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U PIOR ACONTECEU Era uma tipica manha de outubro em Sao Paulo. Na noite anterior se dissipara uma frente fria responsavel pelo tempo feio. Mas naquele 31 de outubro de 1996, uma quinta-feira, 0 sol estava se abrindo, sinal de uma jornada gostosa de temperatura amena e céu azul. Estava a caminho do tra- balho com sentimento de culpa por estar meia hora atrasado. Eu tinha o costume de chegar bem cedo ao acroporto de Congonhas, onde fica a sede da companhia, mas havia dormido um pouquinho mais naquele dia. Por volta das $h30, tocou o meu telefone celular, Estava parado em um semforo em uma rua bem préxima ao acroporto, na zona sul da capital paulista. Do outro lado da linha, um funcionario da coordenagio foi direto ao assunto: = Nés tivemos um probler >» Mike Romeu Kilo decolou, caiu aqui em frente, explodiu e morreu todo mundo. O relato ndo poderia ter sido mais cru e preciso: no jargio aeronauti- co, Mike Romeu Kilo era a parte final do prefixo PT-MRK, que identifi- cava a aeronave escalada para 0 véo 402, que fazia a ponte aérea Sio Paulo-Rio de Janeiro. O aviao havia decolado de Congonhas as 8h28, mas 0 vo estimado em 50 minutos durou apenas 25 segundos e acabou dois quilémetros adiante da cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas, numa zona residencial. Acontecia ali o maior acidente aéreo urbano ocor- rido no Brasil, uma tragédia que resultou na morte de 99 pessoas: noven- ta passageiros, sete t ulantes e duas pessoas em terra — moradores da Vila Catarina, no bairro do Jabaquara, onde a aeronave se espatifou e explodiu, atingindo duas dezenas de casas. Apesar da proximidade com o aeroporto, nao vi nem ouvi nada. Pego de surpresa, ainda tentei negociar a realidade com 0 funcionario, como se isso fosse possivel: = Fssas aeronaves no caem, sio muito modernas. Isso no pode ter acontecido. ‘Mesmo falando com um vice-presidente da empresa, cle nao titubeou™ ¢ retrucou dizendo que estavam chamando 0 piloto pelo ridio ¢ nao ha- via resposta, Assim que cheguci ao aeroporto - demorei uns 40 segundos, que pareceram uma eternidade -, jd podia ver uma fumaga cinza-clara 4 também uma certa agitagio ¢ um ar de intensa no horizonte. Perce petplexidade no rosto das pessoas a medida que me aproximava do sa- guio. Nessa hora, vi um funciondrio da empresa saindo do aeroporto, 0 peguei pela mio, entramos no meu carro e seguimos em disparada na diregao da fumaga. Ele dirigia, eu ia dando ordens pelo telefone, enquan- to comegavam a aparecer as primeiras noticias do acidente no radio. Levamos uns 12 minutos para chegar ao local da queda do avido. A medida que nos aproximavamos, via pessoas andando a esmo. Diante da- quela cena violenta e do choque de ver um avido despencando quase sobre suas cabeyas, 0s moradores estavam aténitos. O siléncio me impressionava: rio havia gritos, a primeira reacdo das pessoas foi se calar. Chegamos ao local do acidente antes do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil ¢ da poli- cia. Nem esperei o carro parar, desci com ele em movimento € fui correndo na direcao do fogo, ainda imaginando que o objeto do acidente pudesse ser um jato executivo € nao aquela aeronave. O quadro 4 minha frente era pavoroso, Como a regio ficava em declive, 0 querosene do tanque de com- bustivel do aviso descia pelas ruas e o fogo seguia a mesma trilha. Fui pu- lando as labaredas para tentar chegar 0 mais préximo possivel. O primeiro pedaco do avido que vi foi uma parte da fuselagem com as letras R e K, exatamente o Romeu Kilo, as duas letras finais do prefixo de um dos nossos Fokker-100. Essa imagem nunca mais sairia de minha cabega: estava inconscientemente torcendo para que o pior nao tivesse acontecido, ¢ 0 primeiro pedaco que vi do avido foi justamente a identifi- ratava-se do avido simbolo da frota, pintado cagio da aeronave. E mais: de azul eescolhido para carregar o titulo de “number 1”, em referéncia a um prémio de melhor companhia regional de aviagao do mundo, conferi do em 1995 pela revista Air Transport World, a biblia da aviagao civil. Diante da fatalidade, comecei imediatamente a pensar no que pode- ria ser feito dali em diante. Instinto e bom senso me nortearam nas AERA DO ESCANDALO | primciras 48 horas depois do acidente. Como vice-presidente de Marke- ting, tinha pela frente a imensa cesponsabilidade de conduzir as ages em meio a tragédia. AGINDO NO MEIO DO Caos A primeira preocupagio de um executive com responsabilidade numa situagdo como essa € tentar salvar vidas e saber se hd sobreviventes. T30 logo chegaram as primeiras equipes da Defesa Civil ¢ do Corpo de Bom- beiros, identifiquei-me como homem da companhia. Lembro-me de ter perguntado para a chefe da Defesa Civil se havia chances de encontrar- mos sobreviventes. Ela olhou em volta ¢ foi taxativa: = Nunca vi ninguém sair com vida de um local fechado que explode. Nesse acidente nao vai ter sobreviventes. Novamente, era como se tentasse negociar a realidade, tentando fazé la melhor do que se apresentav: — Mas nesse caso deve te: Ela nio deixou divida: ~ Nao vai ter sobreviventes, senhor. Comegavam a chegar também alguns mecdnicos ¢ © pessoal de segu- ranga da companhia. Dei as primeiras ordens no local: - No procurem sobreviventes, porque a Defesa Civil esta dizendo que no ha. Tentem encontrar as caixas-pretas do avido. Precisamos sa- ber o que aconteceu. Tudo isso se passava em uma velocidade impressionante. Nunca na minha carreira de executivo da aviacio tinha enfrentado desafio seme- Ihante, A queda de um avido € 0 pior pesadelo para quem opera no setor —um acidente de tal magnitude captura a atencao da midia mundial, nio somente por causa da perda de vidas, mas pelo interesse que as catastro- fes despertam na opinido publica. A situagao exigia sangue-frio ¢ acdes. O presidente ¢ simbolo da companhia, 0 comandante Rolim Amaro, es- tava fora do pais - partira em viagem de negécios aos Estados Unidos e nto momento do acidente estava no Caribe, onde fizera uma parada por- que passara mal enquanto pilotava sozinho o seu jato Citation. 37 ‘or, chamei para mim a fesponsabilida. nar meu super , : os minutos seguintes n 8 foram toma. local do acidente € i 1 dos acontecim ncias, todas no calot ent0s. Cony rias preocupagoes- A primeira era fazer a empresa cxecutiv, Unt Tempo, preisivamos dar 0 maximo de assstengi, no parar A janes das vtimas. Havia ainda uma necessidade impe. posse ar iis rapidamente possivel o acidente, pois isso tinh va de esclarec veeno futuro da empresa. Sabia também gue anga bastante cadenciada na empresa: das odas as variaveis do problema, de fox Sem poder acio' de. A caminho do lo das varias provide cutivo, eu tinha rio desdobramentos no presen era preciso manter uma lider. ordens claras e que abrangessem ¢ mesmo num momento absolutamente anormal, pudéssemos se. ma que, absolu mal Era preciso agit para que nao féssemos vencidos guir 0 nosso caminho. nem pelo imobilismo nem pelo caos. Vou detalhar um pouco mais o plano de vo que tracei para aquelas primeiras 48 horas depois do acidente. Agdes que certamente evitaram que a tragédia engolisse a companhia. 