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_T_T_T_——— ee 4 lrandé Antunes ANAUSEDETEXTOS fundamentos e praticas O que se ensina na escola acerca do texto? Muito pouco! S6 muito recentemente se vé uma ou outra mencio a questées da coesio, da coeréncia, da intertextualidade, da relevancia sociocomunicativa, da im- plicitude e de outras propriedades do texto. No momento, um dos desafios para os professores é descobrir o que incluir em seus programas de estudo da lingua, para além da simples repeticao das categorias da morfologia e da sintaxe. Sao bem oportunos todos os esforgos por orientar e apoiar o trabalho dos professores em torno das questGes textuais, sejam questdes de sua producio, sejam de sua compreensiao. A exploragdo dessas questées pode contribuir muito para que o professor va descobrindo como am- pliar seus programas de estudo da lingua e, melhor dizendo, como preencher suas previsées de estudo com questdes que sido, de fato, relevantes para a ampla e atuante educacao linguistica de seus alunos. E o que Irandé Antunes faz neste livro: explorar questées do texto coeso, coerente, relevante e adequado contextualmente. | | MWUOr Leni 788579"340222) ee Estratégias de Ensino 1. Qensino do espanhot no Brasil Joti Sedycias [org,| 2. Portugués no cxsino méaio e formagio do professor, Cleelo Bungen & Marcia Mendonea orgs.] ineros eatalfsadores — letranuenta formtaedo do professox Inds Signorink [org.| 4, A Jormeecio de professor de portugnes — que inguc vunos ensinar?, Paulo Coimbra Guedes 5. Muito alésn da gramétiea — por um ensino de tinguus sem pedbas no cesninh, irandé Antunes 6. Ensinar o brasileiro — respostas a 50 yeryuntes cle professores de lingua materna, Celso Perrarez] 2. Semdntica pera a edueagao bisiea, Celso Ferrarezi O professor pesyisador — introducco & pesquisa qualitative, Stella Maris Bortoni-Ricardo 9. Letramento emt ta, Maria Cecilia Mollica & Marisa Leal 10, Lingua, texto e ensino—~ outra escola possivel, trandé Anttes 11. Ensino e aprendiziagem de tinguut inglesa—conversas com espeetulistas, Didgenes Candido de Lima (ory,) 12. Da vedaedo escolar ao texto— 1am manual de retacdo, Paulo Coimbra Guedes 13, Letranrentos miiltiplos, escola v inetisio soetal, Roxane Rojo TA. Libras? Que lingua éessu2, Andrei Gesser 15. Dickética de Hinguas esirangvivas, Pierte Martine (6.4 pales ¢ a sontenga — estude introdutirio, Ronaldo de Oliveira Batista 17, Colsas que todo yrajessor de portugues previsa saber. Laciano Amaral Olivetra 18. Géneras testuais & ensino, A. Paiva Dionisio, A. R. Machaclo, M, A, Bezerra (orgs.) 19. As cadeias do texto — construinda sentidos, Chiudia Ronvarati 20, Prortvgao iextial na wniversidade, Désirée Motta-Roth, Gracicla Rabuske Henclzes 21, Anatise ie textos — fundamentos e priitieas, Irandé Antunes 22, Diviondrios eseolares —~ politica Marcos Bagno (orgs,) 23 Inglés em escotas pibticas nie funciona’, Diogenes Caradido de Lima (org) 24. Diciondrios na teorla e na prética— como ¢ para quem sito feitos, Claudia Xatara, Cleci Regitva Bevilacqua, Philippe René Marie Humblé 25, Génervs textuais— reflences eausing, Acie Mario Karwoskd, Beatriz Gaydecra, Karim Siebencicher Brito (orgs.) 26, Letranientos de eextstencia— poesia, graft, mvisien, dena: Jorinas & uses, Orlene Laicia de Sabéia Carvalho, ‘hop, Ana Liicia Silva Souza 27, Pesquisar no labivinto— a tese, um desafio possivel, Francisco Perujo Serrano re ae AG3bq andé Antunes ANALISE DETEXTOS fundamentos e praticas MN 124121211 | Camm neoroRneko: Andiéia Custodio Ruwsho: Marcos Bagno Eotron: Marcos Marcionilo © Eorrowat; Ana Stahl Zilles [Unisinos} Carlos Alberto Faraco [UFPRI Egon de Oliveira Range! [PUC-SP] Gilvan Muller de Oliveira [UFSC, Ipol] Henrique Monteaguco (Universidade de Santiago de Compostela] Kanavilil Rajagopalan [UNICAMP] Marcos Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UFES) Rachel Gazolla de Andrade [PUC-5P] Roxane Rojo (LUNICAMP] Salma Tannius Muchail [PLIC-SP] Stella Maris Bortont Ricardo [UnB) ‘CHP-BRASIL. CATALOGACAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 672 Antunes, taneé, 1937: Aaalise de textos :fundarentos e priticas/ ian Antunes. « Sie Paulo: Pardtsols Edcorial, 2010, (Cstratégias de ensino, 21) Inclu biog afia ISBN 978-85-7934-022-2 1. Lingua portuguesa~ Compusicao & exercicios-Estude ¢ ensino. 2.Andlise do discurso, 3. Linguagens e linguas- Estudoeensino 4. Linguistica -Estuco eensino, | Titulo. Il Série. 10-3916, cbo-4698 DU 811.134,3'42 Direitos reservados a Parébola Editorial Rua Dr, Métio Vicente, 394 | Ipiranga 04270.000 Sito Paulo, SP ppabx:[11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax:{1 1] 2589-9263 home page: www,parabolzeditorial.com.br ‘e-mail: parabola@ parabolaeditorial com,bor Todos os direitos reservados, Nenhuma parte desta obra pode ser weproduzida ou transmitida por qualquer forma efou quaiquer ineios (cletronico ou mecanico, incluindo fotocopia © gravacde) ou arquivada {env clalquer sisterma ou bance de dados sem: perinissao por ecestte da Parabola Editorial Ltda ISBN:978-85-7934-022-2 Tedicae, 1 reimpressso:setembro de 2011 -conforme novo acordo e:togndfico da Lingua Portuguesa © do texto: trandé Antunes © da edi¢éo brasileira: Pardbola Editorial, S40 Paulo, setembro de 2010 A cada dia que vivo, mais me convenco de que o desperdicio da vida esti no amor que nio damos, as forgas que nao ssamos, na prudéncia eguisia que nada arrisca, ¢ que, esquivando-nos do sofrinento, perdemos também a jelicidade. (Drummond, Definitivo) A Joao Antunes Vietor, um pedacinho de vor que veio fazer parte da grande sinfonia do interdiscurso humano. Sumario Sobre peines ¢ linguagem Marcos Bagno Introdugao ... 3 Cartivi | Uma visio suméria das priticas pedagdgicas de andlise de textos... At Caritio 2 Nocées preliminarcs sobre o texto ¢ suas propriedades.. 2.1.0 conceito de texzualidade. 2.2. O conceito de texto wee WO Crphuto 3 Questies envolvidas na 3.1 Por que aalisar texto lise de textos. Ab 2.0 quie € que se fav quando se analisa um texto? . 49 33 Com que finalidades se deve fazer a andlise de textos? ... ses 50 3.4 Que textos analisar? 3.5 Que elementos analisar? 3.6 A Ina de que principios analisar? 3.7.0 que eyitar nossas atividades de anise de texto? 3.8 Como analisat textos ou que procedimentos de anilise adtar? sen 6 Carico 4 Fundamentos para a andlise de textos: 0 foco em aspectos plobatis.... 65 4.1 O universo de referéncin.. 66 2 A unidade semartica ses snme 67 43 A progressio do tema... se sone 68 4.4 O propésito comunicativo ee 6 4.5 Os esquemas de composicio: tipos e géneros sos 70 46 Arelevancia informativa ...... 4.7 As relagdes com outcos textos Cavin § Praticas de andilise de textos quanto a sua dimensio global ene 19 5.1 Andlise do comentario “A mereadoria alucinégena 80 5.2, Andlise da erdnica “Talver o dltimo deseio” 8 3. Anilise da fibula “Os urubus ¢ os sabias” ‘+ Anilbe do texto exposiivo “A geografa linguistica no Brasil™ 5. Anilise do poema A missa dos inocentes 103 109 5. 5 5. CaprTuLo 6 Fundamentos para a anilise de textos: 0 foco em aspectos de sua construgio 6.1 A Coesdo © COLTENEI a sreeseen 6.2. Os tipos de nexos textiais nace sos 118 6.3 Recursos de constituicdo dos nexos textuais. 121 Cavire.o ? Praticas de analises de textos quanto a aspectos de sua construgao.. 143 7.1 Andlise da fabula “Os nrubus e os sabis 44 7.2. Anilise do texto expositivo “Quinhentos anos de histra inguistica” 7.3, Anlise da erOnica *Nés, 08 brasileit0s” snes nee 164 7.4. Andlise do comentario “O maiti 170 174 7.5 Ea gramética na eonstrngio desses textos: culo € 0 miniscule” srs Carituto & Fundamentos para a andlise de textos: 0 foco em aspectas da adequagio vocabular....177 8.1 A relevancia da adequagéo vocabular 1 8.2 Uma questio fundamental: o critétio da associacio semSntica entre as palavras do texto . 8.3 As. palavras e suits combin ages ‘prelerenciais . UT LeXCO 179 180 8.4 O uso de sinénimos vase 181 8.5. O so de hipordnimos.... 183 6 A questdn dos vocabularies téenicos 134 8.7 Os efeitos de sentido pretendidos por meio de recursos morfossintatioos... 185 CarrmuLo 9 cas de anilises de textos quanto a aspectos de sua adequacéo vocabular wae.. 87 A. Ancilise do comentario “A liberdade ¢ & consumo Passes 187 9.2 Analise da anedota “Boateiro” beset 198 9.3. Analise do comentario “A geracio digital entra em cena” 200 9.4, A titulo de sugestio: a andlise do voeabulirio de um poema 206 9,5, Anilise de algumas “escolhas ao contratio” eceaneees 208 Cartruno 10 Uma espécie de sintese: como no final de uma longa conversa sess 213 Quanto as priticas de andlise Quanto aos critérivs de anilise Quanto aos textos Quanto a aspects do léxico em uso nos textos. Quanto a exploragio dos fatos gramaticais.. Referéncias bibliogeaticas Roferéncias bibliograficas dos textos analisados .. ssreesessssseee 223, Sobre peixes e linguagem Marcos Bagno ¢ ocorre frequentemente a idcia de que nds nos relacionamos com a linguagem assim como os peixes se relacionam com a Agua. Fora da gua, 0 enho, peixe nao existe, toda a sua natureza, seu de seu organismo, seu modo de ser esto indissociavelmente vincula- dos & Agua. Outros animais até conseguem sobreviver na agua ou se adaptar a ela, como focas, pinguins, sapos ¢ salamandras, que levam uma existéncia anfibia. Mas os peixes nao: ser peixe ¢ ser na dgua. Com os seres humanos é a mesma coisa: nado existimos fora da linguagem, nao conseguimos sequer imaginar o que € nao ter linguagem — nosso acesso a realidade é mediado por ela de forma tao absoluta que podemos dizer que para nds a realidade ‘0 que dela nos faz a linguagem, nao existe, o que existe é a tradu: implantada em nos de forma tio intrinseca ¢ essencial quanto nos- sas células ¢ nosso cédigo genético. Ser humano é ser linguagem. Mas a comparagio com 0 peixe também pode se aplicar a uma outra dimensado da linguagem, que é a Gnica forma como a linguagem realmente adquire existéncia: a dimensio texmal. Abrir a boca para falar, empunhar um instrumento para grafar o que quer que seja, ativar a meméria, raciocinar, sonhar, esquecer, todas essas atividades humanas s6 se realizam como textos. SO tem linguagem onde tem texto, No entanto, por alguma miste- ), os estudos linguisticos durante quase dois milénios ¢ cardter essencialmente textual da linguagem hu- riosa i: desprezaram ess mana. ‘Talvez justamente por ele ser tao intimo ¢ inevitavel quan to respirar, algo que fazemos tio intuitivamente que nunca nos detemos refletir sobre isso, é que o carater textual de toda - ? manifestagao da linguagem tenha sofrido esse soberano desprezo. Fas consequéncias desse desprezo, para a educacio, contiguram a tragédia pedagdgica que tao bem conhecemos: a reducao do es tudo da lingua, na escola, & palavra solta ¢ a frase isolada. Uma palavra solta, uma frase isolada sio um peixe fora agua, Q texto é 0 ambiente natural para qualquer palayra, qualquer frase. Fora do texto, a palavra sufoca, a frase estrebu- cha e morre E como pode 0 peixe vivo viver fora da agua fria? Aideia de que uma frase se sustenta sozinha é uma das inimeras herancas que recebemos da Antiguidade classica, Mas sabemos que 08 primeiros estudos sobre a linguagem tinham um cardter emi nentemente filosstico, mevatisica mesmo, pois os filésofos gregos nao tinham preocupagées linguisticas. propriamente ditas, muito a desco- brir de que maneira (e se é que) a linguagem refletia o funcionamen- to da alma, que por stia vez (e se é que) refletia 0 funcionamento do menos preocupagoes didaticas: o que interessava a eles mundo natural, que por sua vez {e sc € que) refletia a organizacao do universo, Para is ‘0, bastava a frase, a sentenca isolada, 0 auto: telos logos, ou seja, 0 enunciado completo em si mesmo, porque sua estrutura minima servia aos propdsitos da investigacdo metafisi O de isolada ¢ transferida para os estudos da lingua em si mesma ¢, pior a. astre se opera quando essa autossuficiéncia (suposta) da frase ainda, para o ensino da lingua. O peixe morto, que pode ser aberto € estripado para se saber 0 que tem Lg dentro, se tornou 0 objeto do ensino de linguas, quando esse objeto deveria ser 0 peixe vivo ¢ bulindo, em cardume, dentro de s eu ambiente natural, liquido, aquos: lago, lagoa, riacho, rio, praia, alto-mar — a agua-texto lrandé Antunes, incansdvel defensora dos peixes vivos, Prosscgue aqui em sua luta contra o uso do peixe mot to, estripa do e malcheiroso, que ainda infecta o nosso ensino de linguas, em pleno século XXL E, com ela que aprendemos o que deveria ser Obvio: que ensinar linguas no € pescar, mas mergulhar na égua do texto e nadar entre os peixes. Deveria ser Gbvio, mas no é, Por isso, 86 podemos comemorar, aplaudir ¢ agradecer mais esse manifesto em defesa da linguayem, da lingua e do texto que, na agua vivificada pelo espirito humano, sao uma coisa sé! Introdugao enso em quem quando escrevo sm livro como este? Penso nos professores de portugués do ensino fun damental e médio; penso nos alunos de letras ou de a0 pedagogia, que se preparam para assumir a fun de professor ou de orientador na lidas do ensino de Hinguas, Penso, na verdade, em trazer uma espécie de reforgo a& pratt ca da andlise de textos, privilegiando, é claro, aspectos da sua textiralidade. Pretendo, portanto, apoiar aqueles que desejam “fazer mo- rada” no dominio amplo e complexo das questdes textuais; pre- tendo trazer-lhes algumas pistas para a caminhada no meio do c de texto enquanto atividade pedagégica. labitinto que é a andli Nao cabe, pois, descer a especulagies mais aprofundadas, a deti niges € metalinguagens mais apuradas, Com o cuidado de fazer recortes, sem abrir mao da consisténcia tedrica e da seriedade me- todoldgica, pretendo apenas mostrar um pouco de como se pode fazer andlises de textos centradas cm elemerttos que, de fato, sio determinantes para a construgdo de sua textualidade e de sua acional. funcao in Vamos la. Facilmente se pode comprovar a dificuldade de alguns pro- fessores para fazer esse tipo de andlisc. Submetidos durante anos, desde alunos ¢ depois como professores, a uma pritiea de andli- se que se esgotava na identificagdo de categorias gramaticais ou sintaticas, eles deixam de perceber 0s aspectos mais relevantes de construgéo da textualidade. Além dos limites de experiéncias reducionistas, muitos professores nado tiveram oportunidade, em ao, de entrar em contato com teorias sobre seus cursos de forma eee TRADE ANTONES: © texto € suas propriedades ou nado souberam encontrar nessas teorias implicagées para futuras anélises, De fato, a competéncia para a exploragao da linguagem, em eventos da comunicagao oral e crita, sup6e, por um lado, uma fundamentacao teérica ampla, consistente e suficientemente clara, que contemple aspectos fundamentais de sua construgao e de seu funcionamento, As conexdes que podem ser criadas em um texto € que apoiam sua interpretagio ultrapassam aquelas previstas pe- las determinagdes morfossintaticas. Ultrapassam porque o desti natario vai sendo instruido para estabelecer diferentes NexXos entre diferentes pontos do texto — Por vezes, pontos aré distantes —, hexos qe no se devem apenas a elementos de ordem morfolégi- ca ou sin Em outras palavras, a construgao dos sentidos se deve a outros elementos para além daqueles de ordem gramatical. Em geral, os estudos linguisticos que integram os curriculos dos cursos de letras ainda incidem muito sobre aspectos da mor- fossintaxe das linguas, em detrimento de questSes sobre a cons Tucao ¢ a circulagio das agdes de linguagem. Consequentemen- te, o olhar de professor 10 do texto ainda é um olhar quase exclusivamente gramatical. Ainda falta, ‘se alunos sobre a constr em muitos cursos, uma abordagem consistente de teorias sobre a textualidade, 0 que poderia ser possivel pela exploracio dos principios da linguistica de texto. : Por outro lado, falta ao professor uma pratica continua de andlise, que possibilite o desenvolvimento da capacidade de en- xergar os elementos que, para além do gramatical, si0 centrais Para o entendimento do texto, Nao por acaso, se formou nos professores ¢ nos alunos uma visdo de anilise presa exclusiva: mente a0 que aparecia na superticie do texto. Mesmo depois de tantos apelos a favor de aniilises de carater textual, ainda vigora, na maioria das escolas — concretamente entre professores, coor- denadores de ensino e gestores — e entre os alunos, uma pratica fe ai a identificaco de categorias grama- ticais. Para alunos ¢ professores, até mesmo o sentido do termo ‘andlise’ remete somente para essa identificagao. de anilise que equivale & me TRTRODU CAG A superagao desse problema, consequentemente, também re- quer, por um lado, o estudo das questdes eminentemente textuais, como aquelas relativas aos critérios da coesio, da coeréncia, da relevancia informativa, da intertextualidade e de tantas outras, presas as condigdes contextuais em que acontecem as ages de linguagem. Por outro lado, exige que se instaure na escola, com ‘a da andlise dessas questées textuais em regularidade, a pré exemplares reais, orais ¢ escritos, que circulam ou circularam em nossas atividades sociais. Esse prisma de andlise das regula ridades textuais faria com que se obscurecesse aquele outro viés em nia escol com que se costuma analisar 0 que os alunos ese o vies da corregao gramatical, segundo o qual “basta 0 texto nao ter erros gramaticais para estar bom’” A teoria apenas, sem a pratica da analise, pode representar uma abstragdo, um conjunto de hipéteses, de suposigées, sim- plesmente. Em termos de linguagem, pode parecer uma referencia a algo que nfo pertence A nossa experiéneia concreta de falantes ¢ ouvintes. Por sua vez, a andlise, apenas, nao se desenvolve sem os fundamentos de prinespios te6ricos consistentes. Teoria e analise se alimentam mutuamente. Pareceu-me oportuno, entao, oferecer aos professores © alu- hos, a partir de um conjunto de ‘lembretes’ tedricos, algumas in- dicagdes ¢ alguns exemplos de como se pode pereeber em textos elementos d de como se pode ultrapassar, nas atividades de andlise, a simples identificacdo de elementos de sua superficie. quanto os sentidos e intengGes expressos Je sua construgio, de sua relevancia comunicativa ¢ Sabemos no que dizemos sdo resultado de determinagées contextuais, textuais. lexicais € gramaticais, que atuam para além do que aparece na superficie. Cada um desses conjuntos de determinagdes promo- ve a instauragdo daqueles sentidos e intengdes, de mancira que wn undo pode prescindir dos outros. As determinagdes grama- ticais, por cxemplo, isoladamente, sao insuficientes, Ou seja, © linguistica nao se faz apenas com gramatica, ou ape uma ag nas com léxico, embora gramitiea ¢ léxico renham uma fungio UFMG - Faculdade de Letras BIBLIOTECA IRANDE ANTUNES determinante na consteugao da coeréncia e da relevancia dos sentidos ativados, Os professores tém procurado entender esse ponto quando Propoem a conveniéncia de se estudar a “gramat lizada’ ou ‘a gr i contextua- amatica no texto’, conforme dizem. Mas ainda falta, me parece, vivenciar satisfatoriamente essa Proposta. As atividades realizadas sob o rétulo de tém consistido, desses fragmen ' Espero poder ajuctar uns pouco os professores a» destazer essay confi sies. Mesmo assim, quero sugerie 405 professors de todos us niveis um estudo mais ampia e aprofanda do da questo da “pramitiea”, Nesse sentido, existe no Brasil uma facta bibliegcaiia que se ecupa do objec ‘rammitica’ ¢, consequertemente, seu ensino, Vale pena consultar, entre outres, Bayne (2000, 2001, 2007, 200%), Antunes (2007), Parco (2008), Neves (2000, 2002, 2005 2006, 2010), Mattos e Silva (1994, 2004), Perini (1985, 1997, 2008, 2008, 2010}, Travaglia (1996, 2003), As questées Sramatica contextualizada quase sempre, na pratica de retirar do texto um fragmento para indicar as cl. a asses ou Categorias morfossintaticas tos ou de partes deles, Por sinal, vale Por sinal, vale a pena volar a referir a grande dificuldade dos professores para em- Prestar ao ensino da gramatica esse viés tex tual. Confusos, ficam entre as alternativas; ensinar gramdtica ou nao ensinar gramiética como se uma das alternativas pudesse valer sozinha Pretendo trazer, nas paginas deste liyro, uma contribuigdo no sentido de poder via. bilicar anélises que incidam sobre questies da construgdo coesa, coerente e relevante de fextos, 0 que, natur texto, léx: Imente, inchui contexio, co ¢ gramatica. envolvidas nesse conjunto sdo numerosissimas 6 alem disso, se interdependem e carevem de limites hem defi. : + oxige do : Piles. 