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a Prélogo ESCRITA, MORTE, TRANSMISSAO Irmopucho. Para teceralgumas hiptesés sobte a rlagSes encreescrita, sorte e transmisslo, gostaria de partic de uma interrogacZo que nasce de uma dupla pritica: ade escrever e de gosta de escrever tive esa sorte desde cedo — ea de “orientar® (como se diz de em particular dissereagBes de mesctado e tess de doutorado. Ora, ‘08 indmeroe confltose as poucas — mas intensas — algrias que cesta dupla experiéncia proporciona me convenceram de algo que nfo posso sempre der em vor alta aos meus sérios colegas fd sofos: a sabes, que escrever com felicidade, no duplo sentido de ‘ontentamento ede sucesso, certamente tem a ver com a compe ‘ncia ou com 0 saber do autor — mas, no fando, muito menos do que se diz ese quer acreditar (Excluo, claro, casos de best “sellers, bons ou ruins, que tém uma telagfo clara com uma com- petincia especifica, a de opecagBes de marketing.) Etento tne pet- ‘gantar por que tantos alunos ¢ antos colegas excelenes, culos, ‘competentes,séios, aplicados etc. etc. nfo “conseguem” escrever, ‘como dizem eles mesmos; ou s5 0 fazem ao preso de um sofrimen- to psiquico e fisico. Antes de qualquer discussio de contesido, todo “orientador” tem s tatefa primordial de analisar e entender tal sofrimento, e até mesmo de ajudar o outro (e, As vezes, a si mesmo) a desfazer minimemente esses n6s que o paralisam. ‘Algumas hipézeses de respostassio bem conhecidas. Esrever um texto, sobretudo um texto que ser julgado por uma banca ox por um grupo de colegas, “abala mina autoconfanca (eu tinha tantasideias genias, mas pereebo que ndo consigo formulé-las ou, Prego: Ber, mode, wansmisio B pios que s6 escrevo triviaidades)",abala a imagem ideal que tinha ‘de mim, portanco;¢ escrever também me confronta com a minha falta de originaldade, “parece que tudo jé foi dito aliés de manei- +a muito melhor, ese eu no vou dizer nada neta de novo nem ‘iesimo de relevante, seria melhor en desist de vez". Essasexpli= ‘cages pelas feridas natctscas eo certamente essencais, mas me ppatecem sinds parciais, porque remetem & configueacio singular do individvo conremporineo, que deseja ser nico e diferente para ‘no sogobrar no anonimato da massa — perigo aliés, muito real. (Como intuito de pensar a relagdestensas ¢angustantes que 1 escrta © conscitncia da morte entretém, gostaia de seguie utea hipétese: se féssemos imortais, nfo precisagfamos = 6, poreanto, guando escrevemos, lembramos, mesmo § nossa revelia, que mocremos. E assim, multas vees, ou eserevemos de- ‘mais ou nio escreveros nada. BscRrta como LUTA (CONTRA © ESQUECIMENTO F.A MORTE Desde os primeira textos de nossa tradicio ocidentaly a re- Jagfo entre morte e excita éenfatizada pela propria poesia. Penso aqui especialmente na Tada e na Odsseia, que podem set lidas no 6 como a historia da ira de Aquiles e das aventuras de Ulisse, ‘mas também como uma teoria postica sobre afrga, sobre o poder {cdynamis} da palavra poétca. A atvidade de colocar por escrito ‘antos tratsmitidos oralmente 20 longo de séculos,atribuida a um ppocta de nome Homero, parece inseparivel de unia metarzeflex lingufsica © poética, jf presente na oralidade, agora sancionada pela escritura, Recomo algumasreflexdes fundamentaie a esse res- ‘pico de Marcel Détienne! e Jean-Pierce Vernant®entee outs pes- 1 Marcel Deane, Let mats devi en Gre arhaiqu, Pts, La Décourer, 1967, 2 Jar-Plerr Vermont, Lindi, mort amour Sot mime Pantie en Grice oncom, Pais Gallimard, 1989. “4 Ling aura ezememorasto — ‘uisadores. Na personagem de Aquiles, a Miada encena a dupla alternativa que seré paradigmética para toda tradiclo grega € ‘mesmo ocidentl: ou mort velho,replero