1. A empresa nao pode parar A primeira ligagdo que fiz enquanto me encaminhava para o local do acidente foi para o chefe dos pilotos. Pedi que ele fosse correndo para o DO - 0 local onde se faz a apresentagao dos pilotos — para garantir que todos os vos da companhia saissem. - Nao pare a empresa. Todos os véos tém de decolar. A ordem era clara e foi seguida 4 risca. Meu segundo telefonema foi Para a chefe das aeromocas, para quem passei a mesma orienta¢do: os tripulantes deviam cumprir suas escalas. O aeroporto nao chegou a fe- char. Nosso desafio era fazer nossos avides continuarem voando momen- tos depois da tragédia. Minha preocupagao era controlar as equipes para que elas nao fossem contagiadas pelo panico que o acidente fatalmente eae inctiveis, decolaram mesmo tendo diante de si een ds compan destrocado € tendo perdido um Pilotos de avid ten zl ee no episédio fe fundamental. situagdo que foi até simple mene to fantastico, sao tao senhores da '4-los, embora o momento fosse dificil. AERA DO ESCANDALO mente mais abaladas, e as tripula- maioria compostas por mulheres. mas houve uma redugao de 15% a Jé as acromogas ficaram emociona gdes dos véos comerciais so em sua Os pilotos empurravam as aeromocas, 20% do nosso quadro, profissionais que s A minha ordem era a seguinte: 7 Se alguém nao tiver condigdes de voar, coloque a pessoa em um taxi emande-a para casa. Nao deixe ninguém nessas condigdes no aeroporro- Minha preacupacao era que ocorresse um efeito cascata: a0 ver uma colega chorando, as outras também comegariam a chorar. Naquele mo- de gente capaz de controlar a emo- ¢ recusaram a voar naquele dia. mento de crise absoluta, precisavamos gioe no deixar a maquina parar. Era preciso evitar que a comocao gerasse imobilismo. Do local do acidente, em meio a fumaga, vi os nossos avides decolan- do de Congonhas. [sso tudo acontecia enquanto eu observava o trabalho is ¢ funciondrios da Defesa Civil em busca frenético de bombeiros, polici dos corpos. Nao ha um comando tinico, mas todos parecem saber 0 que precisa ser feito. Nao chega a ser uma coisa superorganizada, mas ndo é descoordenado, £ tudo muito instintivo. O que também valeu de exem- plo para mim. 2. As familias das vitimas devem receber toda atengao Dentre as intimeras medidas de emergéncia que precisei tomar naque- la manha, uma das primeiras foi incumbir © pessoal do servico de pés- venda da companhia de montar um Centro de Atendimento as familias das vitimas, disponibilizando todas as linhas que rotineiramente serviam para a empresa receber reclamacées € sugestdes dos clientes. Os funcio- nérios do setor pararam tudo que estavam fazendo e comegaram a traba- Ihar como uma central de crise. Antes, j4 havia telefonado para o chefe do aeroporto pedindo para que a lista de passageiros do véo nao fosse divulgada e uma cépia fosse encaminhada para o Centro de Atendimen- to, para que nosso pessoal pudesse confirmar aos familiares quem efeti- vamente tinha embarcado no véo 402. Também acionei o nosso chefe de trafego para que providenciasse um lugar para acomodar os parentes das vitimas. Foi alugado um hotel intei: Sem poder acionar meu superior, chamei para mim a responsabilida- de, A caminho do local do acidente e nos minutos seguintes foram toma- das virias providéncias, todas no calor dos acontecimentos. Como executivo, eu tinha varias preocupagées. A primeira era fazer a empresa ‘do parar. Ao mesmo tempo, precisivamos dar 0 maximo de assisténcia possivel aos familiares das vitimas. Havia ainda uma necessidade impe- riosa de esclarecer o mais rapidamente possivel o acidente, pois isso tinha desdobramentos no presente € no futuro da empresa. Sabia também que era preciso manter uma lideranga bastante cadenciada na empresa: dar ordens claras ¢ que abrangessem todas as variaveis do problema, de for- ma que, mesmo num momento absolutamente anormal, pudéssemos se- guir 0 nosso caminho. Era preciso agir para que ndo féssemos vencidos nem pelo imobilismo nem pelo caos. ‘Vou detalhar um pouco mais o plano de véo que tracei para aquelas primeiras 48 horas depois do acidente. Agdes que certamente evitaram que a tragédia engolisse a companhia. 1. A empresa nao pode parar A primeira ligacdo que fiz enquanto me encaminhava para 0 local do acidente foi para o chefe dos pilotos. Pedi que ele fosse correndo para o DO ~ 0 local onde se faz a apresentagdo dos pilotos ~ para garantir que todos os vos da companhia saissem. ~ Nio pare a empresa. Todos 0s vos tém de decolar. ‘A ordem era clara e foi seguida a risca. Meu segundo telefonema foi para a chefe das aeromocas, para quem passei a mesma orientagao: os tripulantes deviam cumprir suas escalas. O aeroporto nao chegou a fe- char. Nosso desafio era fazer nossos avides continuarem voando momen- tos depois da tragédia. Minha preocupagdo era controlar as equipes para que elas ndo fossem contagiadas pelo panico que o acidente fatalmente causaria. Os pilotos foram incriveis, decolaram mesmo tendo diante de si a imagem de um avigo da companhia destrogado e tendo perdido um companheiro. A forga que demonstraram no episddio foi fundamental. Pilotos de avido tém um treinamento to fantéstico, sao tio senhores da situacdo que foi até simples gerencié-los, embora o momento fosse dificil. AERA DO ESCANDALO | Ja as aeromogas ficaram emocionalmente mais abaladas, ¢ as tripula- ges dos vos comerciais so em sua maioria compostas por mulheres. Os pilotos empurravam as acromogas, mas houve uma redugao de 15% a 20% do nosso quadro, profissionais que se recusaram a voar naquele dia. A minha ordem era a seguinte: ~ Se alguém nio tiver condicdes de voar, coloque a pessoa em um taxi € mande-a para casa. Nao deixe ninguém nessas condigdes no aeroporto. Minha preocupacao era que ocorresse um efeito cascata: a0 ver uma colega chorando, as outras também comecariam a chorar. Naquele mo- mento de crise absolura, precisavamos de gente capaz de controlar a emo- 30 ¢ nfo deixar a miquina parar. Era preciso evitar que a comogao gerasse imobilismo. Do local do acidente, em meio 4 fumaca, vi os nossos avides decolan- do de Congonhas. Isso tudo acontecia enquanto eu observava o trabalho frenético de bombeiros, policiais e funcionarios da Defesa Civil em busca dos corpos. Nao ha um comando tinico, mas todos parecem saber 0 que precisa ser feito. Nao chega a ser uma coisa superorganizada, mas nao é descoordenado. £ tudo muito instintivo. © que também valeu de exem- plo para mim. 2, As familias das vitimas devem receber toda atencao Dentre as intimeras medidas de emergéncia que precisei tomar naque- la mana, uma das primeiras foi incumbir © pessoal do servico de pés- venda da companhia de montar um Centro de Atendimento as familias das vitimas, disponibilizando todas as linhas que rotineiramente serviam para a empresa receber reclamacées e sugestdes dos clientes. Os funcio- nérios do setor pararam tudo que estavam fazendo e comegaram a traba- thar como uma central de crise. Antes, j havia telefonado para o chefe do aeroporto pedindo para que a lista de passageiros do véo nao fosse divulgada e uma cépia fosse encaminhada para o Centro de Atendimen- to, para que nosso pessoal pudesse confirmar aos familiares quem efeti- vamente tinha embarcado no véo 402. Também acionei o nosso chefe de tréfego para que providenciasse um lugar para acomodar os parentes das vitimas. Foi alugado um hotel intei- 39 p MARIO ROSA ro, bem em frente ao aeroporto. Ji havia pedido aos funciondrios do setor de cargas que fossem ajudar na remogio dos corpos do local do acidente para o Instituto Médico Legal (IML). Paramos todo o servigo de carga, pegamos todos os caminhdes. Surgia