividade democrática” (Freire e
Faundez, 2002: 75).
Um projeto político que tenha por objetivo apenas a tomada do poder e o seu
deslocamento de um grupo para outro não é suficiente. Segundo Freire, “é necessário
compreender que, ao tomar o poder, é preciso transformá-lo”. Esta transformação histórica
consiste na democratização radical da sociedade, assim sonhada por ele, que passa pela
reinvenção do ato produtivo e que, deste modo, traria consigo a reinvenção da cultura, “dentro
da qual se criariam ambientes para incorporar, de maneira participativa, todos aqueles
discursos que atualmente estão sufocados pelo discurso dominante. A legitimação desses
88
que se inserem mulheres e homens na busca de sua humanização. Portanto, é justamente por
este entendimento dialético da historicidade do agir humano que Freire, em sua linguagem da
liberdade e da possibilidade, assume seu compromisso com o oprimido.
O que entende Freire por radicalização, na perspectiva da práxis substantivamente
democrática? Em Educação como prática da liberdade ele afirma:
“A radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na opção que fez, é positiva,
porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde e comunicativa. O homem
radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga
sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo.
Tenta convencer e converter, e não esmagar o seu oponente. Tem o dever, contudo, por uma questão
mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio. Dos que, em nome da
liberdade, matam, em si e nele, a própria liberdade. A posição radical [...] não pode acomodar-se
passivamente diante do poder exarcebado de alguns que leva à desumanização de todos, inclusive dos
poderosos” ( Freire, 2000a: 58-59).
Entretanto, convém ressalvar que a relação entre educação como ato democrático e a
formação da cidadania democrática deve ser compreendida dialeticamente, uma vez que, por
um lado, a educação não pode ser considerada em si mesma como o início da cidadania, mas
por outro lado, a experiência cidadã requer a educação. De forma análoga, ocorre na relação
entre os termos Educação e mudança: a educação não é alavanca de transformação social,
mas a transformação social é, em si, educativa (cf. Freire, 2003b: 131). Assim, a constituição
da subjetividade democrática por meio das experiências efetivamente participativas possibilita
a assunção da cidadania democrática, pela qual o sujeito toma a história em suas mãos e nela
se torna presença crítica. A reinvenção democrática da cidadania nas experiências de
participação popular é uma luta permanente pela qual mulheres e homens vivenciam um
aprendizado da democracia.
Em sua obra póstuma, Pedagogia dos sonhos possíveis, Freire enfatiza a
compreensão substantiva da cidadania. Ela não pode ser considerada um puro
“adjetivo” que qualifica a pessoa em função de sua inserção geográfica. A cidadania remete à
assunção da história do ser humano, isto é, quando a mulher e o homem assumem sua história
em suas próprias mãos.
“A história não é feita de indivíduos, ela é socialmente feita por nós todos e a cidadania é o
máximo de presença crítica no mundo da história por ela narrada. Então vocês vejam cidadania como
sendo isso. A cidadania não é apenas o fato de ser um cidadão que vota. Isso é pouco demais, embora
seja fundamental também, pois ela é muito mais. O conceito de cidadania vem casado com o conceito
de participação de ingerência nos destinos históricos e sociais do contexto onde a gente está” (Freire,
2003b: 130)
92
“Opções radicais, jamais sectárias”, afirma Freire (Freire, 1997: 80), ao longo de sua
história, foram sendo gestadas aos poucos fazendo e se refazendo em sua prática e sua
reflexão, “como educador, portanto como político” (Freire, 1997: 79-80). Sua experiência e
seu pensamento se fizeram nesta caminhada histórica. As coisas estão sempre se fazendo e se
refazendo: o mundo é devir e nele o ser humano vai se experimentando e, assim, vai se
fazendo. Ninguém nasce feito: o ser humano, situado historicamente, vai se fazendo aos
poucos na prática social de que toma parte (cf. Freire, 1997: 79).
PARTE II
Ação Comunicativa, Democracia Deliberativa e Esfera
Pública em Jürgen Habermas
CAPÍTULO I
28
Estes espaços de discussão são constituídos, dentre outros, por movimentos sociais (mulheres, negros,
indígenas, homossexuais, ecológicos, direitos humanos, minorias, consumidores, trabalhadores, sem terra e sem
moradia, etc) que, no enfrentamento dos conflitos sociais, por diferentes formas de comunicação, tematizam os
problemas específicos nos contextos em que se inserem e, assim, configuram um campo ético-político-cultural
que aponta para uma esfera pública democrática. Deste modo, na perspectiva habermasiana, estes espaços
públicos que, na esfera pública, emergem da mobilização e organização de cidadãs e cidadãos, constituem o que
Habermas denomina de sociedade civil. Enquanto interface institucionalizada da esfera pública, este conceito
apresenta, portanto, um sentido muito preciso por corresponder a um universo empírico bem delimitado e
desvinculado das esferas sistêmicas do Estado e da economia.
96
29
Habermas, 1987a, v. I e II.
30
Habermas, 1984a.
31
Habermas, 1990e.
32
Habermas, 1997a, v. I e II.
33
Segundo Antonio C. Maia, até Mudança Estrutural da Esfera Pública (1962), salvo as reflexões de
Hannah Arendt, em A Condição Humana, “a categoria de espaço público parece não ter merecido
desenvolvimentos teóricos sistemáticos. E mais, não se reconhecia o seu papel axial no jogo político da
modernidade. Neste sentido, a investigação de Habermas se apresentou ao mesmo tempo como um trabalho
descritivo, destacando e comprovando (...) a emergência dessa dimensão constitutiva da sociedade burguesa,
bem como também um caráter normativo. Nessa dimensão, aponta para o papel emancipatório que esse espaço
na vida social abre, por meio de um momento no qual se institucionalizou a possibilidade de uma formação
radical democrática da vontade, através do respeito às normas de discurso racional – onde os argumentos e a
defesa de interesses generalizáveis, e não as posições sociais e as tradições, devem ser decisivos. (...) Contudo,
Mudança Estrutural na Esfera Pública termina com uma reflexão eminentemente preocupada com as
implicações normativas da categoria de espaço público. Essa tensão, tão característica da perspectiva
habermasiana, entre a dimensão descritiva (em geral trabalhada no campo da análise sociológica) e o plano
normativo, está presente em seu primeiro livro” (Maia 1997, s/p.). Em Facticidade e validade, esta dimensão
normativa será privilegiada no interior das discussões relativas à concepção discursiva da democracia. Antes de
Facticidade e validade, (1992), este debate começa a reassumir o primeiro plano na produção de Habermas em
seu artigo “Soberania popular como procedimento: um conceito normativo de espaço público” (1988). Desde
então, esta categoria analítica tem desempenhado um papel significativo nos últimos desenvolvimentos teóricos
de Habermas.
97
34
Com base na teoria lingüística de Austin, Habermas considera que os atos elementares da fala apresentam
uma estrutura na qual se combinam três elementos: o componente proposicional para a representação de estados-
de-coisas, o componente ilocutivo para a admissão de relações interpessoais e, finalmente, os componentes
lingüísticos que expressam a intenção de quem fala. Assim, a clarificação, em termos de teoria dos atos de fala,
das complexas funções lingüísticas da representação, do estabelecimento de relações interpessoais e da
expressão de acontecimentos próprios tem conseqüências incisivas para o próprio conceito de racionalidade
comunicativa e constituição de uma pragmática universal. O aspecto decisivo nessa apropriação crítica das
investigações de Austin é a reformulação do sentido do componente performativo ou componente ilocucionário
de uma emissão lingüística. Para Habermas, ao contrário de Austin, a força ilocucionária do componente
performativo possui uma base racional. Desloca-se, portanto, o locus da racionalidade da ação lingüística do
componente proposicional para o componente performativo, pelo qual o ato de fala possibilita o estabelecimento
de uma relação interpessoal. (cf. Habermas, 1984b: 359-365; Habermas, 1990b: 123-124).
98
35
Em Conhecimento e Interesse, a tematização da reciprocidade entre trabalho e interação dá-se no contexto
do embate teórico com o positivismo. Habermas rejeita a redução ingênua da teoria do conhecimento científico,
em que qualquer forma de interesse deve ser eliminada de processos cognitivos objetivos por constituírem
interferência subjetivas negativas. Ele critica essa compreensão cientificista das ciências, na tentativa de resgatar
a unidade entre interesse e conhecimento. Pra ele, os interesses comunicativos e instrumentais, por meio da
linguagem e do trabalho, respectivamente, determinam a priori as formas de organização da vida e das
experiências, antes da ação e da ciência. (cf. Habermas, 1982: 211ss).
100
sociedade. De outro, o mundo vivido concebido como o âmbito das interações sociais
mediadas lingüisticamente e, por isso, permeadas pela racionalidade comunicativa. São
interações baseadas na solidariedade e no entendimento recíproco (ação comunicativa) pelas
quais os indivíduos reconhecem intersubjetivamente as pretensões de validade levantadas na
comunicação. Para esclarecer a separação destes níveis analíticos que representam contextos
de ação e suas de respectivas formas de reprodução, Habermas, em resposta às objeções de
Anthony Giddens, em Teoria da ação comunicativa: complementos e estudos prévios,
ressalta:
Eu prefiro introduzir o conceito de mundo vivido como conceito complementar ao de ação
comunicativa e entendo a ação comunicativa como o meio através do qual se reproduzem as estruturas
simbólicas do mundo vivido. Simultaneamente, as ações instrumentais, isto é, as intervenções no
mundo objetivo, representam o meio através do qual se reproduz o substrato material do mundo
vivido, a partir do qual, portanto, o mundo vivido desenvolve seus processos de intercâmbio com a
natureza externa” (Habermas, 1984b: 458).
36
A partir da compreensão do processo de modernização que, segundo Weber, havia se caracterizado pelo
predomínio da razão instrumental da ciência e tecnologia sobre as outras esferas sociais, para Habermas, a razão
instrumental predominante na esfera dos subsistemas que envolvem o mercado e a burocracia estatal, no
processo de modernização capitalista, acabou dominando e "colonizando" o mundo da vida invadindo as esferas
da cultura, da moral e da estética. A disputa do espaço social, nos pontos de intersecção entre sistema e mundo
da vida, constituiria a disputa política fundamental das sociedades contemporâneas. A recuperação
(descolonização) das esferas comunicativas reprimidas do mundo da vida e a influência normativa dos fluxos
comunicacionais sobre a coordenação das ações reguladas das esferas sistêmicas da sociedade decorrente da
101
afirmação do poder social-integrativo da solidariedade constitui o núcleo utópico da teoria da ação comunicativa
e o resgate do projeto inacabado de emancipação da Modernidade. Portanto, nesta perspectiva emancipatória, a
“demonização” mecanicista da relação entre o sistema e mundo vivido e a colonização do mundo vivido pelo
sistema decorrente constitui uma interpretação inadequada ao pensamento habermasiano, ao contrário, importa
que a reciprocidade entre estas duas dimensões societárias deve seja encarada dialéticamente. Na verdade, a
teoria da Modernidade, segundo os postulados da razão comunicativa, revela a reciprocidade dialética de duas
situações interdependentes: por um lado, que o mundo vivido está sujeito às agressões sistêmicas. Entretanto, por
outro lado, a radicalização desta agressão engrendra, sob o horizonte de sentido emancipatório, uma práxis
política de resistência e luta para conquistar e ampliar seus espaços de liberdade, de autonomia e da
solidariedade. É essa a verdadeira dialética da Modernidade resgatada pela reconstrução habermasiana dos
fundamentos da mediação normativa das dimensões teórica e prática da razão, cindidas pela universalização da
razão analítico-instrumental decorrente do reducionismo cientificista.
102
ação como condições secundárias do êxito a que aspira. O êxito vem definido pela ocorrência
de um determinado estado no mundo que, em uma situação dada, de modo causal, pode ser
produzida mediante ação ou omissão intencionadas. Como tal, neste modelo, Habermas
estabelece uma classificação de ações em que a ação teleológica refere-se à realização de fins
definidos, sob determinadas condições e pode ter uma dupla dimensão instrumental ou
estratégica.
A ação instrumental está voltada para realização de tarefas técnicas de controle da
natureza e dos estados-de-coisas que fazem parte do mundo objetivo. Como tal consiste na
ação que se realiza em um processo coordenado lingüisticamente no qual os participantes
perseguem seus próprios objetivos e realizam seus propósitos influindo sobre as ações de
outros sujeitos. Este tipo de ação orientada ao êxito realiza-se sob a observância de regras
técnicas de ação e avaliada pelo grau de eficácia da intervenção em um determinado estado
físico. Segundo Habermas, as ações instrumentais podem estar associadas a interações sociais.