de anos, de flhos e de netos, modelo de uma vida feliz que seri apidamente esquecida pela posteridade (pois nfo hé nada a contar da flicidade), ou smozrerjover, ne flor daidade eda beleza, numa facanka heroice, cuja glévia — Aleos em grepo, origem do nome da musa da histo ‘Clio — seri lembrada pela palavra podtica a “todas” as gra ‘Bes futures. A escolha de Aauiles€ a escolha da gloria, pois 6 ssa The garant aimortalidede da palavra humana, uma sobrevi- da no estou, mas estritamentepoética (po iso, uando Ulises encontta Aquiles no Hades, no canto XI da Odissea, 0 guereio nfo se artepende de sua escolha, mas ¢ queixa amargamente de to extar mais entre os vvos jf que nfo hd uma verdadeia vida, colorda, intensa,sensivel nos Infenos homéricos, apenas uma “verde” morte, a0 mesmo tempo, rumorosa e muda, Aquiles mor- te para si mesmo, mas permanece vivo na palavea de louvor € no canto potio, que so mos de uta contra uma morte pior que @ biolégie: 0 esquecimento, a auséncia de nome ede fama, @ obs curidade ea indiferenga des vivos de aman. Essa chave de et ta da Hfada nos ajuda também a entender por que esse poema fala tanto ou da luta heroiea (que garante a glévia do her6i lem- trade por sua coragen) ou, enti, de preparative, de jogos e de sitosfanerros: a cerimonia finebre ea eregio do malo igualmente prétcas de celebragao e de rememoragio, tentatvas * concretas nfo de abols a morte pessoal, inevitével, mas de trans- formé-la no objeto de um lembrar permanente, constante. Em su- sma, de opor&inevitabildade da more singular a tenacidade da ‘meméria humana, imagem urépica de um imoralidace coletiva [Nesse empreendimento de luta contra o esquecimento ¢con- tea a more ital fneréioe canto potico sto doas pitas nio apenas solidi, mas mesmo andlogas. Se 6 timulo € um sgno {stra} construfdo com pedras, 0 poema também &signo,rimulo {seria} de palaveas; ambos t2m por tarefalembrar aos vivos de amanhii a existéncia dos mortos de ontem e de hoje, Os tragos {ravades na pees faneriia encontrar uma expanséo na beleza Poole: Esra, more, anasto a do poema; a recitaso, singularment,aescrita postica retomam, transfigurandova, a fanglo fincbre de dzee a morte de dizer, por tanto, 0 ausente mas também de rorné-lo presente pela forga do canto. Essa correlagio essencal se encarna na figura do segundo herd épico por exceléncz, Ulisse. Ulises nao € 140 36 forte © ‘corajoso como Aquils. Ele é mestre do ail e do engodo, isto &, restr das palavras, tanto das verdadeiess como das mentirosas {pouco importa), mestre das palavease das histrias que surtem feito, comovem e convencem — como o fazer as palavras dos poeta, Estuturalmente, a Odisseia nfo conta simplesmente as aventuras de um her6i, mas eomporta em sea centro, nas assim chamadas *nareagbes de Ulises”, a transmutagio do aventareiro em narrador-pocta que sabe contar sua histria e encentar seu piblico. O ndcleo dessasnarcativasesté na descida a0 Hades, no confronto com a morte € com os mortos, ena vitéria sobre as Seria, ito , na transiguragio da magia maléfca do canto em ppoténcia arstica de rememoragio (pos, como 0 notou no sem ironia Todoron? se Ulises tvese sido devoradopelasSeeias, nd ppoderia ter nos transmitdo a beleza de seu canto). © gesto de ‘Ulsses no Hades, com 0 qual ele fasta com sua expada 0s moreos desrjosos de beber 0 sangue quente da ovela saricada — obei- zgando-os assim a falar por alguns minutos com o(3)vivots) — ey a0 mesmo tempo, escolhe alguns companhiros queridos parses se diflogo que transcende a inexorabilidade do tempo, esse gesto profgura o do historador, cua pena retraga, ou nio, 0s aconteci- rentos passados, os atos eos sofrimentos dos mottos que not precederam. Eo “livido