ainda uma preocupagdo do chefe do setor: ~ Mandamos 0s caminhdes com a marca da empres Respondi que aquilo néo importava. Naquele momento, nio era im- Portante pensar na marca nem na imagem da companhi Isso tudo acon- teceu naquela primeira hora. Com o Centro de Atendimento montado e funcionando bem, sé passei uma ordem adicional: todo 0 pessoal de aten- dimento no balcao deveria ser deslocado para o hotel para confortar as familias. Como se tratava de mortes tio violentas, as familias iam ter dificuldades em se conformar. Era importante colocar um grande nimero de funcionédrios, inclusive uniformizados, para poder dar um pouco de calor humano ou simplesmente escutar os parentes. Em tais circunstan- cias, muitas vezes 0 que as pessoas mais precisam é desabafar e falar do ente querido que acabaram de perder. Nao podiamos perder de vista os dramas individuais. Comecavamos entio a entrar a fundo nos dramas de cada familia: o filho de um dos passageiros estava na Alemanha, 0 outro tinha trés familias, um terceiro nao falava com o filho, dai por diante. Paralelamente, havia o drama coletivo do reconhecimento dos corpos carbonizados. Pegamos uma ou- tra equipe ea deslocamos para 0 IML para ajudar nessa tarefa. Pela natu. reza do acidente, foi dificil reconhecer os corpos. De um lado, havia a forte emogio de cada parente no momento do reconhecimento do corpo carbonizado de um membro da familia. De outro, havia uma vontade de que aquele processo inevitavel nao se prolongasse além do necessarig, Queriamos fazé-lo corretamente ¢ 0 mais répido possivel. A medida que 0s corpos iam sendo reconhecidos e liberados, © pessoa} do Centro de Atendimento dava inicio aos procedimentos de preparaciy do velério, enterro, todos os trimites burocraticos. Algumas familias tq. maram conta de tudo sozinhas, outras precisaram do nosso apoio, Para dar conta de toda esa operagio, foram mobilizados naquele dia cerca 4 500 funciondrios de todos os setores da empresa. Funciondrios Que ese. . vam de folga apresentaram-se voluntariamente para trabalhar, a 40 A ERA DO ESCANDALO | 3. Precisamos entender 0 que provocou o a jente Uns 40 minutos depois do acidente nossos mecinicos encontraram as duas caixas pretas do avido - a Voice Recorder (a gravagao dos didlogos entre os tripulantes na cabine) a Data Recorder (que registra os dados da acronave cm vio, como velocidade, altitude, inclinagao ¢ aceleragio). De posse das duas pegas essenciais para esclarecer as causas do acidente, pro- curei o coronel da Acrondutica que era o chefe do sector de seguranga do Departamento de Aviagao Civil (DAC), 6rgao que conduziria as investiga- ges. Deixamos juntos o local do acidente, levando nas maos as duas cai- xas-pretas, que so um pouco maiores que caixas de sapato. Fomos direto para o DAC, que também ficava no aeroporto de Congonhas. Deixei cla- ro para as autoridades que a companhia iria colaborar no que fosse possi- vel e que era do nosso interesse esclarecer as causas do grave acidente. A HORA DAS EXPLICAGOES De volta 4 companhia, fui diretamente para o nosso Centro de Atendi- mento e de la comecei a trabalhar com a assessoria de imprensa na prepa- ra¢io da nossa primeira entrevista coletiva, que foi convocada para 0 meio-dia. Havia uma grande demanda da sociedade por informagies so- bre o acidente, desde a pressao pela divulgagao da lista de passageiros, passando pelas questoes de seguranga e até diividas relativas a0 seguro de vida a ser pago as vitimas. Assumi a funcao de porta-voz da empresa e, 20 lado do assessor de imprensa, enfrentei uma multidao de 800 profissio- nais da imprensa. Era uma prova de fogo: nossa preocupacio era dar os primeiros esclarecimentos a sociedade, mas era impossivel ter todas as respostas menos de quatro horas depois do acidente. A lista de passageiros Comunicamos aos jornalistas que nao divulgariamos oficialmente a lista de passageiros do vé0 402 naquele momento. Achévamos bastante 41 sant ease constrangedor afivar um papel com o nome das vitimas numa parede, como se fosse 0 grupo aprovado num vestibular. Tinhamos antes a obri- gigio moral de trabalhar com as familias, numa esfera mais intima. Somente no segunda dia os jornais publicaram a lista, depois de confir- marmos nome por nome ¢ informarmos diretamente os parentes. O nu- mero de telefonemas foi impressionante. Era um véo concorrido de ponte-aerea. Muita gente pegava aquele véo rotineiramente. Recebe- mas maty de § mil chamadas. Todo mundo achava que tinha alguém conhecido naguele voo Os culpados Aquela primeira entrevista coletiva durou cerca de duas horas. O teor das questdes colocadas pela maioria dos repérteres era: “Quem sao os culpados?~. Derxei claro que naquele momento a companhia nao estava atris de um culpado, antes disso tinhamos que dar 0 conforto as pessoas que tinham perdido seus parentes naquela tragédia. Era importante ex- temnar nossa preocupagio nesse sentido, mas ai os repérteres jd comeca- vam a perguntar sobre seguro ¢ indenizagdes. E um tiroteio complicado, mas acho que conseguimos conduzir bem a comunicagao. Era preciso falar mais friamente e com um discurso bastante estruturado: - Nés somos uma empresa de servicos, sentimos muito pesar pelas vitimas, estamos tio comovidos com o fato quanto vocés, vamos dar assisténcia as familias e jd estamos rapidamente pesquisando 0 que acon- teceu para dar uma reposta a sociedade. Nio se pode especular sobre causas de um acidente aéreo horas depois da queda. Para no ser irresponsavel, o minimo que se tem a fazer é ler 0 que dizem as caixas-pretas, analisar as condigGes de vo no momento do acidente, para entio comegar a desenhar 0 que pode ter acontecido. E claro que a imprensa nio tinha nenhuma intengdo de esperar pelo anda- mento das investigagdes, cujo prazo para conclusées preliminares era de no minimo 90 dias. A midia por natureza é ansiosa, quer furos de repor- tagem, quer ter mais ¢ mais informagdes em um volume que é impossivel de ser satisfeito no auge do problema. AERA DO ESCANDALO | Para se ter uma idéia da demanda da midia, realizamos uma segunda entrevista coletiva as 15 horas, cerca de uma hora depois de finalizada a primeira, amanha era a pressio po formagio. Mesmo tendo passado duas horas com os jornalistas, cles sairam da primeira coletiva insatisfei- tos. Pressionaram muito, ¢ entdo voltamos a receber a imprensa naquele dia como uma mancira de tentar saciar a sede por informagées, embora nao tivéssemos nada de novo a acrescentar. Repetimos as mesmas respos- tas. Essa postura em relagio as demandas da imprensa foi muito positiva do ponto de vista da imagem da companhia. Mesmo numa situagao delicada como aquela, a empresa nio se furta- a a0 confronto com a midia. Obviamente, nos momentos em que as demandas cram movidas exclusivamente pela ansicdade, precisavamos falar mais duro: — Nao estamos preocupados com outras questdes agora. O nosso foco nesse momento sio as familias das vitimas, os velérios, enterro, enfim, respeitar aqueles que morreram no acidente. Todas as outras coisas serio respondidas no seu tempo certo. Isso foi positive. Reforgou o ar de seriedade da empresa € também disciplinou aquele processo, que poderia virar um bangue-bangue. O fluxo de informagées também foi muito importante, passou credibi- lidade. Faziamos religiosamente a nossa coletiva de imprensa a cada 12 horas, o que me lembrava a longa agonia do