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oe es “‘irmaos’ ont T ea) Berets ed Quese articulam paratentar Looe lel oo led eaiel slo} © GLOBO 1005-221 s90eovtuero 02008 de André Coeho noite € de gala no templo nobre do Palacio MacOnico, na Rua do La- vradio. Todos se evantam quando ‘o grao-mestre surge na porta prin- cipal vestido com seu avental azul cheio de detalhes em dourado. Atrés dele, como numa procissao, aparecem outras autoridades, enquanto dos altoalantes sai uma miisica medieval, trilha perfeita para o filme “Coragao valente”. Parece que vai comegar mais uma sesso se- ccreta da maconaria, mas dessa vez a figura central pertence ao mundo pro- fano. £ um candidato a prefeitura do Rio. Politico nas duas definigdes da palavra, antes de entrar ele pede uma gravata preta emprestada para nao destoar do traje obrigat6rio des macons. Mesmo assim, parece pouco a vontade diante de tantas formalidades. Era 0 quinto compromisso do can- didato naquele dia, embora este no constasse da agenda oficial. 0 encontro foi discreto, bem ao estilo dos magons. Depois de uma exaustiva carreata no Engenho Novo, ele foi vender seu peixe na sede carioca do Grande Oriente Bra- sileiro (GOB), 0 mais antigo grupo ma- génico do pais. Mais que um evento politico, sua presenga ali expoe 0 des- pertar silencioso da mais famosa irman- dade secreta do mundo. Protagonistas nos principais fatos hist6ricos do Brasil, Além de ouvir candidatos a prefeito, eles esto a pleno vapor numa campanha oO pela soberania brasileira na Amazdnia, pela cota de negros nas universidades ji se manifestaram oficialmente em ques- toes como a do mensaldo e a da Reserva Indigena da Raposa do Sol. — Passamos um bom tempo hiber- nando, voltados para dentro, mas agora despertamos de novo para 0 mundo exterior. Nao aceitamos os desmandos a desonestidade de certos setores do poder pblico — afirma o g do GOBRI, Eduardo Gomes Antes do primeiro turno da eleicao, 0 GOB recebeu em seu palacio trés can- didatos a prefeito e um a vice. Todos assinaram um documento se compro- metendo a chamar macons para compor conselhos que vao assessorar as. s¢- cretarias municipais. Na proxima se- mana, uma reunigo interna vai escolher quem seré 0 candidato indicado pela instituigao, Eduardo Paes ou Fernando Gabeira. Com 30 anos dedicados & or- dem, nem oeminente grao-mestre, como 6 chamado com respeito pelos irmaos, Jembra a Giltima vez em que isso acon- teceu. Mas ninguém esté atras de cargos remunerados, garante 0 coordenador politico-parlamentar do GOB, deputado estadual André Corréa (PPS): —Nunca precisamos de dinheiro do Estado. Queremos apenas oferecer os servicos dos nossos irmaos a gover- nantes que comunguem dos principios da maconaria. (Os principio basicos da magonaria— pelo menos os conhecidos — sao igual- dade, liberdade e fraternidade, os mes- mos da Revolugao Francesa. Guiada por eles, a ordem j4 apoiou no Brasil ‘movimentos tao dispares quanto 0 abo- licionismo e o regime militar. De co- mum, ela manteve apenas a influéncia ao mesmo tempo decisiva e obscura nos rumos da nagdo. Ao longo do sé culo passado, com 0 fortalecimento de ‘outros representantes da sociedade, a magonaria foi perdendo 0 protagonis- mo que agora S6 resiste em pequenas Cidades, onde prefeitos ainda freqien- tam gabinetes de graos-mestres. — Até 0 inicio do século XX, a ma- cgonaria era muito politica. Depois, se tomou mais um clube de flantropia e ajuda miitua, como 0 Rotary eo Lions — afirma 0 historiador Marco Morel, pri- meiro autor ndo-magom a escrever um livro sobre a histéria da irmandade, 0 recémlangado “O poder da magonaria’. Paya voltar a participar das questdes nacionais do século XX, a maconaria ter primeiro de superar o imaginario mistérioso que a envolve. Desde que foi criada nos moldes atuais, na Inglaterra do século XVIll, a ordem funciona sus- tentada por rituais, simbolos e cédigos secretos que s6 serviram para mul tiplicar os mitos sobre ela. Ao longo da Histéria, sempre que a maconaria rom- pia com poderes constituides, como 0 Estado e a Igreja, proliferavam histérias macabras sobre as atividades nos tem- plos, quase sempre relacionadas a ritos satanicos. Por vezes, 0s prOprios ma- ‘cons ndo se preocupavam em desfazer as crendices, para afastar curiosos. — Hoje, essa fama nos atrapalha — reconhece Eduardo.» Os bastidores da famosa irmandade secreta, que Ml tenta recuperar sua influéncia nos rumos do pais onaria C0 portas abertas