0 que exige do analista, do ponto de vista metodoldgica algum critério de segmentacio e de andlise, Pox cionar algumas questées que envolvem: », decidi sele- @ visualizd-las em erés grandes blocos, * aspecios globats do texto; * aspeclos de sua constnieag; * aspectos de sua adeqtaeao vocabutar E preciso ter em mente, no entante, que em um texto. um item de sua construgao ou outro de seu vocabulério, por exemplo, IWTRODUGAO podem ter sua significagdo exatamente em fungdo do todo. Quer dizer, néo & possivel isolar o que 6 pontual, ou o que & simple mente gramatical, ou 0 que nada tem a ver com o sentido ou a fungéo global do que é dito. Em um texto, tudo se interdepende e tudo concorre para a expressao coerente ¢ relevante de seu senti- do e de seus propdsitos comunicativos. Chamo a atencdo, portanto, para esse cuidado de, nas andli- ses que fazemos, nao separar, nao isolar o que é global do que é pontual e vice-versa, o que é lexical do que é gramatical; afinal, 0 texto € sm tecido tinico, cujo resultado global decorre exatamen- te dos efeitos conseguidos por meio de cada um dos nés, feitos textualmente, © pressupostos contextualmente. Conyencida, como ja mostrei anteriormente, de que as anali- ses supdem uma boa fundamentacao tedrica, optei por organizar este trabalho da seguinte forma: > em um primeiro momento, apresento uma breve funda- mentagao teérica acerca de questSes pertinentes ao bloco em estudo; ® logo em seguida, apresento andlises de textos relativas a ¢ bloco. ae pontos pertinentes a ess Ou seja, na exploragao de cada bloco, consta uma breve funda ‘ae, depois, uma amostra de anclises, O volume de mentagdo teéric: conceitos ¢ de nogées tedricos relativos as questdes textuais é imen- so; nao poderia, no curto espago deste livro, sendo levantar alguns Pontos — os que me parecem mais pertinentes — para entender me- lhor um pouco do que acontece nos textos que fazemos ¢ recebemos. Uma decis cdo dos itens da gramatica ou dos fatos gramaticais, melhor Jo me pareceu importante e tem a ver com a ex- plora dizendo. Valendo-me de que procedimentos pretendo dar con ta dessa exploragiio? Desenvolver a anilise, numa sega a parte, ctos como fiz em relag&o aos aspectos globais do texto, aos asp de sua construgao ¢ de sua adequagao vocabular? Nao faria sen- tido, a ndo ser numa perspectiva de linguagem fora dos usos ¢ inteiramente virtual ou hipotética, o que nao se aplica aos propé sitos de qualquer abordagem pedagégica BC praticns RMN SEA NNER. Apoiada ne: sa concepeao, decidi pelo seguinte: fazer, ao final da anilise de cada texto, consideragoes acerca de como determi- nados elementos gramaticais concorreram bara a efetivagiéo do aspecto textual em estudo. Por sinal, vale destacar o seguinte: 4 medida que fui analisando cada bloco, j4 fui tecendo consid ragoes sobre um ou outro item gramatical que foram decisivos Para a construgao do sentido, Quer dizer, fui experimentando na pele a impossibilidade de dar conta dos sentidos do texto, dos recursos de sua construcio ou de sua adequacio vocabular, sem recorrer 4 considerag De fato, especificar, isoladamente, no Ambito da construgao dos sentidos, os fendmenos gramaticais é como esvaziar o texto de um de seus componentes fundamentais. Tado o que um texto significa: ‘Ao de itens da gramitica. resulta dos elementos contextuais em que esse texto fun- clona como parte de um evento comunicative; resulta do conbecimento de mundo ativado pelo conjunto de elementos contextuais e textuais; © resulta das unidades lex superficie do texto; HS postas OU pressupostas na resulta das unidades gramaticais em suas multiplas cate- gorias, relagies e funcées, Quer dizer, em um texto, os sentidos sao expr essos pela con- juncao de todos esses fatores. Mesmo no ambito do mais especi- ficamente linguistico, léxico e gramatica misturam e, fundem-se. As unidades do vocabulério significam porque uma constru fazem parte de » gramatical; esta, por sua vez, significa porque inclui os valores semanticos das unidades lexicais, Ou scja, uma ansilise de textos, na perspectiva mais ampla, erd tanto mais pertinente quanto mais aliar o linguistico as situa: G6e8 onde as interagées acontecem. Na perspectiva do linguistico, serd tanto mais pertinente quanto mais conseguir aliar 0 léxico a gramiatica @ vice-versa. Neste trabalho, a andlise das categorias gramaticais vem, por- tanto, depois da andlise de cada texto, exatamente para facilitar a integracdo pretendida entre a gramatic: € 08 Outros Componentes. mTRoDUEAG Uma outra decisiio que tomei deveu-se & necessidade de fazer um recorte na natureza dos textos que seriam objeto de andli- se. Convinha delimitar entre os textos: orais, escritos, puramente verbais, multimodais, nao verbais ete. Impossivel tratar de todos. ‘ ritos, apenas verbais ou nao multimo- Escolhi, entao, os textos esc ne por serem os mais frequentes nas atividades de sala de aula e por demandarem ainda uma pritica de andlise mais consisten e relevante, Pretendo, assim, trazer uma contribuigao mais a dliata ao trabalho dos professores ¢ ajudé-los na compreensio de como a construcao e a compreensdo dos sentidos e das inten- ime- »s nos texios sao funcées do contexto, do léxico e da expre gramdtica. : / . / ‘Talvez, eu possa neutralizar um pouco a ideia equivocada de de que a gramiatica se esgota na que a gramatica basta; ou a outr: simples classificagio de suas categorias. . Talver, afinal, eu possa ajudar na descoberta, clara e perti nente, do que devemos fazer com os textos que trazemos as nos sas aulas de linguas. Oueria que a minha voz tivesse um formato de canto (Manoel de Barros, Memdrias inventadas: a infancia) im mesmo: me sinto conver Antes de iniciar esta conversa (as sanda com os professores — atuais ¢ faturos), gostaria de exter wr meus agradecimentos a todos os professores com quem manten ° contato nos momentos de formagio. Com cles, eu pereebo onde st btese i ada, a persiste a indefinicao, 0 conceito confuso, a hipotese infundada, 9, escrevo como se estivesse respondendo ‘certeza’ errada. Por 0 salen Por isso, sou insistente, enfatica, até redundante, as wee. Meu desejo € que nada se perea pelo caminho. Mostro por onde nio se deve ir; mas também tenho 0 cuidado de indicar o melhor jeito de caminhar, Mais: meu grande desejo é que todos nos pu- séssemos a caminho, sem trégua, na busca de um encontro mae significativo com as questdes linguisticas, aquelas mais brane as migalha” e aquelas mais “ensopadas de quando “a luz da linguc de precisio”, usadas “debaixo da luz forte do sentido”. - ee Agradeco, em especial, a Marcos M tem apoiado esse meu gosto de e. da palavra escrita ¢ que tem inaugurar ou de se forrale arcionilo, meu editor, que ‘star com os professores através acreditado nas possibilidades de se r« “fortalecer un nove momento para o processo da educagao linguistica em terras brasileira: Sou grata ainda a professora Ana Lima, minha amiga ¢ “com panheir: la” a panheira de jornada” nas lides & volta de textos e de seu ensino, _ Capitulo 1 Uma visdo sumaria das prdaticas pedagodgicas de andlise de textos s manuais didaticos costumam trazer uma série de quest6es relativas ao texto que encabega as ligdes de cada unidade. A segao do livro em que aparecem essas questdes € apresentada, normalmente, sob o titulo de interpretacdo do texto, compreensio do texto ou outros imilares, Em principio, tais questées, na sua maioria em forma de per- guntas, propdem-se a avaliar a compreensio do aluno a respeito do material proposto para leitura. Poderiam representar atividades de amilise de textos e, em certa medida, o so. Entretanto, fogem a esse proposito, pois, frequentemente, trazem propostas de ativida- des que extrapolam o texto, que incidem sobre opinides pessoais acerca de aspectos tematicos abordados ou que, para serem resol- vidas, dispensam a consulta ao que foi lido. Por esses prismas, a rigor, nao sao, propriamente, atividades de andlisc de texto. Contudo, levando em consideragao esses exercicios de in- terpretacio, até podemos reconhecer que comeca a haver nos manuais didaticos um empenho maior em explorar as diferentes estratégias € habilidades de construgao dos sentidos do texto. A avaliagdo desses manuais, a cargo do Programa Nacional do Li vro Didatico (PNLD), desde a década de 1990, tem constituido um parametro de qualidade j4 para sua elabaragao. Ardlise de (exLos — hindamnentos 0 pritcas AREA Consequentemente, grande parte dos manuais didaticos atesta, no momento, uma razodvel melhoria em relag 10 AOS, exercicios de leitura e compreensao, se comparados a publice ges dos anos 1970 ¢ —1980, por exemplo. A propésito, vale referir um estudo feito, em 1996, em manuais de ensino de lin- gua portuguesa, pelo professor Marcuschi, no qual foi possivel atestar que tais exercicios reduzem “todo 0 trabalho de compre- ensio 4 identificagdo de informagédes objetivas ¢ superficiais” (p. 64). A razoavel melhoria de que se falou logo atras nao significa que esses males do trabalho com o texto tenham desaparecido to- talmente. Ainda persistem, em manuais, e persi tem, sobretudo, nas atividades que sao de inteira autoria dos profe: sores, OU ejay em atividades criadas especificamente para a sala de aula. Na pratica, o que essas atividades tém privilegiado? Reféns da concepgio de que a gramatica "Eur minka dissercagiiu de mesera fa las prattnas pevaudaicas de and ise de Let CARMEL Vina visic e que nao exigem a mobilizagao de calculos interpretativos ou de estratégias de raciocinio mais complexas. Na mesma perspectiva de uma andlise pouco relevante, pode- mos lembrar a reincidéncia de propostas para que 0 aluno iden- tifique informagées objetivas € explicitas na cadeia do texto. A orientacdo dessas questGes se esgota, naturalmente, na simples com todas as le- recuperacto do que aparece na superficie tras — provocando, na maioria dos casos, situagdes de extr ma obviedade. Sao, assim, atividades que nao desenvolvem no aluno competéncias para a compreensao interativa, isto é, para a par- sentidos ¢ das intengdes expressos no ticipativa construgao dos texto e contidos em seus contextos de uso “Todas essas marcas da orientagao do trabalho levam a que se perca de vista os aspectos globais do texto, quer dizer, aquilo que the confere centralidade ¢ unidade semintico-pragmdtica, Como sua concentracio tematica ou a finalidade commnicativa predo: dh, sob arientago do Prof. Mar cusefti, analise’ quatro colegées de lingua portuguesa, para © ensino fundamen lem muitos dados, confirmou a hipétese de que a gramatica “atro: pela? © tira do caminho outros Campos de estudo da lingua ver Antunes, 1986), é que constitui © objeto ou © foco principal do estudo da lingua, as atividades a partir | dos textos tém servido, principalmente, como. rhe aconcusiovsrekts portunidades de exemplificar 0 uso de de- terminada categoria morfolégica ou de iden- tificar a ocorréncia dessas categorias, como tem sido sobejamente mostrado em tantos trabalhos sobre o cnsino da lingua', Com tais atividades de reconhecimento da classe ou da sub- classe gramatical das unidades, fica a impressio — nos profes- sores, alunos e pais de alunos — de que se est4 cumprindo a fungao primordial de ensino da lingua, que é — na coneepeao deles — “ensinar gramatica” (nem se percehe que isso é apenas uma partezinha — a mais externa — da gramiatica!) Ao lado dessa fixagao nas classes de palavras, tém tide amplo lugar os exercicios de simples transcricao de trechos do texto, nos quais se pode identifica, por exemplo, falas ou descrigdes de um determinado personagem. Sao exercicios de cépias, simples- mente, presos 2 sequéncia em que os itens apareceram no texto, minante. Consequentemente, so mais abundantes as propostas que incidem sobre questo dem seu efeito em relagdo a sua dimensao global. Por vezes, como dissemos, para screm resolvidas, dispensam até 0 recurso ao texto. Vale a pena traver o exemplo de uma atividade, uma apenas que seja, para se ter uma ideia mais clara de como os textos nao servem para andlises de categorias eminen- temente textuais; servem, conforme tenho mostrado, como campo de amostra da ocor- réncia de uma ou outra classe de palavra, de um ou outre fendmeno morfossintatico”. s pontuais, que, isoladas do resto, per- F evidente que nem todos os exercicios « partir de sextos em essa configuragio, Mas é eviden te também que ainda acantecem muitos deles na pritica de dia a dia escolar por esse Brasil afora, O exce(cio gue aqui se mostra come exemple data de 2608, o que con prova a falta de atualizagio das novas propostas de trabalho com 6 texto, Em geral, como disse, 0s exercicios criados pelos professores = sobretudo aqueles destinados ais avaliagéies — tém esse perfil. Muda penas oconterido, na dependéncin apenas dda classe gramatical que esté sendo estndada, Gostaria de esclaracer que a omissdo da fonte onde eoihi esta amostra devesse ao fato de th la recebido de uma profesiera err exerefclo de sala de aula Analise de Lexlos —lurdamenlos e pidticas: EECA NTONES Vamos ao exemplo. LEIA. O patinho feto Ara o mais feio de todos SO fazia trapalhadas Nem cantar ele sabia Nadava que nem louco Se brincava ninguém entendia. Tentou uma duas trés vezes ‘Tizaram sarra dele Diziam que era avesso, Um dia o patinho cansou Comprou um bilbete para a lua Ja era tempo futuro Mudar de planeta (oi come alravessar a rua. INDIQUE OS TEMPOS VERBAIS DOS VERBOS DESTAGADOS NA 2? ESTROFE. Depois de mais umas “questéezinhas” em torno dos tempos verbais, aparecia 0 seguinte desafio: NAS PRASFS A SEGUIR, CIRCULE OS YERBOS QUE FSTAO NO FUTURO BO PRESENTE F NO FUTURO DO PRETERITO F ESGREVA-OS ABAIXO. a) “Seid essim, amiga: um certo dia estando nds a conlemplar 0 pocnte sentivemos no rosto, de repent, 0 beljo leve de uma aranha Iria (Vinicius de Morais) Fuso do presente GABIAUWANA Uma visto sumaria das praticas pedagdalcas de andlise 1) “Se eu fosse um padre eu cliaria 03 poclas Rezatla seus versos, os mais belos, Desses que desde a infancia me eribalaram,” {Ntario Quintana) Futuro do pretérito ‘Nao serei o poeta de um mundo caduco. ‘Também nao cantarei o futuro. Estow presoa vida e olho meus companheiras." (Carlos Drommand de Andiade} Futuro do prese Como fica evidente, a finalidade prevista par seriam analises de texto se sgota na grar ficamente, na mera identifi os versos sio conyertidos em frases. sucumbe. aquilo que ica e, mais especi 0 de suas categorias. Até mesmo eixa de existir; O problema de atividades desse tipo nasce em momentos an- teriores 4 sua claborag&o; ou seja, nasce na selegio, pelos profes- sores, dos itens dos programas ou dos planejamentos de ensino. Sem atenderem as orientacdes mais consistentes, dadas em uma farta literatura académica e em documentos oficiais, os profes- sores nfo se distanciam muito dos tradicionais programas e in- cluem, na ordem de sempre, a passagem, uma a uma, de cada classe gramatical. Dessa forma, os planeja~ mentos de ensino da lingua feitos nas escolas nao tém sabido ver para além da gramdtica, de modo que, como se tem reiterado, estudar uma lingua tem equivalido, apenas, a estudar a. Bem dizendo, de uma gramatica fora de qualquer contexto’. questées de sua gramai Guiados por esses planejamentos, 0s pro- fessores privilegiam levantar questOes a partir de fragmentos dos textos, ou deles retirados, © Neo contato com os professores, costume escutar a queixa de que gestores, orientadores ¢ 08 proprios pais resisiem a um ensino que f¢ nha no centro ovtras questies que ndo aquelas puramente gramati cais, Ou seja, os que resistem tam be se aliam e se reforrgam mucua mente, Uma das solugdes €, do lade das mudangas, promover também aliangas! Pode parecer insisténcia desne- gies. Pode. Aceira, Bnizetance, quando, as andangas por diferentes rincées do Brasil, enero em conta vewudria may mesimas obs to dlireto com os problemas que os professores levantam, canstato que nda nao é denais mostrar os equi vocus em que a escola tem caida, fi mitando-se 20 simplismo das classi ficaxées e fugindo A exploragto das te texitais. questoes: eninentem: Porcanto, fica aqui, mais uma ver, minha insistente palavra em favor de um ensino de lingua que senha como objeto a atividade ~ sempre funcional ~ da interagao verbal qu Andlise de textos - fundamentos ¢ pracos (RANBE TAN TONES: fragmentos que s4o, na pratica, conyertides em frases descontextualizadas (mesmo que sejam versos de um poema), sem referéncia ao todo do qual sao partes significativas. Tais fragmentos, assim soltos, ganham intei- ra autonomia, perdem seus vinculos com as sequéncias anteriores ou posteriores do tex- to, nao tém autoria nem se enquadram numa determinada cena enunciativa. Nao parecem set uso representativo da lingua escrita ou da lingua oral, da prosa ou da poesia, desse ou daquele registro. Para o que se destinam, 0 essencial & que esses fragmentos contenham unidades da clas tos da e gtamatical ou fa estio morfossintatica em estudo*. ‘ natural, portanto, que, diante das orientag6es e propostas de ver os textos com perspectivas mais amplas, de entender a gramatica como um dos constituintes dos sentidos explicitos e implicitos, os professores fiquem meio perdidos ¢ renham dificul dade de discernir sobre 0 que fa cr. Nesse particular, se percehe que o professor, av optar por essa gramética contextualizada, sente-se como se estivesse train- do sua fungio pedagégica primeira, que, segundo a visdo de tan- tos séculos, é ensinar a gramatica das palavras ¢ das oragées. Esse professor sente-se fracassado se seu aluno, mesmo no ensino fundamental, nio sabe, por exemplo, o que ¢ um substantivo, um adjetivo, uma oracdo subordinada etc. Pode até nao saber ler nem cscrever; nio importa; isso fica para depois. ‘Aos pais dos alunos, aos alunos, aos proprios professores, parece emhromagio um programa que se desvie daquela ordem das classes gramaticais, com todas as suas subdivisoes: artigo, nu- meral, substantivo, adjetivo, pronome, verbo etc, Alegam que o conhecimento dessas classes € condigao de sucesso nos exames de concursos e vestibulares. Furtam-se, no entanto, ao trabalho de analisar como sao feitas as provas desses exames, ou qual o lugar Pa © © peso concedidos af & compreensio ¢ a elahoragéo de textos. Contentam-se em, melancolicamente, lamentar as mudangas ope- radas e, zelosamente, vigiar pela manutengao de um programa que j4 nao responde as necessidades sociais de agora. Por vezes, me parece que professores, pais ¢ alunos “nao que- rem ver” a inoperancia, a irrelevancia ¢ a deficiéncia desse ensino que nao desenvolve as competéncias necessdrias 4 significativa atuagao das pessoas na vida profissional e mas situagées sociais mais diversas. Esse nao querer ver pode parecer hem mais como- do que procurar as saidas para novas opges e novos desafios. A esse propésito, valia a pena averiguar 0 que se ensina na escola acerca do texto. Muito pouco, nao? $6 mais recentemente, se vé nos livros didAticos — sobretudo naqueles manuais desti- nados ao ensino médio — uma ou outra men oa questées da coesiio, da coeréncia, da intertextualidade, da relevancia socio- comunicativa, da implicitude e de outras propriedades do texto. O tépico ‘génecos textuais’ tem sido objeto de mais referéncias; mas, ainda assim, muito superficialmente, fora de praticas que levem o aluno a entender a centralidade de suas quest6es. Em ficialmente, de um género a outro, sem explorar suas questGes mais pertinentes. geral, passa-se muito brevemente e, claro, sup Parece que as regularidades textuais so dadas por sabidas © set aprofundamento vai sendo adiado, na suposi¢io ingénua de que o estudo daquela gramatica auténoma, independente de qualquer contexto, tudo explica ¢ prové toda a competéncia ne- cessdria as interagdes. As andlises revelam, sobejamente, que no se escreve ou nao se compreende um texto apenas com gramatica. Muito menos com a ciéncia de sua nomenclatura morfossintati- ca. Quando o escritor Luis Fernando Verissimo, em uma de suas crénicas’, diz que sempre foi péssimo em portugués e que a intimidade com a gramd- tica é dispensdvel, tanto que ele, assim péssi- mo, ganba a vida escrevendo, esta exatamen- te referindo-se a essa gramatica que se Rota na mera classificagao de suas unidades. 5 A ord “0 gigolo das palavras” ¢ estd pu a de gue falo intivula-se blicada em: Crénicas selecionada ¢ comentadas por Maria da Gloria Bordini, 4, Pocto Alegre: L&ePM 1982, p- 10-12 dlige de textos - lundamentos e praticas RNAi No momento, um dos de afios para os professores é desco: brir o que incluir em seus programas de estudo da lingua, para além da simples circulada pelas categorias da morfologia e da sintaxe. Nao resta dtivida, pois, que sio bem oportunos todos os es- foreos por orientar ¢ apoiar 0 trabalho dos professores em tor- no das questées textuais, sejam questées da sua producdo, sejam da sua compreensio. A exploracao dessas questdes, com certeza, pode contribuir muito pa ampliar seus programas de estudo da lingua e, melhor dizendo, que 0 professor va descobrindo como como preencher suas previsbes de estudo com questdes que sdo, de fato, relevantes para a ampla ¢ atuante educagao linguistica de seus alunos. Eo que vamos tentar fazer nas proximas paginas: explorar ques- t6es do texto coeso, coererte, relevante e adequado con-textualmente. Eserever & owiro modo de falar. Ler é outro modo de ouvir, (Marcos Bagno, O espelbo dos nomes| Capitulo 2 Nogées preliminares sobre o texto e suas propriedades 2.10 conceito de textualidade como fundamento para a compreensao do que é 0 tex to, tem-se desenvolyido o conceito de textualidade, a qual pode ser entendida como a caracteristica estru- tural das atividades sociocomunicativas (e, portanto, também linguisticas} executadas entre os parceiros da comuni- cagio. Logo, todo enunciade — que porta sempre uma fungio saviamente a caracteristica da comunicativa — apresenta ree textualidade ou uma “conformidade textual”. Quer dizer, em qualquer Ingua, ¢ em qualquer situagao de interacSo verbal, 0 modo de manifestacdo da atividade comuni- cativa é a textualidade ou, concretamente, um género de texto qualquer, Daf que nenhuma ago de linguagem acontece fora da rextualidade. “Desde que ela exista, a comunicagio se da de for- ma textual” (Schmidt, 1978: 164), Na mesma diregao, afirmou Marcuschi em uma de suas aulas: “No momento em que alguém abre a boca para falar, comeca um texto”. Perde sentido, entao, aquela perspectiva ascendente da lin- guagem, segundo a qual, primeiro, se aprendem as palayras, de- pois as frases, para enfim, se chegar ao texto. Todos os segmentos de nossa atividade de linguagem, desde os primeiros balbucios, sao entendidos e¢ classificados como partes funcionais de um todo integrado: o texto. Fazer da textualidade o objeto de ensino nao é, pois, ceder as teor aulas mais motivadas, mais prazerosas, menos monétonas. & mui- to mais que isso: € uma questo de assumir a textualidade como 0 da moda, ou um jeito de — como dizem alguns — deixar as principio que manifesta e que regula as atividades de linguagem. Ocorre que essa textualidade nao acontece de forma abstra- ta. Acontece sob a forma concreta de textos, linguistica e socia mente tipificados, conforme veremos a seguir, 2.2.0 conceito de texto O mais consensual tem sido admitir que a conjunto aleaté- rio de palavras ou de frases nao constitii um texto. Mesmo intui- tivamente, uma pessoa tem esse discernimento, até porque nio é muito dificil té-lo, uma vez que nao andamos por af esbarrando em no textos. Por mais que esteja fora dos padrées considerados revemos, ¢m cultos, eruditos ou edificantes, o que falamos ou d, SAO Sempre CEXtOS situagoes de comunic Também nao € dificil explicitar essas intuigdes, se nos fi- ‘0 verbal entre as xarmos na andlise de como acontece a interaga pessoas nas diferentes situagGes de sua vida social. Vamos tentar apresentar fundamentos teéricos dos pontos que pretendemos analisar, embora o fagamos, neste ponto do livro, de uma forma sive muito sumar capitulos de andlise, a, uma Vez que, Nos suce: vamos desenvolvé-los um pouco mais. 2.2.1, Primeiramente, poderiamos comecar por lembrar que recorremos a um texto quando temos alguma pretensdéo comuni- cativa ¢ a queremos expressar, Oomen, conforme citagao de Sch- mide (1978: 167}, afirma que “nao se instaura um texto sem uma fungao comunicativa”; prope ainda que o texto tem seu fluxo controlado pela respectiva fungao comunicativa que exerce. Dessa forma, todo texto é a expressio de algum propdsi- to comunicativo. Caracteriza-se, portanto, como uma atividade eminentemente funcional, no sentido de que a ele recorremos com uma finalidade, com um objetivo especifico, nem que seja, simples- t lente, para nao ficarmos calados. tituido de uma intengao. O Assim, nada do que dizemos é d sentido do que dizemos aos outros é parte da expresso de um ou mais objetivos. Falamos com a intengado de “fazer algo”. O sucesso de nossa atuagio comunicativa esta, sobretudo, na iden- tificagao dessa intengao por parte do interlocutor com quem inte- ragimos. Por isso mesmo € que, no percurso da interagio, vamos dando as instrugdes necessdrias para que o outro va fazendo, com cficdcia, essa identificagao. Como diz Schmidt (1978: 80), 0 texto 6 um “conjunto ordenado de instrugdes”. © principio de que falamos sempre pa ‘a cumprir determi- nado objetivo € sobejamente referido por todos os autores que se ocupam do texto, Por exemplo, Adam (2008: 107} deelara que “o texto nao é uma sequénei: cia de atos”. Halliday e Hasan (198 “linguagem que é funcional. Por linguagem funcional, queremos ade palayras, mas uma sequén- 52) definem texto como a refe r aquela linguagem que cumpre alguma fungio em algum contexto”. Na mesma linha, Schmidt (1978; 170) define 6 con- ceito de texto como “um conjunto-de- nunciados-em-funcao”, 0 de uma atividade social. Além de seus sentidos linguisticos, reveste-se de uma rele- Consequentemente, todo texto é expres: vancia sociocomunicativa, pois esta sempre inserido, como parte constitutiva, em outras atividades do ser humano. Nas palayras de Marcuschi (2008: 23}, “nao existe um uso significativo da lin- gua fora das inte: As de scu apatato linguis situadas”. clades pessoais e sociais im, compreender um texto é uma operacao que vai além ico, pois se trata de um evento comunica- tive em que operam, simultancamente, agdes linguisticas, sociais ¢ cognitivas. 2.2.2. Um segundo aspecto que deriva desse primeiro ponto 60 fato de que 0 texto, como expressio verbal de uma atividade social de comunicagao, envolve, sempre, um parceiro, um inter- locutor, Nao, simplesmente, pelo fato de que temos uma com- panhia quando falamos e, assim, n&o 0 fazemos sozinhos, Mas, sobretudo, pelo fato de que construimos nossa expres: com o outro, em parceria, a dois Andlise dé (exios—Jundamentos e prétices RANSON TONER 0 verbal 3; de maneira que o texto vai tendo um fluxo conforme acontece a interacao entre os atores da agio de linguagem. Dizemos © que julgamos ser de interesse do outro escutar, Pressupomos esse interesse € arriscamo-ne sa responder a ele. Dai 0 dialogismo reconhecido por Bakhtin (1995) como caracteristi- ca fundamental da linguagem, Nao dizemos as coisas gratuita- mente ou aleatoriamente. Esforgamo-nos, quase sem notar, para sermos, em cada contexto, relevantes, dizendo 0 que supomos ser da ne inst " Crie’ essas passagens, simplesmen fe juntando palayras e frases que fu recolhendo noma revista, Em con tatos com professores e alunos, fi testande a estranbesa que causava sem sentido’ de ambas as pegas. As justificativas para a hipatese de jue no consticu‘am textos contra vanese na “falta de ama unidade ule sentide possivel”, E curioso que, lurante muito tempo, os alunos fixe ram atividacles de formar frases sol- im quesrionasse a istinicia entre isso © exereicio real gem. E que, de fate, 0 texto nao “estava previsto no programa”. Roligiosidade ssidade, do interesse ou do gosto do outro. Fin tltima Ancia, ¢ isto mesmo: nao falamos sozinhos, no sentido de que © texto que construimos é uma resposta ao que supomos ser a pergunta do outro. 2.2.3. Um terceiro aspecto a se consi derar sumariamente di ¢ respeito ao fato de que o texto é caracterizado por uma orienta- cao temdtica; quer dizer, 0 texto se constréi a partir de um tema, de um t6pico, de wma ideia central, ow de um niicleo semantico, que the dé continuidade ¢ unidade. Para explicitar esse principio (tio presen- te as nossas intuigdes), vejamos, por exem- plo, as seguintes passagens, que tém, natural- mente caras de texto!, Monstro planos scxo cantor pela dentincia de polémico paguel fazer sobre pre- {endem enletmeira menino milhdes presente vivervoz telefone estar risco com mercado a Gompulador completo licar frontal voeé veloz se para espetar doméstico brincando mamilera moda Relogios cartas sobte expectativa inteiro promocéo empregadas sabiatina campa nha novo quetjo compra Brasil meninos. prelim inaces sobre o texto ¢ suas propriedades Mamifero voraz E precisa 100 pontos para ganhar um reldgio de plastico. Teremos imenso prazer em Ihe mostiar 0 nosso pais. JA esa nas lojas Tok & Stok a Linha Garden Vera 97. Dizia-se la em casa que éramos de origem Irancesa, Tenho um pequeno museu em casa Seu proximo passo ¢ Let um cafldo com 6 meses de anuidai — Jamais abandonarei ¢ senhora, Hoi mesmo é viver numa cabana no meio do mato, O proprio banco ajuda a ces- cobrir quais séo og melhores produlos para moniat sua carteira de investimentos. e gratis, Daria para perceber em alguma dessas passagens uma unida- de semantica, ou reconhecer qualquer niicleo de sentido? Daria para dizer sobre qué é cada uma? Daria para fazer, a partir delas, um resumo, uma sintese? Alguém poderia reconhecer af uma fun- erminado contexto? gao comunicativa pertinente a di Como se vé, sao passagens construidas a partir de palav ou de frases soltas, 0 que nos faz voltar aos termos com que ini- ciamos esta secdo: st conjurto aleatorio de palavras ou de frases nao constitui um texto. Com base nos pontos até aqui levantados, podemos recapitular em seguida 0 que tem sido proposto na linguistica de texto como as propriedades do texto, ou seja, como critérios que nos permitem reconhecer wn conjunto de palavras como sendo um texto. Em sintese, a questao seria: o que um conjunto de palavras precisa ter para funcionar e ser identificado como um texto? se encontra definida na literatura A resposta a essa questao j sobre a linguistica de texto. Por exemplo, Beaugrande e Dressler (1981} propdem como propriedades ou critérios da textualida- de: a coesao, a coeréncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a informatividade, a intertextualidade, a situacionalidade. visio deles, sete propriedades, portanto. Nos estudos que tenho feito, na sequéncia dessa e de outras do, na propostas, optei por fazer uma pequena reordenagao no qua- dro dessas sete propriedades, concedendo certa saliéncia aquelas F muito comum o entendimento dessa intencionalidacs eanecito equivalemte a questéo das intencdes com que usamios 4 dinguagem, Nao € bem assim. A imencionalidade de que se trara aqui corresponde & disposigaia do Jatante de somente dix pisas ste tens sentido, gise sto cocrentes. ® que falamos’ ~ tem a ver com a di inensio pragmitico-funcional da linguagem, no sentide de que fclo sto de linguuugen & wm faser, pois 6 carregado de wana intencao ou wos finalidade, Sao diferentes, pois, 08 dois conccitos, Para wna revisio desses ¢ de uutros eonceitos da textualidade, sugiro a leitura de Costa Val (2000), bem come a de Antunes (2009). propriedades que, mais diretamente, perten- cem 4 construgdo mesma do texto. Assim, proponho, como propriedades do texto, a cocsao, a coeréncia, a informatividade e a in- tertextualidade, Proponho, como condigdes de efetivacdo do texto, a intencionalidad aceitabilidade e¢ a situacionalidade. Para ju que a intencionalidade e a accitabilidade re- icar essa reordenagao, alego metem aos interlocutore ¢ no ao texto pro- priamente. Quer dizer, pela intencionalidade, prop6e-se que o interlocutor que fala se dis poe a dizer somente aquilo que tem sentido e¢ é, portanto, coerente. Pela aceitabilidade, admite-se que o ouyinte, simulcaneamente, empreende todo © esforeo necessario para processar os sentidos ¢ as intengdes expres- sas. Como se vé, essas duas propriedades nao sio propriamente dar uma justificativa, uma ordem, fazer 0 re lato de um fato, convencer, expressar um sen timento, apresentar um plano, uma pessoa, um lugar, fazer uma proposta, ressaltar as qualidades de um produto, pedir on oferecer jinda, fazer um desabafo, defender-se, pro testar, reivindicar, dar um parecer, sintetizar uma ideia, expor uma teoria; enfim, fazentos, 0 dia todo e todos os dias, intimeras agoes de linguagem, cada uma, parte constitutiva de wma situagdo social qualquer. Em resumo, proponho para 0 texto, es pecificamente, as propricdades da coesio, da coeréneia, da informatividade e da intertex. tualidade’. As outras sao condigdes funda- mentais para que os textos se efetivem. Reromando 0 absolutamente basico para a compreensdo dessas quatro propriedades, lembramos os seguintes pontos*: Sobre a evesiio © a everéneia, presentel em Lutar com palavedss cvesau ¢ coeréncia (Si0 Paulo: Pa rébola Edirorial, 2005), além de explicagdes bem acessiveis, um far to conjunto de exemplos, Sobre as propriedacles da intencionalidade € da aceitabilidade, sugiro a leinura do capitulo 4 de meu liveos Engi, texto ¢ ensino {S30 Palo: Pardbola 2009}, Sobre a proprie dade da informatividade, pode-se vor o capitulo 7 desse mesmo livto. Editor * Yolrs a justiliear por que, neste ponte do liveo, fago apenas uma sumiiria apresemag: » das proprie~ dades do vexso: nos capitulos desti« nados a anilise, pretendo desenvol ver com mais detalhe esses e outros pontos, Agui, trago apenas que considero essencial para a compre: ensiio das questoes do texto. Embora Id se refliram, remetem para a disponibilidade cooperativa das pessoas envolvidas na interagio O mesmo cabe afirmar da situacionalidade: uma condicio para que o texto — que é parte de uma atividade social — aconte ga. Nenhum texto, como sabemos, ocorre no vazio, em abstrato, fora de um contexto sociocultural determinado. Todo ele esta an- corado numa situagio concreta ou, melhor dizendo, esta inserido num contexto social qualquer, Uma conferéncia, por exemplo, é parte da programagao de um evento ¢ é por ela regulada em todos os detalhes. Uma simples conversa é parte de um relaciona- mento interpessoal que prevé variadas finalidades. Fesa inserc’io da linguagem em nossa atividade social 6 to Obvia que até mesmo temos dificuldade de percebé-la. O absolura- mente evidente é que falamos sempre em um lugar, onde acontece determinado evento s acial, e com a finalidade de, intervindo na condugio desse evento, executar qualquer ato de linguagem: ex= por, defender ou refutar um ponto de vista, fazer um comentério, ise * a coes@o concerne aos modes ¢ recursos —~ gramatic lexicais — de inter-relacao, de ligagdo, de encadeamento entre os varios segmentos (palavras, oragées, periodos, pardgeafos, blocos superparagraticos) do texto, Embora dio se fun- seus recursos transparecam na superficie, a coes damenta nas relagdes de natureza semantica que cla cria ¢, ao mesmo tempo, sinaliza. Ou seja, pela coesao se pro move a continuidade do texto que, por sua vez, é uma das condigées de sua umidade; © a coeréncia concerne a um outro tipo de encadeamento, o encadeamento de sentido, a convergéncia conceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade — local e global — ¢ Ihe da a unidade de sentido que esta sub- jacente 4 combinagio linear e superficial dos elementos presentes ou pressupostos, A coeréneia vai além do com ponente propriamente linguistico da comunicacao verbal, ou seja, inclui outros fatores além daqueles puramente linguisticos, fatores que esto implicados na situacdo em que acontece a atuagao verbal; dai que a coeréncia decor re nao s6 dos tracos linguisticos do texto, mas também de outros elementos constituintes da situa oO comunicativa; a imformatividade concerne ao grau de novidade, de im- previsibilidade que, em um certo contexto comunicativo, © texto assume; concerne ainda ao efeito interpretativo rater inesperado de tais novidades produz. Essa novidade decorre, portanto, da quebra do que era previsi- que 0 c vel, do que era esperado para aquela situacdo de comuni cacao, seja em relagio a aspectos ligados 3 forma (decor- rentes de maneiras diferentes de se dizer © ja dito), seja em relacdo a aspectos ligados ao conterido (decorrentes de idei s € conccitos novos). De qualquer forma, todo texto, em alguma medida, comporta algum gran de informati- vidade. O contexto de uso é que determina um teor mais alto ou mais baixo de informatividade. | ogo, nem sempre © texto melhor e mais adequado é aquele com um grau de informatividade mais alto. Os avisos, como: “Transito in- terrompido”, “Devagar. Escola”, “Reduza a velocidade” 10 de baixa informatividade, mas, por isso mesmo, € que sao adequados ao scu contexto de funcionamento; € outros semelhantes sa a intertexiualidade concerne ao recurso de inser¢ito, de en- trada, em um texto particular, de ouiro(s) texto(s) jd em circulagao. Na verdade, todo texto é um intertexto — di- zem os especialistas — no sentido de que sempre se parte de modelos, de conceitos, de crengas, de inform: Ges jd veiculados em outras interagdes anteriores. Ou seja, dada a propria natureza do processo comunicativo, todo texto contém outros textos prévios, ainda que nao se tenha intei- ra consciéncia disso. Mas ha uma intertextualidade expli- cita, que tem lugar quando citamos ou fazemos referéncia direta ao que esta dito em outro texto, por outra pessoa, EE ry Nesse caso, a intertextualidade assume um aspecto dina mico, na medida em que significa mais do que o simples transito do outro texto ou da outra voz. Quem recorre A palavra do outro, © faz ou para apoiar-se nes a. Ou seja, 0 recul ou para confirmé-la ou para refura a palavra do outro responde sempre a alguma estratégia argumentativa’. De qualquer forma, propriedades e condi- Ges devem centralizar os estudos e as anilises que fazemos em torno do texto. F fundamen- ca do que tal ampliar nosso repertério ace: procurar ver nesses materiais. Quando falta uma visdo clara dos elementos que sao neces- sarios para se constituir um texto (e € muito provavel que tais elementos faltem para mui- tos professores!}, vamos a cle, simplesmente, para reconhecer classes ¢ categorias da gram: tica, sem que procuremos averiguar em que tais classes e categorias intervém para fazer, daquele conjunto de palavras, uma unidade de sentido comunicativamente funcional’, Mesmo numa abordagem sumar a palavra, s0 * Bde grande relewdneia a consul- ta 8 obra de Koch of ab,, intitalada intertextualidade ~ diélogos pos- siveis. Si Paulo: Cortex Edivora, 2007, Além de eousideragdes e6- rieas, as autozas apresentam fartos exemplos de géneros textuais, onde sio explorados diferentes aypectos da imtertextualidade. Minha pretensio com esee livro é, exatamente, oferecer elementos para que os professores possam ampliar essa compreensiio do que é tom fexto © possam, assim, intervie no desenvolvimento da competén: dos alunos para a produgao, re cepgin e anslise de textos de forma relevante e significativa, como esta, da para per- ceber que um texto nao se constitui apenas de elementos gra- maticais e lexicais. © texto é um tragado que envolve material linguistico, faculdades e operac&es cognitivas, além de diferences fatores de ordem pragmiitica ou contextual. Possivelmente, uma das maiores limitagSes que tem aconteci- do em nossas aulas di de que um texto je Tinguas tem sido a pressuposicao ingé esulta apenas de um conjunto de elemento: nua linguistics. Ou seja, nessa suposigio reduzida, as palavras bas- tam; a gramatica basta. Por isso, como se todo o sentido expresso estivesse na cadeia dess vas ¢ na sua gramatica de composicio. camos tateando por sobre clas, as pala- © conjunto de propriedades que mencionamos possibilita-nos olhar para 0 texto eber per {, por exemplo: seja do aluno, seja de um outro autor — ¢ TRANDE ANTUNES Incursos de sua coesao, * falores lexplicitos ¢ implicites) de sua coeincia (linguistiea e preqmatica) + pislas de sua concentracao tematica, + aspectos de sua relevincia sociocomunicaliva + ltacos de interlexlualidade criletios de escolha das palavras: sinais das inkencdes prete ull marcas da posicao do autor em relacda ao que é dita + eslialégias de argumentaga Frequeutemente, Falo em “textos relevamtes @ adequados. f° que, lado da coeréncia, dois ouccos critérios se. fundamentais para emprestar qualidade aos textos, a saber: sua relevincia—o texto deve fugit a obviedades ¢ a0 ja sabide —e na adequeacite contextual ~ 0 tex to deve confirmar-se as condigées: a sitaacdo social de que faz par hes Dessa forma, sv bons textos anqniles que upresentam coerescta levdineta comuicatioa ¢ adequa- (so contextual. Nesse tripe, cabem todas as outras propriedades, in- clusivamente a coesiia ¢ a curceeio ‘ou de Convencimento, eleltos de sentido deconentes de um jogo qualquer de: paiavas, adeqjilacao Clo estilo ¢ do nivel de linguagem, enki mulles outros elementos, © fato de apenas nos fixarmos em ques- toes de gramdatica, sobretudo naquelas liga das & norma-padrio, nos fez deixar de ver muitos outros componentes também- fun damentais para a comunicagao relevante’ ¢ adequada socialmente. F. hora, portanto, de abrir nossa capacidade de percepe’o e de procurar encontrar nos materiais que lemos © ouvimos tracos de sua coeréncia global ¢ de sua funcionalidade comunicativ 2.2.4, Merecem um coment: 10 também dois aspectos do texto: (a) a modalidade — falada ou eserita; (b) © a extenso em que ele se realiza. E comum, até mesmo entre alguns professores, a impressio de que a fala nao 6 textnal; ou seja, texto é apena: 0 escrito, Dat, uma outra suposigio: a de que a lingua falada nao 6 repulada pela gramatica. A fala seria qualquer coisa fora das normas morfos- sintaticas, Algo meio cadtico. As regras privativas da escrita; por isso, elas é que serv’ — € muitas! — seriam iam de parémetro para a avaliagao da fala. Ha quem acredite que fala bem, em qualquer situa cdo, quem fala confornte a escrita correta. Outra compreensio infindada diz respeito a crenga de que o texto, para st er reconhecido como tal, tem que ser grande. Ora, CAPITULO De ter neminare © Coetn 8 suas proprieded texto é qualquer passagem, de qualquer extensdo, desde que constitua um todo unificado ¢ cumpra comunicativa. Na verdade, essa compreensio nao é tio infundada assim, pois pode ter como supor- tea tradicional diferenciagao, feita em quase todas as gramaticas e manuais didaticos, en- tre ovagio e frase. Segundo essa discrimina- ao, por exemplo, o pedido de auxilio feito por alguém, mediante o grito Socorro!, mes mo numa situacdo comunicativa concreta, ¢ classificado como frase. Assim, também, os avisos: Atencéo, desvio a esquerdal; Curva perigosa; Propriedade privada e tantos ou- tros exemplares do’ que Halliday e Hasan (1989) chamar * tos minimos”*. Como se vé, as fungoes implicadas n m de “te: uma determinada fungao Halliday c Hasan (1989) chamam a atengio para esse tipo de textos (“0s textos minimes”), absolutamente Euncionais, ¢ eurtns, porque adeqna- dos a seus coneextos de eircul: Pela foneionalidade gue apresen {ges sociais, sobretudo na complex dade dos comtextos urhanos, Por sua dimensio assim reduzida, bem que poderiam prestarse a atividades de linguagem nas primeiras séries do ensino fundamental, Assim, seriam deixados de lado os exercicios com frases inventadas ¢ fora de qualquer contexto conmmicative, sses enunciados nao contavam ¢, assim, aquilo que, de fato, constituia um texto era visto como uma frase. O texto — inclusivamente aquele de geo. grafia, biologia, histéria, que os alunos liam — se localizava fora da sala ¢, portanto, nao era considerado objeto de estudo. A centralizacdo na frase levou a escola a outra redugao: a de conceber 0 texto como uma espécie de super-sentenga, algo como uma unidade gramatical mais ampla, uma espécie de perfo- do grande, que se forma juntando-se unidades menorcs, em viste | formagao de uma unidade maior. Compor um texto, confer -Ihe unidade, supde uma integra- yao estrutural bem diferente daquela pensada para unir as varias partes de um periodo. Desde a configuragdo convencionada para cada género, até os detalhes de como responder as determina- des pragmaticas de cada situagdo, a habilidade de promover a sequenciacio das partes de um texto ultrapassa as injung6es esta~ ai belecidas pelas estrucuras gramati Depende do que se tem a dizer, a quem dizer, com que finalidade, com que precaugées, em fungao de quais resultados ete. Ninguém aprende, pois, a ler ou a escrever cartas, por exem- plo, com o exereicio de analisar ¢ compor frases, nem mesmo aquelas mais complexas, assim como, para aprender a falar, ndo treinamos, como iniciagio, a juncao de palavras ou de frases, As leis do texto sio outras e, embora sejam previsiveis, estio sujeitas As condigoes concretas de cada situacdo, Noutras)palavras, o mais previsivel para o texto é que sua coeréncia @ Télevancia socioco- municativa sio dependéncias contextuais, e muito do que deve ser dito e feito vai sendo decidido na hora mesma de sua realizado. Essas observag es ndo significam que nao estejam definidos os termos on as condigdes de wma competéncia textual. Ja mo: tramos, nas referéncias as propriedades ¢ condigdes da textuali- dade, 0 que € requisitado para que se constitua o objeto texto. Queremos chamar a atengAo, no entanto, é para a natureza dessa competéncia, que ¢ bem diferente daquelas estabelecidas para o nivel da oragao ou do perfodo. Em termos bem simples, quere- mos ressaltar que, para compor um texto, as regras da boa for- magio de oragées € periodos sao insuficientes, embora um texto — que nao aqucles textos minimos compostos de uma ou duas palayras — seja formado com oragdes ¢ periodos, Assim, o texto, suas leis, suas regularidades de funcionamento, seus critérios de sequenciagio ¢ boa composi © precisam ser 0 centro dos pro- &ramas de ensino de linguas, se pretendemos, de fato, promover @ competéncia das pessoas para a multiplicidade de eventos da interacdo social, Insisto em lembrar que, tradicionalmente, temos olhado o texto como uma criagao puramente linguistica, formada com palavras, apenas — de diferentes classes gramaticais —, reuni das, conforme certas regras sintaticas, em oragées € periodos. Tem toda relevancia, por tanto, © ssaltar que a construgao e a compreensio dos sentidos expressos resultam de vérios siste- mas de conhecimento ¢ de varias estralégias de processamento, © conhecimento do sistema linguistico, se é ne essdrio, ndo é, contudo, suficiente para dar conta de todas as operacdes que precisam ser feitas. Pretendemos com essa observagio advertir SS ee os professores contra wma visdo demasiado linguistica da co municagao verbal. O éxito de uma transacao verbal resulta de uma série de fatores, que se inter-relacionam e se integram em sistemas amplos e complexos Ou seja — como temos mostrado em outras oportunidades para o processamento textual, em hora de fala ou de escrita, de escuta ou de leitura, ativamos quatro grandes conjuntos de conhecimento, a saber (@) 0 conhecimenta Hingufstico (compreendendo aqui o iexicale 0 grennaticah (b] 0 contecimento de mundo, 9 conhecimento geral, ou 0 que se conhece com o nome de ‘contiecimenta enciclopedico’ (que inclui os protdtipos, os esquemas, 05 cenarios, ou os modelos de evenlos @ episddias em vigor nos grupos a que peslencemos), (0) 0 contiecirento relerenle a modetas globais de texto (que inclui as requiatidades de canstrugae dos Lipos e ¢énetvs) (@) 0 conhecimenta sociointeracional, ou 0 conecimento sobre as acdes verbais (que inclui 0 saber acerca da realizagao social das acées verbais ou de como as pessoas devem se comportar para intefagir em dilerentes situacdes sociais). Numa visio bem ampla, esses sistemas de conhecimento en- volvem o conhecimento das operagdes cognitivas, das estratégias Cus e dos procedimentos que fazem a rotina das pessoas en s eventos de interagao verbal. Desse pequeno esquema, pode-se conchiir que um programa de ensino de linguas restrito as classes de palavras ¢ as suas fun- Ges sintaticas é incontestavelmente, pobre e¢ irrelevante, Talvez por isso os resultados de nossas aulas de linguas nado tenham convencido a sociedade de que o professor de linguas — sobretudo o professor de lingua materna — é uma figura muito significativa para a clevagao dos padroes de desenvolvimento da sociedade, As imensas desigualdades sociais que marcam a reali dade brasileira tém um grande reforco na escola que nao alfabe- tiza, na escola que nao forma leitores criticos, na escola que nao desenvolve o poder de argumentar — oralmente e por escrito — ar e relacionar dados, de expressar, de criar, de colher, de anali em prosa € em verso, os sentidos culturais em‘circulagao. a Ne ESSIEN © PIALICCS SER Ae enna aa enseee Mesmo sabendo da nao onipoténcia da escola, acreditamos que sua atuagio constitui um fator de grande peso na resolucéo dos problemas sociais de uma comunidade e na sua ascensiio a niveis mais altos de realizagéo humana. Representa muito pouco, na economia dos valores sociais © éticos, centrar-se na diseriminagio de classes ¢ categorias gramaticais. Infelizmente, ainda € pre Conforme jd adverti, limito-me, neste ponto do trahalho, a teazer rogdes bem gerais acerca de ponto am questo, uma vez que, nos cap tulos sequitires, eestinados as anil s, retome tais pontos, embora faga de forma » muito apro funda, sh A questio dos gnerus textuais 6 demasiado complexe exigiria won espago que a narureza deste trabalho io permite, Sugerimos, no entanto, 1s professores que procurem) ant pliar o estudo da quescao (leiam, por cexemplo, a segunda parte do liven de Mareusehi, 2108). " Propostas de exploragae dos xinoros textnais em ativielacles de cosino poder ser vistas em Olivel ra 2010), Antunes (2009), Mogo (2009), Mavcusehi (2008), Guedes L008), Schneuwly © Dolz (2004), Costa (2000, 2008), Dionisio er J. (omgs.) 2010), Faraeo ¢ “Tezea (2002. Aluuns livros. didtieos também jf explaram a quesrie dos fnetos (ves, por exemploy (20103), Faraco & Tezza (2002, 2003}; Abaurre ef a. (2408) iso fazer esse alerta. 2.2.5. Na alinea (c} do esquema apre- sentado, fizemos mencao ao ‘conhecimento referente a modelos globais de texto (que in- clui as regularidades de construgio dos tipos © géneros)”. Nc pos e géneros textuais tem ganhado espaco ‘es relativas a essa questio dos ti- nos estudos ¢ nas pesquisas sobre a lingua gem, sobretudo no ambito dos programas de pos-graduagio. Muitas dissertacSes € teses tém se debrugado sobre tais questées ¢ tém proposto alternativas de inclui-las nas: pro- gramagées de ensino. Também alguns ma- nuais diddticos — principalmente aqueles des inados ao ensino médio — ja exploram tais aspectos do mundo textual”. De fato, entendendo que a ampliacao da comperéneia textual dos alunos repr ita um dos objetivos centrais do ensino, é neces- sdrio ultrapassar o nivel das consideragées tedricas para chegarmos ao campo concre- to das agdes de linguagem. Nesse campo, o que existe € 0 género de texin; quer dizer, no aAmbito das atividades concretas de linguagem, 0 que temos sio os géneros: crdnicas, contos, poemas, artas, avisos, entrevistas, anuncios, declaragGes, atestados, atas, editoriais, noticias, arti- gos, notas de esclarecimento ete. CAMTINO 2 bore ban Na verdade, 0 que temos mesmo sio textos em classes de gb heros, uma vez que, por exemplo, dentro do género carta, temos diferentes perfis, conforme também diferentes propésitos: carta de apresentacao, de convite, de cobranca, de solicitagéo, de agra- decimento, de congratulagao etc. ‘os géneros. De qualquer forma, é releyante lembrar que tode correspondem a modelos convencionais de comunicagio, social- mente estabelecidos (nunca, porém, modelos rigidos!), os quais regulam nossa atividade social de uso da linguagem. Compor um ‘exto, assim, corresponde a uma operagio de cumprir um certo modelo textual, e, por outro lado, compreender um texto supoe nero. Dai por © enquadramento desse texto em determinado g que, em geral, frente 4 tarefa de produzir um determinado gi nero, seguimos, praticamenre, 0 mesmo modelo, Uma carta que eserevemos, por exemplo, tem a mesima cara que a de outros de endimento do nosso grupo, de nosso tempo. Por outro lado, o en! enero textual é, 4 partida, condigdo de sua interpretabilidade. Uma historinha que tem 0 seguinte comego: Tudo aconteceu no tempo em que os bichos falavam... jd regula a sua compreensio, no sentido de que traz as mareas convencionais de quadro em que deve ser pereebido: uma narrativa de fiegio. Em geral, os diferentes contextos sociais — os chamados dominios discursivos — so marcados por determinadas rotinas comunicativas, pois, costumeiramente, utilizam um mesmo con- junto de géneros. As tico, © dominio religioso, entre outros, costamam servit-se dos ibilidade que a im, 0 dominio juridico, o dominio jornali mesmos géneros, dentro, é claro, da natural fl pratica da linguagem implica. A questo dos tipos de texto é mais simples, pois esta me- nos sujeita a fatores de ordem pragmética do que os géneros. De fato, os tipos sio marcados por caracteristicas linguisticas ¢ estruturais, como, por exemplo, o modo de selegao lexical, a es- colha dos tempos verbais. Distribuem-se em cinco categorias, ou seja: 0s tipos narrativo, descritivo, expositivo, dissertativo ein- juntivo, Cada um desses tipos pode acontecer a composigio de diferent generos. Por exemplo, no tipo nat rativo, se inserem os géneros noticias, fibulas, contos, romances, cronicas et Vale advertix, no entanto, que um mesmo texto pode conter sequéncias narratiyas ¢ descritivas, ou UM outro, sequéncias ex- positivas e descritivas etc. De qualquer forma, todo texto é re- gulado por determinagdes do tipo e do género que realizam. E 8 convicgao desse principio que nos faz perguntar, por exemplo, diante de uma situiac ao concreta de