ex-presidente Tancredo Ne- ves, quando diariamente o Brasil parava para acompanhar as noticias do seu estado de satide, mesmo quando o porta-voz aparecia para dizer que nao havia nada de novo. Da mesma forma, toda a populacio estava ligada, esperando noticias do maior acidente aéreo urbano ocorrido no pais, € a companhia cumpriu fielmente sua obrigagio de prestar esclarecimentos. Um cuidado que deve ser tomado por quem vai comandar a comuni- cago no meio de uma crise é cadenciar as informagoes e seguir uma linha Unica. Nao se pode entrar no tiroteio de informagdes. A empresa deve revelar o que é essencial. Mas isso pode ter um efeito colateral: quanto mais se abre a torneira de informacdes mais a midia sai em busca de contetido. E o melhor nesse processo é que a fonte seja a companhia, e nao a concorréncia ou fontes sem qualificagao. Toda vez que a midia exagerar em algo, cabe ao porta-voz voltar ao tema e tentar esclarecer a 43 J MARIO KONA situayao para que 0 assunto volte a niveis aceitaveis de divida. Caso con- tririo, perde-se 0 controle. Como executivo, ji estava habituado a viver sob pressio, algo que s6 passa a ser um problema quando nio se sabe lidar com ele. O porta-voz precisa ser pragmatico quanto as demandas e controlar a sua emogao na medida do possivel. Se havia demanda por mais informacao, trabalhava- mos nesse sentido. O que nio se pode fazer é se esconder, porque 0 risco fica ainda maior do que se expondo: as demandas viram frustrages ¢ af hj outras conseqiiéncias. Uma questo ndo respondida pode virar a man- chete do dia seguinte de um jornal. Desfazer o mal-entendido depois é mil veres pior. NA MIDIA, UM ESPETACULO DE HORROR O acidente do véo 402 virou um show televisivo. Acidentes de avido sdo noticia em qualquer lugar do planeta, mas a queda espetacular de uma acronave sobre duas dezenas de residéncias no meio de uma megalé- da tragédia um prato cheio para a pole como Sao Paulo torna as imagens midia, Dessa forma, 0 aviio destroga-se uma centena de vezcs. As redes de tevé fazem reconstituigdes com animagio eletronica e as repetem exaus- tivamente em seus telejornais. Tudo isso s6 faz prolongar o horror. E claro que um desastre de tais proporgdes provoca todo o destaque da imprensa, mas é inegavel que as catastrofes se converte em um show de imagens que acaba prolongando o clima de emogio. Catastrofe desperta interesse No dia seguinte, 0s jornais destacam cada um dos lados da tragédia - os dramas individuais, as questdes de seguranga ¢ os detalhes mais espe- taculares da queda - como 0 fato de o trem de pouso do aviao ter ido parar no quarto de um casal de velhinhos. As revistas semanais sairam com edigdes especiais jé na sexta-feira, portanto 24 horas depois do aci- dente. A Veja trazia na capa “Morte no véo 402”. A edigao foi uma das 4 A FRA DO LSCANDALO | que mais venderam na historia da revist : 264 mil exemplares foram com- prados em banca. Para dar uma idgia do impacto, vendcu apenas 400 exemplares a menos que a edigio que trouxe a entrevista de Pedro Color, irmio do presidente Fernando Collor, em maio de 1992, cujas declara- gdes levaram ao impeachment. “ Versdes fantasiosas, milagres ¢ herdis A capa da Isto E era a materializagio de alguns de nossos maiores te- mores: “Exclusiv: celular pode ter derrubado o avid”, tendo ao fundo as imagens de desteuic. Jo da rua Lavis Orsini de Castro, Em situagies de gran- de comoyio, qu no a busca frenética pela tilkima novidade aprisiona o olhar da midia, é normal que grandes equivocos venham a tona. O di ilé conviver com essa varidvel sempre presente no rastro das grandes crises. No caso do vio 402, alguns boatos estapafardios ganharam alguma ressonincia na midia gracas & “opiniio” de engenheiros, ex-pilotos, me- cinicos - todos devidamente protegidos pelo off, ou seja, falavam sem ser identificados. Essas “opinides” davam sustentagdo a matérias como a que tentava dar veracidade as especulagées de que um telefone celular ligado teria provocado uma pane eletrdnica que fez a aeronave cair em plena decolagem. Nao culpo nenhuma publicacio por erros durante uma cobertura jornalistica. Também penso que o festival de desencontros du- rante a cobertura do véo 402 nio foi privilégio de nenhuma publicagio isolada. Por outro lado, acho que esses erros deveriam ser muito mais discutidos do que sao, transformando esas discussdes em regras priticas € concretas a serem seguidas em situagdes de crise. A melhor maneira de mostrar 0 comportamento da midia diante da tragédia € transcrevendo trechos da coluna de Marcelo Leite, ombuds- mam da Folha de S.Paulo, profissional da imprensa cuja fungao é exata- mente avaliar os erros acertos dos jornalistas. O titulo da coluna é emblematico: “Pane jornalistica no véo 402”. Eis alguns trechos do texto: Nao é facil dizer onde imperou confusdo maior, se na rua Luis Carlos Orsini, hd dez dias, ou na cobertura jornalistica da queda do 45 ] MARIO Rosa Fokker-100 da TAM. O acidente enlutou a cidade ¢ pds 4 mostra toda a fragilidade da imprensa diante de uma noticia dessa magnitude. Ler tiirios jornais, nos tiltimos dias, nao significou ficar mais bem-infor- mado, $6 mais desorientado. Especulagdes ¢ informagoes contradité- rias voavam de todos os lados. O desastre do vé0 402 foi ao mesmo tempo o inferno e o paraiso de editores e reporteres: um raio em céu azul, comogao do piiblico, demorado sigilo nas investigacdes, enorme complexidade técnica ¢ a reputacéo de uma empresa de renome em jogo. No meio do tumulto, comecou a frenética e cativante busca das “causas*. Qualquer miga- tha de informacéo, mesmo mal apurada ¢ sem confirmacao, corre 0 risco de virar manchete, numa situagao dessas. O jogo se resume a ter uma novidade para fornecer a cada dia, enquanto “o caso” durar. Veja 0 exemplo do celular expiatorio. Aventado desde a primeira hora como emissor das ondas eletromagnéticas do destino, jd estava em baixa uma semana depois... Por vezes, 0 leitor tem a impressdo de que jornalistas nao sabem bem do que estao falando quando saltam de’ falas mecanicas para eletrnicas, bumanas, eletromecanicas, hidrdu- licas, de manuten¢ao etc. A Folha, por exemplo, chegou a anunciar num titulo de alto de pagina - como grande novidade - que o delegado encarregado do caso estava convencido de que ocorrera falha mecani- ca. Mas qual, e por qué? A combinagao de sigilo, emogao e complexidade também é propi- cia é multiplicagao de lendas e raciocinios magicos. Nao faltaram “mi- lagres” ¢ “premonigées”. Afinal, aquele 31 de outubro era o Dia das Bruxas. O piloto José Anténio Moreno foi precocemente entronizado como herdi. Jé na sexta-feira (1°11), 0 programa de tevé Globo Re- porter anunciou que, num suposto didlogo com a torre do aeroporto de Congonhas, Moreno teria dado conta de um desvio para poupar escola da regido. A revista Veja reproduziu a conversa, com aspas € tudo, mas hoje se sabe que o piloto estava ocupado demais e nao tro- cou uma palavra com o controle. Quando hd muitas lacunas numa historia, a tendéncia é preenché- las com imaginagao e fantasia. Quanto menor e mais insignificante a causa, mais interessante ela se torna. O mdximo alcangado, nessa 46 AERA DO FSCANDALO | linha, foi a manchete de anteontem da Folha: ‘Fio partido pode ter derrubado jato'. E bom esclarecer: nao foi encontrado nenbum fio partido. E sé uma hipétese, provavelmente impossivel de comprovar. De qualquer mancira, a