Diferente desta, a ação estratégica consiste propriamente em uma ação social. Neste tipo de
ação, os sujeitos tentam alcançar os objetivos de sua ação influenciando externamente sobre a
definição da situação, as decisões ou motivos de seu adversário. Concebidas como interações
sociais, Habermas opõe as ações estratégicas às ações comunicativas.
“A comunicação e a atividade teleológica são dois componentes igualmente fundamentais
das interações sociais. Estas se separam, de acordo com o mecanismo de coordenação da ação, em
duas classes: ação comunicativa e ação estratégica. A coordenação decorre no primeiro caso através
da formação do consenso, e no segundo através da complementaridade das tramas de interesses. No
primeiro caso a comunicação lingüística tem que servir de meio da coordenação da ação, no segundo
a comunicação lingüística pode servir de meio de coordenação da ação. Porém, na medida em que as
interações estratégicas vem mediadas lingüisticamente, a linguagem serve de meio de influenciação
mútua” (Habermas, 1984b: 421)
37
Habermas, em Teoria da Ação Comunicativa: complementos e estudos prévios, em resposta às objeções de
Anthony Giddens com relação à teoria da ação, ou mais especificamente, às observações críticas feitas ao seu
conceito de interação, afirma: “Estou bem longe de equiparar ação e interação: eu distingo entre ação
instrumental, ação estratégica e ação comunicativa. Para a construção desta tipologia da ação torna-se
determinante a distinção entre orientação ao êxito e orientação ao entendimento. Segundo o modelo da ação
racional com relação a fins o ator se orienta para a realização de seus próprios fins, calculando o êxito da ação
pelo grau em que esta consegue produzir mediante intervenção no mundo (ou mediante omissões) o estado-de-
coisas que se espera. Às ações orientadas ao êxito eu chamo de instrumentais quando podem ser entendidas
como seguimento de regras técnicas e avaliadas a partir do ponto de vista da eficácia de uma intervenção no
mundo físico com o qual o agente pretende conseguir algo; as ações orientadas ao êxito denomino de
estratégicas quando podem ser entendidas como seguimento de regras de escolha racional e avaliadas do ponto
de vista da eficácia da influência que um agente trata de exercer sobre as decisões de um oponente (ou
oponentes) racional. [...]. Chamo de ações comunicativas quando as interações sociais não são coordenadas
através de cálculos egocêntricos do próprio êxito por parte de cada ator individual, considerado isoladamente,
senão mediante operação cooperativas de interpretação dos participantes. Na ação comunicativa os atores não se
orientam primariamente por seu próprio êxito, senão pela produção de um acordo que é condição para que cada
103
sujeitos estão exclusivamente orientados para o sucesso, isto é, para as conseqüências do seu
agir, “eles tentam alcançar os objetivos de sua ação influindo externamente, por meio de
armas ou bens, ameaças ou seduções, sobre a definição da situação ou sobre as decisões ou
motivos de seus adversários”. A coordenação das ações de sujeitos que se relacionam desta
maneira, isto é, estrategicamente, depende da maneira como se entrosam os cálculos de ganho
egocêntricos” (cf. Habermas 1989a: 164-165). E conclui Habermas:
“Em ambos os casos, a estrutura teleológica da ação é pressuposta na medida em que atribui
aos atores a capacidade de agir em vista de um objetivo e o interesse em executar seus planos de ação.
Mas o modelo estratégico da ação pode se satisfazer com a descrição de estruturas do agir
imediatamente orientado para o sucesso, ao passo que o modelo do agir orientado para o
entendimento mútuo tem que especificar condições para um acordo alcançado comunicativamente sob
os quais Alter pode anexar suas ações às do Ego” (Habermas 1989a: 165).
participante na interação possa prosseguir seus próprios planos de ação. Um acordo alcançado
comunicativamente se funda no reconhecimento intersubjetivo, ainda que implícito, de pretensões de validade
susceptíveis de crítica. O acordo não pode ser imposto por uma das partes. Um acordo em que um tenha sido
objetivamente forçado, ou que se tenha sido produzido pela via da persuasão retórica, subjetivamente, só pode
valer como acordo enquanto não se tornem evidentes as vias pelas quais se tenha produzido. O acordo repousa
em convicções (Habermas, 1984b: 453-454).
104
38
De acordo com Delamar J. Volpato Dutra, a pragmática universal da linguagem, “[...] opera com
pretensões de validade resolúveis discursivamente e com pressuposições pragmático-formais, remetendo a
compreensão dos atos de fala às condições de sua aceitabilidade racional. Portanto, o conceito-chave da
pragmática universal não é a verdade, mas a validade, entendida num sentido epistêmico, ou seja, como
aceitabilidade racional” (Dutra, 2003: 219).
105
convicções comuns (cf. Habermas, 1987a, 1: 368-369; Habermas, 1984b: 482). Neste sentido,
ele afirma:
“Se bem que, na verdade, objetivamente, um acordo pode ocorrer forçado ou induzido;
porém o que a olhos vistos se produz por influência externa, mediante gratificações, ameaças,
sugestão ou engano, não pode contar subjetivamente como acordo. Perde a eficácia à qual deve sua
capacidade de coordenar a ação. Um acordo perde o caráter de convicções comuns enquanto o afetado
se dá conta de que é resultado da influência externa que outro tem exercido sobre ele. [...] Ao
contrário, os participantes na interação que tratam de coordenar de comum acordo seus respectivos
planos de ação e somente os executam sob as condições do acordo a que chegaram, adotam uma
atitude performativa de falantes e ouvintes, e se entendem entre si sobre a situação dada e a forma de
dominá-la. [...] A atitude de orientação ao entendimento [...] torna os participantes na interação
dependentes uns dos outros. Estes dependem das atitudes de afirmação ou negação de seus
destinatários, porque somente podem chegar a um consenso sobre a base do reconhecimento
intersubjetivo das pretensões de validade” (Habermas, 1984b: 482)
39
Habermas recupera, na sua teoria da ação comunicativa, elementos da teoria da linguagem do segundo
Wittgenstein e da teoria dos atos de fala de Austin e Searle. Do primeiro, incorpora a tese de que falar é agir
socialmente, ou seja, constitui uma forma de vida e de seguimento a regras gestadas socialmente. De Austin,
assume a tese de que o ato de fala significa fazer proferimentos que estabelecem relações sociais. Neste sentido,
a sua teoria ultrapassa a esfera da lingüística e se configura como pragmática.
107
“Na teoria do discurso, o desabrochar da política deliberativa não depende de uma cidadania
capaz de agir coletivamente e sim, da institucionalização dos correspondentes processos e
pressupostos comunicacionais, como também do jogo entre deliberações institucionalizadas e opiniões
públicas que se formaram de modo informal. A procedimentalização da soberania popular e a ligação
do sistema político às redes periféricas da esfera pública política implicam a imagem de uma
sociedade descentrada. Em todo o caso, este modelo de democracia não precisa mais operar com o
conceito de uma totalidade social centrada no Estado, representado como um sujeito
superdimensionado e agindo em função de um objetivo. Ele também não representa a totalidade num
sistema de normas constitucionais que regulam de modo neutro o equilíbrio do poder e dos interesses
segundo o modelo do mercado. Pois a teoria do discurso dispensa os clichês da filosofia da
consciência que recomendam que atribuamos, de um lado, a prática da autodeterminação dos sujeitos
privados a um sujeito da sociedade tomada como um todo, e, de outro lado, que imputemos a
dominação anônima das leis a sujeitos particulares que concorrem entre si. No primeiro caso, a
cidadania é vista como um ator coletivo que reflete a totalidade e age em função dela; no segundo, os
atores singulares funcionam como variável dependente em processos de poder“ (Habermas, 1997a, 2:
21).
40
Habermas desloca o foco para os espaços públicos e dos procedimentos comunicativos. Mantém a
centralidade do Estado no processo político decisório que ocorre, todavia, articulado ou pressionado pelas
demandas sociais que pulsam, dentre outros, de um processo comunicativo exercido por cidadãos na esfera
pública. É neste sentido que, segundo Luchmann, que os conceitos de sociedade civil e esfera pública tornam-se
centrais no referencial habermasiano da democracia deliberativa. (cf. Luchmann 2002: 3).
112
41
Habermas reconstrói o conceito fenomenológico de “mundo vivido” transformando-o num mirante ou
horizonte historicamente flutuante, do qual o homem tira o seu saber implícito de atos de falta. O mundo vivido
torna-se um “depósito” cultural organizado lingüisticamente, de onde os sujeitos em suas interações
comunicativas retiram suas idéias e convicções pressupostas em atos de fala quotidianos e que, por este ato, é
retroalimentado. Por se constituir como o lugar das intuições compartilhadas, por onde os sujeitos se
movimentam, o mundo vivido não é tematizado por seus habitantes, mas apenas pressuposto a priori como
horizonte de orientação para a participação nas ações comunicativas. Porém, de acordo com Habermas, não se
pode conceber este a priori em termos absolutos, mas de uma quase-transcendentalidade, que leva em conta as
situações em que um processo de comunicação distorcida pode abalar a competência comunicativa de
participantes de um mundo anteriormente bem estruturado simbolicamente. O mundo vivido abarca toda a
tradição cultural: as instituições, as estruturas cognitivas e afetivas, os atos de fala, as teorizações, os bens
documentais, isto é, tanto a objetivação das expressões humanas como e, prioritariamente, a subjetividade dos
atores, sempre sujeitos sociais - os processos da socialização guiam a participação dos sujeitos na situação de
comunicação, já que a ação comunicativa é o meio pelo qual o mundo vivido se reproduz.
42
As cidadãs e os cidadãos são portadores do espaço público e nele expressam problemas concernentes a
distintos âmbitos de sua vida privada. O meio próprio é a interação comunicativa, isto é, a prática
comunicativa cotidiana que se produza partir da compreensão intersubjetiva. Este intercâmbio comunicativo
produz argumentos, influências e opiniões. Arraigado no mundo vivido e nos processos de comunicação, o
espaço público se distingue de outros fenômenos sistêmicos ou estratégicos de funcionalidade
instrumental. A opinião pública pode ser manipulada ou instrumentalizada à custo de desviar-se da realidade
própria de mulheres e homens que, ao obscurecer o sentido de suas vidas e esvaziar a força comunicativa de sua
114
na qual os indivíduos privados se reúnem como público se constitui uma porção da esfera
pública. De acordo com Habermas, o ato de reunir-se como público dá-se quando os
indivíduos, ao se reconhecerem reciprocamente em sua liberdade comunicativa no exercício
de sua soberania, como condição da assunção de sua cidadania, se encontram em
solidariedade, discutem e articulam acordos livremente, sem pressões ou coações, internas ou
externas e, inclusive, com a garantia de poder manifestar e publicar livremente sua opinião
sobre as oportunidades de atuar segundo interesses gerais. Nos casos de um público mais
amplo, esta comunicação requerer a criatividade de meios precisos de transferência e
influência.
Habermas propõe um conceito de esfera pública sob um duplo ponto de vista,
descritivo e normativo, que permite, além de identificar operativa e empiricamente a
multiplicidade e diversidade dos micro e macroespaços implicados nesta categoria analítica,
também compreender a dinâmica e a constituição deste “espaço de opinião pública” e do
poder comunicativo e sua relação com o poder administrativo consubstanciado no Estado.
“A esfera pública não pode ser entendida como uma instituição, nem como uma organização,
pois, ela não constitui uma estrutura normativa capaz de diferenciar entre competências e papéis, nem
regula o modo de pertença a uma organização, etc. Tampouco ela constitui um sistema, pois, mesmo
que seja possível delinear seus limites internos, exteriormente ela se caracteriza através de horizontes
abertos, permeáveis e deslocáveis. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a
comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas
específicos” (Habermas, 1997a, 2: 92).