fea is mesa di gee 30 em uorema Conse 6 Gra Oni BPs » Os rituais secretos, por outro lado, explicam em parte 0 fascinio que a maconaria exerce. Para entrar na ir- mandade ¢ matar a curiosidade, € ne- ccessério receber o convite de um mem- broe passar por um rito de iniciagao que ‘comesa a virar sua vida pelo avesso. Pedem-se todos 0s tipos de certidées que comprovem a idoneidade do in- teressado, que depois recebe a visita de trés mestres em casa. Enecessério saber como é sua vida familiar ese a mulher — que seré chamada de cunhada — con- corda com a deciséo do marido. Eles ‘ouvem também vizinhos e colegas de trabalho. Por fim, a foto do candidato é espalhada em todas as lojas macGnicas do pais, para ver se algum irmao tem algo contra ele. O outro pré-requisito obrigatério € acreditar na vida apés a morte ¢ em Deus — que seré chamado deGrande Arquiteto do Universo— seja ual for a sua religiao. $6 assim o irmao staré apto a buscar 0 objetivo principal ‘da magonaria: atingir a purificacéo e 0 aperfeicoamento da Humanidade. Antes de ser magom, o interessado tem de passar pelos graus 1 (aprendiz)e 2 (ompanheiro). Quando recebe o grau 3, j4 € um mestre, alguém que se divide entre a vida macOnica e a profana, do ‘mundo exterior. A partir de entao, numa espécie de pés-graduacao, ele pode continuar os estudos filosdficos até 0 grat 33, que sdo aqueles irmaos mais préximos da perfeigdo humana. A Re- vista O GLOBO acompanhou a abertura de uma das quatro sessdes anuais no templo destinado apenas a magons 33, 1no Supremo Conselho do Brasil, em So Crist6vao. Do lado de fora, parece um ‘encontro de executivos, todos vestidos ‘com temo preto e exibindo uma cruz estilizada no pescoco. De repente, um eles, com uma espadana mo, aparece na porta. E 0 guarda do templo. Elefaza convocagao: — Atengao, irmaos! E mais nao precisa ser dito. Uma um, éles vao entrando no templo, todo ver- melho. Ao centro, destacamse uma guia de duas cabecas e uma Biblia aberta sobre uma espada retorcida. O quadro mais impressionante € 0 que Tetrata a mortena fogueira da Inquisigo de Jacques De Molay, 0 sitimo gréo- mestre da Ordem dos Cavaleiros Tem- plérios, que seria a precursora da ma- ‘onaria. Todos os objetos tém um sig- nificado, mas nenhum pode ser expli- ado detalhadamente a nao‘niciados. A excecao € o famoso compasso sobre 0 ‘esquadro, que representa a prevaléncia do espirito sobre a matéria. 0 senhor de Digode 1 na frente € o presidente do conselho, 0 Soberano Enyr de Jesus, ‘cujo cargo € vitalicio. Um dos irmaos entra com um objeto redondo numa embalagem de couro preta. Parece um pandeiro, mas quando as portas se fe- ‘cham nao se ouve qualquer barulho. — 0 segredo é uma forma de pre- servacdo—afirma Stenélio Rodrigues, magom do grau 33. Quase duas semanas depois, é dia de festa no Supremo Conselho. Sessenta e dois macons do grat. 30 vao seriniciados no grau 31. E como uma cerimonia de formatura. Eles aprendem novos c6- digos secretos © fazem mais um ju- Tamento de fidelidade & ordem. O apo- sentado Adelino Viegas, de 75 anos, mio escondia a ansiedade minutos antes do ritual. Em um ano e meio, ele deverd chegar ao sonhado grau 33. — Desde que virei macom, aos 65 anos, me tornei uma pessoa mais equi- librada — conta. Os primeiros a subir para o templo azul so os magons de graus 31, 32 € 33. ambiente esté impregnado do cheiro de incenso. Nas paredes, fica evidente todo © sincretismo da maconaria. Ha quadros de Jesus Cristo, Buda, Maomé, Plato, Rei Frederico da Priissia, faraés € até dos 12 signos do zodiaco. A guia bicéfala aparece de novo, bem como a balanca da Justica. Ao fundo, uma coroa dourada emerge da parede. £ uma ré- plica do templo do Rei Salomao. A primeira palavra de ordem, bradada em voz alta, € reflexo dos novos tempos: —Atencdo, meus irmaos, desliguem seus celulares. Entra, entdo, um cortejo de macons paramentados. A misica também é de cavalaria. O guarda do templo fica na porta com a espada na mao. Os nao- iniciados, entao, sao convidados a se retirar, mas sabese que a sessio é aberta com a leitura da Biblia e da oracao de Sao Francisco, aquela do “6 dando que se recebe”. Do lado de fora, 86 6 possivel ouvir um barulho surdo e ritmado, como o de um tronco ba- tendo no chao. A entrada s6 € liberada de novo quando chegam os “forman- dos” do grau30, a0 somde uma misica de relaxamento. Em varios lugares Ié- se “Ordo ab chaos”, ou “A ordem a partir do caos", um lema macdnico. Quando a iniciacao