possibilidade de um curto-circuito ser respon- savel pelo efeito abre-e-fecha do reversor jd tinha sido arrolada cinco dias antes pelo concorrente O Estado de S. Paulo. O antidoto: a versao oficial A melhor maneira de cortar pela raiz o mal dos boatos é dar periodi- camente a versio oficial. Quando se cria a regra de que se vai passar um informe oficial a cada 12 horas, nao ha nenhum problema se vocé repetir a versao dada na entrevista anterior. As vezes, repetiamos 100% 0 con- tetido da entrevista anterior e os jornais publicavam “a nova versio ofi- cial”. O jornalista ficava satisfeito com 0 aproveitamento de seu trabalho. Quem escuta a mesma versio sempre consegue perceber um novo Angulo para a noticia. Quem nao ouve e acha que perdeu fica saciado. O antido- to contra as especulacées é a informagao. A todo momento é importante reiterar a sua versdo dos fatos, mostrando que é a dnica oficial. E claro que ninguém vai conseguir controlar a midia. A imprensa é live, mas se as posigdes da empresa forem consistentes ¢ as informagdes forem passadas com freqiiéncia e de forma cadenciada, a vontade de es- pecular sobre o assunto vai diminuindo progressivamente. Se por um la- do os jornalistas procuram furos de reportagem, por outro eles tém uma preocupagao com a prépria credibilidade. Nao da para sustentar outras versdes que nao a oficial se elas nao forem consistentes, sob o risco de ser desmentido cabalmente. Ja os milagres e os atos de bravura eram uma faceta que seria explora- da inevitavelmente em se tratando de uma tragédia. Sabiamos que era impossivel controlar esse lado “solidario-novelesco”, que de uma certa maneira respondia as enormes demandas emocionais do momento. Sou muito racional — achava que esse tipo de informagao no somava nem subtraia. Como era uma coisa confortante achar que o piloto tinha podi- do desviar a aeronave descontrolada naqueles instantes finais do véo, eu 47 | st&aro Ross no entrava na polémica, preferia ndo declarar nada a respeito. Nao des- mentia nem confirmava. No entanto, quando era uma especulagao na diregio contraria, que pudesse causar algum dano, ai a empresa se pro- nunciava firmemente. \ O presidente na mira No dia do acidente, troquei um iinico telefonema com 0 comandante Rolim Amaro, o presidente da companhia. Trabalhsvamos ha muito tempo juntos e, dada a confianga, a conversa foi muito sucinta. Ele me pergun- tou como havia sido o acidente, eu disse como estava conduzindo 0 caso ¢ 0 alertei para o forte impacto no pais. Ele disse que precisava dormir algumas horas, pois estava pilotando sozinho. Sé entio ini jou a viagem de volta ao Brasil, que deve ter sido terrivel. Nos, que estavamos aqui, encaramos os fatos com adrenalina a mil, cuidando de tudo. Ele, nao. Estava longe, sem poder fazer nada. Ocomandante Rolim chegou na sexta-feira cedo a Sao Paulo e concedeu a primeira entrevista coletiva as 13 horas. Obviamente, a carga emocional de suas declaragées era muito maior que as minhas ou a de qualquer outra pessoa da empresa. Ele personificava a companhia. Enquanto eu conseguia controlar minha emogao € me concentrar no fato, ele misturava as coisas, trazia uma carga emocional maior. Por outro lado, o Brasil queria escutd-lo e ele nao se furtou, por mais duro que tenha sido aquele momento. A primeira pergunta de uma repérter ao comandante Rolim foi muito agressiva: ~ Vocés dizem que entendem de cliente, mas isso quer dizer que vocés nao entendem de aviao e por isso a aeronave caiu? Era um golpe no figado. A jornalista batia justamente na filosofia da empresa, que estava em véo ascendente por causa do diferencial de servi- 0, de oferecer um tratamento vip a todos os passageiros. A resposta a um ataque desse precisa ser forte, nao se pode titubear. O comandante rebateu assim: - Quem diz isso é vocé, no eu. Nés, a empresa, dizemos o seguinte: a TAM respeita seus clientes e somos uma empresa muito segura. 48 AERA DO ESCANDALO | © comandante reafirmou que a qualidade do servico nao era em detri- mento da seguranga € provou isso com dados da empresa, mostrando todas as nossas ages nas duas esferas. E 0 tipo de coisa que tem que ser cortada na hora. Um conselho importante: cuidado com as cascas de ba- nana colocadas no caminho pelos repdrteres, um escorregio pode ser fatal. Cada duivida tem de ser respondida imediatamente, cortando o mal pela raiz. SEM PLANO DE VOO NA EMERGENCIA Aempresa nao tinha um plano de gerenciamento de crise, guias que os americanos, por exemplo, tanto prezam. As companhias aéreas norte- americanas possuem manuais de crise que servem de bissola quando se véem diante de desastres como aquele do véo 402. Nao tinhamos nada estruturadamente 4 mao a nos guiar no primeiro momento. O que tinha- mos era a sensibilidade mercadolégica de uma empresa de servigos. Gui ado pelo bom senso, fui dando ordens claras e que eram imediatamente aceitas ¢ colocadas em pratica porque eram dbvias e inquestionaveis. Quando eu ligava para um funcionério para saber como as coisas esta- vam no seu setor ou para checar o andamento de uma tarefa — fosse no hotel, no Centro de Atendimento ou no IML - as respostas eram muito boas em termos de gerenciamento de crise: — Estou aqui, esta tudo em ordem, deixa comigo! As pessoas obedeceram militarmente as ordens ¢ foram construindo tudo que era necessirio, mesmo diante de todo o abalo psicolégico. A primeira experigncia positiva da tragédia é a seguinte: Qualquer que seja a crise, se houver alguém dando ordens claras € fortes, as pessoas seguem. Depois de mais de 17 horas administrando a crise, la pelas duas horas da madrugada retornei para casa para tentar dormir. Mas obviamente ninguém conseguiu: tanto eu quanto outros executivos voltamos ao aero- porto por volta das quatro horas da manha de sexta. Durante aquela longa noite, eu comecei a me inquietar com uma questao: — Sera que esquecemos de fazer alguma coisa importante? 49 [ Mime Kose Logo cedo no outro dia me ocorreu que a empresa no tinha um ma- nual de gerenciamento de crise. Pedi a um funcionrio que entrasse em contaro com alguma companhia aérea internacional de grande porte que para momentos como aquele. Ji tivesse tragado um plano de agi Cadé 0 manual? Ligamos para a American Airlines, que nos mandou prontamente o seu manual ~ um “crisis management plan”. Sem que pedissemos, eles também ji rinham enviado um técnico da companhia, um funcionario especializado em gerenciamento de crise para nos auxiliat. O profissional da American j4 estava a caminho do Brasil e 0 manual foi passado via fax €m poucos minutos. A presteza com que fomos auxiliados serviu de para- ‘metro para nossa conduta diante de acidentes envolvendo outras compa- nhias. No futuro, fariamos 0 mesmo para ajudar empresas aéreas na América do Sul, como a Lapa, companhia argentina. Quando era infor- mado de um acidente aéreo, ligava para o presidente da empresa e colo- cava nosso time & disposigo: mandavamos nossos técnicos as nossas custas para auxiliar no que fosse preciso. Nessa hora é importante ser solidério e dividir experincias. Quando chegou o manual americano, como eu estava muito preocupa- do se tinha ou nio esquecido alguma coisa, devorei-o em minutos. Incrivel, mas intuitivamente nds acabamos fazendo quase tudo que deveria ter sido feito numa situagao de emergéncia como aquela. O manual dizia assim: © Arrume um hotel para os familiares - confine-os