“A teoria do discurso coloca em jogo uma outra idéia, para ela processos e pressupostos
comunicativos da formação democrática da opinião e da vontade funcionam como a comporta mais
importante para a racionalização discursiva das decisões de um governo e de uma
administração vinculados ao direito e à lei. Racionalização significa mais do que simples
legitimação, porém menos do que a constituição do poder. O poder disponível administrativamente
modifica sua composição durante o tempo em que, fica ligado a uma formação democrática da opinião
e da vontade, a qual programa, de certa forma, o exercício do poder político. Independente disso,
somente o sistema político pode „agir‟. Ele constitui um sistema parcial, especializado em decisões
que obrigam coletivamente, ao passo que as estruturas comunicativas da esfera pública formam uma
rede ampla de sensores que reagem à pressão de situações problemáticas da sociedade como um todo
e estimulam opiniões influentes. A opinião pública, transformada em poder comunicativo segundo
processos democráticos, não pode „dominar‟ por si mesma o uso do poder administrativo; mas pode,
de certa forma, direcioná-lo” (Habermas, 1997a, 2: 23, grifo nosso)
43
Ainda se pode ressaltar, de acordo com Delamar J. V. Dutra, que a esfera pública não é uma instituição,
não tem aspectos organizacionais, tampouco constitui-se num sistema delimitado, mas caracteriza-se por
horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis. Nela, “os fluxos comunicativos são filtrados e sintetizados, a ponto
de se condensarem em opiniões públicas (Habermas, 1997a, 2: 92). A força da opinião pública é indicar para um
argumento legitimador e influenciar. Mesmo o poder social tem que angariar adesão, implicando que tem que
usar de uma linguagem convincente. Ou seja, dinheiro e poder têm que se ocultar enquanto tais para angariar tal
convicção. Segundo Habermas, uma esfera pública pode ser manipulada, mas não criada a bel-prazer. (cf. Dutra
2002b: 9)
117
“Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz
através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em
sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana. Descobrimos que o
mundo da vida é reservatório para interações simples; e os sistemas de ação e de saber especializados,
que se formam no interior do mundo da vida, continuam vinculados a ele. Eles se ligam a funções
gerais de reprodução do mundo da vida (como é o caso da religião, da escola e da família), ou a
diferentes aspectos de validade do saber comunicado através da linguagem comum (como é o caso da
ciência, da moral, da arte)” (Habermas, 1997a, 2: 92).
44
Do ponto de vista normativo, a esfera pública, constituída pelos fluxos comunicacionais que se realizam
nos procedimentos democráticos orientados para a formação da opinião e da vontade e para a influência sobre o
sistema político, libera sua força legitimadora para a política deliberativa. Entretanto, a despeito da interpretação
liberal, a formação democrática da vontade não tem como função única a legitimação do exercício do poder
político, tampouco, como concebe a interpretação republicana, tem como função a de constituir a sociedade
como uma comunidade política. Na perspectiva da teoria do discurso, a formação democrática da opinião e da
vontade, como expressão da soberania do povo, pode direcionar o uso do poder administrativo no sistema
político (Habermas, 1997a, 2: 22-23).
118
deixa ainda suas marcas em estruturas de compromisso que foram se desenhando nas
sociedades capitalistas desenvolvidas. (cf. Habermas 1990b: 326).
O processo de privatização da política e desinstitucionalização do espaço público,
aos quais se associam, dentre outros, a alienação social, as diversas formas de dominação e
exploração e as crises socioculturais das sociedades atuais, no bojo do avanço neoliberal de
reestruturação societária nos remete mais uma vez à discussão habermasiana acerca da
colonização do mundo vivido provocada pelos processos de monetarização e burocratização
que operam independentemente de padrões de entendimento estruturados comunicativamente.
Quando estes processos se tornam autônomos e apartados das premissas normativas que se
estabelecem pelas ordens institucionais do mundo vivido e quando estas, por sua vez, numa
inversão, acabam sendo invadidas pelos imperativos funcionais destes processos
autoregulados, submergindo em um espaço da racionalidade instrumental, desencadeia-se um
processo de atrofiamento do potencial comunicativo originário da vida social então submetida
à instrumentalização e ao controle de estruturas sistêmicas.
Diante do atual contexto histórico, em que as sociedades contemporâneas vivem um
quadro de perplexidade provocado pelas profundas transformações sociais, políticas,
econômicas, culturais, científicas e tecnológicas e, ainda mais, pelo impacto dos graves
problemas sociais que marcam, no seu conjunto, o esvaziamento do sentido da vida
humana em todas as suas dimensões e a supressão da solidariedade na diversidade.
Neste contexto, especificamente, o problema da exclusão social desde classes sociais
empobrecidas até segmentos sociais vítimas do preconceito e da intolerância desvela-se cada
vez mais como uma perspectiva para a compreensão da problemática que envolve o processo
sociocultural impondo a necessidade de reconceituação das bases de suporte normativo da
práxis social e conseqüente redefinição dos modelos teórico-práticos que impliquem na
possibilidade da reconstrução radical da solidariedade social e política e do sentido
emancipatório das práticas sociais. Ora, as idéias de justiça e solidariedade decorrem das
condições de simetria e das expectativas de reciprocidade reconhecidas e inscritas na
ação comunicativa, isto é, na interação que se realiza através de pretensões de validade
orientada ao entendimento. O reconhecimento recíproco do sujeitos capazes de falar e dar
razões de seus atos, isto é, que orientam sua ação por pretensões de validade, traz certamente
em gérmen as idéias emancipatórias da liberdade, da igualdade e da solidariedade.
De modo distinto à compreensão marxiana pela qual a sociedade é entendida como
produto das forças produtivas e das relações de produção criadas pela práxis, Habermas
concentra toda interação social autêntica no mundo vivido, alterando a compreensão
cognitivo-instrumental da práxis social que, até então aprisionada à filosofia da consciência,
deixa de ser pensada primordialmente como processo de trabalho, isto é, como intervenção
manipulatória do sujeito sobre o mundo, sobre a natureza exterior e interior. Deste modo, a
partir da virada paradigmática inaugurada pela teoria da ação comunicativa, a superação da
compreensão unidimensional da racionalidade reduzida tão somente à sua instrumentalidade
proporciona a reconstrução téorico-prática das bases normativas da práxis social recuperando
seu potencial emancipatório. “O poder unificador da razão, que agora é apresentado como
práxis emancipatória, não se dissolve nesta racionalidade orientada para fins” (cf. Habermas
1990b: 71; 314).
O telos imanente à linguagem - o entendimento intersubjetivo - possibilita, na
convivência cotidiana dos sujeitos sociais, na sociedade, a formação de uma rede de
interações sociais e contextos de ação comunicativa no mundo vivido que são constantemente
revisados pelo reconhecimento intersubjetivo das exigências de validade. Neste novo
paradigma, as interações comunicativas ultrapassam o nível da objetivação do outro e da
instrumentalização da relação entre os sujeitos para que intersubjetivamente possam se
121
entender mutuamente sobre algo no mundo e nele coordenar suas ações. Este entendimento,
por sua vez, além de preservar o mundo subjetivo de cada um e a objetividade do mundo
material, requer um contexto no qual se supere a fragmentação da razão e que, assim,
constitua-se uma ordem social livre das patologias que perturbam e distorcem a comunicação
lingüística entre os sujeitos que pensam e agem, isto é, uma ordem que corresponda às
perspectivas ético-normativas do agir comunicativo que se depreende de seu substrato
linguístico-pragmático.
Esta transição para o paradigma da intersubjetividade comunicativa muda a
perspectiva filosófica. A ênfase recai sobre o sujeito que executa um ato de fala diante de
outro sujeito capaz de tomar uma posição diante do que é dito, Deste modo, a linguagem -
como medium do entendimento intersubjetivo - passa a ser concebida, não apenas como a
capacidade de representação do mundo exterior no interior da consciência do sujeito, mas a
capacidade de dizer algo e fazer-se entender por outrem sobre algo no mundo a partir das
pretensões de validade que reivindica nos processos comunicativos 45. Assim, o agir
comunicativo, mediado pela linguagem, caracteriza as condições sob as quais, considerando
as expectativas recíprocas de reflexão e de ação dos sujeitos envolvidos, o processo
argumentativo pode produzir racionalmente um reconhecimento intersubjetivo quanto a
normas, fundado no consenso, por cuja expectativa recíproca presente no conteúdo
performativo do ato de fala, constitui-se mecanismo normativo de coordenação das ações.
Isso vem reforçar a necessidade de fundamentar, na base das pretensões de validade do ato de
fala, as condições universais do entendimento entre sujeitos que agem comunicativamente.
“A pragmática universal tem como tarefa identificar e reconstruir as condições universais do
entendimento possível. Em outros contextos se fala também de „pressupostos universais da
comunicação‟; porém prefiro falar de pressupostos universais da ação comunicativa porque considero
fundamental o tipo de ação orientada ao entendimento. [...] Enfim, dado que no nível sociocultural da
evolução a linguagem representa o meio específico do entendimento, vou dar um passo a mais,
entendendo por ações comunicativas atos de falas explícitos; passarei por alto as ações não
verbalizadas e as manifestações expressivas ligadas ao corpo” (Habermas, 1984b: 299).
45
No pensamento habermasiano, são considerados os três mundos com os quais os sujeitos se relacionam,
alternando-se entre eles, na vida cotidiana: o mundo objetivo das coisas, o mundo social das pessoas, o mundo
subjetivo dos sentimentos. Em relação a cada um destes três mundos o sujeito assume um posicionamento: uma
atitude objetivante ao tratar com as coisas ou mesmo com as pessoas e os sentimentos quando encarados como
coisas; uma atitude normativo-conformativa que os vê em termos de obrigação moral; e uma atitude expressiva
que os trata de maneira emotiva ou afetiva. A modernidade baseia-se precisamente na racionalização e
diferenciação destas relações com mundo em âmbito mais amplo. São estas a racionalidade cognitivo-
instrumental, racionalidade prático-moral e racionalidade prático-estética.
122
linguagem. Realizando tais delimitações, o Eu se sabe não apenas como subjetividade, mas como uma
instância que „desde sempre‟ transcendeu os limites da subjetividade, realizando essa operação, ao
mesmo tempo, na cognição, na linguagem e na interação: o Eu pode se identificar consigo mesmo
precisamente mediante a distinção entre o que é meramente subjetivo e o não-subjetivo. Partindo de
Hegel e chegando, através de Freud, até Piaget, desenvolveu-se a idéia de que sujeito e objeto se
constituem reciprocamente, e que o sujeito só pode se tornar consciente de si mesmo em relação com -
e na construção de - um mundo objetivo” (Habermas, 1990c: 15).
Não obstante a insuficiência das análises sobre as estruturas simbólicas que estão na
base do Direito e da moral, de um mundo constituído intersubjetivamente e da identidade de
pessoas que agem e de coletividades que vivem juntas para delas, Habermas reconhece que
elas se empenham, por reconstruções convincentes, elaborar modelos de desenvolvimento nos
planos ontogenético e filogenético. Segundo ele próprio, a insistência em tal temática
justifica-se por estar convencido de que “as estruturas normativas não seguem simplesmente a
linha de desenvolvimento do processo de produção, nem obedecem simplesmente ao modelo
dos problemas sistêmicos, mas têm - ao contrário - uma história interna” (cf. ibidem: 31).
Deste modo, enfatiza que o conceito de atividade produtiva - que pretende se constituir um
modelo paradigmático de mediação entre teoria e práxis - deve ser desdobrado nos conceitos-
chave de agir comunicativo e de agir racional com relação aos fins, “para evitar confundir
numa só coisa os processos de racionalização determinantes para a evolução social: a
racionalização do agir não tem efeitos apenas sobre as forças produtivas, mas também - de
modo autônomo - sobre as estruturas normativas” (ibidem: 32).
Ainda, neste sentido, segundo Anthony Giddens, Marx demonstrou como a
transformação do trabalho concreto em trabalho “abstrato”, enquanto condição de
coordenação da produção moderna, tornou-se um mecanismo que possibilitou distinguir a
economia como uma esfera institucional autônoma. Assim, ressalta que os movimentos
sociais de trabalhadores podem ser considerados historicamente como os primeiros
intentos para corrigir os desequilíbrio existente entre o mundo vivido e os mecanismos
regulativos que se derivam das violentas mudanças estruturais e conjunturais efetuadas
pelo rápido desenvolvimento capitalista. Porém, na vida política ocorre também um
124
do efeito ilocucionário do comprometimento que a oferta de um ato de fala suscita” (Habermas 1989a:
79, grifo nosso).