comunicagio: como é que se faz uma noticia? Como se faz um requerimento? Convém advertir ainda que os tipos ¢ géneros no sio cate: gorias dicotémicas, antagdnicas; mantém uma relagio comple- mentar, no sentido de que “os textos realizam géneros e todos os géneros realizam sequéncias tipolégicas diversificadas”, segundo observagio de Marcuschi (2008: 160), N Programagio de estudo cencrada nas questoes textuais, O exer- cicio de formar frases serve para isso mesmo: aprender a formar frases soltas, 0 que equivale a atrofiar 0 conhecimento explicito ais uma vez parece oportuno lembrar a pertinéncia de uma do que se deve fazer para inter gir verbalmente. Eleger o fun- cionamento da linguagem — que somente acontece em textos — como uma das prioridades do estudo significa promover a possibilidade da efetiva participagado da pessoa, como individuo, cidadao e trabalhador, Os cacos da vida, colados, formam uma e ranha xia Sem uso, Fla nos espia do aparador, (Deummond, Poesas} Capitulo 3 Questées envolvidas na andalise de textos enho referido as naturais dificuldades presentes na anilise de textos, exaramente porque a tarefa de ‘ana- lisar’ implica ‘separar os elementos’ de um conjunto, Tudo estd intimamente entrelagado e se interdepende. Uma questao- e, em um texto, nada € separavel totalmente. zinha que parece scr sé de gramatica pode cstar inteiramente relacionada com o entendimento global do que é dito. De ma- neira que vale a pena nao perder de vista, em qualquer momen vo, a relagao de cada recurso cont a visdo de conjunto do texto. Embora se possa focalizar um ou outro aspecto particular, o foco do entendimento deve ser essa dimensdo global. que, no fundo, nada no texto é absolutamente particular, no sentido de que cada unidade constitui um elo do sentido maior expresso pelo todo. / : Consciente, pois, desses limites (os elementos de coustrugiio de um texto sdo insepardveis) ¢ dessa possibilidade (0 particular pode ser visto em funcao do global), consentimos em desenvolver algumas questées pertinentes a andlise de textos e, em capitulos apresentar alguns exemplos dessas andlises. seguinte Tundamient *IRANDE ANTLIRTS, 3.1 Por que analisar textos? Tenho insistido na irtelevancia de um ensino centrado na andlise de frases ¢ de pares de frases soltas. Nao sem razio: é consensual, no Ambito da linguistica de texto, o prineipio de que muitos fatos da lingua, sobretudo aqueles relative a seu funcio- namento, ndo cabem nos limites da frase. Basta citar os recursos da coesdo, os quais ultrapassam, quase sempre, a fronteira sinta- tica da frase e, até mesmo, de pares de frases. De fato, somente no texto é possivel encontrar justificativa rele ante para, por exemplo, a escolha dos artigos (definid ou indefinido), das expresses déiticas (de pessoa, tempo ¢ lugar), para a compreensio de relacd es semanticas entre frases encadea- das sem a presenga de conectivos explicitos; para as proprieda des referenciais de substantivos ¢ pronomes, sem falar nas muitas tunges textuais ¢ discursivas da repeticgao de uma palavra ou da substituigdo de uma por outra equivalente. Enfim, a frase — como unidade isolada — é bastante limi- tada. E um recorte, uma espécie de fragmento de um hipotético contexto, Como , niio deixa ver a imensa complexidade do funcionamento sociocomunicativo da linguagem. Mesmo aquela frase retirada de um texto representa muito pouco, se ndo é vista enquanto parte constitutiva desse mesmo texto. No momento em que se isola a frase, cla perde suas amarras com 0 quadro conccitual, referencial e discursivo de que faz parte. Perde, por- tanto, seu sentido maior. Como muito bem diz Marcos Bagno (2009; 119); Arrancar a frase do texto para tentar analisé-la isoladamente seria 6 mesmo que arrancar um tijolo de um edificio completo © analisar esse tijolo em seus aspectos materiais (peso, largura, mento, composi¢ao quimica G40 0 papel qu comp sem levar em considera- cle desempenha nese edificio, em que posigao ele se encontra com relagio aos demais tijolos, quanto peso ele suporta e por af vai. GAEITUMANSL WGivetes envol rides ne andilee de toxtor }4 é tempo, portanto, de deixar de lado \ pratica tao comum da anilise de frases sol questo jd sabida de todos, ou era: tas, inventadas; frases artificiais, sem con- velo te pease a textos reais, exatamente a0 contrario do que MN nse apes. acontece quando falamos ou ouvimos, escre- ainda agora, frequentemente, sio vemos ou Temos!. ‘enters de sue nde € prea No capitulo anterior, abordei a quest80—Yyicar anwar a das diferencas entre texto ¢ frase, enfatizan- favor do texto, N, «lo que 0 texto nao é uma frase grande, uma [6 she deenvclcrun anes frase de maior dimensio, uma frase estendi- durin, de ona comprecnsive da, As regras que especificam a formagio de frases sfio limitadas ¢ sio apenas de ordem sintdtico-semantica, uma vez que nao envol- vem as determinagées decorrentes dos muitos fatores pragmati cos presentes num contexto social de comunicagio. E possivel prever, por exemplo, o conjunto de estruturas de frases aceito pela gramdtica de uma lingua, Mas 0 conjunto de textos pos siveis numa lingua € praticamente imprevisivel, dada a sempre imensa hererogencidade de contextos ¢ de Fungdes que, em cada instincia, podem provocar 0 surgimento do ‘nove? ¢ do Sinusi- tado*, apesar dos esquemas de coercao a que a interagio verbal ratando de texto, niio pode fugir de todo. E por isso que, em se € mais acertado falar em ‘regularidades? do que em ‘regras’. Um texto, também, difere de wir conjunto de frases porque, neste espago, qualquer frase pode seguit-se a qualquer outra. A ordem em que elas aprecem nao afeta em nada o sentido do con- junto, uma vez que nao ha exigéncias de conrinuidade ou restri- g6es contextuais, No Ambito do texto, ao contrario, temos que issegurar uma sequéncia da qual resulte a unidade, a coeréncia, linguistica © pragmatica, pretendida, Por vezes, uma palavra que aparece no primeiro paragrafo j4 aponta para a ditecdio argumen- tativa assumida e, assim, condiciona o sentido de uma outra que consta bem mais adiante. Um aluno (mesmo ja adulto) treinado em formar frases competéncia gue ele adquiriu na escola, e que nao serve em gumentar em 0 € analisande relevante, textos de diferentes g ros, tamanhos ¢ complexidades, Esse texto foi-me dado por uma professora que 0 recolhen, em 1987, eur um curso de educagio de jovens ¢ adultos, que acontecia ola sitaada n ‘rea metro: politana do Recife. E na escola que nos aprendemos 0 «4 Se examinarmos bem, podemos constatar que que cada frase apar T@omerios € PreUtCaS RAMDE AN TONES) nenhum outro lugar social —, quando soli- citado a fazer um texto, acaba por eserever uma série de frases soltas, encadeadas apenas por centrarem-se no mesmo tema, como se pode ver em seguida?. scola A Escola e grand a escola € branca @ escola @ muito boa a escola € boa € na esca que nas apremcemas E na escola que no fleamos inteligente Ena sola QUE Nos Mudames @ a escola e muilo enportante cacao sinao locé a escola nos niio sabia dinada ha escola eu fendo amintia patria ia escola eu aprendi muita coisa escola tem Ludo. a ordem em ‘ce nao importa para o entendimento do todo. Poderfamos alterar sua sequéncias poderiamos comecar do fim. Nao haveria problema, Estamos, apenas, diante de um conj unto de frases soltas, com as quais alguém pensou estar fazendo um texto. Na verdade, esse ‘alguém’ esta aprendeu a fazer o que the foi reiteradamente ensinado em poucos anos de escola, embor apenas demonstrando que mesmo a no tenha podido perceber que essa aprendizagem carece, inteiramente, de relevancia comu- nicativa ¢ social. O texto é diferente da frase; é diferente de um conjunto de frases. Exige um estudo especitico. | CARITOLOS, Tiicstdes envol MSky MeN de textos 3.2 O que é que se faz quando se analisa um texto? Uma consulta ao diciondrio Aurélio nos da conta de que a palayra ‘andlise’, entre outros sentidos, significa: Decomposigéio de um todo em suas partes constituintes: and- lise de uma amostra de minério; andlise de um organograma, Exame de cada parte de um todo, tendo em vista conhecer sua natureza, suas proporcées, sua fungdes, suas relagdes etc. (destaque nosso} (p. 91). Pois bem: analisar textos é procurar descobrir, entre outros icdo; sua orientacdo tematica, seu pontos, seu esquema de compos propésito comunicativo; é procurar identificar suas partes cons: titwinte s, as relacées a8 fungdes pretendidas para cada uma del que guardam entre si e com elementos da situagao, os efeitos de sentido decorrentes de escolhas lexicais e de recursos sintaticos. FE procurar descobrir 0 conjunto de suas regularidades, daquilo que costuma ocorrer na sua produgio e circulagao, apesar da imensa diversidade de g@neros, propésitos, formatos, suportes em que eles podem aconte 1 O exame de tais regularidades é que nos permite levantar expectativas e construir modelos de como os textos sao construi- dos e funcionam. O conhecimento desses modelos € fundamental para a ampliacdo de nossas competéncias comunicativas, uma vez, que — ingisto — somente nos comunicamos através de tex- tos, nem que eles tenham apenas uma palavra. Vale advertir que buscar descobrir essas regularidades tex- tuais é mais do que pergunrar sobre “o que diz o autor”. B, além disso, perguntar como é dito o que é dito, com que recursos lexi- cais e gramaticais, com que estratégias discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que efeitos, implicita ¢ ex- plicitamente. E muitissimo mais, ainda, que identificar as classes ntatica de determinados pramaticais de palavras, ou a fungio s termos, sobretudo quando isso € feito sem referéncia aos sentidos expressos no texto. Assim, 0 que as pessoas fuzem, 0 que podem fazer com a lin- guagem — inevitavelmente, em textos — é que é a grande que: tao. [im fungao disso é que existem as palavras, nao importam os nomes € as classificagdes que tenham, 3.3 Com que finalidades se deve lazer a andlise de textos? Na terminologia escolar do ensino de portugues, tornou-se comum a expressdo interprelacdo de texto, fruto de uma prati ca de analise que consta logo a seguir aos textos que compoem cada unidade do livro didatico, como j4 referimos. Em geral, essa andlise é feita segundo uma espécie de roveiro, materializado em perguntas de diferentes espécies e finalidades. Nesses exercicios, é possivel encontrar de tudo: desde per- guntas de mera localizagio de informagées explicitas — curjas res- postas siio de inteira obviedade —, até aquelas que, para serem respondidas, independem da leitura do texto. Além disso, & possi vel encontrar também — sobretudo em manuais mais recentes — solicitagdes de atividades que exploram habilidades mais comple- xas de Jeitura, como, por exemplo, aquelas ligadas as estratégias de interpretacao por inferéncia ou por outro tipo de implicito. O fato de esses exercicios de interpretagao constarem, pratica- mente, depois de todos os textos €.a forma meio meeanica com que cles tém sido vivenciados provocaram uma espécie de desgaste da atividade, de maneira que os exercicios de interpr ‘acdo passaram a significar uma atividade meio simplista de encontrar respostas para um conjunto de perguntas, As estratégias bem complexas de contpreender um texto, de lograr aleangar 0 “miolo” de seus senti- dos ¢ intengées deis am, quase sempre, de ser desenvolvidas. Todos conhecemos a pratica tio comum nas escolas de “gramaticalizar” 0 texto, no sentido de toma-lo, simplesmente, como um conjunto. de unidades gramaticais, cujas cl: tificadas. P sses ¢ fungdes precisam ser iden- OF Isso, parece-nos pertinente pensar um pouco sobre as finalidades de analisar textos. Eo que faremos a seguir. a ee ae a Em termos bem gerais, objetivamos promover o desenvol vimento de diferentes competéncias comunicativas. Em termos r nossas capacidades de mais especificos, objetivamos ampl compreensao, nosso entendimento do que fazemos quando nos dispomos a processar as informag&es que ouvimos ou lemos. Em sintese, coma andlise de textos, pretendemos desenvolver nossa capacidade de perceber as propriedades, as estratégias, os ularidades implicadas meios, OS recursos, Os efeitos, enfim, as reg no funcionamento da lingua em processos comunicativos de so- ciedades coneretas, 0 que envolve a produgao e a circulagao de todos os tipos de “textos-em-fungao”. A propria atividade de andlise — reiterada ¢ consistente é fundamental para desenvolver nossa capacidade de perceber, de coxergar, de identificar os fendmenos ou os fatos que ocor m. nos textos. Evidentemente, nossas atividades de fala ou de escrita também ganham com a pratica da andlise, pois, por ela, passa mos a entender melhor certos aspectos dos processos cognitivos, linguisticos, textuais pragmaticos envolvidos em nossas interagdes verbais. Assim é que podemos propor, como fina- lidades da andlise em questio, o desenvolvi mento de: © competéncias para a compreens: 10; © competéncias para a andlise e, meio indiretamente, ¢ competéncias para os usos da fala ¢ da escrita. Como se pode ver, os objetives implica- da analise de textos sao bem dos na prati amplos ¢ funcionais. Insisto: ultrapassam a n- descoberta de categorias gramaticais e ‘as, simplesmente’. Orientam-se, como envolvimento de tatic apontei acima, para o des diferentes competéncias. Em meus livros, dou exemplos de algumas atividades dle analise de testy que se situam, exatamence, nesse patamar reduzido e simplis: ta de “apontar a classe gramati cal, a funcie sintitica, © niimero: de silabas de uma palavea, ou sua classificagtio quanto 4 localizagio da silaba tanica”, Todo o empenbo necessirin pare © Exito do pro cess de compreensiio do texto & esquecido, Nessas andlises, a gra muirica parece ser sufiviente, Mar cas Hagno (2009: 166-168) conelni subte o que seria 0 ensino dessa gramtica suficiente — que nao deve acontecer na escola -— por oposigio A educagio Linguistica, que deve preencher os abjetivos de qualquer ensino de lingua, Sobre 0 gne & educagéo Linguistica e seus desdobramentos, ver, no mesmo fi ¥10, p. 155-1655 ver ainda Borroni Ricardo (2004) ON ee De fato nao parece haver outro caminho sendo 0 da com peténcia. As exigéncias atuais. muito mais que noutras épocas, recacm sobre pessoas capazes de atuarem socialmente, com versatilidade, com criatividade, com fluéncia, com desenyol- tura, com clareza e consisténcia, na discussao, na andlise e na condugio das mais diferentes situagies sociais — do espaco familiar ao espaco do trabalho, Isso desloca, necessariamente, os objetivos do ensino da lingua na direc&o da reflexio investi- gadora, da andlise dos usos sociais da lingua — escrita falada, verbal ¢ multimodal — e da aplicabilidade releyanre do que se ensina, do que se aprende Nessa perspectiva, cresce 0 significado do interesse pela and- lise, pelas perguntas, pelas hipoteses, muito mais do que pelas respostas. Tivemos (ou, temos?) uma pratica pedagégica ba em certezas irrefutaveis; sem sombra de diividas. Nem sequer ad. ada mitiamos um depende: a resposta era sempre em termos de um sim ou de um nao categérico; um certo ou um errado definitivo, A finalidade da andlise, porranto, é promover esse estado de pergunta, de busca; Sse querer ver, mais por dentro, a engre- nagem de funcionamento da linguagem, Ne outro jeito: vamos chegar ao texto. a direcdo, nao ha 3.4 Que textos analisar? Como resposta a essa pergunta, s6 nos cabe dizer: todos 0s textos, de qualqucr tipo ou género, de qualquer latvanho on kuncdo. textos verbais (orais ou escritos) 0 lo verbais e lextos multimodais (imagens. charges, histories em quadtinhos, gatficos, tabelas, mapas) poder ser objeto de andlise Evidentemente, a escolha desse material se prende a deter- minadas circunstancias, como, por exemplo, o tipo ou 6 género em estudo ou alguma particularidade relacionada a um deles, De qualquer forma, a motivagio da escolha deve ser, sobretudo, a DAPIMULO Fin te cts repair te ote anilise de aspectos pertinentes a natureza, & fungao, a construgao do texto, Vale, no entanto, apontar alguns cuidados que devem ser to- mados quanto a essa escolha do material a ser objeto de andlise. No que se refere a oralidade, deve ser de interesse da escola promover diferentes situagées de interacao, com distintas finali- dades e destinadas a grupos variados de interlocutores (ora mui tos, ora poucos}, do mesmo ou de outros grupos. Na verdade, a escola deve assegurar ao aluno a convivéncia com a diversidade de interyengdes ¢ de contextos da comunicagao oral priblica, para que ele possa ultrapassar a simples oralidade da conversa infor mal entre pares do mesmo grupo social. Nessa perspectiva, cabem as iniciativas para promover ati- vidades que ponham © aluno em contato real com géneros orais mais complexos ¢ formais como: debate, semindrio, apresentacao de trabalhos em grupo, defesa ou justificativa de pontos de vista, de propostas, exposigao de pontos tedricos ou de ideias, entrevis: ta, apresentagio de pessoas, de programas, de eventos etc. Saio des que exploram nado apenas as competéncias do aluno situ: para o planejamento ¢ a condugao de um evento comunicativo como também as competéncias para a escuta ¢ a participagado colaborativa e relevante em grupos. A anflise de textos orais deve ter, portanto, um largo espago ala de aula nas atividades de Em geral, a escola tem providen ciado poucas oportunidades de reflexao ¢ de estudo a partir de A escola parece afinar com a impressio ingenua atividades orais de muitos que imaginam ser a oralidade livre de qualquer coer cdo e, portanto, nado requerer qualquer empenho de estudo ou aprimoramento. Em se tratando da andlise de materiais escritos, vale reco- mendar que os textos: © sejam adequados, quanto a tematica, a estruturacdo lin- guistica ¢ ao tamanho, A faixa etéria dos alunos; © yemetam para diferentes contextos geograficos e cultu- bes ou dados rais, nao se limitando, portanto, a informe A anitlise dos livres dickéticus tem poxucnas eidades ou no mei rural eas on persunagens da realida- le do campo, se recorte a figuras 1 imagens foleléricas, simplistas, cricacurais e muitas vezes, cheias de visdes preconceituosas fi embu tidis. Chico Bento que 6 diga! lenciader que pouee se fala on em geral, quando aparecem TRANDE AWTUNS especiticos de uma dererminada regiao ou de um determinado grupos nessa mesma linhg € recomendavel a escotha de textos que ex plorem também a realidade do mundo rural"; * procedam de campos sociais diferentes, tais como: ci€ncia, arte, politica, religiao, econo- mia, trabalho, entretenimento, informacao, publicidade, literatura — em prosa e em yern So — ¢, assim, tenham como suportes 0 jor hal, a revista, o folder, o livro, a enciclopédia, 9 