pavor" de Ulissesdiante das “inumeré- ‘eis tribos de mortos", que se refnem “Soltendo grits aerrado- res" talver possa prenunciar também nosso assombro diante da snulkidio dos “sem nome", como diz Walter Benjamin, dagueles 2 Tavern Todaro, "Le rcp, Potiue dela prose, Pai, Seu 1971 * Ossi, fl do cant XI, tadugio de Antnio Pato de Care Sto Paul, Abi, 1978, 16 Liming cure eememorasdon {que nfo lembramos ¢cuj histéria deveriamas, no entanto, poder IMORTALIDADE DO AUTOR & PHARMAKON Se 0 poems é um wimulo feito de palaveas, ele eambém & um smonumeato, um miéma ou um "memorial" que lembra as faga- thas dos herdis mortos, sua existéncia e, a0 mesmo passo, sua perda. Mas, através dele, outro ser adquire conssténca ese per- ppetua: a vor do préprio poeta pretende ressoar pars sempre. O cuidado com 0 kleos ¢ com 0 passado, a beleza do canto gue os celebra, udo isso como que atinge a figura do aédo, esse velho jgeralmente cego, guiado por uma crianga como o seré Edipo, que ‘Eo que nosso olaos comuns de mortais nfo veem — figura opos- tae complementar 8 do adivinho que enxerga o fataro. Os “divi- nos aédos” da Mada e da Odisseia banham-se numa lu sagrada ‘que os protoge da morte violenta(Ulisses pouparé a vida de Fémio, aédo da corte, no massacre final das pretendentes em ftaca) € os torma eles também, moras, Fes luz civina acompanhard 0s por- tas € 08 colocard acima dos meros mortais pelo menos até Bau- elaie € seu poeta andnimo, cnja auréola — um circulo de luz —caina lama, quando atravessa uma rus movimentada de Paris.? Na Grécia antiga, poctas e adivinhos sio realmente “insptados 5 Ver Waker Benjamin, “Sobre o conceit de his” em patil 2 nota da edie ceca de Gesemmale Schon Frankl, Subekamp, 1974, ‘oh. 13, p. 1241) "Schwvrer te das Gdichini der Namenlosen 2 ere [dar der Bern] Dom Gedichins dr Namanlozen it de histori he Konsmkiion gavetb™;“Emais dif hoarar a meméria dos em nome fo ques dos moos |. E meméris dos sam name qu € conagtada a onstrate histeea Tezdusio de JM. A pani de agora cae vol- ne GesonmeleScrifen come 6-5. * Jan lee Vernan, oct 9.70 7 Vero famaso poss em prota de Baudelaire “Parte daurole" [PA perda da aurdola], eva das Fontes pencipais 6a tora benjeminiana da "pera de aura na ate contemporines Pelogo: Eos, mone, tansmissio v isto 6 preencidos por um sopro de origem divina que hes confee re iluminaso ecompeténia. Com o deseavlvimento da demo: cracia edo exereiio argumencatvo da pala, do legos politico, juridicoe flosico, o exatato da linguagem poetice também se transforma, se ciza ese democratiza, toando-e objeto de s¥- lager como outro dscuso quelguer. Toda oso de Pa- to estermunha esa transformasio, No entanto, essa pretensio a Imortalidade que o autor do texto escrito deseja aleancac através dele subsist e até mesmo aumenta, pois que se generaiza. O tex- tw se torna “obra” ea obra deve lembrar & posteridade a exisén- cia de seu “autor” Poderiamos inclusive dizer que esse desej se vorna uma das motivagesprincpas da escritae da aividade de escreve, da e- Devese ici sé realmente setts que lao condense nou cco fticharo d seri; vr Luc Brisson, inodusie ded da Carta Vl, ‘Lees, Pais, Garnier Flammarion, 1987, pp 157 Pediogo: Fer, moe, wansmisto 9 ‘na qual um filho ou um deas menor, o jovem Tot inventor dos J ‘nimeros e dos jogos de dados, vem apresentat sua nova invensio = a escrita — ao pai, a0 deus maios, Tamuz, deus soberano solar, modelo do rei-juiz arcaico cuja palavea em si em forga de lei, Thot, que na mitologieegipcia também & o deus da morte, parece aqui no entanto um deus jovem, brincalhlo, chi de bos vontade e de ingenuidade, Sua nova invengo 0 entusiasma porgu, assim ele di, resolverd os problemas de armazenamento, de esque- ‘cimento e de acumulagio do saber, endo a escrita uma “droga ‘pata a memériae para a sabedoria”: muds te gar kai sophias harmakon.'