A coordenação racional da ação nos moldes do agir racional com relação a fins
não carece de condições motivacionais asseguradas por premissas consensuais tal como se dá
no agir comunicativo. A racionalidade dos meios exige apenas um saber empírico
tecnicamente utilizável. Ao contrário, “o agir comunicativo não pode ser racionalizado
nem sob o aspecto técnico dos meios escolhidos, nem sob o aspecto estratégico da escolha
dos meios, mas apenas sob o aspecto prático-moral da capacidade de entender e de coordenar
do sujeito de ação, bem como da possibilidade de justificação no que se refere à norma de
ação” (Habermas, 1990c: 33). Neste sentido, o aspecto passível de racionalização do agir
comunicativo não reside na verdade proposicional, mas na veracidade das exteriorizações
intencionais e emocionais e na justeza dos valores e dos parâmetros normativos da ação,
reconhecidas e assumidas consensualmente por todos os concernidos.
Portanto, a partir da compreensão desta distinção categorial das formas de
coordenação racional da ação ou de sua racionalização, segundo Habermas, entende-se que as
estruturas de racionalidade não se materializam apenas nos mecanismos do agir racional com
relação aos fins, ou seja, em tecnologias, estratégias, organizações e qualificações, mas
também nas mediações do agir comunicativo, nos mecanismos que regulam os conflitos, nas
imagens do mundo, na formação de identidade. Na ação comunicativa a possibilidade de
uma racionalidade crítica está dada pela capacidade performativa dos sujeitos inseridos
em um processo interativo mediante atos de fala que expressam e pelos quais se
articulam no mundo vivido. No sentido de fundamentar a pretensão de universalidade
conferida ao modelo discursivo de racionalidade e resgatar o seu substrato ético-normativo,
Habermas desenvolve uma ética do discurso nos marcos de uma noção de comunicação
vinculada às estruturas do mundo vivido que constitui o contexto das situações de ação e de
fala46, de cujo domínio o conceito do agir comunicativo extrai, ao lado do aspecto teleológico
da execução de um plano de ação, o aspecto comunicativo da interpretação comum da ação,
sobretudo a formação de um consenso (cf. Habermas 1989a: 165-166).
Pelo fato das interações sociais serem “mais ou menos cooperativas e estáveis, mais
ou menos conflituosas ou instáveis” a questão que se coloca para uma teoria da ação é a
seguinte: “como é que (pelo menos dois) participantes de uma interação podem coordenar os
seus planos de ação de tal modo que Alter possa anexar suas ações às ações de Ego evitando
conflitos e, em todo o caso, o risco de uma ruptura da interação” (Habermas 1989a: 64).
Habermas responde à questão propondo a diferenciação entre dois modelos de ação, o
estratégico e o do agir orientado para o entendimento mútuo:
“Na medida em que os atores estão exclusivamente orientados para o sucesso, isto é, para as
conseqüências do seu agir, eles tentam alcançar os objetivos de sua ação influindo externamente, por
meio de armas ou bens, ameaças ou seduções, sobre a definição da situação ou sobre as decisões ou
46
Uma situação representa um fragmento temático do mundo vivido. Um conteúdo a ser tematizado, por sua
vez, surgem em conexão com interesses e objetivos da ação dos participantes: “ele circunscreve o domínio de
relevância dos objetos tematizáveis. Os planos de ação individuais acentuam o tema e determinam a carência de
entendimento mútuo atual que é preciso suprir por meio do trabalho de interpretação. Neste aspecto, a situação
de ação é, ao mesmo tempo, uma situação de fala na qual os agentes assumem alternadamente os papéis
comunicacionais de falantes, destinatários e pessoas presentes. A esses papéis correspondem as perspectivas dos
participantes da primeira e segunda pessoas, assim como a perspectiva do observador da terceira pessoa, a partir
da qual a relação eu-tu pode ser observada como uma conexão intersubjetiva e, assim, ser objetualizada. Esse
sistema de perspectivas dos falantes está entrelaçado com um sistema de perspectivas do mundo” (Habermas
1989a: 166).
126
motivos de seus adversários. A coordenação das ações de sujeitos que se relacionam dessa maneira,
isto é, estrategicamente, depende da maneira como se entrosam os cálculos de ganho egocêntricos. O
grau de cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesses dos participantes. Ao
contrário, falo em agir comunicativo quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos
de ação e de só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo existente ou a se
negociar sobre a situação e as conseqüências esperadas. Em ambos os casos, a estrutura teleológica da
ação é pressuposta na medida em que se atribui aos atores a capacidade de agir em vista de um
objetivo e o interesse em executar seus planos de ação” (Habermas 1989a: 165).
47
A inteligibilidade de um enunciado ou manifestação, pressuposta a todas as demais, é uma pretensão de
validade que remete a uma determinada competência de regras que envolvem a estrutura formal códigos
simbólicos de uma linguagem natural. Assim, um enunciado ou uma manifestação será inteligível quando se
apresentar bem formada gramatical e pragmaticamente, de sorte que todos que dominem os correspondentes
estruturas e sistemas de regras do código lingüístico e assim possam compreender e se envolver no jogo de
linguagem. Porém, por si só, a inteligibilidade não dá conta de outras pretensões de validade que envolvem a
relação linguagem e realidade sobre a qual fazemos enunciações.
127
valorativas que se deve seguir só podem ser comprovadas em discursos. Em Teoria e Práxis,
afirma:
“O reconhecimento fático se apóia em cada caso, também no caso de erro, sobre a
possibilidade de resgatar discursivamente a pretensão levantada. Os discursos são atos organizados ou
representações nos quais fundamentamos exteriorizações cognitivas. Nas ações, as pretensões de
validade facticamente elevadas e que configuram o consenso sustentador, são aceitas ingenuamente. O
discurso, pelo contrário, serve para a fundamentação das pretensões problemáticas de validade de
opiniões e normas” (Habermas, 1990a: 28-29).
48
Habermas também distingue os consensos verdadeiros e falsos. Mais adiante, ao longo da reflexão, outros
aspectos relativos ao consenso racional ou verdadeiro - sobretudo, no que se refere à antecipação e à idealização
de uma situação de fala - serão mais bem alinhavados para que possa compreender que o discurso realizado
contrafactualmente na perspectiva de uma situação ideal de fala se apresenta como parâmetro para distinguir os
consensos verdadeiros e autênticos dos falsos consensos (cf. Habermas, 1984b: 104; Habermas, 1990a: 28).
49
Cf. Habermas 1989a: 63-78
128
manobras de evasão dos céticos relativamente aos valores, ao mesmo tempo, encaminhar uma
resposta para a questão: em que sentido e de que maneira podem ser fundamentados os
mandamentos e normas morais” (Habermas 1989a: 78), Habermas chama a atenção para o
fato de que, embora a esfera da normatividade esteja aberta a questões de validade, estas não
têm, neste caso, um caráter idêntico ao das questões de validade assertórica, que caracteriza as
proposições científicas sobre o mundo objetivo, mas apenas análogo. Apesar da tese de que as
questões práticas são passíveis de verdade, segundo Habermas, as proposições relativas à
validade deôntica das normas e as pretensões de validade que se erguem com atos com
conteúdo normativo e que encerram sentido de justiça (equidade) e legitimidade (ou atos
regulativos) não podem ser assimiladas às proposições descritivas de natureza assertiva
relativa às pretensões de verdade objetiva (ou atos de fala constatativos)50.
Ao discorrer sobre os resultados da fenomenologia do fato moral proposta pela
análise de Peter Strawson, na qual evidencia que, de modo manifesto, os sentimentos têm,
com relação à justificação moral das maneiras de agir, um significado semelhante ao que as
percepções têm para a explicação teórica de fatos, Habermas destaca que “a justificação
prático-moral de um modo de agir visa um outro aspecto, diferente da avaliação afetivamente
neutra de relações meio-fim, mesmo que esta possa ser derivada de pontos de vista do bem-
estar social” (Habermas 1989a: 70). Com efeito, contrário ao objetivismo ético de George E.
Moore, ele afirma que as proposições normativas mantêm uma relação diferente com os atos
de fala através dos quais são explicitadas e não podem ser verificadas ou falsificadas como as
proposições descritivas. Assim, em sua crítica a respeito destas tentativas intuicionistas ele
apresenta a seguinte consideração:
“Se partirmos - com razão, no meu modo de ver - do fato de que os enunciados normativos
podem ser válidos ou não-válidos; e se, como indica a expressão „verdade moral‟, interpretamos as
pretensões de validade, que são objetos de controvérsia em argumentações morais, segundo o modelo
imediatamente disponível da verdade de proposições, então nos veremos levados, - erroneamente,
acredito - a compreender a possibilidade de tratar as questões práticas em termos de verdade com o se
os enunciados normativos pudessem ser „verdadeiros‟ ou „falsos‟ no mesmo sentido que os
enunciados descritivos” (Habermas 1989a: 73)
50
Em síntese, os atos de fala reconhecidos por Habermas são quatro: imperativos (ou perlocuções,
característicos do agir estratégico); constatativos; regulativos e expressivos. Os atos imperativos correspondem a
atos de fala que buscam efeitos perlocucionários não explicitados, ou seja, que se inserem em contextos
estratégicos, na busca de êxitos. Estes não precisam atender ao critério do entendimento lingüístico, peculiar ao
agir comunicativo. Correspondem a atos de fala não compromissados com a autonomia do ouvinte e sim à
coordenação indireta da ação estratégica – que aqui se apóia em sanções, no exercício do poder e no ocultamento
de ideologias. Os três últimos se inserem na categoria dos atos de fala ilocucionários ou inerentes ao agir
comunicativo, onde os fins perseguidos com a ação estão plenamente incluídos no conteúdo do ato de fala e o
critério de validade do mesmo é o entendimento. Os atos constatativos e os imperativos estariam voltados para o
mundo objetivo dos estados de coisas; os primeiros como meros reconhecimentos de situações de fato, e os
segundos com um caráter diretivo imediato, no qual o ouvinte teria de cumprir uma ação segundo orientações
não pautadas pelo entendimento (uma orientação que não se explicita integralmente, que reconhece um saber
oculto ou monopolizador).
51
De acordo com Habermas, em Consciência moral e agir comunicativo, a verdade proposicional e a
correção normativa, além de constituírem pretensões de validade erguidas na fala, ambas têm em comum o fato
de serem resgatáveis discursivamente, enquanto a sinceridade não é passível de um resgate discursivo baseado
em argumentos, mas pela consistência do comportamento do falante (cf. Habermas 1989a: 79). Isso se deve ao
129
com seu “lugar” específico em diferentes elementos da prática comunicativa cotidiana. (cf.
Habermas 1989a: 80). Ora, uma vez contestadas, estas pretensões de validade devem ser
submetidas a um processo argumentativo para que possam ser resgatadas: a este processo
Habermas denomina de discurso, distinguindo-o daquelas formas espontâneas de ação
comunicativa (ordinária) que, no cotidiano, ocorrem em contextos lingüísticos informais.
“Até aqui distinguimos duas formas de comunicação (ou de „fala‟): a ação comunicativa
(interação), por um lado, e o discurso, por outro. Na primeira se pressupõe ingenuamente a validade
das emissões ou manifestações, para trocar informação (experiências referidas à ação); no segundo se
convertem em tema as pretensões de validade problematizadas, porém não se trocam informações.
Nos discursos buscamos restabelecer ou substituir o acordo que se havia dado na ação comunicativa, e
que ficou problematizado. Neste sentido falamos de entendimento discursivo. As argumentações tem
por fim superar uma situação que surge por uma firme problematização das pretensões de validade
ingenuamente pressupostas na ação comunicativa: este entendimento reflexivo conduz a um acordo
produzido e fundado discursivamente [...]” (Habermas, 1984b: 108)
acesso privilegiado do falante em relação ao seu próprio mundo subjetivo, o que não ocorre nos mundos social e
objetivo nos quais todos participam igualmente.
52
Habermas estabelece uma distinção entre consenso e pacto, a partir da consideração de dois tipos puros de
interações interpessoais relativas à integração social, as quais, por sua vez, correspondem à diferentes
perspectivas ou enfoques que os atores são levados a assumir: (a) as interações que se dão através do consenso
130
sobre normas e valores, nas quais os atores, orientados pelo entendimento, assumem um enfoque performativo
(prática de entendimento). Aqui a união é entendida como consenso. (b) As interações que visam uma
compensação recíproca de interesses ou um compromisso. Nestas interações, os atores orientados pelas
conseqüências da ação, à luz de preferências próprias, assumem um enfoque objetivador (prática de negociação).
A união é entendida como pacto. Dependendo das perspectivas dos atores, os problemas de coordenação da ação
são tematizados de diferentes maneiras, o que implica dois tipos de arbitragem de conflitos. (cf. Habermas,
1997a, 1: 177-178).