em um lugar sé. © Dé entrevistas coletivas imediatamente. © Monte um centro de atendimento e informacao. ¢ Nao deixe os véos pararem. Havia todo o passo-a-passo. A medida que ia lendo, fui me tranqiiili- zando, porque, agindo com bom senso, sem ter nada por escrito para me guiar, tinhamos dado conta do recado. No final, s6 haviamos esquecido jo AERA DO FSCANDALO | de uma coisa: prestar assisténcia religiosa, colocando padres, pastores € rabinos no Instituto Médico Legal e no hotel. Faltou o padre Ao acabar de ler 0 manual da American Airlines pedi que meu pessoal chamasse religiosos para dar apoio espiritual aos familiares das vitimas. Comegaram a chegar informagées de que nossos funcionarios destacados para dar apoio as familias estavam ficando muito desgastados. Era preci- so entender o processo. Os parentes das vitimas precisam dividir a dor e absorver uma morte to violenta. No comeco nao querem acreditar, pre- cisam falar do assunto. O funciondrio da companhia certamente nao é a melhor pessoa para reconfortar a familia, afinal esta identificado com a empresa, que em Ultima anilise é a responsavel pela tragédia. S6 tive tal percep¢ao ao me confrontar com a experiéncia dos americanos. O funciondrio nao esta preparado para a dificil tarefa de ajudar psico- logicamente pessoas to abaladas. Por maiores que sejam a boa vontade € 0 real sentimento de pesar, o empregado da companhia nao vai conse- guir oferecer nada de diferente As familias das vitimas. Nessa hora, s6 0 padre. Entao, no segundo dia providenciamos a presenga de religiosos junto as familias, tanto no hotel quanto no IML. Nao paramos ai. Fomos além do manual americano, Mandamos tam- bém varias psicdlogas, profissionais do Laboratério de Luto da Pontificia Universidade Catélica (PUC), de Sao Paulo. Era um outro tipo de confor- to, j4 que estavamos caminhando para um outro momento bastante com- plicado — no dia anterior tinha sido feito o reconhecimento dos corpos mais faceis de serem identificados. Daquele momento em diante 0 reco- nhecimento dos corpos ia ficando mais dificil, o que fazia aumentar a ansiedade e a dor dos familiares. Era preciso dar uma assisténcia psicolé- gica e espiritual maior. O clima foi ficando cada vez mais pesado. Come- gavam a mudar os sentimentos: da dor passa-se a irritagdo. E natural que os familiares das vitimas queiram 0 corpo, sintam neces- sidade de velar e enterrar os mortos. Ritos importantes para a aceitagio. Em alguns casos esse processo durou alguns dias e s6 foi possivel com 0 SI | Manto Rosa resultado de exames de DNA. Num processo tio delicado, cometemos um equivoco, que foi logo descoberto - 0 corpo de uma tripulante foi identiticado como sendo o de um passageiro de fora do estado de Sao Paulo, Foi preciso realizar testes de DNA para que pudéssemos trocar os corpos e as familias realizarem os respectivos enterros. O que nao estava no manual Foi muito importante checar cada uma das nossas agdes segundo pa- t4metros internacionais. Mas é interessante notar as diferengas culturais. Os americanos, por exemplo, so muito pragmaticos. Nos, brasileiros, temos que lidar com uma carga emocional muito maior. Como a compa- ohia tinha feito tudo que estava no manual, o funcionario da American Ailines tentava nos convencer de que nao deveria ser feito nada além daquilo. Eu contra-argumentava: li pode ser assim, mas aqui é um pouco diferente. As pessoas tem sangue com temperatura. Apesar de algumas diferencas de concep¢ao, a troca de informagées foi muito importante. A grande ajuda dos americanos foi mostrar que estavamos no cami. nho certo. Eles referendaram nossas decisdes. No final, teriamos tido esse feed back da propria sociedade, mas num prazo maior. Mas ter logo a confirmagio é melhor, até em termos de autoconfianga, imprescindivel ‘num momento como aquele. Avalio que nossa atuado foi afirmativa. O fato de nao parar a com- panhia deu uma enorme credibilidade interna e externamente. Precis- vamos passar para a empresa que o acidente era um fato isolado. Se todos os véos tivessem sido suspensos e ficdssemos dois dias sem voar, seria muito dificil colocar o primeiro aviao de novo no ar. Haveria uma duvida martelando na cabeca de tripulantes e passageiros: € esse aqui? E seguro? Do ponto de vista das equipes internas, houve nos meses seguintes um desligamento dos quadros da companhia. Foi uma carga emocional mui- to forte e algumas meninas nao conseguiram continuar, 0 que nos forcou a cobrir rapidamente as vagas. Houve uma reducao de 10% do quadro. Na época, umas mil aeromocas. O perfil eram jovens de 18 a 25 anos, AERA DO ESCANDALO | que estavam fazendo trabalho tempordrio. Nao era uma escolha para a vida inteira, Quando se viram diante de uma situagdo como aquela, na- quela fase de suas vidas, foi natural que desistissem e buscassem outros caminhos. Mas acho que a forca das equipes naqueles dias foi fundamen- tal, Nao parar foi uma decisio correta. © fato de termos dado assisténcia as familias logo de saida também foi essencial. Juntamos todos no mesmo lugar e criou-se uma espécie de grupo de auto-ajuda. Um falava com 0 outro sobre o ente querido que tinha perdido, dividiam a dor. A ausén do padre nés corrigimos rapi- damente. Nossa postura chegou a ser elogiada na edigao da Veja daquele final de semana. Um trecho da reportagem da revista dizia o seguinte: Na sexta-feira, quando o comandante Rolim chegou ao Brasil, te- ve uma agraddvel surpresa: seu pessoal se saira muito bem. Os véos decolaram com lotagao quase normal, as agdes comecavam a se recu- perar, com um aumento de 6% naquele dia, contra uma queda de 22% do dia anterior. \ O CusTO E OS IMPACTOS Um acidente de aviao custa USS 1 bilhdo, segundo estimativas inter- nacionais do setor de aviagao civil. Nao se trata do custo da aeronave, que é 0 de menos, pois o seguro cobre os danos, assim como as indeniza- des aos familiares das vitimas. O que se perde é imagem, perde-se recall — passa ano entra ano, as pessoas voltam a falar no assunto. No dia 31 de outubro a perda de passageiros nos vos da companhia foi pequena, mas nos dias seguintes a coisa foi aumentando. Nas duas primeiras semanas apés 0 acidente, operamos com trafego aéreo muito baixo, registramos uma queda de 70% no numero de passageiros. Mes- mo assim a ordem era que todos os véos decolassem, com ou sem passa- geiros. Decolava aeronave sem nenhum passageiro a bordo. Obvio que isso acarretava prejuizo financeiro, mas naquela hora a nossa preocupa- cdo era outra, estavamos com os olhos voltados para a imagem que esta- tiamos passando naquele momento tao delicado. Parar de voar seria um 533 MARIO ROSA PScimo sinal, Voar vazio ¢ melhor do que perder em imagem — um custo infinitamente maior, porque pode ser irrecuperdvel. A queda no rrafego aéreo ¢ uma das conseqiiéncias imediatas de um avidente, com reflexo em todas as companhias ¢ ndo apenas naquela en- volsida diretamente com 0 fato. Na época, realizvamos uma média de 400 vans todas os dias. No ano 2000, alcangamos a marca de 700 véos por dia. A companhia nunca parou de crescer € soube superar um mo- mento critico. Aconteceu o acidente, todas aquelas pessoas morreram, mas nds tinhamos de brigar pelo nosso direito de sobreviver como em- Presa. Queriamos continuar atuando e prestando um bom servico. Uma companhia que ndo tivesse essa garra, essa pujanga, talvez fechasse apés o episédio. No pregio