° Tamuz, que nio precisa de escita para assegutar seu saber e set poder, retrace termo por termo; a escrita 8 fard ssumentar 0 esquecimento des homens porque cles depositario sta ‘confianga em “signos exterores ¢ estrangeitos” (exothen hypo? allotrin typ)!" em vec de treinar 2 nica meméria verdadeira, ‘a meméria interior & alma, aquela que néo precisa de notes par se lembrar. Tamuz concli peremproriamente: "Nao é para a me- niéria (mmémt, € para a ecordagio (hypomndsis) que inventaste tum zeméalio (pbarmakon)","? oponda aqui o verdadeiro processo do Jembrar (a famosa anamandsis platénics, que garante 0 reconhe- ‘imento eo conhecimento verdadezos) a um processo de anotaco « inscrio que s6 seevem de auxilio para as falhas da mem Em sua célebre andlse desse texto, Jacques Desvids mosttou ‘como estas separagdes platdnieas assolam até hoje 0 pensamsento ‘ocidental, metafisico ow nio, Com efcito, por trés da oposigio ‘entre palavra escrtae palavea oral se pesfilam outas dicoromias basilares: originale cdpia, vivo e moto; isto &, também, vida e ‘morte, neméria(verdadeira dria Pardo) e esquecimento, Mesmo {que imagem parega semvelhante a sea modelo, ela difere dee, no "ao, Fevo, 274, © Adem, 2753, Idem, biden. ° Jacques Deri, formic de Pato trad de Rogério da Cos: ‘a, Sio Pal, luminurs, 191 2» Limiag aura e rememorago cetanto, como a pessoa e seu reteato, © a palavra eserita da oral —eambas daguele “real” que designam. A questio élimitar © elimitar essa relagdo de semelhanca — termo ambiguo que st -se entre adiferengae a idemtidade, pois semelhanea no significa igualdade. Assim também, como realga Derrida, pharmakon & ‘essencialmente ambiguo — daf sua sedugio e sua periculosidade — sendo simultaneamente veneno ¢ remédio, sentido que nosta palavra “droga” pode transmit Proprias das artes da mimesis rho pensamento platénico, a semelhanga e a ambiguidade atcaem, seduzem e encantam, pois sio promestas de beleza e de felicidade imaiores que aquelasofcrecdes pela “realidade” (no a realidade verdadeira das Ideias, que os filgsofos podem alcangas, masa rea- lidade da vida politica e cotidiana, sempre decepcionant).E jus- tamente porque seduzem, como as mulheres ¢ como as serias, sko ainda mais perigosas,inodurindo uma zona tarva de indetermi: ‘hago entre apagtncia e ser, ausénca e presenca, ‘Acescrita —e os belos textos em particular — vive justamen- te desta perigosa indecerminacio, Fla toena presente aquilo que ‘esté ausente, e € duplament signo signo do som esigno daquilo oe sada auséncia ¢ Feu ue oa ‘Gas, esses “rastros mémicos” mairas vezes inf, 3s vezes mesmo falsos? Como confiar na escrita que no consegue dizer a vivaci- dace da vida? Plato responde por meio de uma desconfianga re- soluta, que € 0 reverso de sua confianga na palavra viva, inscica ‘nfo no papel, mas na alma. Palavra viva que nfo apenas 0 didlogo sde Séceates com qualquer cidadio em praca pblica encarna, mas também o didlogo como género literéro e escrito 20 qual Piat3o ddeu suas “letras de nobreza”. Essa desconfianca solapa radical- mente a ingenuidade que um “autor” poderia ter em depositar esperanges na transmisséo de uma mensagem e de seu pr6prio Em Feud fons Eriorerenpupar; um raxtro magico eo um teago nico como muitasvezeseaduzdo. Prélogo: Ec, more, wansassto a ‘ome por meio de um *discurtoexctto, como di Plato, ou de um livro, como diriamos hoje. ‘A desconfanga emt ego 3 escrta implica ma igual des- confianga em zelagio a0 ato da letra: eccitreleitor acxedita que se enendem, quando fo defatovtimas de uma incompreen- so exrututale