131
assumem uma atitude de investigação imparcial do que antes era visto como não-
problemático. Portanto, a argumentação discursiva, nestes dois casos, tem como ponto de
partida a suspensão radical da crença na validade do que havia sido afirmado até que se
possa chegar a um novo consenso que possa validar a proposição, seja para a comprovação
do enunciado descritivo, ou seja, para a justificação da norma. Assim, motivados a
problematizar os conteúdos descritivos e normativos, os participantes passam a criticar o
próprio mundo da vida, passando de uma conversação para a discussão na forma de discurso.
Na discussão ficam suspensos idealmente todos os motivos previamente dados, que até então
eram assumidos sem questionamento e que presidiam a comunicação cotidiana. Os
participantes livres e iguais, capazes de ação e de linguagem, passam a buscar a “verdade”
na tematização dos conteúdos problematizados para chegar ao acordo sobre um novo
consenso. Ora, nos dois discursos, é o consenso que valida a proposição. Por sua vez, para
que se possa assegurar o reconhecimento de todos os participantes quanto à legitimidade de
todo e qualquer processo de argumentação, seja teórica ou prática, convém que os
procedimentos comunicativos orientados ao consenso sejam fundamentados sobre
princípios ou regras derivados de certos pressupostos pragmático-formais.
“[...] um acordo sobre questões teóricas ou moral-práticas não pode ser imposto nem
dedutivamente nem por evidências empíricas. [...] Ora, no discurso teórico, a ponte que serve para
vencer a distância entre as observações singulares e as hipóteses universais é lançada por diversos
cânones da indução. No discurso prático, é preciso um princípio-ponte correspondente. Eis por que
todas as investigações a propósito da lógica da argumentação moral conduzem imediatamente à
necessidade de introduzir um princípio moral que, enquanto regra de argumentação, desempenha um
papel equivalente ao do princípio da indução no discurso da ciência empírica” (Habermas 1989a: 84).
53
Segundo Habermas, em Consciência moral e agir comunicativo¸ em relação às proposições predicativas,
as proposições deônticas mantêm uma relação diferente com os atos de fala. Estas aquelas residem apenas em
atos de fala, as pretensões de validade normativa têm sua sede primeira em normas e só de maneira derivada em
atos de fala. “A realidade social, à qual nos referimos com atos de fala regulativos, já está desde o início numa
relação interna com pretensões de validade normativas. Ao contrário, as pretensões de verdade não são de modo
algum inerentes às entidades elas próprias, mas apenas aos atos de fala com que nos referimos às entidades no
discurso constatativo dos fatos, a fim de representar estados de coisas”. Assim, sendo que o mundo social não
pode ser constituído independentemente de toda a validade, este substrato social presente na validade normativa
133
“[...] eu entendo o discurso prático como um procedimento que não serve à produção de
normas justificadas senão ao exame da validade das normas já existentes, porém que, ao se terem
tornado problemáticas, são tratadas em atitude hipotética. A situação concreta de seu ponto de partida
consiste em um acordo normativo perturbado, ao qual os discursos práticos se referem em cada caso
como antecedente, determina os objetos e problemas sobre os quais trata a discussão. Tais problemas
advêm sempre dos sujeitos afetados como algo objetivo, não como algo que se possa generalizar à
vontade conforme o modelo da dúvida cartesiana” (Habermas, 1998: 72)
apresenta implicações significativas para a constituição de uma esfera pública democrática, nos marcos de uma
ética do discurso (cf. Habermas 1989a: 81).
134
fala, os quais enunciando proposições normativas para chegar a acordos, estabelecem relações
com o mundo social, não apenas diretamente, mas de forma reflexiva. Sem dúvida, através
dos pressupostos pragmático-formais que sustentam sua teoria da ação comunicativa,
Habermas conquista o estatuto de uma teoria crítica com conseqüências universalizáveis para
resgatar o caráter dialógico de seu modelo de esfera pública.
Em Consciência moral e agir comunicativo, a elaboração do modelo discursivo de
fundamentação racional da ética por Habermas realiza-se em dois planos: o discurso de
justificação e o discurso de aplicação. No primeiro plano, para que uma norma tenha validade
universal é preciso que ela atenda ao princípio de universalização (U) como regra de
argumentação para discursos práticos, “fundamentada a partir dos pressupostos pragmáticos
da argumentação em feral, em conexão com a explicitação do sentido de pretensões de
validade normativas” (Habermas 1989a: 143). Sobre este princípio, Habermas afirma:
“Introduzi (U) como uma regra de argumentação que possibilita o acordo em discursos
práticos sempre que as matérias possam ser regradas no interesse igual de todos os concernidos. É só
com a fundamentação desse princípio-ponte que poderemos dar o passo para a ética do discurso.
Todavia, dei a (U) uma versão que exclui uma aplicação monológica desse princípio; ele só regra as
argumentações entre diversos participantes e contém até mesmo a perspectiva para argumentações a
serem realmente levadas a cabo, às quais estão admitidos como participantes todos os concernidos”
(Habermas 1989a: 87).
Após ter resgatado nos discursos práticos sua capacidade de decidir as questões
prático-morais em suas pretensões de validade em termos de verdade, analogamente aos
conteúdos assertóricos dos discursos teóricos, deu-se um primeiro passo, em oposição ao
relativismo cético, para a fundamentação de uma ética do discurso frente ao desafio de
demonstrar a possibilidade do consenso no contexto marcado pela diversidade de orientações
axiológicas. Este primeiro passo consiste em comprovar a existência de um princípio-ponte
que possa assegurar a possibilidade do consenso e, assim, proporcione o equacionamento de
questões de ordem normativa, ou seja, este princípio deve “assegurar que somente sejam
aceitas como válidas as normas que exprimem uma vontade geral” (Habermas 1989a: 84) e
“exclui como inválidas as normas que não possam encontrar o assentimento qualificado de
todos os concernidos possíveis” (ibidem: 84). Em oposição às “arraigadas reduções empiristas
do conceito de racionalidade e contra as correspondentes reinterpretações das experiências
morais básicas” (Habermas 1989a: 99), o princípio de universalização permite reafirmar a
possibilidade de fundamentar as pretensões de validade associadas a mandamentos e normas.
Ao enfocar o caráter formal da ética do discurso, em Moralidade e Eticidade, Habermas
afirma:
“Toda ética formalista há de poder indicar um princípio que basicamente permita chegar a
um acordo racionalmente motivado quando ocorre a discussão acerca de questões prático-morais. Para
o princípio de universalização, que deve ser entendida como regra de argumentação, eu tenho
proposto a seguinte formulação: (U) Toda norma válida há de satisfazer à condição de que as
conseqüências e efeitos colaterais que presumivelmente resultem da observância geral da norma para
a satisfação dos interesses de cada um possam ser aceitos sem coação por todos os concernidos”
(Habermas, 1998: 68; cf. Habermas 1989a: 147, grifo nosso).
da argumentação, desde que haja discernimento acerca do que é justificar uma norma de ação
(cf. Habermas, 1998: 102). O princípio de universalização (U) como condição de validade
de toda e qualquer norma, rege os discursos práticos, enquanto que o princípio do
discurso (D) mobiliza os indivíduos para uma efetiva participação discursiva, servindo
para torná-los conscientes de que "U" exprime tão-somente o conteúdo normativo de
um processo de formação discursiva da vontade e, por isso, deve ser cuidadosamente
distinguido dos conteúdos da argumentação (cf. Habermas 1989a: 148). Ora, segundo
Habermas, “enquanto que o princípio da universalização fornece uma regra de argumentação,
a idéia fundamental da teoria moral [...] exprime-se no princípio da ética do discurso (D), o
qual diz o seguinte: „Toda norma válida encontraria o assentimento de todos os concernidos,
se eles pudessem participar de um discurso prático‟” (Habermas 1989a: 148).
Estes pressupostos delineados no contexto da pragmática universal levaram
Habermas à antecipação e à idealização de uma situação de fala no sentido de fundamentar
um critério avaliativo para o consenso fático. De fato, a possibilidade de fundamentação da
validade da norma em seu caráter universalizável que se realiza pela construção do consenso
no interior de processos discursivos remete a facticidade das experiências comunicativas de
base consensual. Ora, por um lado, ao afirmar que a meta do entendimento recíproco ou
consenso se realiza com a consecução de um acordo que pressupõe a constituição de uma
comunidade intersubjetiva em torno de uma comunicação livre de coações na qual todos os
participantes, livres e iguais, tem a possibilidade de fazer uso de razões com as quais possam
argumentativamente chegar a um reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade
susceptíveis de serem tematizadas. Por outro lado, há de se considerar que a “verdade” é um
conceito normativo e, portanto não pode se ligar a um consenso de facto, isto é, nenhum
consenso que se conquiste pode servir de garantia de “verdade” no resgate das pretensões de
validade problematizadas. Assim, algumas questões se colocam: como distinguir um acordo
racional, isto é alcançado discursivamente, de uma mera aparência de racionalidade? Quais
são os critérios de um consenso verdadeiro em relação oposta a um consenso falso?
Em Teoria da Ação comunicativa: complementos e estudos prévios (Habermas,
1984b: 104-106), Habermas reconhece que qualquer critério que se adote para distinguir um
consenso racionalmente fundado de um consenso ilusório exige sua justificação discursiva,
o que implica mover-se em uma circularidade lógica da qual não consegue escapar. De
fato, "em casos de dúvida, a distinção entre consenso verdadeiro e falso há de ser decidida
mediante um discurso. Porém o resultado do discurso, por sua vez, depende da obtenção de
um consenso que possa considerar-se suficientemente sólido” (Habermas, 1984b: 104). A
única maneira de não se enredar numa regressão infinita na busca de justificações, de acordo
com Habermas, é conceber por antecipação um consenso racionalmente motivado que se pode
alcançar em virtude da força do melhor argumento dentro outros empregados no processo
comunicativo, cujas implicações configuram a caracterização das condições necessárias sob
as quais esta argumentação possa se realizar verdadeiramente. Estas condições, por sua vez,
permitem uma progressiva radicalização da argumentação assegurando a liberdade a todos os
sujeitos, capazes de fala e de ação, e permitindo-lhes alcançar níveis cada vez maiores de
reflexibilidade ao longo do processo discursivo fundado racionalmente na força coativa do
melhor argumento. Assim vai se delineando a situação ideal de fala de modo que todo
consenso que possa ser alcançado sob suas condições poderá ser considerado per se um
consenso racional.
A situação ideal de fala não pode ser interpretada como um recurso interpretativo
que possibilita definir o que possa ser um consenso racional ou consenso verdadeiro,
tampouco uma condição sine qua non para a racionalidade comunicativa, mas um
pressuposto contrafáctico assumido pelos participantes de um discurso autêntico, ou
137
55
Como se pode observar, de acordo com Thomaz McCarthy, a situação ideal de fala pressuposta no discurso
torna-se uma categoria central nos esforços de Habermas para proporcionar uma fundamentação prático-moral
da teoria crítica (cf. McCarthy, 1978: 356-359).
138
Assim, para que o consenso obtido discursivamente seja considerado válido, alguns
postulados derivam do princípio de que na produção comunicativa de um consenso não exista
nenhuma coação a não ser a do melhor argumento. Em virtude do caráter procedimental da
ética do discurso estes postulados referem-se aos pressupostos transcendentais pragmáticos
necessários para que o processo comunicativo prossiga seu curso sem distorções. As situações
ideais de fala têm que cumprir, segundo Habermas, em Teoria da ação comunicativa:
complementos e estudos prévios, duas condições notórias que correspondem respectivamente
aos postulados da igualdade comunicativa e o da igualdade de fala:
1) “Todos os participantes potenciais em um discurso tem que ter a mesma oportunidade de
empregar os atos de fala comunicativos, de sorte que em todo momento tenha a oportunidade tantos
de abrir um discurso como de perpetuá-lo mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas”
(Habermas, 1984b: 153).
2) “Todos os participantes no discurso tem que ter igual oportunidade fazer interpretações,
afirmações, recomendações, dar explicações e justificações e de problematizar, arrazoar ou refutar as
pretensões de validade delas, de sorte que com o tempo nenhum prejuízo fique subtraído à
tematização e à crítica” (ibidem: 153).
4) “Para o discurso somente são permitidos falantes que como agentes tenham a mesma
oportunidade de empregar atos de fala regulativos, isto é, de ordenar e se opor, de permitir e proibir,
de fazer ou retirar promessas, de dar razão e exigi-la” (ibidem: 153).