da Bolsa de Valores de Sao Paulo as agdes da TAM despen- caram 22% no dia do acidente. Mas ao final do ano, dois meses depois, fechamos com uma valorizagio de 100%. No balanco de 1996, a empre- sa computou o dobro do faturamento em relacao ao ano anterior. Uma facanha ainda maior em tempos de administrar as conseqiiéncias de uma tragédia de repercussio nacional. O acidente do véo 402 ocorreu no mo- mento em que a empresa se preparava para novos véos. O comandante Rolim Amaro estava indo negociar nos Estados Unidos a compra de seis novas aeronaves. A ampliagao da frota era pré-requisito para entrar nas rotas internacionais ¢ fortalecer a nossa posigao no mercado interno. LICOES DA TRAGEDIA Prueira Licdo: Nao economizar esforgos para descobrir as causas Continuamos a trabalhar para rapidamente descobrir as causas do aci- dente, As equipes técnicas corriam atrds das possiveis explicagées técni- cas. Os engenheiros viravam noites tentando descobrir que falha havia provocado a queda do avido. Liam e reliam as informagées das caixas- pretas. Uns cinco dias depois jd tinhamos um bom caminho a seguir. E um tempo recorde em termos aeronauticos, uma coisa fantastica. O esforco € a vontade eram tao grandes que ninguém do setor ia dormir, Ficavam AERA DO EscANDato | todos ali, trabalhando diuturnamente. Tinhamos uma dica muito boa de um mecanico da Lider que viu 0 reverso do aviio abrir em plena decola- gem. No comeco achavamos que era histéria da Carochinha, nunca ti- nhamos ouvido falar em coisa semelhante na histéria da aviagdo, mas dada a qualificagio do mecanico, que era especialista em motores, perce- bemos que a informagio era quente e ele nao estava falando bobagem. O mecinico desenhou uma trajetéria visual do avido que batia com a descrigao da caixa-preta. A histéria dele foi ficando bastante consistente. Fomos perseguindo essa pista. Nossa equipe de engenheiros era muito boa ¢ um deles reve um estalo e descobriu teoricamente qual teria sido a pane a partir das informagaes do mecanico e da leitura das caixas pretas. Como tinhamos um avido em revisio no hangar, fomos simular a pane em uma acronave parada para verificar se podia acontecer de novo a abertura do reverso numa decolagem, Para que uma pane daquelas acon- tecesse era preciso que uma série de fatores fossem se somando, em ca- deia, o que no era uma coisa trivial. Mas pagamos pra ver. O reverso é um sistema que se abre na turbina logo apés 0 pouso e funciona como freio auxiliar do jato. Trata-se de um sistema comum, testado e aprovado ha décadas. A chance de uma pane como aquela acontecer era infima: uma em um bilhao. Numa das noites, j4 no sexto ou sétimo dia, os engenheiros da TAM conseguiram simular a falha no hangar - 0 reverso abriu e fechou diante dos nossos olhos em plena simulagdo de véo. Ficamos perplexos por ter- mos conseguido. Imediatamente ligamos para o érgio europeu de segu- ranga, com sede na Inglaterra, ¢ para a fabricante do jato, a Fokker (empresa holandesa). Comunicamos a gravidade da descoberta: ~ Identificamos um problema, precisamos de vocés aqui, porque pro- vavelmente essa nossa descoberta vai gerar uma modificacao em todos os avides do mundo e nao somente nos Fokkers. Outros avides usavam um sistema de reverso parecido. Provavelmen- te, podem ter ocorrido outros incidentes como aquele sem que jamais tenha se descoberto. Sé conseguimos chegar a causa porque o acidente aconteceu em um jato que estava decolando de um aeroporto como o de Congonhas e ter sido testemunhado por um mecai la dica foi fundamental. 0 de motores. Aque- 5S | MARIO ROSA ‘Mas a coisa no era simples. Tanto que, quando os técnicos europeus chegaram ao Brasil, os engenheiros da companhia ndo conseguiram re- produzir, de cara, a pane. Era incrivel: 4 noite, sozinhos, conseguiamos fazer o reverso abrir, mas, no dia seguinte, quando eles chegavam, a coisa no funcionava, Isso aconteceu duas vezes. Eles j4 estavam achando que éramos malucos. Nés também nao estavamos entendendo mais nada. Até que um mecanico deu um palpite ¢ disse que a culpa era da luz. Um engenheiro logo descartou tal possibilidade, dizendo que a luz do sol nio tinha como interferir numa pane eletrénica. Mas ai ca ha: poderia ter relago com a temperatura. Entio chamamos 0s técnicos para ir ao hangar 4 noite € a pane nova- mente se repetiu diante de todos. Fechamos a questo: quando a temperatu- ra baixava dos 21 graus o sistema falhava ea pane ocorria. Se os termémetros marcassem mais de 21 graus naquela amena manhi de outubro, o PT-MRK no teria caido! A pane nao se repetia acima dessa temperatura. Os termé- metros marcavam 20 graus em Sao Paulo na hora do acidente. prensa, mas foi levado ao co- Isso nao foi divulgado, nao saiu na nhecimento do fabricante. Tinhamos como causa daquele acidente uma sucessio de pequenos defeitos em um sistema que, até entao, se imagina- va a prova de panes, somado a um fator ambiental. A jungao de todos esses fatores originou uma tragédia daquelas proporgdes. Somente a par- tir daquele momento comesamos a nos traniilizar. Imediatamente man- damos checar a frota inteira. O risco de a mesma pane novamente acontecer em um dos nossos avides era zero dali em diante. No final de novembro saiu um relatério preliminar do DAC, de sete paginas, mostrando que tinha havido falha elétrica no Fokker-100, que era de responsabilidade do fabricante. A explicacao mais provavel do acidente era um defeito em um relé que aciona o reversor. Por causa da falha, o aparelho abriu-se na decolagem, tirando velocidade do avido e causando sua queda. No dia 7 de novembro, a Fokker ja havia divulgado um documento com novas normas de seguranga a serem aplicadas em toda a sua frota mundial, com base no que ocorreu naquele fatidido dia 31 de outubro de 1996 com o Fokker-100 da TAM. Na aviacao, os aci- dentes sdo pesquisados a fundo e cada investigagao contribui para tornar o avido um meio de transporte cada vez mais seguro. . 56 4 ERA DO ESCANDALO | SEGUNDA LICAO: E extremamente dificil explicar aspectos técnicos Tinhamos o interesse empresarial e a obrigagao moral de dar uma satisfago 4 opinio piblica. Mas era extremamente complexo explicat as causas técnicas do acidente. A pane sé fazia sentido para quem estava familiarizado com a linguagem da aviagio, como engenheiros aeronduti- cos, pilotos, enfim, gente do ramo: era algo como dizer que a impedancia do solendide entrou em looping no sistema. Ninguém de fora consegue entender isso e traduzir é quase impossivel. Explicamos entdo que houve uma auto-interferéncia no sistema, que em dadas condigdes muito especificas poderia ocasionar a abertura do reverso ~ invertendo a légica do sistema, que inclusive contava com uma protesio para evitar que 0 reversor funcionasse em vdo. Era uma coisa séria do ponto de vista aerondutico e foi identificada gragas ao acidente. O mais importante a dizer é que, uma vez detectada, ndo voltaria mais a acontecet ‘Tentamos simplificar as explicacdes das causas do acidente da seguin- te form: — Uma auto-interferéncia foi constatada e imediatamente consertada em todos os avides da nossa frota, isso nao vai mais acontecer. TeRceina LIcko: Nao dé para se eximir da culpa Um acidente é um fardo pesado que qualquer empresa de aviagao tende a carregar por muitos anos. Mesmo tendo sido detectada a causa ¢ provado que a empresa nao era responsavel diretamente, nao da para