insupertvel, jf que no podem conversa juntos, 6 com peeguntase espostasreciprocas, na vvacidade de uma busca comum de verdade que somentaconvivncia pode propor- Gonar— por meio de uma comunicaploexistencialconctea, por tanto orale (e possve)coidiana. Eboga-re aqui esa imagem dle conunicago franc, abera, vive ede camunidadeamigvel¢ de um saber compatilhado por todos que gua até hoe, pelo me- nos na tora, nosapréticadeensnoe nososcol6guios eient- os loge da concorénca enc colega vai que conta pontos nos seus cuicua para cada artigo pubicadat Um belo ideal, > ‘que deveriamos lembrar justamente como antidoto, como phar- ‘makon lve, contra a administagio consi da vida acadénica aque not rege. (© que, porém, chama a atensio no texto de Pato, € que ‘sa relagio de ransmnissto verdadece se express, ciando nova- mente as observages de Derrida, em mecioras de liagio e de pateraidade. Mais ainda em tecmos de fos legtimos ede flhot bastardoe, ou deflhos fie 20 pai ede fos inf, que seem de casa edesiguram a measagem paterna Cito Pltdo, “Uma ver escrito, um dscucso sai a vagar por toda parte, nio s6 entre 0s conhecedotes mas também entre fs que nfo oentendem, e nunca se pode dizer para quem Plato odesrere asim na "Cara VII: "86 depos de cfegarmon, or atin due uns nos ost, e comparsrmes nome, deSnigber, ved, Sensagies¢ de discutos nests colquios amistosos cm que prBunts ¢ ‘epon at fonmum tm 9 menor cee de inves € qe bho se ‘ida objeto a eabedoria eo cnendierta com a tenato mxima de gue for ‘aper inligncia humana". “Cara VI, 344, cada de Catlos Alber to Nunes, Palo, Obras compete, volume 5, Certs, Bul, Béca d UPPA, 1973, g 2 Limiag aura eememoragio serve e para quem nao serve, Quando & desprezado ou injustamente censurado, necessita do ausiio do pai, pois do € capaz de se proteger por si [J Examinemos ago- +a uma outza espécie de ditcurto, imo legkimo desta loguiéncia bastarda.."¥© Inteevém nesse momento do texto platénico um elemento Aierente de critica 20 apego (hoe difamos ao apego nara) do autor pelo se texto. Tats-se, para Plat, de preveinse con ‘wauma crea “vagabundagem” (i que o discrsos exeritos sera a “*vaga", para aus longe da casa paerna) que ameaga, agora « perceberos,aineridade da palara origin, iso 6 da pla- a paternal que, no mito, pertenc ao pai zeideus solar Tamu Se ofilho, odiscarso escito, nfo pode masse ajudado pelo pail ‘autor (uma metaforarecorrente nos dilogos de lati, cao do ‘Banquet quando, em ve de permanecee no tent familias oF nase pico, o qe est sob ameaca nfo €0 “flho” enquanto a mas sobretudo a aurridade da palaveapatera, isto & a evidéne ea transpacéncia de um senido primero ¢ oxgintio. Com uma trande acuidede, Platio denncia 9 processo de dctaniamento i fonte que a transmissio eerie instaura. Ora, éjustament esse Siseanciamento hisérico & snissohistéica que a inte pretagio tem por taefa analy ainda que sem a experanea, pelo roenos na hermendutia contemporinea, de resgatar ou recuperat um sentido primeio, dito originioe por iso mais autético que ‘os miltipls setidos dtesderivados. Camo saber com cetera conde fa © fone seo intérprete ao tem & sua frente ura linha eta clara, direta, uma transmissio hstrica ou piguica em mol- des caresianos, mas sim um testo contubado, paleo deltas e lugar eritico, no melhor dos casos um *jardim de veredas que se bifurcam" como no conto de Borges? ‘A desconfianca de Plato em relao eserit ¢instruiva. Ela sos diz— certamente evel do autr/paiPatsoSéerates— que, "Rady, 275 0276, eadusio de Jorge Pleat, orto Alegre, labo, 1962, Prego: Eseries, more, wansmisso 3 ‘quando escrevemos, devemos abdicar de teatardriblar @ morte ¢ [ ‘os perpetuar, integrase teansparente, pelos nostoslivtos, ainda ‘que seja pelas “nossas Confissdes", como Rousseau de certo modo 4o_um processo de imortalzaci rio, um duple processo de identdace singular sempce fa c clara, Je compreensio.e de transpazéncia ‘ez continvemos presentes no processo da leituras presentese far turos, mas sempre deformados, ow melhor, transformados (pois a forma, 0 eidos origina, s6 existe na bela metafisicaplaténica), Aliés,s6 nos € possivel rer uma relagZo com o passado e aqueles ‘que nos precederam, com nossos pais e mortos, quando desistimos decompreendé-los “perfeitamente” na ot relasio imediata. Em suma, a escrita nia nos imortliza; ela talvez ‘possalembrar um gesto que esbocames — 0 qual no melhor dot «casos, seri retomado e transformado por outrém. Assim como 0 fio que crescelembra a0 pai que ele, 0 pai envelhece e mocre, também aquilo que eu possa vir aeserever send um alerts de minh caducidade e de minha finitude ESCRITA £ PRESENGA DA MORTE, [ESCRITA E PRASENGA DOS MORTOS Talveza literatura poss ser defini como a linguagem cua lei de estrururagio €2 sua celagio com a morte. Tal elagio nfo precisa ser explicit, ela habita 0 texto literrio que, em oposicio 2 textos dite objetvor ou ainda centficoe, no petende falar daquilo que existe, do assim chamado real, mas pretend inventar outa realidad — inexistente? Sem vida, mas também existen tedetum modo diferente, aquee do possvl da invengio. A Bega0 pode ser lida tanto na chave da menira como na da revcagio de um sentido desconhecdo, E mesmo quando um poeta tenta des crever a beleza ou a dor do mundo, ele o faz revelando um outro sentido que s percebemos grag a suas palavras, algo que nio existia antes no préprio mundo enquanto tal, se € que se pode Pn Limi aura rememarasto falar dessa maneira. Criar sentido é, portanto, manter esse mundo iar ente mim eele un interval que dele para. cori, nat bln me permite nome Sagan enfatzou anto com Mausice Blanchot a radisliéade desse con, espcie de aiqulamento da, presens.viva. pea que tla se worn presente como ausncin, com fala Blanchot chama essa destusio-presensficagi"” de “anasnao ieida”,objeo Se preocpasio maior dos pctase canbe, poderamesacrescen tar objec de repulsa ede oo por pare de mitos que acasar 08 “melas” de matr calor a vida O escritoraescai, pos segundo Blanche, aruinar esa imediaidade da vida — esa Gierenciagio quent, gostovee, 0 mesmo tempo, peajosae st focante par instoura am eopag, ito om vaso onde alg0 outuo poss se tical edesdabare cece, falar e des necer, Sea esctita configura umn nascmento, € porque adenta 0 tno da sparagaoe da dspedda da intentidade Go inicio eda prefigurasio da parti, Cio Blanchot “Je dis; cette femme. Hlderlin, Mallarmé et, en ‘général tous ceux dont la poésic a pour theme essence de la poésie ont ve dans Pacte de mommer we merveille inguiétante, Le mot me donne ce qu'il signifi, mais Gabord il le supprime, Pour que je puisse dire: cette femme, il faut que d'une manibre ou d'une autre je lui retire sa rélité d'os et de chair, la vende absente et VanGantisee. Le mot me donne Vr, mais il me le donne brivé d'tre, [uo] Sans doute, mon langage ne tue p sonne. Cependant: quand je dis ‘ett femme’, la mort le est annonce et dd présonte dans mon langage. Fo] Mon langage ne tue personne. Mais, si cette femme wait pas réellement capable de mou si ell n'était "No porscso, Blanchot cea Hoge! inimeras vers neste tet pit a. Afelngheglan poder ser pasa partir esa rela ene ln fate eelidade “La lirature ele dria os", n De Kafb 8Kaf- fay op. cit, 37 Peslogo: Her, moce, uansisio 2 as & chaque moment de sa vie menacée de la mort, lige et unie a ele par un lien d'estenc, je ne pourra p accomplir cette négation idéale, cet assassinat dif quest mon