56
A partir de Kohlberg, Habermas refere-se ao conceito "ponto de vista moral", em sua ética do discurso,
para designar a perspectiva idealizada que todos os sujeitos deveriam assumir, uns em relação aos outros,
enquanto pessoas igualmente autônomas e livres. No debate público, este “ponto de vista moral” manifesta-se
incorporado em uma prática intersubjetiva de argumentação orientada para o consenso que lança os envolvidos
num alargamento idealizado de perspectivas interpretativas em um entrelaçamento de horizontes de sentido.
“Independentemente das afinidades contingentes da origem social, do pertencimento político, da herança
cultural, da forma de vida tradicional, etc., os sujeitos de ação competentes só podem se referir a um „um ponto
de vista moral‟, um ponto de vista subtraído à controvérsia, quando não podem deixar de aceitá-lo mesmo no
caso de orientações axiológicas divergentes. Por isso eles têm que tomar esse ponto de referência moral às
estruturas nas quais todos os participantes da interação já se encontram desde sempre, na medida em que agem
de todo comunicativamente”. Pressupondo um estádio pós-convencional da interação, em que os sujeitos de ação
superam a ingenuidade da prática cotidiana atingindo sua capacidade de juízo moral guiado por princípios, o
conceito "ponto de vista moral" representa o agir regulado por normas no qual o agente se orienta por pretensões
de validade reflexivamente examinadas, isto é, um agir guiado por discernimentos morais (cf. Habermas 1989a:
195-197).
142
que requerem a economia e a política. Isto pode ser descrito como um processo de „colonização
interna‟ do mundo vivido, uma destruição da tradição que ameaça a continuidade mesma da
reprodução da sociedade como um todo” (Giddens, 1991b: 173).
57
Se, por um lado, o processo de modernização da sociedade engendra a contradição entre os princípios de
integração social e sistêmica da qual desenvolve-se progressivamente o desequilíbrio entre as respectivas esferas
do mundo vivido e do sistema, por outro, a diferenciação e autonomização destas esferas, na modernidade,
permite o crescimento e o desenvolvimento do grau de racionalidade das estruturas comunicativas. A
modernização do mundo vivido libera os potenciais de racionalidade comunicativa. Neste sentido, desenvolvem-
se instituições responsáveis e especializadas na reprodução das culturas, tradições, identidade e solidariedade, as
quais envolvem os diferentes componentes do mundo vivido - a cultura, a sociedade e as estruturas da
personalidade - que se entrecruzam em diferentes formas de encarnação e funções formando este complexo
simbolicamente estruturado (cf. Habermas, 1990b: 98-99). Portanto, convém observar dialeticamente que a
crescente racionalização das estruturas comunicativas do mundo vivido, provocada por este complexo processo
de diferenciação societária, apresenta aspectos positivos caracterizados pela publicização, reflexividade,
mudança, autonomia, liberdade e emancipação. Entretanto, os aspectos negativos, enfaticamente analisados por
Habermas em sua tese de “colonização do mundo vivido” apresentam-se como obstáculos que limitam o
aprofundamento e ampliação da racionalidade comunicativa. A transformação do cidadão em consumidor
(subordinado aos imperativos do subsistema econômico) e em cliente (subordinado aos imperativos do
subsistema político), característicos de um processo de burocratização e monetarização, ancora-se em uma
racionalidade que, associada aos interesses sistêmicos, sufoca e reduz os espaços de autonomia, diluindo
solidariedades e limitando a participação de mulheres e homens enquanto sujeitos na ação social (cf. Luchmann,
2002b, 8-9).
143
mais o distanciamento daquelas antigas formas de luta de classes centradas nas relações de
trabalho e de produção e no Estado de Bem Estar Social. Estas novas organizações de luta e
movimentos sociais já não dizem respeito apenas à distribuição justa dos bens materiais e
demais aspectos que envolvem a reprodução da vida material, mas ampliam-se para a
tematização de conteúdos relativos à reprodução cultural e à socialização, tampouco seguem
as determinações e os mecanismos tradicionais estabelecidos de negociação vinculados aos
sindicatos ou aos partidos políticos (cf. Giddens, 1991b: 176-177).
Com base neste marco conceitual bipolarizado, Habermas pode, em sua percepção da
complexa racionalização societária, diferenciar os processos de modernização das esferas
sistêmicas político-administrativas e econômicas dos processos de democratização da
sociedade, de modo que pode identificar o locus de intersecção do sistema e do mundo vivido
que constitui a arena pública onde os atores sociais, enquanto cidadãos, são capazes de
enfrentar reativamente à invasão sistêmica e influir propositivamente sobre as estruturas
funcionais da sociedade: o “público de cidadãs e cidadãos” relativo à esfera pública e à
sociedade civil, sua base social mobilizada e organizada, remete a este locus da interação
social, organizado em torno da idéia de um consenso normativo gerado a partir das estruturas
da ação comunicativa enraizadas no mundo vivido. O componente discursivo, primordial
tanto para a racionalidade comunicativa quanto para o tipo de ação que lhe é própria, está na
base do modelo habermasiano de democracia deliberativa que tem na esfera pública a sua
referência central. Ora, Habermas sugere a existência de um potencial emancipatório e uma
racionalidade, em estado prático, incrustados nas estruturas das interações lingüísticas
desenvolvidas cotidianamente. Este potencial pré-reflexivo e esta racionalidade que se
enraízam nas estruturas da intersubjetividade mediatizada pela linguagem contêm um
substrato ético-normativo do qual se torna possível derivar os parâmetros para coordenação da
ação e, por sua vez, permitir uma práxis social capaz de restaurar a autonomia pública, o
sentido e a solidariedade. Portanto, considerando este viés utópico do pensamento
habermasiano, torna-se possível considerar que, nas estruturas comunicativas do mundo
vivido, todo ato lingüístico supõe um telos emancipatório que sujeitos compartilham entre si e
pelo qual são motivados a coordenar comunicativamente a ação.
Deste modo, Habermas esboça as bases analíticas necessárias para delinear a
compreensão de uma práxis emancipatória relativa à esfera pública a partir dos fundamentos
discursivos que configuram sua teoria da racionalidade e da ação comunicativa. Na
perspectiva deste contexto interpretativo, a emergência de novas e múltiplas formas de
conflitualidade social orientadas para a discussão pública de questões que, mais amplas
do que as reivindicações tradicionais associadas à esfera da economia e do trabalho,
envolvem a tematização de conteúdos reivindicativos que destacam o interesse voltado para a
qualidade de vida, o território, o meio ambiente, as identidades de gênero, a orientação sexual,
as identidades culturais, étnicas e lingüísticas, a defesa dos direitos humanos, a cidadania,
dentre outros, irredutíveis aos modelos ou categorias concebidas a respeito de uma suposta
determinação da infra-estrutura econômica. Ou seja, estas novas conflitualidades sociais que
se manifestam, por exemplo, nos movimentos pacificistas, feministas, homossexuais,
ecológicos, dentre outros, não podem ser resolvidas através de meios sistêmicos como o
poder ou o dinheiro. Tampouco, por meio de modelos e das estruturas político-
administrativas tradicionais que, diante da crescente complexidade que envolve diferentes
âmbitos sociais e culturais da modernidade tardia, perdem sua capacidade de articulação das
demandas e expectativas dos distintos atores da sociedade.
A presença de ações organizadas e instituições que, enquanto sociedade civil, sejam
sustentáculo e catalisadores dos processos de formação de opinião e vontade política,
desde que se mantenham autônomas e afastadas das tentativas burocratizantes e
146
espontâneos. Ora, esse tipo de esferas públicas, autônomas e capazes de ressonância, dependem de
uma ancoragem social em associações da sociedade civil [...]” (Habermas, 1997a, 2: 90).
58
Para Habermas, em Facticidade e validade, a esfera pública deve ser vista de maneira diferenciada, de
acordo com “a densidade da comunicação, da complexidade organizacional e do alcance”, numa diversidade de
associações e organizações – desde movimentos sociais e organizações voluntárias, passando por grupos de
iniciativas cidadãs que se mobilizam em torno de causas específicas até agrupamentos episódicos e dispersos.
Habermas propõe três tipos de esfera pública: esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua); esfera
pública de presença organizada (encontro de pais, público que freqüenta o teatro, concertos de rock, reuniões de
partido ou congressos de igrejas) e esfera pública abstrata, produzida pela mídia (leitores, ouvintes e
espectadores singulares e espalhados globalmente. Ele afirma: “Apesar dessas diferenciações, as esferas públicas
parciais, constituídas através da linguagem comum ordinária, são porosas, permitindo uma ligação entre elas.
Limites sociais internos decompõem o texto „da‟ esfera pública, que se estende radialmente em todas as direções,
sendo transcrita de modo contínuo, em inúmeros pequenos textos, para os quais tudo o mais serve de contexto;
porém sempre existe a possibilidade de lançar uma ponte hermenêutica entre um texto e outro. [...] no interior da
esfera pública geral, definida através de sua relação com o sistema político, as fronteiras não são rígidas em
princípio” Habermas, 1997a, 2: 107).
59
Em sua estratégia reconstrutiva, Habermas desenvolveu este modelo discursivo de democracia deliberativa,
procurando evitar as ciladas da concepção republicana, que pressupõe elevados níveis de virtude cívica e da
concepção liberal, por sua excessiva valorização do papel das instituições para promover procedimentos
148
concebe tanto o sistema quanto o mundo vivido atravessados pela diferenciação entre domínio
público e domínio privado. Na esfera do sistema, o domínio público é constituído pelo Estado
constituído pelos mecanismos de regulação da administração pública e o domínio privado
pela economia direcionado para mecanismos de regulação da produtividade determinados por
uma economia de mercado. Frente ao sistema de administração pública apresenta-se o
domínio privado, subdividido entre o âmbito da família e de outras formas de inter-relações
pessoais e as relações econômicas e de trabalho social. Na esfera do mundo vivido, o domínio
público constitui-se pela participação política dos cidadãos – o “público de cidadãs e
cidadãos” - orientada para a formação democrática da opinião e da vontade em diversos
espaços na esfera pública e na sociedade civil, e o domínio privado constituído pelos
agrupamentos familiares e outros que envolvem vínculos interpessoais de convivência, sejam
estes afetivos ou de outra natureza. Essas quatro dimensões societárias se relacionam por uma
série de trocas possibilitadas pelos meios regulativos de controle sistêmico, dinheiro e poder.
Esferas de
Sistema Mundo vivido
ação
Domínios
societários Esfera pública Esfera pública
política
Público
Estado Sociedade Civil
Princípios
de Integração Integração
coordenação sistêmica social
60
Em Facticidade e validade, Habermas assinala a crítica que atualmente se dirige contra a estatização dos
partidos políticos. Esta crítica “visa, em primeiro lugar, a uma prática que instrumentaliza a concorrência entre
os diferentes programas que buscam o assentimento do público de eleitores para fins de recrutamento de pessoas
e para a distribuição de cargos”. À medida que os partidos foram se tornando componentes do sistema
administrativo-político foi se esvaziando seu papel na sociedade, uma vez que, “na perspectiva dos detentores do
poder administrativo, os partidos assumem seu poder de participação como se fosse uma função de regulação e
consideram a esfera pública política como um ambiente do qual eles extraem a lealdade das massas”. Por fim,
conclui Habermas: “Enquanto a concorrência democrática não lhes conferir uma reputação superior à dos
detentores do poder administrativo, a política continuará mantendo sua falsa auréola. Pois, no Estado
democrático de direito, tido como morada de uma comunidade jurídica que se organiza a si mesma, o lugar
simbólico de uma soberania diluída pelo discurso permanece vazio” (Habermas, 1997a, 2: 187-188).
150
61
Segundo Habermas, “o direito não é apenas constitutivo para o código do poder que dirige o processo de
administração: Ele forma simultaneamente o médium para a transformação do poder comunicativo em
administrativo. Por isso, é possível desenvolver a idéia do Estado de Direito com o auxílio de princípios segundo
os quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é novamente transformado
em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizado” (Habermas, 1997a, 1: 212).
Assim, a idéia de Estado de Direito democrático pode interpretar-se então em geral como a exigência de ligar o
poder administrativo, regido pelo código „poder‟, ao poder comunicativo criador de direito, e mantê-lo livre das
interferências do poder social, isto é, da fáctica capacidade de impor-se que tem os interesses privilegiados” (cf.
ibidem, 217-218 ).