formulitio, o livro de literatura, o folheto de cordel, o carraz, entre outros; , ® revelem a diversidade de géneros em circulagdo nos dife- rentes grupos sociais, como: editoriais, artis 08 de opinidio, exposigses de divulgagio cientifica, noticias, notas de es clarecimento, trechos de reportagens, trechos de entrevis- fs, antincios, avisos, cartas, convites, declaracéies, con: tos, fabulas, erdni As, poemias, hist6rias em quadrinhos, tiras, charges, cartuns, graficos, pa citar apenas esses; * sejam representatives de diferentes dialetos regionais ¢ so- ciats (prestigiados e estigmatizados) e de diferentes regis- {ros (na escala do mais formal até o mais informal); © sejam dive rsificados quanto a sua forma de apresentagao € dessa mancira, explorem diferentes recursos visuais (imagens, fotos, figuras, desenhos de vartados tipos, ta manhos, cores ¢ formatos de letras) sejam diversificados, ainda, quanto a scu tamanho ea seu grau de complexidade (os alunos nio podem ficar limita dos 4 Ieitura de textos curtos ou mais simples); * preservem a unidade de sentido e a relevancia do contet- lo, no caso de sofrerem adaptacdes ou supressies; ¢ indiquem os elementos de seu contexto de produgao, tais como autoria, suporie, lugar ¢ época de publicacios ® quando for pertinente, preservem a forma grifica do su: porte original. CAPITULO 9 cucte enbntey scatine sed too 3.5 Que elementos analisar? Grosso modo, podemos dizer que tudo pode ser analisado em textos. De fato, neles toda a lingua, em suas miiltiplas di- mensées, pode estar presente, Evidentemente, um determinado texto nao abarca fodos os fatos linguisticos ¢ todos os aspectos responsdveis por sua funcionalidade socivinterativa. Contudo — 0.0 campo natural para a andlise de todos repito — os textos os fendmenos da comunicacéo humana. Neles é que os aspectos 0 de nossas atuacdes verbais se tornam da produgdo e da recepgi siveis a observagao. Essa abertura de possibilidades nao implica que, metodolo gicamente, nao escolhamos um recorte entre as questdes analisa que & possivel ver em textos sera desapontador e ves. O “tudo improdutivo se nao for submetide a um determinado recorte em torno daqueles fendmenos a serem observados ¢ deseritos. No entanto, vale a pena chamar a atengio para o ponto 1 partir do qual € feito esse recorte: que 0 texto — como tem acontecido tradicionalmente — nao seja reduzido a um campo de exemplificagdio de uma certa questao gramatical; por exem s oxitonas, o ntimero de substantivos, plo, 0 nimero de palay de adjetivos ou outra categoria gramatical qualquer. Quer dizer, © fenémeno observado nao constitui uma questo propriamente textual, como seria, por exemplo, 0 amplo conjunto dos recur sos léxico-gramaticais que promovem a coesao ¢ a coeréneia ou 0s efeitos de sentido que © uso de determinados substantivos ou adjetivos poderia provocar. Fm suma, o texto é que deve ser o centro, o objeto dos es- igdes. A gramatica, evidentemen- te, estd presente como componente funcionalmente essencial ¢ insubstituivel. O que se tem que descobrir é, exatamente, essa funcionalidade de cada recurso gramatical. Dentro dessa conveniéncia de se proceder a um recorte das questées a serem exploradas, ¢ de se escolher ofa um, ora outro tudos, das anilises, das des foco de analise, um critério poderia ser: Andiise de texios — tundamentos pratices ERRATUM (a) 0 exame do texto como um todo ou (b) 0 exame de uma ou outta de suas panes, Assim € que propomos, como primeiro (e mais relevante) foco de anilise, a dimensdo global do texto, a dimensio que, na verdade, representa 0 eixo de sua coeréncia; ou seja: pore venccemeennneteem * Otinive(s0 Ge releréncia — real ou ficticio — para o qual 6 texto remete: * Seu Campo discursivo de origem ou de circulacdo (isto &, campos cierttilico, dida- Lico, juridico, religioso, politico, de inormavao. de entretenimenta, litersrio eld); + seu tema gu sua idela central; + sila fungi comunisativa predominate; + seul piopdsite ou sua intengao mais especilica: + a vinculacao do titulo ae nucleo central; * ocrilério da subdivisao em pardgratos; + adirecdo arqumentativa assumida: * as represenlagoes, as visdes de mundo, a8 crencas. as concepgdes que o texto Gelxa passar, explicita ou implicilamente; * 08 padres de o1ganize cao decorrentes do lipo que: o lexto malerializa; por exer Plo, no caso de Lexios nanativos, a lidelidade ao esquema da narrative; a ordenagaa ‘a sequencia dos lalos; a harmonja enlie personagens, temps, espaco e enredo. * a3 parlicularidades da superestrulura de cata yénero (blocas, partes, subdivisies. lormas de aiganizagao, de apresenlagtio © de sequencia dessas partes}, SEUS esqlueMas de progressao Lemalica’ seus recursos de encadeamenlo, de arlicukagio enue paragralos ou periados, a Jim de Jhe conlerir a necessatia continuldade: a sintese global de suas ideias ou informagbes; 0 discemimento entre as ideias principals & aquelas oulras secundatias, Sua adequacdo és especilicidades dos deslinalarios envalvidos, Sua relevancia comunicaliva na exposigao de dados, de intormacdes, de aiguimen- (as, islo €, 0 grau de novidade das informagées, o que determina o seu nivel {allo, mMediano ou baixo| de inlornialividade; * ograu de adequagio desse nivel 8 situacte comunicativa; * suas telaces com oultes Lexlos, 0 que inclui, mais especilicamente, as remis- S0€S, as alusdes, as paniffases, as parddias ou as cilaeses literais. arene rennet re Com um outro foco de analise do texto, agora centrado em aspectos mais pontuais de sua construgio, propomos que sejam objetos de observacao: ASP el txios as expressdes teferenciais que introduzem os objetos de releréncia; a8 Telomadas dessas expresses relerenclais, qué asseguram a continuidade relerencial pretendida, seja pela substiluigao pronominal (analoras, caldloras pronominais € deiticos textuais}, seja pela substituicdo lexical (por sinénimos, hiperénimos ou expiessbes equivalentes); as Cliversas lunigdes da repeticdo de palavras ou de segmentos mainres; as eclipses, aspeclos do significado de uma unidade, de uma expressio ou aLé de umn morlema: 0 caidler polissénico das palavras em deconéncia de seu Lansila para um outro campo de teferéncla: os segmeritos em (clagdo de-sinon(rnia, antonimia, hiperanimia e paranimia: a assaclagio se mdntica enire palavras (ou a8 cadeias ou redes de elementos alirns que se distribuem aa longo do texto); a concordancia verbal e nom nal e suas relagées com a continuidade lemalica do todo ow de uma passagern; as valares sintalica semanticos da conexao interrasica, passibililades pelo uso de preposicées, conjungdes, adverbios e de respectivas locugées; © uso das déilicos pessoas, espaciais lempotais € a relagdo dessas expressies coin elementos co contexto, aacorencia de paralrases e suas marcas indicalivas; a presenga de estrulw ras sintaticas paralelas; os eleitos de sentido pretendidas pela allerayao na ordem canGnica das palavras linversdo ou destocamento de um Lerma, pot exempla), 0s eleitos de sentido fénlase, reiletacao, relutagdio, ambiguidade, humor, grada- 40, conitiasle) piretendides pela escolha de delerminada palavra ou por certoa Fecilisos marlossin.alicos e grafices (aspas, [laligo, sublinhado, dilerentes cores, lamanhos ¢ dispasigées das \elras ou liguras etc): 5 eleitos de sentida prelendidas pela Lransgressdo de qualquer um dos padroes Morlossintd titos & semanticos estahelecicias: as marcas de Ironia; as maycas de envolvimento do autor (rente ao que € dilo; ‘08 comentarios do enunciacor sobre seu proprio discurso; a forma (direla ou indireta) de como oj nlerloculor esia presente ou apenas suposto, as ‘alas’ que se jazem ouvir: os implicitos ou 'vazios’ de sentidos; os dilerenles usos e cortelacées dos lempos e modos verbais: as marcas das especilicidades de uso da oralidade ou da escrila: o nivel de maior ou menor jormalidade da linguagem ulilizada; @ presenga de sinais que indicam a distribuigéu das inlormagdes em ites, em ponlos distintos, Fvidentemente, toda a gramatica du lingua € componente dos sen- hidos da texto € deve ser, por isso esino, objeto de anilise eambém © que propomos é que se ultrapas- sto estangue, engessada e implista das classes de palavras, conradas apenas em aspectos de tit otorfologia, Como. rentativa de fever nossos coneeitos acerca dlesses pontos de gramscica, vale a pona ler, ein Hari e Basso (2006), 1s consideragées acerea dats classes Jepalavras (p. 108-124). A consul= tot Neves (2102) ex Perini (2008, 2) LO) também & bastante relevante wio obras gue descrevem questies a gramatiea do portugues numa perspectiva ampla, aberta e bem mais consistente que os livros de uramsitiea tradicionnis) Anallgo de lextos ~lundamentos ¢ préticas EATERS + as marcas de polidex convencionais * aspeclos da flonluacia, dé orlogralia das palavras e da apiesentacdo gréfica do LexLo, subordinados, sempre, coeténcia ed relovancia, + © oulias questdes que nu GuLta andlise oberlo em uma ponham ad Enfim, € quase impossivel enumerar exaustivamente o que podemos analisar nos textos. Uns podem oferecer uma gama maior de elementos; outros, menos, na dependéncia de uma série de farores, que, como sabemos, sao determinantes para sua composicao. De qualquer forma, fica evidente que muito se pode ver, para além da forma e das classes de palav ‘as ¢ frases que entram na composicao do material linguistico com que interaginis. 3.6 A luz de que principios analisar? Toda aniilise 6 orientada por um corpo de prineipios que « gulam seu percurso. No caso em qu tio, os prineipios que nos orientam so de duas ordens: um te6rico, outro prético-aplicativo. © primeiro resulta das definigdes da linguistica textual, que considera 0 texto como “o fendmeno linguistico original”, ou “a forma necessaria” de a comunicagao verbal acontecer, O segundo principio, de natureza aplicativa, resulta do pri- meiro ¢ implica que todo ensino de lingua tem como objetivo maior: amipliar a competéncia comunicativa das pessoas. Ora, tal competéncia é, essencialmente, discursiva. Ou seja, a com- peréncia de uma pessoa em termos linguisticos se avalia pela capacidade que essa pessoa tem de, falando, escutando, lendo e escrevendo, atuar por meio de diferentes discursos, em dife rentes praticas sociais ¢ de obter, com esses discursos, 0s fins a que se prope. or seers epee veneer Retina aAnITULO A analise dos textos pode acontecer, como vimos, quer n0 plano global, quer no plano local, ¢, ainda, sob diversos aspec tos. Vale salientar, contudo, que qualquer andlise, de qualquer itento deve ser feita, sempre, em funcao do sentido, da com- se} preensdo. da coeréncia, da interpretabilidade do que é dito. O gue significa admitir que, em qualquer anilise, a questo maior é sempre a compreensio do que se diz. e de como ¢ para que se diz.0 que é dito. A andlise das formas pelas formas significa muito pouco. As forme se expres sam para significa -omo recursos OU meios que possibilitam © entendimento mutuo dos interlocutores enyolvidos. No ensino da lingua, 0 apelo maior deve ser orientado para a descoberta e a compre ensao dos sentidos, das intengoes e da funcgaio com que as coisas sao ditas. O fundamental, portanto, é perceber a fungdo pretendida para cada uso, para cada escolba. Em tudo que dizemos, como se sabe, as escolhas nao sio aleatérias. Em geral, fica-se muito no estudo das for: mas linguisticas, como se nada mais houv. e para além delas®. F, porranto, na perspectiva de ver a interagao verbal acontecendo que se deve empreender © trabalho de andlise dos textos que circulam ou que circularam entre nés (c, ampliando, no mundo alargado das 1). comunidades em que se fala 0 portugues * Para que fique claro que essas observagées téin apoio também na realidade atual, lembeo um comen- Srin que onvi, em finais de deem- bro de 2009, em rede nacional de televisto, a propésito da prepara Gao para as provas de vestibular de 210. O comentiri focalizaya “os principais eros que se cometem ne dia a dia”, Para tanto, 0 script do Jovens, numa conversa em um fat chonete, Na sequéncia da conversa, iam incorrendo em “erros”, que um professor (mestre en: linguistiea) ia classificsnde como exeniplos de pleonasiie, solecismo, barbarismo, cacéfato © outros “icios”. Pensei comiga mesma: quanto das atuais visGes do Linguistica de testo, da sociolinguistica, do inveracionis. mo funcional ainda falta chegar as escolas! Nao hi uma coi inrelevante do que andar a caga de erros, Por que a escola resiste tan. to em assumir novas visies, novas, propostas de estado da li 3.7 O que evitar nessas atividades de andlise de texto? Na perspectiva que clegemos aqui, é natural que se evite re- correr — que foi tio comum — de retirar do texto um prati ou outro segmento, apenas, para identificar a classe gramatical ou a fungao sintatica de certas palavras, ou para classificar tais palavras segundo um ou outro critério morfossintatico. Por sinal, tal pratica nem chegava a ser anélise textual, uma vez que estava em jogo apenas a identificagio e a classificagao das unidades, em geral despregadas do texto ¢ do contexto onde elas se situam. ‘A propésito de sificagdo, parece pertinente afirmar que pode ser util recorrer a atividades desse tipo, desde que esteja em jogo, primeiramente, a percepeio de como as unidades a serem classificadas sao signifi- s habilidades de identificagio ou de clas- cativas para a compreensao dos sentidos ¢ das intengdes, Por exemplo, identificar 0 sujcito de uma oragdo como su- jeito indeterminado pode ser relevante se procurarmos descobrir por que © autor escolheu, entre outras possibilidades sintaticas, aquela do sujeito indeterminado. Do contrario, identificar por identificar nao leva a muito longe. A opgdo por indeterminar o as: pode nao ser conveniente, politicamente, indicar os agentes responsa- veis por certas agées. O melhor, pois, é apelar para um “se” que indetermina, ou seja, que esconde as responsabilidades (“Fala-se em prorrogagio do mandato do presidente”, por exemplo). sujeito tem, sempre, razdes pragmatico-discursivas divers: n “O Banco mentiu”, temos um substantive como sujeito expresso, mas saber isso € muito pouco. Mais vale atentar para o uso dessa metonimia, que de inocente nao tem nada. Ou seja, por essas poucas consideragées ja podemos ver 0 quanto aquelas atividades de meras identificagdes ¢ classificagdes nos privam de pereeber o mais relevante: por que fazemos deter. minadas escolhas linguisticas. O mal, pottanto, nao esti apenas no que tais atividades focalizam; esté, sobretudo, naquilo que elas nao nos deixam ver. Em principio, nio escolhemos uma palavra porque cla é subs- tantivo ou adjetivo. Quando atuamos verbalmente, escolhemos as palavras pelo que elas significam, pelo que elas possibilitam que se diga o que se quer dizer, do jeito que nos convém dizé-lo. Do contré. rio, a fala seria privativa de quem conhece, explicitamente, todos os elementos da metalinguagem, Na verdade, é usuario da lingua quem conhece © carater significante e significador da linguagem, mesmo que nao saiba apontar as classes a que suas unidades pertencem. Pa gasta tanto tempo com nomeagées e classificagdes de unidades? ce que nunca é demais perguntar: por que a escola ainda 3.8 Como analisar textos ou que procedimentos de andlise adotar? de anélise so muitos ¢ po- Evidentemente, os procediment dem variar de uma situago a outra, na dependéncia de muitos fatores, como a propria finalidade da andlise, inclusive. Diante dessa imensa possibilidade de variagao, talvez seja mais produti- vo enumerar os principais procedimentos a serem evitados. Nos capitulos seguintes, quando teremos oportunidade de realizar as andlises, vamos mostrando como empreendé-las e vamos sugerin- do alguma Poderiamos relembrar, portanto, que convém evitar: str alternativas. © restringit-se 4 extrapolagao do tema abordado, detendo-se em comentarios que, mesmo afins, ndo esto apoiados cm passagens do texto; © reduzir a andlise A mera oportunidade de exemplificacio de uma unidade linguistica em estudos ra clas © recorter & andlise, simplesmente, para identific ou a categoria gramatical das unidades; ou, ainda, iden- tificar a fungdo sintatica de termos ou de oragdes, sem. atentar para a funcdo que tais elementos desempenham na construgao e expressao dos sentidos; © fragmentar o texto, retirando dele frases ¢ palavras, sem o cuidado de manter a contextualizagio original dessas unidades; e reduzir 0 estudo do vocabulério a questées de sinonimia ¢ antonimia; © mio discriminar, pela andlise, os aspectos globais do texto © outros pontuais e periféricos; * omitir a indicagao da finalidade ou dos propésitos mais imediatos da andlise; © privilegiar as informages dadas explicitamente; ° concentrar-se num tinico modelo de andlise, de forma a cair numa rotina sem interesse e motivacdo. Ou scja, o importante é manter o interesse por um estudo flexivel, aberto, amplo, que atinja o que é fundamental no uso da linguagem: sua fungao como meio de promove a interagao entre as pessoas para cumprimento das mais diferentes fungdes comu- nicativas. Esse interesse, uma vez ativado, nos torna capazes de ir descobrindo, de ir inventando e reinventando cada dia jeitos mais significativos de atuar com nossos alunos. A propésito desse ponto, vale a pena destacar 0 cuidado de nao imprimir a andlise uma espécie de formula, como se todo tex- to seguisse, com absoluta rigidez, um modelo absolutamente es- tavel e fo e independente de suas condigoes de producaio e circu lagdo. Um texto concreto, apesar de poder ser enquadrado num prototipo qualquer, que © faz ser reconhecido como de determi- nado género, est sujeito a variacdes que dependem das decisdes dos agentes do discurso no curso das interagées. Bem sabemos como essas interagGes acontecem de forma ilimitada e em cons- tante variagao. Nossas anilis °s, portanto, devem acomodar-se As condigées concretas de cada objeto © podem trazer um elemento particular, que se origina na propria particularidade historica do texto conereto. Assim 6 que as andlises que apresentamos nos capitulos se- guintes nao tém o estatuto de formulas, de modelos. Sao apenas propostas — néo exaustivas, é claro — do muito que se pode ver rgulho que se pode dar desde a sua superficie nos textos, ou do me até o fundo de seus sentidos textuais e contextuais. Espero que essas propostas possam gerar muitas Outras, capazes de deixar as questdes textuais, cada vez mais, no centro da sala de aula. Para encerrar este capitulo, gostaria de retomar umas palavras que j4 expus em momento anterior, FE. que elas parecem expressar, com certa forca, a sintese de minha proposta para a anilise de Berpeeoe textos ou, mais especificamente, as razes ultimas para