langage.” — Teves possamos pena, nspegndas de Blanco, qu sa felagio coe linguagem e more, entre estrita ese ras rio Gh yor viral e morte se spe eye presente na erate mer toque sab forms pots da reremorago dos moron, esboe ‘nuclear na literatura moderna em razio de um rt aqel de ua ado va, que greta 20 tekte Potico sea insegio nam Rxo maior de bisvrasannmiias de frost em gerapis tl Bou sri segundo abel imagem Se ‘Water Benjamin, como um ae. Desprovio de sua tngla 9 ports pede ign itinsen com o saga, com una orden for gue a da crt etna humana, na gua! po ¢ *langar sementes", coma o afiema toda metaforologia ‘orginica da criagdo artistica. Como outros tabalhadores,o poeta, 6 agora um produtor de mercadoris, em dividasingulares, mas, sapidamente sucateadas para darem lugar outras novas que as- seguram a Gnica continuidade essencial, a do funcionamento do mercado. Ainda que o poeta, como Baudelaire, procure acreditar numa belezaimortal impressto é de que essa féndo faz mais que * iden p. 362, Digs ena Hil Mallar em ‘cdot ages cj possi tem por ssn ern da pos, vim to te 4 nomeas una maar ingtcane A palavs ed ue gue sgn, Ss prin, omupime Pee que es poms deca mule dev de un ‘mani on outa del removers adie de rede cre ora ‘ete ea anigue A palais doves as no i depron dee {em vid, minha laganger no mats lagace. No eet uaa ign ‘ea muller, amor el amunclaac peste tm me eas fem.) Minha iguana gun, Ma et uc nf oe Tele exper de ote io fone cata omen deta Wa se. ‘au pela wore aga nid or un go de estas, uo poder Sinpriccn mgr el sna lec qe mina gage Tadeiode eG aad 26 agregar um elemento, um certo “glamour”, talvez, a0 produto. A ‘da transmissdo e da trensmissiblidade, segundo Benjamin, eins 2 moderldade ~ dea em ermon asia, 3 pur do desenvolvimento do captaxno eda generalinageo da Foxe moved‘, Tl cise et iter nsmers i tages de cacesade nage ve poder posi as ag Ur beleza, como em Kaka, rout on Beker Se setter, ono esaligeda ven dots tnundon, fom a slag inengeea com amore ©4820 Povrinacs esperar que oto tp de ect, tos aioe Tosen ceo estem poupados dtl aseiaio, Ors no qe diz rexpelo& hitonografe, hes da hist (eno mais de Nisin esa rel com amore, parece, elo contro, apenas tr aprofandat Pence aun pasado revogad, 3 eps la Ghul oy hieriaorestnham como tel modelo eltr 0 asad “tl qual eles fr como 0 spon com ona ‘ater Benjamin’ Aina uo pata tek relent sone cido dead no presente marcas els de sua exist, nada ot seu estat univoc,Podese potas esa realidad a> ‘Eames €impossive denenstar com igor —cono mim so tn de eomeiia que cl pesto exusvament tu dade nao outs, A "escrgio” do passdo € una contro au obedce&imterpreago de astros de divers orem (doce ton, angulvos, tesemuos ec) 2 injugBer singular de erun- ‘itty lignds ao presente epcticn doses, Esa compl- ‘dade provem, ete outa fae, do dupl arto oncléicg do peso, ested em pert: or Heiegger peta losis her pasado equ que no 6 masque fo extn tno ota, a sentido de egangetég mas eames Caso Caja pusagem continua presente marcant,ejo sr coatina + Sxlnede forma misteriosn no presente: agile qe tem i, gee sen Assim, «nsagi historic bain detods a mi "No orignal, Wea eigoick geez i, ago de Leopold yon Ranke gue Walter Benjamin depe como mote do htoriesmo em sas tse “Sobeo consite de hii Pelosi, mors ranamisto ” ‘idades da imagem mamica eds atividade do lembrat, ambigu- dades tio bem analisadas por Paul Ricoeu:” A histiria no € somente una narragdo, em que tomam parte aelaboragiosubje svaeimaginaiva.Aqule que ela pretends narra, o pasado, no pode se objeto de apropriagso untvors, jf que nlo etd mais ¢ nos escapa, O presente falha em sues tentativas de apoderarse do pay sado de modo defnitvo. Como o presente ext destinado