153
62
O termo qualificativo “público” não diz respeito às fontes estatais de financiamento institucional, mas tão
somente à destinação pública da instituição escolar, em relação a qual não implica subestimar a responsabilidade
do Estado no tocante a sua manutenção, subsidiando com recursos suficientes a serem administrados com
autonomia e coletivamente para a gestão do projeto político-pedagógico elaborado por todos os sujeitos de ação
na escola. Convém ressaltar que a escola por ser pública exige o estabelecimento efetivo de uma prática
democrática cotidiana na coordenação das ações institucionais, superando a visão de democratização da escola
reduzida à ampliação do acesso da população à instituição escolar, sem necessariamente democratizar as
estruturas organizacionais de decisão e de gestão no interior da escola e as relações com o sistema educacional.
159
63
Além de estabelecer um diagnóstico das patologias sociais da modernidade, decorrentes da tensão entre as
estruturas comunicativas do mundo vivido e os imperativos sistêmicos, a reconstrução conceitual da teoria
crítica, no pensamento habermasiano, nos últimos anos, tem se voltado cada vez mais para as possibilidades de
se constituir um modelo normativo de democracia que inclui um procedimento ideal de deliberação e de tomada
de decisões, com base na extensão do uso público da palavra, dentro de um contexto argumentativo isento de
qualquer forma de coação: o modelo democrático-radical de uma política deliberativa. Deste modo, por sua
orientação no âmbito político, a teoria da ação comunicativa aponta para as possibilidades de reconstrução do
projeto político democrático.
163
humana. E assim, reconstruir uma racionalidade que não se reduza à verdade dos
proferimentos restritos ao horizonte objetivo de uma ciência empírico-analítica. Deste modo,
o agir comunicativo exige a constituição de uma pragmática universal, isto é, requer o
estabelecimento das condições universais do entendimento entre sujeitos que agem
comunicativamente, isto é, a base universal da validade de fala.
Outro aspecto que permite uma avizinhança entre Freire e Habermas: a
efetivação de práticas democráticas no contexto institucional da escola pública tem por
condição de possibilidade a ampliação dos espaços de autonomia64 relativos às diversas
dimensões e níveis da práxis escolar. Este modo de conceber as condições radicais de
humanização e emancipação não se contrapõe ao que Freire entende como vocação ontológica
de todo ser humano, mulheres e homens: ser mais, dada a sua compreensão dialética e
histórica acerca da constituição do sujeito. Apesar de perspectivas distintas, ambos
concordam que a autonomia como fundamento ético-normativo emerge do exercício da
soberania dos sujeitos de ação envolvidos na práxis escolar. Assim, entendo o caráter
substantivo da autonomia da escola pública, necessária para o desenvolvimento de seu projeto
político-pedagógico e do desenvolvimento democrático de sua gestão. Neste sentido, a
implementação de um modelo comunicativo de escola implica na ampliação dos espaços de
autonomia, descentralização do sistema educacional e a democratização radical de todas as
suas instâncias intermediárias.
De acordo com Habermas, na linha da teoria do discurso, o exercício da autonomia
política significa a formação discursiva de uma vontade comum, constituindo o poder
comunicativo. Assim, o princípio da soberania popular significa que todo o poder político é
deduzido do poder comunicativo dos cidadãos e nele encontra a sua legitimidade. Ora, a
instauração processual da legitimidade implica a mobilização das liberdades comunicativas
dos cidadãos. Neste sentido, o exercício do poder político orienta-se e se legitima pelas leis
que os cidadãos criam para si mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada
discursivamente. Aqui redimensiona-se o conceito de cidadania: o cidadão deixa de ser
concebido como um mero destinatário de direitos, dos quais passa a assumir-se
corresponsavelmente como seu portador e construtor. Esta prática deve sua força
legitimadora a um processo democrático destinado a garantir um tratamento racional de
questões políticas, em contextos argumentativos, livres de qualquer forma de violência ou
coerção. Deste modo, a democracia, por seu caráter instituinte de legitimidade, é
concebida, por Habermas, como interface do processo intersubjetivo da ação comunicativa
(Habermas, 1997: 185,190, 213) e por Freire, como interface de uma pedagogia dialógica.
Ambas concepções se convergem no potencial emancipatório que engendram e na utopia que
carregam.
64
Exercida, portanto, em espaços institucionalmente delimitados, a autonomia apresenta-se como um
conceito normativo (ético-político) e um conceito estratégico-operacional, mas primeiramente é preciso que
se considere a autonomia como um conceito relacional, pelo qual se tornam inadequadas as expressões
“autonomia relativa”, “autonomia plena” ou “autonomia absoluta”, ou outras afins. Entendo, de forma empírica,
que não se pode conceber a possibilidade do “mais ou menos” autônomo. Analogamente, ainda na mesma
perspectiva empírica, concebo a liberdade (ser livre e conviver livremente) e a democracia (ser democrático e
conviver democraticamente). No que se refere à autonomia, o que se amplia ou se reduz são os “espaços” de
autonomia. Ora, por seu caráter relacional, o espaço de autonomia da escola deve ser estabelecido
normativamente nas relações interpessoais entre os sujeitos de ação da práxis escolar (dimensão horizontal das
interações micro-institucionais) e nas relações da escola com as estruturas do sistema político educacional
(dimensão vertical das interações macro-institucionais). A ampliação dos espaços de autonomia se dá à medida
que a dimensão horizontal das interações se estende à dimensão vertical das relações da escola com o sistema em
que se insere.
164
65
Na perspectiva habermasiana, para que se possa desenvolver as estruturas comunicativas da escola, o
projeto político-pedagógico da escola pública apresenta-se como a possibilidade de uma intervenção
intersubjetivamente construída através de ações coordenadas dentro de processos comunicativos, os quais, tendo
por condição de sua efetivação a autonomia da escola em relação ao sistema educacional, em seus diversos
níveis,, configuram relações de solidariedade e de cooperação, pautadas em acordos normativamente
estabelecidos no sentido de uma gestão escolar efetivamente democrática. Entretanto, não se pode deixar de
constatar que, a partir do conceito habermasiano de colonização do mundo vivido, as possibilidades de troca
intersubjetiva no fluxo das ações orientadas para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico por meio dos
processos de gestão escolar são dificultados pelas obstruções patológicas decorrentes das invasões sistêmicas
sobre os espaços comunicativos da escola, as quais ampliam os domínios de uma racionalidade instrumental.
Ora, as iniciativas participativas desenvolvidas nos processos de construção do projeto político-pedagógico,
associadas à efetivação de práticas autenticamente democráticas de gestão escolar, permitem resgatar aqueles
domínios de ação (e racionalidade) comunicativa sufocados pelos imperativos sistêmicos que impõe uma
burocratização da escola pública e os problemas decorrentes da alienação dos sujeitos de ação. De fato, apesar
das invasões sistêmicas, é possível visualizar parcial ou totalmente, no processo de construção do projeto
político-pedagógico, articulado aos procedimentos democráticos de gestão escolar, espaços não-coercitivos que
possibilitam a realização das ações coordenadas pelo entendimento intersubjetivo, em processos interativos,
165
podem ser desenvolvidas intersubjetivamente, nas diversas dimensões da práxis escolar, ações
geradas comunicativamente. Deste modo, a reinvenção radicalmente democrática da escola
como espaço público, autônoma, participativa, comunitária e autogestionada, ao proporcionar
em seu cotidiano o desenvolvimento progressivo e permanente de estruturas de interações
lingüísticas, desenvolvidas nas relações de reciprocidade e cooperação que se constituem
necessariamente nos processos participativos de tomada de decisões, de condução das ações e
de avaliação institucional. pressupõe o exercício efetivo da racionalidade comunicativa cujo
substrato ético-normativo, em estado prático, torna-se imprescindível para coordenar as ações
na escola, mediante a participação ativa e mobilização das liberdades comunicativas de todos
os sujeitos envolvidos.
Para Freire e Habermas a reconceituação da dialeticidade que envolve a relação
teoria e prática, parte da crítica ao reducionismo cientificista, ao sufocamento da dimensão
emancipatória da ação humana e ao predomínio de modelos racionais analítico-instrumentais
os quais, pela dicotomia que impuseram na relação entre sujeito e o mundo, se constituíram
como mediação normativa das práticas de dominação e de opressão. Ao reconstruir as bases
de sustentação da unidade teoria e prática regata-se o potencial emancipatório da práxis
social. Ora, a preocupação de ambos reside, cada qual a seu modo, na fundamentação
normativa de uma teoria crítica da ação social, seja ela ação dialógica ou ação comunicativa,
que lhes permita delinear os contornos de uma teoria sistemática da mediação constitutiva da
práxis social, resgatando a unidade entre subjetividade e objetividade, teoria e prática,
consciência e mundo, fundados no substrato da comunicação intersubjetiva.
O sujeito é resgatado na própria condição histórica em que vive, possibilitando-
lhe, na sua formação, as condições para que se torne atuante nas relações de solidariedade e
de confronto com outros sujeitos em processos que lhe permitam o exercício da cidadania
democrática, na liberdade e na autonomia e que, a partir do conhecimento autêntico possa
intervir na sociedade, autônoma e criativamente. Para Habermas, enquanto sujeito capaz
de fala e de ação, na busca do entendimento recíproco; para Freire, enquanto sujeito
capaz de fazer-se historicamente ao fazer história na sua relação com o mundo e,
mediado pelo mundo, dialogicamente com outros sujeitos na busca de sua libertação.
O empenho por reconstruir as bases epistemológicas, estéticas e ético-políticas da
unidade entre teoria e prática para fundamentação da ação emancipatória diante da
constatação dos graves déficits sociais que assolam a sociedade contemporânea, apesar de
suas leituras diferenciadas em contextos histórico-sociais distintos, permite uma avizinhança
crítica entre Paulo Freire e Jürgen Habermas, para os quais a comunicação lingüística
ocupa um lugar privilegiado na configuração da ação: dialógica e comunicativa.
No paradigma da comunicação proposto por Habermas, o sujeito não é mais
definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou
para agir através deles e dominá-los. Mas como aquele que, durante seu processo de
desenvolvimento histórico 66, vê-se impelido a interagir e entender-se com outros sujeitos. Os
concomitante às ações coordenadas por conexões funcionais, praticadas no cotidiano escolar (cf. GARCIA,
2001: 269)
66
Na perspectiva habermasiana, razão se constitui como a instância fundamental para se compreender a
história. Ressalta-se que Habermas rejeita o determinismo dos seus antecessores frankfurtianos, segundo os
quais, a história se apresenta como o desenvolvimento necessário e ascendente de um macro-sujeito. Ao
contrário das concepções historicistas determinadas pela filosofia da consciência ou do sujeito monológico, na
virada paradigmática para a intersubjetividade comunicativa, Habermas elege o termo evolução social, por cuja
conceituação, ele procura demonstrar como a humanidade evolui no sentido de uma maior racionalização. Deste
modo, a história é concebida como a história dos diferentes níveis racionais de comunicação que a humanidade
166
conseguiu alcançar, utilizando a linguagem (mundo vivido); e como complexificação crescente dos sistemas
sociais (mundo sistêmico). Do ponto de vista simbólico, esse progresso humano traduz-se numa ampliação da
capacidade de dialogar, do ponto de vista material, numa diferenciação progressiva dos mecanismos sistêmicos.
167
falso diálogo, apenas o educador ou a educadora, afirmando-se como único sujeito, fala e que
prescreve sua opção, ao educando cabe apenas escutar e obedecer, anulando-se enquanto
sujeito e assumindo seu estatuto desumanizante de objeto. Na verdade, esta concepção
verticalizada e autoritária de educação nega a dialogicidade, ao passo que a educação
problematizadora funda-se justamente na dialeticidade da relação dialógica entre
educador/educadora e educando: ambos ensinam e aprendem juntos mediados pelo objeto que
buscam conhecer e nele atuar.
A educação como diálogo torna-se um ato de conscientização comprometida,
esperançosa e engajada na transformação co-responsável das estruturas opressivas que
desumanizam mulheres e homens negando-lhes a realização de sua vocação histórica de ser
mais.. A ação dialógica, por sua vez, é substantivamente democrática. Nela e por ela,
enquanto práxis, mulheres e homens, educadores/educadoras e educandos recíproca e
simultaneamente, desmistificam a realidade para compreendê-la em suas relações
contraditórias constitutivas e deste modo alcançar níveis cada vez maiores de criticidade
assumindo, na qualidade de sujeitos, uma existência autêntica, fundada na liberdade e
responsabilidade. Portanto, na sua relação com a conscientização e democracia, o diálogo se
apresenta como uma das categorias centrais na obra de Paulo Freire, enquanto exigência
ontológica de todo ser humano. Para Freire, a educação autêntica realiza-se dialogicamente.