ultrapas: armos os limites estreitos de um cnsino que nao privilegia os usos da linguagem, 0 que implica admitir wm ensino que ndo focaliza a dimensdo do texto, do discurso, da interacao verbal. E minhas palavras — que, originalmente, fazem parte de um capitulo do liveo Lingua e ensinos dimensées heterogéneas (vet bibliografia), sio as segnintes Basta de tanto ensino centrado em irrelevdncias, em saberes indcuos e improdutivos, que nio servem senao para o dia do exame, Basta de tantas expectativas frustradas, de tantos en- tusiasmos cerceados, por parte de alunos € professores. Basta de tanto tempo perdido, de tanto esforgo, de tanto investimen- to para nada ou para muito pouco. Nossos ideais de cidadania reclamam por uma escola eficiente: escola que ensine a ler, a escrever, a escutar, a interpretar, a analisar, a pensar sobre a rio. Escola linguagem, a se emocionar diante de um texto lite prestigiada pela eficacia de conseguir prepa- empreendedora rar os individuos para participarem da sociedade, ativamente, buindo para resolver os problemas que positivamente, contr ela enfrenta. As necessidades atestadas socialmente é que deviam definir os programas, A escola precisa ter os olhos voltados para fora de si mesma, a fim de cnxergar com mais amplidio © que precisa ser feito ou quais as competéncias que devem scr desenvolvidas para que todos possam garantir sua qualidade de vida e sua efetiva participagdo na sociedade, Muito mais ainda quando se trata da populagdo menos fa- vorecida. Os pobres, sem eufemismos, precisam, exatamente, de uma escola que os ajude a sair da pobreza, que os ajude a fazer planos, a ter perspectivas, a desejar melhorias, a lutar por clas, 1 acreditar que elas sfio possiveis e que a fatalidade nao existe. Precisam de uma escola que Ihes ensine que nao ha um Deus que quer a pobreza, muito menos a miséria, nem reserva premio para quem sofre mais aqui na terra. Os pobres, repito, precisam de uma escola que thes ensine a veneer a‘ pobreza, a encontrar Anillge de textos = fundamentos ¢ pratica: TRANDE ANTUNES caminhos para viver dignamente, qualificados como cidadaos ha- do de traba- Iho, conforme as exigéncias de cada época e de cada lugar. Paradoxalmente, os pobres é que tém sido mais lesados no seu direito a uma escola que, de fato, desenvolva competéncias. beis, como profissionais, capazes de atuar no mer ja sabem ou o que eles nao precisam saber; depois, a sociedade os Na verdade, a escola os exclui, quando thes ensina 0 que el exclui, porque eles ndo sabem o que precisariam saber. Concre- tamente, no campo do uso da lingua, nao sabem ler textos mais complexos, de géneros mais especializados; nao sabem intervir io ptiblica, nado sabem em situagées mais formais da comuni escrever textos mais formais, mais claborados. Ficam excluidos, assim, de todas as situagdes cm que podiam atuar, discutindo, analisando, solicitando, concordando, refutando, reclamando, reivindicando, explicando, informando, acerea de suas situagdes de trabalho e de vida. Nao podem fazer isso, porque ndo sabem como faré-lo, ou porque foram convencidos de que nao sabem. Mas passaram anos a fio os poucos que conseguiram ficar — procurando digrafos, separando silabas, sublinhando palavras, decorando coletivos, classificando sujeitos (eles préprios “de cla! sificados”), escrevendo frases, fazendo cépias ¢ outras tantas atividades, que s6 se justificam no dominio interno da escola, em gue algumas coisas devem ser aprendidas para que sejam sabide quando o professor perguntar sobre elas. E ld se vai a oportuni dade de suscitar o entusiasmo dos alunos, 0 possivel gosto por ampliar suas habilidades linguisticas, por tomar consciéncia de quiio vasto € 0 poder das palavras. E os pobres ficam sem mais esse poder, que nao aconteceu, Perdeu-se 0 saber, perdeu-se 0 po- der “que nao foi, mas que poderia ter sido. Vale lembrar que qualquer crianga, na cidade, no campo, na favela, na roca, quando exposta a situagées motivadoras, que Thes despertem o interesse, é capaz de aprender, sustentam os psi- célogos da aprendizagem. Orv NANS CO Fundamentos para a analise de textos: o foco em aspectos globais primeiro interesse, na andlise de textos, deve estar orientado para a apreensao de seus aspectos glo- bais, ou seja, para o entendimento do texto como wn todo, daquilo que o perpassa por inteiro © que confere sentido As suas partes ea seus s eginentos constitutivos. De faro, pode nao ter muita relevancia deixar de captar uma ou outra particularidade, um ou outro pormenor; mas é de extrema importincia apreender os elementos que definem 9 sentido e os propdsitos globais. Reitero que a compreenséo global do texto deve ser vo ponte de partida eo ponto de che- vada de qualquer andlise. Em geral, como ja temos referido, as andlises mais comuns empreendidas na escola incidem sobre fragmentos, sobre ques- toes pontualmente localizadas ou sobre particularidades morfos- sinraticas das classes de palavras, obscurecendo, assim, a visto inteira do que é dito e por que isso é feito. Entre muitos dos aspectos que caracterizam essa visdo inteira do texto, selecionamos alguns que podem ser objeto de cuidados especiais em nossas andlises, conforme enume ramos abaixo. AACAMIEHECS & praloas “TRANS ANTUNES: 410 universo de referéncia Um texto tem como enquadramento cognitivo entidades, re- la es, propriedades de um mundo real ou de um mundo ficticio, Desde 0 inicio, por vezes ja no seu titulo, encontramos sinaliza cées do universo em que a selegdo dos sentidos deve ser empre- endida. Lembro-me de uma fabula de Rubem Alves que comega assim: Tudo acontecen no tempo em que os bichos falavam... O segmento grifado ja indica que se trata de um mundo ficticio, de um mundo simbélico, no interior do qual as informacées e ideias tém que ser entendidas. Como subpropriedade desse universo de referéncia, podemos procurar identificar, mais especificamente, 0 campo social-discur- sivo em que cle se insere, conforme cle se destine aos campos cientifico, didatico, religioso, politico, artistico, de divulgagio, de entretenimento, entre muitos outro! Na verdade, um texto assume determinadas formulagées, é expresso em certos niveis de formalidade, em certos formatos e suportes na dependéneia das normas, soc ais e discursivas, que decorrem do universo de referéncia e do campo social em que 0 evento comunicativo se insere ¢ vai circular, Por isso € que a produgio ea recepgio social di 8 aces verbais constituem verda- deiras “rotinas comunicativas”. Em rela io a esse item, pode ser lembrada a questio tio pertinente da adequagéo contextual do texto. Presentemente, as discusses em torno do bon texto tém desta sua adequacHo a seu contexto de produgdo e¢ circulagio. Com a reiteragio desse principio, espera-se, entre outros resultados, Jo a primazia da enfraquecer a visio reduzida — tao arraigada entre professores e publico em geral - ele esteja correto”. Um texto, em principio, pode até nao estar de que, para um texto ser bom, “basta que correto, mas se estiver social ¢ discursivamente adequado a seu contexto de circulagao, é um bom texto. Ainda no interior dessa adcquagio contextual, merece destacar a questio dos destinatdrios previstos. Ede extrema i CAPITULO 4 importancia té-los em vista, Afinal, a lingua gem @ uma atividade interativa, entre dois ou mais interlocutores, um dizendo a outro, um perguntando ou respondendo a outro, de modo que, literalmente, ninguém fala ou es- creve para ninguém. Pressupomos sempre a presenga de um outro. Esse principio parece extremamente ba- nal de tao dbvio que 6. No entanto, nas aulas de portugués, ainda presentemente, aconte- cem atividades de formar frases soltas, para treinar esse ou aquele ponto da gramatica, ou de escrever textos sem nenhum interlo cutor previsto para ocupar o lugar do outro lado. Um exercicio de nao linguagem, afinal!. Como regular o que ¢ 0 como dizer, se nao sabemos com quem interagimos? Em sintese, é de extrema importancia em nos: as andlises identificar 0 universo de refe- réncia ativado e, a partir dai, reconhecer ou- ' Por vezes, 08 professores se quel xam de que, no momento, do se hem mais come ensinar a lingua ott 0 que fazer em sala de aula, Nao me parece que os professores renham razao para se sentirem rie deso- Fientacios assim, JA so tio eomuns outras. perspectivas e, consequen- ftemente, de outras atividades! So comuns, por exemplo, as orienta- gies para gue se prefira a escrita de Jesios ~ mesmos curtos ~e se deixe a escrita de frnses soltas, despro posicadas, descontexualizadas, ou de textos “para ningacm", simplesmente, part treino. Nin udm apeendeu a usar a finguagem treinando primeiro, on comecando pela produce de frases para sé depois chegar 0 fazer textos. Qual- quer palayra {4 era um texto, por que, indepencentemente de sua for ma, jé trazia um propdsita e [4 era tum pedace de uma interlocugito, tros elementos que definem a totalidade dos sentidos expressos. 4.2 A unidade semantica Um texto se desenvolve em torno de um tema, ou de um t6- pico ou, ainda, daquilo que, convencioualmente, se costuma cha- mar de ideia central. Essa unidade funciona como wnt fio, wi cixo, que faz cada parte, cada segmento convergir para um cen tro. Essa unidade € que permite a elaboragado de uma sintese ou de um resumo, o entendimento dos titulos e subtitulos, a locali- zacio dos subtépicos, o discernimento entre as ideias principais e aquelas outras secundarias. {pio, é essa unidade tematica que deixa o texto Em prin como um conjunto demarcado, como um terreno delimitado. E # Pode-se perceber a dificuldade de alums alunos para eonseguirent ess “unidade tematica” e “essa a= ties ias partes do. entee as tear, Fin mutivas casos, cada pari grafe parece umm textinho a parte, Nav se consegue percehera prevenga dle oma scquéneia, de wus eueadea- mento, de uma continuicade, que, no Tonal, resulta na unidade preten- ida. Cofsas que podiam, mnite bon, sev ensinadas, ser explovadas nas alividades de sabi de aula. Far peta ver a quatidade de alguns tex- tos de alunos no final do ensine, dic. Faltou tempro de estudo? —REREIS 6 textos = [undamenios é piatioas UANRIGNTIENESD ela, ainda, que nos leva a procurar saber: a que pergunita o texto constitut uma espécie de resposta. Vale lembrar que, para a unidade em questo, concorrem os diferentes recursos da coesao, os quais vao costurando o texto, promovendo a articulacao entre suas varias partes, de maneira que se pode reconhecer uma sequéncia de fatos, de informagées, de ideias, de argumentos, de comentarios etc? Um entendimento mais consistente do ponto em discussao nos leva a relevineia de reconbecer 0 ponto de vista a partir do qual © tema é tratado. Ou seja, mesmo restrito a um tema particular, © autor assume determinado ponto de vista, o qual também de- fine as condigdes de sna cocréncia global. Por isso é que textos sobre um mesmo tema podem se desenvolver 3 volta de pontos de vista diferentes. Essa unidade cemitica nfo é privativa da comunieagio es- crita, Os géneros orais também se realizam dentro desses pari- metros de unidade, embora, cm algumas cireunstancias, esses pardmetros sejam m: frouxos, como 6 @ caso da conversagio informal. Assim, uina conferéncia, uma palestra, um debate, una aula e outros eventos similares sao senipre em torno de tn deter- miinado tena. Dai que a andlise dos elementos que caracterizam essa unida- de tematica do texto, oral ou escrito, recobra uma importéneia fundamental na exploragio dos usos das linguagens. 4.3 A progresséo do tema Como vimos, a concentragdo do texto em determinado tema Ihe da unidade. Evidentemente, em seu percurso, esse tema vai-se desenvolvendo, ou melhor, vai progredindo, 0 que OO ERE Capos He texic8: 0 foco em aenéolce globais implica admitir que, acerca do mesmo (o tema), algo diferente vai sendo aerescentado, Faz parte de nossa competéncia discursiva alimentar a expec- tativa de que nosso parceiro de interlocugao nao vai ficar, indefini- damente, dizendo 0 mesmo, ou seja, fixado no mesmo porto. Es- peramos que a fila das ideias ande, no sentido de que coisas novas vao sendo acrescentadas, embora acerca do mesmo tema. Ou seja, contamos com a previsibilicdade de identificar o gue se diz do tema, Ocorre que, no texto, tudo precisa estar em convergéncia; tudo precisa estar encadeado. Assim, a progressao esperada para o de- senvolyimento do tema precisa estar em articulagao: os segmentos entre si (por exemplo, um paragrafo com outro ou com outros an- tecedentes e consequentes) ¢ todos com 0 tema central. O resultado dessa progressdo articulada é a integracio das varias partes em um todo. Lembremo-nos de que, diante do que ouvimos ou lemos, ex- perimentamos a sensagio de que estamos diante de uma unidade, de que somos capazes de reconhecer seu comego e seu fim. Constitui, portanto, pratica de grande relevancia identifi- car 0 plano de progressdo do tema, ou 0 esquema sob o qual cle avancou, 44 0 proposito comunicativo Nenhum texto acontece sem uma finalidade qualquer, sem que se pretenda cumprir com ele determinado objetivo. Nao é a toa que costumeiramente perguntamos a quem nos fala: “O que vocé quer dizer com isso?” O “querer dizer” 6 constitutive do dizer; é anterior a cle. Esse propésito, que 6 parte de qualquer atividade de lingua- gem, pode ser apontado como: expor, explicar, convencer, persua- dir, defender um ponto de vista, propor uma ideia, apresentar uma pessoa, um evento, uma ideia, relatar um fato, descrever um even- to, dar uma noticia, divulgar um resultado, informar ete. A série desses propositos é praticamente inesgotavel. Além disso, eles nao Analise de textos — /ondamentas e preticas SIERRA TOMS so mutuamente exclidentes: pode-se relatar um fato com o pro- posito de convencer alguém de alguna coi a; pode-se trazer uma informag&o com 6 proposito de defender um ponto de vista, De qualquer forma, entender um texto supde a habilidade de identifi- car esse propOsito e, por vez eoques , discernir entre 0 que & 0 proposito dio as estratégias para se conseguir esse proposito. Os te6ricos da argumentagao advogam que toda agao de lin- guagem €, essencialmente, argumentativa, no sentido de que ha sempre, clara ou velada, uma pretensiio de se conseguir a adesio do interlocutor e ganhar sua concordancia. Nesse sentido é que se diz que no existe neutralidade nas atividades de linguagem. Ou seja, nada do que se diz é totalmente despojado de alguma inten- ¢ (0, seja ela clara, declarada, seja ela velada, O povo sabe disso quando reconheve que alguém falou com uma segunda intengao. Existem elementos verbais ¢ no verbais que servem como pis- tas para o reconhecimento de tais intengdes (primeiras € segun- das!). Reconhecé-Ias € alcangar 0 cerne da compreensio dis Sursiva. 4.5 Os esquemas de composigao: tipos € géneros Vale a pena a leitura de “Génevos textiiais: definigao ¢ funcionalida de®, wm capitulo de five em que Mareuschi 12010) desenvalye com nnsis desathe as nogdes de tipo © ponero de texto, hem como as di Jcrengas fundamentals entre uma ‘otra categoria, sem falar vas hservaghes que faz sobre géneras loxtmais e ensino de linguas, Muito syeitosa também é a teitura da gina parte de seu livre Produ- io textual, andlise de géneros ¢ Compreensio, onde questoes vela jowadas a vipos, #enerns de texto, dominios discursivos, suportes, entre onteas, si relacionadas aa cenwino de Hingua (wer p. F525), Os textos obedecem a padrdes regulares de organizagao, em decorréncia do tipo ¢, 8o- bretudo, do género que materializam. Todos sofremos mais essa coercio social: nossas aces de linguagem obedecem a modelos tabelecidos lingufstica ¢ socialmente. Sem entrar em muitos detalhes, pode- mos considerar que os tipos de texto® sao categorias icas, que abrangem um con- junto de determinag tica, tais como aspectos lexicais, sequéncias s de natureza linguis- sintaticas, variacdes dos tempos verbais etc. A propésito dos tipos textuais, pode- mos lembrar a posigao de Marcuse hi (2010: a t i i ORANG Aitdementos para a anallse de textos: 0 loco em aspecios global 20- como tina questdo definida linguisticamente, isto €, por catego- de texto que, como outros autores, considera os tipos rias pertinentes ao sistema da lingua e nio as situagées sociais ¢ As pretensdes retéricas que ocorrem no dominio da enunciagao. Por exemplo, se 0 modelo de uma carta é definido por seus propésites comunicativos, por sua forma de composicio e apre sentacdo (com blocos consensualmente estipuladas}, os tipos se definem por categorias linguisticas, sobretudo aquelas de nature- za sintati Assim & que um texto do tipo narrativo privilegia 0 uso dos tempos verbais pretéritos, privilegia 0 uso de expresses que de- notem sequéncia temporal dos fatos (o antes, o durante ¢ o de- pois) ¢ a localizagao dos agentes nos cendrios referidos, privilegia a referéncia a entidades, a seres concretos ou abstratos, entre ou- tros aspectos. Em outro tipo, o descritivo, os objetas de referencia apresentam-se parados, estaticos, sem remiss4o a uma progressae temporal, a uma mudanga de tempo, o que vai se refletir na pre- feréncia pelo verho na presente ou no imperfeito do indicativo. Em um texto expositivo, predominam as estratégias de transmis- sido de um saber j4 consubs anciado em um corpo de prinefpios tedricos ou de explicacio de um fendmeno, em geral, apoiado em dados reais, mais ou menos objetivos. As relagdes de ausa consequéncia sio comuns nesse contexto. Lembramos ainda os textos de definigdo (A Terra é unt planeta), de apresentagio de um conceito (Os géneros textuais sito acées suciodiscursivas.), ou de uma ideia (A virtude estd no meio), representantes de um saber universal, em que predomina 0 tempo presente, exatamente como expresso de algo que é atemporal. Nos textos dissertati- vos, comumente reconhecidos como opinatives ou de comenta- rios, como um editorial, predominam os argumentos em favor de uma posigio, com verbos, em geral, no presente do indicativo, como forma de expresso de um estado permanente de concep- cao do tema — quase sempre polémico — pelo menos no tempo da cena discursiva. Nos textos injuntivos, prevalecem as formas verbais no imperativo, uma ver que so peneros instrucionais, ou Andiige de lexlos - lundamentcs e praticas seja, que trazem instrugdes de como executar determinadas agées ou seguir determinado programa. Os tipos, reiteramos, sio detinidos por propriedades linguis- ticas ¢ no sAo propriamente textos empiricos (ver ainda Mar- cushi, 2010: 23). Quer dizer, uma descrigéo nao constitui um exemplar concreto de texto que circula em determinado grupo social. O que existe, o que circula, de fato, sao géneros de texto, que, eventualmente, podem incluir