a tornae seem breve (lis, cm muito breve} também passa, suas peta. s0es de dominagio também caducam. E, com caca presente, tans forma-se a meméria do passido, como bem osabem historiadors « também psicanalistas, mesmo que hajatntatives de conto ¢ de lembré-lo de uma maneicaunivoca, eforgos que obedecem a0 ja dominants, estabelecimento de uma narragia e de ums meme Isso néo significa que devamos caie num relatvismo genera lizado ¢ preguigoso, mas, pelo contririo, que é preciso enftizar a relevancia nio s6 epistemologica, mas também, ¢ antes de tudo, ica e politica da construgdo do passado, Esse tema, caro Walter ‘Benjamin, se rornou candente nos debates posterores sabre a his toriograia da Segunda Guerra, em particular no que se refece& histéria da Shoah — que profbe tanto 0 comodisimo relativista quanto as posturas dogméticas do postivismo cientifco,invocada justamente pelos assim chamados negacionistas. Ora, como contar ‘uma histéria cua lei de estrurucagio inclu o apagamento debe. zado dos rastros ¢ dos documentos? (Estratégia de apagamento praticads pelos nazistas quando compreenderam que perdesiam & ‘Bucrra © que, portato, no poderiam impor sua versdo da bistria, como o relata Primo Levi} Como conceber uma nacrativa que deve tear se articular na conscigaca dolorosa da insuicigncia inerenre de qualquer relaroe no balbuciae da repetigéo traumétiea? As categorias de testemunho e de atestacio, desde sempre muito 2" De Rico, ves, sbreato, ovale Lite la mote, Poi (2000) aio ease: A histri,« momdria, esquecinente,Caapoae, Unica, 2007, 2 Primo Levi Os sfogades ef eobrevventes, Sho Palo, Pax Term, 1990; partcularmente, optic, 2% mia aue rememoragio resents na tracgtoteolics adquirem um sentido renovado ma Exoriogcta contemporias, ls leva Pl Ricsur a afemar aquea nog usal de “representagio” (Vorstllangheprécentaton) fo discurso histrico deveria ser eubstuida pela nogio, que ele tua, de“ rpresentancia™ (Vertretnghreprésertanc) sto 6 uma atitde narrativa que segue também uma inj za com ear Go 20 passado e, em particular, a0s mortos do pasado, ‘Ressurge aqui, com notvelnsistécia, a antiga lgago ence sscrta mle, qe oepos homésiojé materaizava. A eerit- fa da hsttia ea relacHo do escrito com o passado sfoarnbas priticas de sepultamento, como o afirma com forga Michel de Certeau, que compara a8 obras dos hstoriadores aos cemitéiot ete lade: Ee ato de speato™ (te ear nent) pode ser interpeeado, de maneiacisia, como expressio de vontade humana dehonrara memia dos moron de epehar fos antepasads, e de opor &frgiidade da existéncia singer @ tsperanga de sva conservagdo na memétia dos vivos — de reco hooer a dirida que nos liga 20 pasado, dra Ricoeuc. Ainda que sectltizado, tats de um tal eine eligioso, no sentido da inscrigio dos vives de hoje na continuidade reconhecida assum ede uma temporaldade que ulapassa o mero espago da ats Tidade imediata. Mas esse rito também permite, como alids outras privicas de epultamento e de luto, marear uma separagio clara tne © dominio dos mottos eo dos vvos io & imped que. os mortos,invejoss, aivoss, ou somente nostic, posta vont ‘Tue do nosso (os vivs) dia. Cio Certeau: “Por um lado, no sentido emnalégico & quasereli- sicso do termo, a cscrita representa 0 papel de zm rito cde cepultamento [ure rite d'enteroment; ela exorciza 2 ‘morte intzodzindo-a no discurso. Por outro ledo, tem uma funglo simbolizadora; permite 2 uma sociedade situaese, dando-he, na linguagem, um pasado, ¢ abr 4a atria, Rio de Jneito,Forense 2 Michel de Garten A x} Tiertirsde Pears de 1975. Unive, 1982. O iil feet, Prego: Eri, more tanamieto 2 tum espago peéprio para presente, [a] A er

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