vai comecar, os convidados tém de sair novamente ‘Os magons se preocupam com 0 va- zamento de seus codigos. Alguns dizem, bem-humorados, que esta €a razao pela qual nao existem mulheres iniciadas — elas nao saberiam guardar segredo. S40 6s sinais secretos que permitem que um imo reconheca 0 outro em qualquer lugar. Assim, eles podem cumprir 0 acordo de colaboracio mitua a que se ‘comprometeram na iniciagao. Um ma- ‘com temo dever de ajudar 0 outro como se fosse irmao de sangue, mesmo que nao 0 conhera— eso inclui emprestar dinheiro e arrumar emprego, por exem- plo. Para obrigélos a continuar freqiien- tando as sessbes, algumas palavras de identificago séo mudadas regularmen- te. Mesmo quenao sejaesse o propésito, © pacto de irmandade é um chamariz para atrair novos irmaos. Hoje, segundo 0 GOB, existem cerca de 170 mil macons 1no Brasil — de faxineiros a executivos, como eles dizem com orgulho. —Eu posso ficar parado no meio de uma praca, em qualquer lugar do mun- do, que logo aparecera um irmao para me ajudar — conta o administrador Mauro Kalife, venervel (chefe) da loja (Gubgrupo) Lux et Veritas. — Ja cansei de ser levado da classe econdmica para a primeira classe por um co- missério de bordo que me reconheceu como magom.> » A forma de comunicagao em gestos € posturas, aliada a diversidade social de seus membros, sempre ajudou os ‘macons a transitarem bem em todas as camadas da sociedade. De fato, é im- ossivel contar a Hist6ria do Brasil sem esbarrar em integrantes da or- dem. Dom Pedro I era magom, bem como nosso primeiro presidente, Deo- doro da Fonseca, que passou a faixa ara outro irmao, Floriano Peixoto. Na Repiblica Velha, até 1930, sete pre- sidentes pertenciam a irmandade. Or- bitando sobre as autoridades, exis- tiam ainda Duque de Caxias, Rui Bar- bosa, Benjamin Constant e outros ilus- tres brasileiros como Santos Dumont, Carlos Gomes, Pixinguinha e Lamar- tine Babo. Até o palhaco Carequinha era magom A partir da metade do século XX, a maconaria foi percendo sua influéncia, tiltimo presidente macom foi Janio (Quadros, que renunciou em 1961. Mes- mo assim, a ordem continuou a manter irmaos nas esferas do poder. O General Golbery do Couto Silva, um dos ides- logos do regime militar, era um deles, assim como Mério Covas, Miro Teixeira Antonio Palocci. Tao variadas quanto seus representantes sao as ideologias da ordem. Ao longo da Histéria, a ma- ‘conaria oscilou entre posigdes conser- vadoras e progressistas. Por mais que eles tenham sempre caminhado no sentido da unificagao, nunca houve uma magonaria, mas varias magonarias — diz 0 historiador Morel. Os poderosos chefoes Mesmo internamente, a maconaria nao € tmica. Cisdes no GOB fizeram surgir dois outros grupos reconhe- cidos, a Grande Loja e 0 Grande Orien- te Independente. Apesar de uma ou outra diferenca de ritos, as trés man- tém relagdes. amistosas entre si. A estrutura delas ¢ idéntica & do Estado brasileiro, dividido em trés poderes. O Judiciério pode até condenar a ex- pulsao um irmao que tenha manchado ‘onome da ordem. Todos 0s cargos sao escolhidos por eleicao direta. —Estamos envolvidos em causas de interesse pablico, sempre a favor da democracia. Nosso objetivo é preten- sioso: fazer a Humanidade mais feliz — afirma 0 serenissimo gréo-mestre da Grande Loja do Rio, Waldemar Zveiter, de 76 anos, 54 de maconaria. Ex-ministro do Superior Tribunal de Justica, Zveiter esta engajado em dr versas agdes da maconaria acerca de temas nacionais. Da palestras e es- creveu um livro contra a entrada de empresas estrangeiras na Amazonia que jé foi lido no Senado. A Grande Loja também esté, como pessoa ju- ridica, a favor das cotas para negros nas universidades. — Langamos campanha de plane- jamento familiar antes da Igreja Ca- {6lica — afirma o grao-mestre. No gabinete de Zveiter, existe um quadro que, segundo ele, & a repro- ducao de um ritual da ordem. Nele, uma pessoa esté ferida na testa, en- quanto outra segura um martelo. Mais explicagées ele no pode dar. Na sala do grao-mestre do GOBRJ, oretrato de destaque € 0 de José Bonifacio, 0 primeiro grao-mestre brasileiro ¢, mais ao fundo, o de seu sucessor, Dom Pedro I. No gabinete ao lado, est bem conservado 0 trono de gréo-mestre usado pelo Imperador. Simbolo. mé- xinfo da proximidade dos macons com ‘© poder, a reliquia tem tudo para servir de inspiracao para as novas preten- ses da maconaria brasileira.©

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