eliminar a culpa da companhia. Sempre que se tentava bater nesta tecla, soava falso. Eramos co-responsaveis. Mesmo diante das evidéncias de que a causa do acidente era um problema do fabricante, que a compa nhia nao tinha responsabilidade direta, nao poderiamos jamais nos exi- mir da culpa. Quarta LIcho: O funciondrio pode ser um grande aliado Um grande aprendizado de todo esse processo foi a importancia de alcangar o publico interno. Fizemos uma comunicagao forte e eficaz com 37 ion da compan, de todos 08 setores. Pattiamos do prine; npecgades fevavam informagso para fora, genet rcidos, no iriam convencer ninguém, Participes Pe encontros com diversas equ pes de profissionais, explicando do le saris encontor Tyas do acidente. Mostrava a pega responsive) ceverso c pela queda do jato— uma peca que custa Usg Ae aecrvnrenipo.eeiteramas que 2 pane no iria mais se repetis, que wages vénciae de seguranga tinham sido tomadas. Enfatizivamos o uum acidente de probabilidade estatistica minima Que a probabilidade maior de acontecer serin os funcionit pio de que noses parivessem cOnve aio thadamente abertura do rc' as pro tw de que aquele era uma falha em um bilhdo. stados Unidos, pelo enorme trafego aéreo que acaba puxandy an x eee desfavoravelmente para o seu territorio. Era totalmente inex perado que acontecesse justamente no Brasil, em Congonhas e num vig nobre de ponte-aérea. Passivamos ainda uma mensagem de otimismo, de que estavamos cui- das vitimas, que estévamos cuidando da empresa ¢ dando das fami que tinhamos que s = Aconteceu 0 des empresa. Nio podemos parar. Lm grupo de funcionarios que mereceu nossa especial atengio foi o eguir em frente. re, vamos cuidar das pessoas ¢ cuidar da nossa dos pilotos. Tio logo comprovamos a pane no hangar, chamamos nosso grupo de véo, que ji estava nos apoiando fortemente. O piloto é um animal interessante. Ele, mais do que qualquer outra pessoa, precisa estar muito seguro quando esta voando. Claro que eles estavam entre os mais interessados em saber as causas do acidente. Os pilotos tendem a prote- ger 0 colega e achar que foi a maquina que falhou. Nunca o homem. Se reconhecem que a falha é humana, reconhecem que eles também tém fraquezas. E natural. Mas as estatisticas demonstram que, em 90% dos acidentes, a falha é do homem e nao do equipamento. Nesse caso especi- fico, foi a maquina. y A GUERRA JUDICIAL vis aera retornou ao Brasil, o presidente da companhia passou 4 isitar ili rs : : as familias das vitimas do acidente. O planejado é que fosse levar 58 os pésames pessoalmente a todas as 99 familias disso. Foi atropelado pelo fator tempo. Nas p dos acontecimentos, a demanda d mas cle s6 cumpriu 80% rimeiras visitas, no calor ‘AS pessoas cra por solidariedade. Con- forme os dias iam passando ~ © 36 era possivel fazer no Maximo sete visitas por dia ~ as demandas mudavam e passavam para a esfera i Quando ele chegava a uma casa, o advogado jé estava presente, 0 que fugia do objetivo, que era levar conforto. Se era para discutir as questées legais, que fosse 0 advogado da companhia © nio o seu presidente. O comandante Rolim se propds de coragio a fazer as visitas, mas a partir de certo momento as visitas se tornaram inoportunas. E quando comega a segunda crise provocada pela tragédia e que tem uma duragio maior: a questio do valor das indenizagdes aos familiares. Feito 0 reconhecimento de todos os corpos, a companhia comegou a trabalhar junto 4s seguradoras. A principio, a posigio das empresas de seguro era a de que deveriamos seguir estritamente 0 que dizia a lei e pronto, Nos reagimos com forga ¢ fechamos a questio de que a TAM ofereceria as familias dez vezes mais do que o estabelecido na Iegislagio brasile ‘a, Nao da para chegat para a sociedade ¢ dizer que irfamos pagar apenas o que estava previsto em lei, que eram USS 15 mil. Nossa oferta inicial as familias foi de US$ 150 mil. Aqui surgi’ um grande problema: nossa proposta tinha que ser Gnica, nao havia como a propria empresa arbitrar ¢ oferecer valores diferentes por passageiros e dizer que uma vida valia mais que outra. Tentamos ex- plicar para as pessoas que esse, na verdade, era um procedimento mun- dial. Todos os acordos eram feitos em Londres, onde fica a sede do drgio regulador. De saida conseguimos multiplicar por dez 0 que a seguradora estava disposta a pagar. Era uma excecao que estavamos criando, em res- peito as pessoas. Tanto é que a nossa postura abriu um precedente e ou- tras companhias envolvidas em acidentes ocorridos em varios lugares do mundo seguiram essa linha. Quebramos esse paradigma, mas nao conseguimos convencer todas as familias. Deixamos claro que quem concotdasse faria um acordo amiga vel naqueles termos. Para quem nio ficou satisfeito o caminho era a Jus- tiga — 0 juiz iria decidir valores, fazer os calculos dos ganhos durante a vida produtiva de cada uma das vitimas. Nos prontificamos a ajudar as familias a fazer a conta, para saber mais ou menos quais eram as referén- cias e assim poder tomar as decisées. 59 panto 208 ier a quescio omar FIPIde persive tte aa era fe ie aise frés anos. OF primenrey en Jay sutumay dcuntecent uns der dha. shane 9 interesse da er : py evrenden-se POF A mas 0 proves oe oy on representantes dts 11M r vam ae Jepor do acidente, Alzumay nultay aglanscamse, cote s - havia sonses entre es ad ad a se ennheciam, Nan haya ser . tbvepadias sae sles arinada, J, 1 ates ac fate de gue & seme OM todo g rhoan nae ha. empress ueria negicta, Mantras : adios oir: undo, may alguns abvopaders 7 ban yin nenhum autre ase semelhany hem menores, em outta C2 erie Para com Os cuir acidentes foram te mes pais As vidwas da TAM 2 awonnacie enada betes de ae mulheres que tema A questo fugia a6 oe pelas *yavas da TAM. come tate Poa emphcande ¢, om sted tec idea indentzagio ne fin wda recet ram a dianteira da briga Hove geem entrasse com algunscasos, as familias nav Bases ia d2quela wera nen de 2002, As ages attida estas halanyeperal guecit ro Um prenesse furs procesos no extenior Ne tayie imial se dew mal du proce de Ag final, 4 sen aa adiegadus eden ox guste judi do Brasil implica custas bem raze tenga nos Estados Unidos, quand de al, Pera pioran a Jus ficou bem prosuma aun valores ds 200 ferrae rien sawn ent gee hava filhus the tiga brasileira ainda causou pr nores. Era preciso estabelecer tutores, ou wea, gents deu ing crnbulada yan pela via judicial desnecessiria. Se do ponto de vista estritamente fatne njo foi a mais proveitosa para ay familias day 9 espiritual nao sei avalise, Cada um € que pode 5! poue ter tido umn efcito positive do ponto de direitos. £ claro que havia um dilema para aguelas pes dinheiro ou pelo dircitu, Essay questoes ficaram tniyturadas Conseguiu fazer metade dos acordoy amupivery. Na maratia dos cases 4 seguradora pagava rapidamente. Em outros, quando apsreceu alguma ade vinta mot sputa judicial de estar bnigande por Brigat pelo Aceniparda 60 canmpheayden a PIUPNA etnprens pager ann tambaree when a ecquradora naqiuela linha de rower Sa arin depen ran ay oe penaivel mace pasen, » Pane na comunicagan dos ditciten wahtando a situagin inamente, ache, Sa + Ake que a empresa falbou na com meagio dos dirertns are famutares daa dinheiro diante da perda tar sade claro que a soluy do movimento das vii timas fea dolotnts falar ¢: SERIES ww lenta, max devetiamen tet des

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