Na verdade, o diálogo inexiste em relações verticalizadas entre quem arroga para si a posição
de sujeito reduzindo o outro à condição de “coisa”. Esta comunicação distorcida representa a
“palavra inautêntica”, esvaziada da criticidade, dando lugar à manipulação e à alienação do
outro no sentido da manutenção de uma “cultura do silêncio”.
Ao contrário, as relações horizontais constitutivas da dinâmica da ação dialógica
envolvem a comunicação entre sujeitos na qual e pela qual os interesses e intenções de todos
os envolvidos possam ser compartilhados o que lhes possibilita pronunciar solidariamente o
mundo pela palavra constituída das dimensões reflexão e ação, radicalmente inter-
relacionadas em reciprocidade dialética (cf. Freire, 1999a: 77-78). A verdadeira comunicação
só se torna possível quando cada participante do diálogo, livre, criativo e capaz do
pensamento crítico-reflexivo, reconhece a si mesmo e o outro como sujeito, isto é, como
capazes de participar nas decisões que afetam a si próprio e ao outro numa relação social de
igualdade. Segundo Freire, “somente na comunicação tem sentido a vida humana” (Freire,
1999a: 64), porém, só o diálogo comunica horizontalmente (cf. Freire, 2000a: 115-116). Ora,
os seres humanos se constroem comunicando-se no encontro amoroso e molhado de
esperança do diálogo, pois sua comunicabilidade bem como a esperança e a educabilidade,
estão co-originariamente enraizadas em sua experiência vital.
Pronunciar o mundo é um ato de criação e recriação que não é possível se não é
movida e embebida do amor profundo pelos homens e na crença em sua capacidade de
transformar-se transformando o mundo. Não há revolução sem diálogo. E não há
compatibilidade entre diálogo e o autoritarismo e a intolerância. A rigorosa coerência
reiteradamente afirmada por Freire assenta-se no fato de que o diálogo é substantivamente
democrático. Ora, é justamente do substrato ético-normativo da dialogicidade que deriva
a substantividade democrática que deve configurar todas as práticas emancipatórias,
sejam estas político-revolucionárias ou político-pedagógicas, ambas convergentes
reciprocamente. Para ele, o momento do diálogo é o momento em que os homens se
encontram para transformar a realidade e nesta atividade transformadora se produzem a si
mesmos e produzem o mundo fazendo história. Não há o emancipar-se permanente sem o
diálogo: a comunicação em Freire se configura como forma de emancipação das mulheres e
dos homens oprimidos.
168
67
Entretanto, nestas estruturas instituídas do mundo vivido, a racionalidade comunicativa, apesar de conviver
com as formas de racionalidade instrumental, não foi completamente sufocada por essa, o que permite
vislumbrar a possibilidade utópica de construir uma sociedade racional baseada na coordenação comunicativa
das ações liberando as estruturas simbólicas do mundo vivido para que reproduzam normalmente e sem estorvos,
através do agir comunicativo e, assim, possa fortalecer uma esfera pública radicalmente democrática, cujos
impulsos comunicacionais possam afluir para os mecanismos de autoregulação dos sistemas funcionais, por
169
1999a: 166). Em seguida, ao esclarecer o papel da liderança revolucionária, sem que esta se
torne “proprietária das massas populares”, no sentido de mostrar que a confiança e a
comunhão das lideranças com relação ao povo gera a verdadeira colaboração, Freire afirma:
A co-laboração, como característica da ação dialógica, que não pode dar-se a não ser entre
sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode
realizar-se na comunicação. O diálogo, que é sempre comunicação, funda a co-laboração. Na teoria da
ação dialógica, não há lugar para a conquista das massas aos ideais revolucionários, mas para a sua
adesão. O diálogo não impõe, não maneja, não domestica, não sloganiza. [...] Adesão conquistada não
é adesão, porque é “aderência’ do conquistado ao conquistador através da prescrição das opções deste
àquele. A adesão verdadeira é a coincidência livre de opções. Não pode verificar-se a não ser na
intercomunicação dos homens, mediatizados pela realidade” (Freire, 1999a: 166-167, grifo nosso).
preferências, de acordo com fins de ordem pública, raciocinando juntos sobre a natureza desses fins e
sobre os melhores meios de atingi-los. Num diálogo livre e aberto, outros testam e desafiam as
afirmações e os motivos. [...] Ao apresentarem e criticarem reivindicações e argumentos, os
participantes do processo de deliberação não descansam enquanto a „força do melhor argumento‟ não
levar todos a aceitarem uma conclusão” (Young, 2001: 367-368).
da esfera pública geral e da esfera pública política. A esfera pública, por sua vez, será
democrática quando regida por regras procedimentais que asseguram a imparcialidade
e a livre e ampla participação de todos. O produto da discussão deverá ser um consenso que
sintetize os argumentos que possam racionalmente ser generalizados à luz de interesses
comuns e que implique na adesão livre e consciente de todos os concernidos no implemento
de ações.
Não se decreta a existência de uma esfera pública como se esta fosse uma
estratégia de governabilidade ou de racionalização dos procedimentos sistêmicos. Nos
movimentos sociais e nos governos autenticamente democráticos, cujas iniciativas e práticas
testemunham seu comprometimento radicalmente coerente com um projeto de transformação
e superação da realidade de injustiça e desigualdades sociais, têm trabalhado experiências
inovadoras de gestão pública local, incorporando a participação popular em diferentes graus e
formatos. Entretanto, estas experiências de democratização (e ampliação) das condições de
governabilidade das gestões público-administrativas demonstram a possibilidade de se
efetivar novas e híbridas relações entre Estado e sociedade civil, re-qualificando a
democracia representativa e estabelecendo canais limitados de democracia direta sob a
tácita tutela do Estado, ou seja, o envolvimento supostamente direto da população na
formulação e na definição das políticas públicas esvazia-se substantivamente por filtragens
decorrentes controle e tutela. De fato, os imperativos funcionais de autoregulação sistêmica
inerente às estruturas político-administrativas acabam por impor tácita ou expressivamente
um atrelamento das organizações e movimentos populares da sociedade civil deixando-os
expostos às ingerências estatais e de partidos sistemicamente estatizados. Considerando a
autonomização efetiva da sociedade civil como condição para que o processo de
democratização possa se radicalizar nas estruturas societárias, o desafio consiste em desatrelar
aquelas iniciativas e movimentos sociais para que possam elaborar livremente a opinião
pública e a vontade e, assim, pressionarem a democratização das estruturas sistêmicas do
Estado e da economia.
A maior ou menor presença de estruturas político-administrativas nestas iniciativased
movimentos, embora consideradas como políticas públicas aparentemente democratizantes,
indica justamente - apesar de suas ingênuas e entusiastas apologias - o fato de que são
estabelecidas como estratégias miméticas de governabilidade supostamente democrática
(e com certeza de legitimação ou de recurso de adesão e conseqüentes “votos” para
manutenção no poder) do poder político-administrativo de um determinado governo
transitório. Portanto, sem que se questione seus méritos, estas iniciativas não podem ser
configuradas como esfera pública democrática. Na verdade são iniciativas ou entidades
para-estatais que, de um lado, se vinculam simbioticamente à esfera pública e delas absorve,
reelabora a opinião e a vontade coletivas, e de outro, se vinculam ao Estado, seja por
participação direta ou indireta em suas ações de membros da estrutura político-administrativa
seja por contratos de co-gestão ou por parcerias eventuais ou sistemáticas. A separação
sociedade civil e o poder político-administrativo, resguardada como base do Estado de
Direito, é o que pode distinguir a democratização efetiva da esfera pública, que se
caracteriza por ser informal, espontânea, livre e independente. Na esteira da análise
habermasiana, não se pode diluir a tensão dialética entre a sociedade enquanto mundo
vivido (esfera pública e sociedade civil enraizadas em sua infraestrutura comunicativa) e
o Estado enquanto subsistema societário regulado funcionalmente pelo poder político-
adminsitrativo. A irredutibilidade recíproca destes dois pólos é fundamental na radicalização
da dinâmica democrática deliberativa. Historicamente quando o poder político assumiu
feições autoritárias, de modo totalitário ou populista, esta dialética Estado-sociedade foi
submetida à domesticação ou a sua supressão.
174
68
Proponho uma sutil (talvez controvertida, mas oportuna) distinção semântica entre as categorias “esfera
pública” enraizada no mundo vivido (em contraposição à esfera pública política, ou seja, ao subsistema regulado
pelo poder político-administrativo consubstanciado no Estado) e “espaço público”. Como já foi tratado
largamente, a “esfera pública”, enquanto categoria normativa, representa simbolicamente a “democracia em
movimento” independente das esferas institucionalizadas do Estado e das injunções do poder social atrelado ao
sistema econômico regido pelas leis de mercado. Como tal, a esfera pública como espaço de exercício das
liberdades comunicativas, marcada pela fluidez, pluralidade e diversidade de suas expressões, pode ser
identificada empíricamente na realização das condições discursivas apontadas por Habermas nos diferentes
contextos institucionalizados ou não denominados especificamente como “espaços públicos”. Aliás, ao contrário
de Henry Giroux (1997; 1999), para quem a necessidade de instituir escolas como “esferas públicas
democráticas” torna-se central para a uma pedagogia crítica viável, a formulação habermasiana de “esfera
pública” nunca ocorre no plural, o que equivocadamente levou Nancy Fraser (1996) a compreender uma espécie
de unicidade conceitual, inferindo que “uma única esfera pública” poderia aumentar a desigualdade e a
dominação, uma vez que impossibilitaria a inclusão de grupos emergentes que se encontram em situação de
exclusão econômica e social. Na verdade, entendo que as escolas devem se constituir “espaços públicos
democráticos”, isto é, unidades autônomas, autogestionadas, articuladas e conectadas entre si (rede), nas quais
atravessam os fluxos comunicacionais da esfera pública. Nas sociedades complexas, a existência de “espaços
públicos” autenticamente democráticos e independentes das instituições do governo, do sistema partidário
estatizado e das estruturas burocráticas do Estado apresenta-se como condição necessária para a radicalização da
democracia participativa segundo o modelo deliberativo proposto por Habermas. Como intermediações entre o
nível do poder político institucional (domínio público do sistema) e as redes da vida cotidiana (domínio privado
do mundo vivido), esses espaços públicos autônomos e plurais, uma vez organizados e mobilizados, como base
institucionalizada da esfera pública, constituem a chamada “sociedade civil”. Os “espaços públicos” na “esfera
pública” são pontos de conexão entre as instituições políticas do Estado e as demandas normativas e conflitos
coletivos do mundo vivido.
176
69
Ora, na perspectiva habermasiana da teoria do discurso, o produto da discussão deverá ser um consenso que
sintetize os argumentos que possam ser racionalmente generalizados à luz do interesse comum. A medida do
interesse comum é exatamente o objeto da discussão. Na perspectiva freiriana, esta discussão-ação coordenada
apresenta um caráter verdadeiramente dialógico quando se realiza intersubjetivamente pela mediação da
realidade que se busca conhecer para transformá-la co-responsável e solidariamente no sentido emancipatório da
humanização, na liberdade e para a liberdade. Ao contrário das ações que comumente se praticam nas escolas
autoritárias onde a participação de todas envolvidas e todos os envolvidos representa apenas algo a ser
adjetivado à organização escolar para melhorar formalmente as condições de gerenciamento escolar e
(pseudo)legitimar um simulacro de democracia mantendo substancialmente a verticalidade centralizadora das
relações de poder assimétrico na escola. Na perspectiva freiriana, o implemento de iniciativas dialógicas, de
novas práticas educacionais e de espaços para participação efetiva de alunos, professores, pais, funcionários,
desenvolve um espaço político-pedagógico que, para além da melhoria de sua gestão e organização, contribui
para a formação das subjetividades comprometidas com a reinvenção da democracia e seu engajamento na luta
por alternativas democráticas para a transformação da sociedade.
70
A atuação dos Conselhos Escolares, ao envolver as representações de diversos segmentos dos sujeitos de
ação na Escola, com a participação efetiva de cidadãos da comunidade e acessível a suas demandas, no
cumprimento de seu papel institucional, revelou-se como uma modalidade institucionalizada de espaço público,
onde se produz poder comunicacional gerador da decisão democrática. Importa que estes Conselhos sejam
radicalmente autônomos em relação às ingerências político-administrativas do Estado para que possam ser
inseridos na esfera pública e constituam como parte da sociedade civil.
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