sequéncias descritivas, mais ou menos extensas, Uma fabula, por exemplo — que é wi género — pode ineluir {e quase sempre inclui) trechos do tipo des vo. Um amiincio de venda de uma casa (outro género) também inclui, normalmente, trechos de cardter descritivo, uma vez que é do interesse do vendedor apresentar seu produto. Ou seja, os géneros é que constituem fextos enzpiricos, & que constituem textos reats ene circulagao, os quais bém por tipos de sequéncias sintaticas ¢ relagdes logicas. Sao, assim, y regulados tam- modelos “mais ou menos estiveis”, como propés Bakhtin, embora flexiveis (uns mais que outros) € sujeitos a variagdes contextuais. Sao definidos por propricdades sociodiscursivas, diferentemente, portanto, dos tipos, como vimos, que sao definidos por proprieda~ des linguisticas. Cumprem fungdes comunicativas especificas, quer dizer, realizam-se com propésitos conunicativos determinados & facilmente reconheciveis pela comunidade em que circulam. Dessa forma, os géneros variam com o tempo, com as condigées histori cas de cada grupo, o que significa dizer que alguns podem desapa- recer, outros se transmudar, outros, surgir A verdade € que temos consciéncia de que nossas agdes de linguagem e, consequentemente, nossas opgées textuais nao sao absolutamente originais: ha um consenso geral sobre como se faz uma resenha, uma carta, um edital de concurso, como se faz a apresentagao ou a resenha de um livro etc. Ou seja, procuramos nos conformar aos modelos preexistentes, ja em circulagao em nossos grupos. Esses modelos de géneros abarcam o que se tem chamado de a forma composicional do género: trocando em mitidos, a forma aiid RA "Vi aap AETY Ca tence: 0 foco em aspectos Globee conto o texto & composio, & desenvolvido. E essa forma compo- sicional, portanto, que regula o numero de blocos ou de partes que um determinado texto deve ter, E essa forma que regula o que deve aparecer em cada um desses blocos bem como a sequencia em que eles devem ocorrer. Por exemplo, em geral, a resenha de um livro deve conter, pelo menos, trés blocos: a contextualizagao geral da obra, a apre- sentagio de seu contetido ¢ de seus objetivos, o parecer sobre sua consisténcia ¢ relevancia. Outros blocos podem ser eventual- mente inclufdos, conforme determinadas cireunstancias, mas nao qualquer unr, Nao wria sentido incluir numa resenha a justifica- tiva de mercado para 0 prego da obra ou a defesa de detalhes da vida privada do autor ou do editor do livro. Vale a pena ter em conta o seguinte: nem sempre € facil iden- tificar o género a que pertence uM texto; OU seja, por vezes, édi- ficil reconbecer, com total seguranga, se se trata desse ou daquele género. E. comum ficarmos na diivida se se trata de um editorial, de um artigo de opiniao ou até mesmo de uma crénica. Quase sempre, convém recorrer ao suporte para chegar a uma conelu- sio. Por vexes, é mais ficil reconhecer a que género 0 texto no pertence do que © contrario. De qualquer maneira, a importincia de se acertar, exata- mente, na identificagdo do género nao é tie grande assim. Im- portante € reconhecer as caracteristicas textuais que o fazem cair nesse ou naquele género € nao em outros bem diferentes. Faraco e Tezza (2003) nos adyertem de que convém resistir “ao desejo de engavetar a linguagem em divisdes estanques. Na vida real, a linguagem e as intengdes costumam se alimentar umas as outras”. Portanto, a competéncia comunicativa que se espera seja al- cancada pela anilise de textos deve incidir, naturalmente, sobre © conhecimento das partictlaridades dos tipos e dos géneros de toxio. Talvez, por essas vias, conseguiremos nos convencer de que ‘os conhecimentos gramaticais, se so necessarios, so tambem insuficientes, ee 4.6 A relevancia informativa A propriedade que contempla a relevincia informativa do tex- to ten a ver com sua maior ou menor novidade, scja cla expressa pela forma, seja ela expr sa pelo contetido. Assim, quanto mais um texto apresenta novidades, quanto mais foge a obviedades (formais ou conceituais), mais ele é relevanre. Noutras palavra quanto mais previsivel € a interpretagao de um texto, menos ele é informative, menos ele requ isita a habilidade interpretativa do interlocutor e, dessa forma, menos suscita o seu interesse. Isso nio significa que todo texto tem que trazer, sempre, um alto grau de novidade. Os avisos que regulam a circulacio de veiculos numa cidade, por exemplo, nao apresentam (nem po- dem apresentar!) novidades, nem formais nem de contctido. Ou seja, o grau de novidade requisitado para um texto é determinado por razSes contextuais. Em cada situagao sociodiscursiva é que se pode avaliar sua relevancia informativa. O bom texto, portanto, € aquele que traz um gran de informatividade adequado as suas circunstancias de circulagao. A imprevisibilidade que faz subir a relevincia do texto pode incidir, como avangamos acima, em aspectos formais (0 texto ex- pressa 6 mesmo, mas dito sob outras formas, de outros jeitos) ou em aspectos do contetido (o texto traz novas informagées ou ideias) ou pode conjugar novidades formais ¢ novidades concei- tuais. De qualquer forma, a relevancia do que dizemos assume grande significado na avaliagio de sua qualidade. O olhar demasiado linguistico, demasiado gramatical com que os profes ores tém avaliado a linguagem dos alunos obscu- receu o peso da relevancia informativa no caleulo da qualidade do texto. Muitos acreditaram (e alguns ainda acreditam!) que basta o texto estar correto para ser bom. A énfas e Nessa corregdo privou professores ¢ alunos de pe ‘ceberem outras determinacdes textuais, bem mais relevantes socialmente. Um texto é um evento em que convergem, além de elementos linguisticos, outros de or dem cognitiva e social. BEES Vale a pena, portanto, conceder importdncia a esses graus de novidade que, em certos coniextos, os textos devem apresentar para que possam ser considerados como de boa qualidade. 4.7 As relagdes com outros textos Ja fazem parte do dia a dia pedagégico uma ou outra referén idade, embora essas cia a propriedade discursiva da intertext referencias ainda busquem apoio em nocées bastante restritas € superficiais. De fato, de certa maneira, codas as questdes eminentemente textuais, como coesio, coeréncia, informatividade, intertextua- ) ocupam lugares privilegiados nos pro- s faculdades lidade, entre outras, 1: gramas de ensino, por vezes nem mesmo daqueles da de letras. Além disso, nao sao muitos os livros didaticos que re servam espago para esses tipos de contetidos linguisticos. Como temos sublinhado, nao sem razdo, portanto, os conretidos gra- ais — da ordem da morfossintaxe — tem monopolizado os matic estudos da lingua, seja cla materna, seja ela estrangeira. Parece que basta saber gramatica, ou, pior ainda, basta saber a que clas- se gramatical uma palavra pertence ou que fungao sintatica um termo preenche, para ter a competéncia textual e discursiva sob cujas regularidades nossas ages verbais acontecem. Vale a pena, portanto, re: propriedades ou das regularidades propriamente textuais e discur- sivas, desde o fundamental, com a finalidade clara de se apreender altar a relevancia do estudo das »s de linguagem’. Com © que é essencialmente constitutivo das ag6 esse propésito, a seguir, introduzimos o leitor em nogdes da intertextualidade. O objetivo dessa introducio é apresentar alguns funda- e de textos. * Existem excelentes al Koch (2002; 2004; 20 deau e Mainguencaa cini 2005), Maingue Sant’Anna (19854, mentos que podem apoiar a anal Nao nos cabe, pois, esgotar aqui esse tema, tio amplo, tao complexo e¢ tao significativo na compreensao do que, de fato, representa a UFMG - Faculdade de Letras BIBLIOTECA hordagens do conceito de intertextualidade, Re meto 9 leitor a: Marcuschi (2002), 007), Charau, (2004); Dis enean |2006}; © A nogio de intercext uma das mer siguifiativas guistica moderna, F pena que “as moitas nogies de gramitica” no que nos coloca, ands todos, na “nubile do bose luguens”, do homem “falador” ¢ autor do gran- | de discurso humana, deixem tempo para os professores explorarem a significagao da des- coberta dessa “linha diseursiva” Antlipe de textos ~ fundamentos ¢ préticas AANA linguagem na criagao € na sustentacéo de todas as manifestagdes historicas e culturais da agao do homem sobre 0 mundo. Comecemos por referir a nogéo mais ampla de intertextua- lidade, aquela que diz respeito a ideia de que tudo 0 que se ex- pressa pelas diferentes linguagens remete a toda a experiéncia humana da interagio verbal c, portanto, pertence a uma grande corrente de discursos construidas ao longo do tempo, Nem temos possibilidade de encontrar o ponto de origem desse ou daquele conceito, dessa ou daquela ideia. Tudo é feito uma linha que nun- ca se partiu e que, continuadamente, avanga através dos tempos e de todos os espagos ocupados pelo homem. Nesse sentido bem vasto, situamos a intertextualidade am- pla, aquela que é, portanto, constitutiva de qualquer atividade de linguagem. Trocando em mitidos: por essa intertextualidade ampla, nenhum texto é absolutamente original, nem pertence por inveiro a auroria de quem o disse ou escreveu. Nossa voz carrega necessariamente as vozes de todos que nos antecederam, tenha- mos consciéncia disso ou nao. Assim a intertextualidade esta intrinsecamente presente em cada evento de linguagem. Na verdade, sustentamos, em cada evento de linguagem, uma linha discursiva que comegou nao sei quando, Isso nao significa dizer que nos repetimos indefinidamente, ou que nao renovamos ou refazemos nossas concepcdes € NOssOs modos de expressé-las. Quando expomes un conccito, quando © reforgamos, ou quando o reelaboramos ou o refutamos — até mesmo quando 0 introduzimos —, estamos na continuidade inquebravel dessa linha; nfo nos é dada a condigaio de desconsidera-la. Ou seja, éa partir dos discursos ja feitos que criamos, que recriamos, que ressignificamos os nossos’. Também se pode fazer referéncia aquela intertextualidade que decorre da propria pa- dronizacao social da linguagem cm uso. As convenges sociais que regulam essa padroni- milidade & is bonitas, das mais i contribuigdes da fin zacio fazem, naturalmente, que um texto seja ST — oC uma espécie de copia do outro, isto é, seja produzido conforme o modelo de outros que se destinam aos mesmos contextos ou as mesmas finalidades sociais de uso. Uma noticia, por exemplo, respeita um modelo de noticia; por isso, todas as noticias ttm algo em comum e sido, naturalmente, intertextuais, quer dizer, retomam elementos de outros textos. “Nessa visao, todo novo texto empirico, portanto, é necessariamente construfde com base no modelo de um género, isto é, cle pertence a um género” (Bronckart, 1999; 138). Em um sentido estrito, tém sido propostos outros conceitos de intertextualidade, agora explicita, em oposigdo aquela ante- rio, que, implicitamente, faz parte de todo e qualquer discurso. Nessa intertextualidade explicita — que aparece expressa na superficie — podemos enumerar: as alusdes, as remissées — mais ou menos dirctas ¢, as mais Gbvias delas, as pardfrases ¢ as cita- cSes, sobretude aquelas que trazem a indicagao do discurso fonte. Vale ressaltar que nenhuma ocorréncia de intertextualidade & gratuita ou éaleatéria. Ou seja, sempre que nos valemos das pala- yras do outro, o fazemos com algum propésito, ou como estratégia para fins de algum efeito discursivo. Assim, podemos recorrer & palavra do outro para marcar determinado posicionamento, para apoiar nossas concepgdes, nossos pontos de vistas, para dar forca a nossos argumentos, como se quiséssemos dizer que nado somos apenas nés quem pensa assim ou diz 0 que nds dizemos. Também podemos recorrer a intertextualidade explicita para ampliar, para complementar, ou até mesmo para refutar 0 que o outro diz. De qualquer forma, implicita ou explicitamente, a palavra do outro esta embutida em nossa palavra. Por exemplo, neste exato momento, somente me é possivel falar de intertextualidade porque ja tive acesso a outros textos que tratam dessa questao. Buscamos, na verdade, a palavra do outro para fazer coro com a nossa ¢, assim, reforcar nossas posigoes. Na pratica da produgio ou da divulgagao do conhecimen- to cientifico, 0 recurso a intertextualidade é rotina, pois, para a definicao de qualquer objeto de pesquisa, sempre partimos de um. corpo de principios ja definidos para esse Um ponto gue poderia sec explo objeto. Nao ha safda: nossos textos estdio nado, no mbit da interrextualida dle, € a questo dos provérhias, in: ancorados em outros textos prévios, textos clusivamente em suas variagées ce- cientificos, literdrios ou do saber comum, As : conexdes que se vao estabelecendo entre es lomente polifénicus, intertextuais, no sentido de que zemetem para um ses saberes € que geram concepgdes mais in- Mpsrenunciador, que» or yee | tegradas e favorecem um entendimento mais correr a eles confere a quem o faz 0 global do mundo’. “estacuco de membro de uma eornu- Uma noticia de jornal, publicada pelo Did Pieade™ Ger Mainguenesn, 2006 iy de Pernambuco, de 30 de janeiro de 2010, com 0 seguinte trecho: Si Pedro ndo den trégua para os paulistanos. Ninguém 94), Tamhém pode ser titil 9 estudo, dus sfogurus, sejam eles do dominio COMegay; pablisititie ou de dominio poli tivo, Fechandn essas observaydes, . pode entender esse trecho se nao recupera poderia lembrar 0 repertério dos os rontos de fadas, ou das fabudas, que atrayessa séeulos de enune saberes que correm pelas concepgdes culturais gio gio lara da mais global invertestualidade. ee ; de certos grupos, ou seja, os textos do saber comum, aquele que atribui a Sio Pedro a de Onctnita coisa bonit, para al iguificativa cisio de onde, quando e quanto chover. fesse om da andlise sintitica! saber que nos dispensa de sobrecarregar o que dizemos com informagdes j4 sabidas. Fazer da intertextualidade objeto de andlise é, pois, exercitar a exploragao da linguagem naquilo que ela tem de niais constitu. tivo e relevante, como expressao da inexoravel condicgdo humana de seus agentes. A vida 6 indivisivel. Mesmo A que se julga mais disp E pertence a um eterno didlogo A mais inconsequente conversa, a (Mario Quintana, Pegueno pooma didético) A compreensiio de todos esses pontos — que constituem a di- mensao global do texto — representa uma condigaio fundamental Para que se empreenda a atividade de analisar a linguagem, em todas as suas manifestagdes concretas. Tudo no texto vai dar ao global. La € que todos os sentidos se justifi am. Cr Tev RAVE KOS Praticas de analise de textos quanto a sua dimensdo global aremos a seguir andlises de alguns textos, focalizando as- pectos globais de sua organizagao € construgao. Para tan- to, vamos nos apoiar nos fundamentos tedricos que foram apresentados no capitulo anterior, destacando, assim, a pretensfio de dar maior importancia a visio de conjunto do texto. A metodologia de, primciro, trazer os prine(pios tedr depois, realizar as andlises, pretende ressaltar a compreensio de COS ¢, que nossas andlises supoem um corpo tedrico de principios, a partir dos quais sao definidos os pontos mais relevantes e, con- sequentemente, sio estabelecidas as prioridades de observacao. Por essa metodologia, queremos evidenciar ainda que as and- nas palavras ¢ em do texto, lises devem ser do texto, isto é, devem apoiar-s muitos outros tipos de sinais que aparecem na superfic até mesmo para, a partir dai, chegar aqueles sentidos que nao estio expressos explicitamente, Somente assim podemos fugit a uma and- lise feita segundo as impresses de cada um e, assim, eventualmente inconsistente, Aquilo que apontamos como dito no texto deve estar respaldado pelo que, de fato, consta 14, na sua superficie ou nas cntrelinhas. Deve estar autorizado pela presenga de uma palavra, de uma expressiio, de um sinal qualquer, Do dito é que se parte para o nao dito; ou para os diferentes tipos do dizer implicivo. Vamos as andlises. lammeritos @ 6.1 Analise do comentario “A mercadoria alucinégena” A MERGADORIA ALUGINOGENA _ Enguanto 0 consumidor imagina que é um ser tacional, dotado de juizo e "de bom senso, a publicidade na vy abandona progressivamente essa flu- sdo. Em vez de argumentar pata a tazdo do lelespectador, ela apela para as sersagoes, para as revelacdes magicas mais impossiveis. A marca de © chicleies promele Lansporlar 0 fregués para um lal “mundo do sabor’ & mostra 0 garolo-propaganda levilando em outras esleras césmicas. O ado © cante faz surgirem do nada violinistas & guilatrisias. O quarana em lata provoca visGes amazonicas no seu bebedot urband, Que passa a enxergar um indie. cam roslo pintado de bravura, no que seria o palido semblante | i i i ue uit laxista. Seria o Lal relrigerante uma yersdo comercial das beberagens — do Santo Daime? Nao, nada disso. So apenas og Laralos asttais da nova | lendéncia da publicidade, Bslamos na cra das mercadotias alucindgenas. |maginariamente alucinogenas. E claro que ninguém ha de acredilar que uma goma de mascar, tm) ada- canle, Ou UM Guarana proporcionem a Lansmigtacao das almas. Ninguem Jeva os comesciais alucindgenos ao pé da letra, mas cada ez Mais genle se deixa seduzir por el ne o encanto das mercadorias nao esta nelas, mas fora delas — € 4 publicidade sabe disso muilo bem, Ela sabe que esse encanto reside na relagao imaginaria que ela, publicidade, labrica entre a mercadoria € seu consumidor. Pede parecer um insullo & inteligéncia ilo telespectador, mas ele bem que gosta. f tude mentira, mas € a maior > viagem, bicho. A julgar pelo crescimento dessas campanhas, 0 pliblico + vibra ao ser Lralado Como quem se esgueita pelos supermercados a Gala © de alucinacoes. Por isso, a publicidade se despe momentancamente de sua alegada tuncio : civica —— ade inlormar o comprador para que ele exerca o seu direilo de © escolha conscienle na hota da compra — e apenas olerece o Lanse, a le- | | licidade elétea, ireal e imaterial, que nada Lem a vet com as propriedades lisicas (ou quimicas) do produto. A publicidade € a fabrics 00 gozo liciicio, —e este gozo éa grande mercadoria dos nassos Lempos, conlortavelmente _ escondida alras das bugigangas olerecidas. Quanto ao consumidor. com- | pra salisleilo a alucinacdo imagindria. Ele lambém esta cercado de muilo [EREEOMO STAI A snAllse de textos quanto a sua dimenséo global contorto, protegido pela aparéncia de razao que todos fingem ser sua |i ber dade. Supremo lingimento. O consumidar néo vai morrer de overdose dessa droga. Ele s6 teme ser barrado nas porlais elelronicas da imenso festim psicodélico. Morteria de Irio e de abandono. Ele so teme passar um dia que seja lange do seu peyueno gozo alucinade, [Bugénio Bucct Veja $30 Paulo: 25 de abril de 1998, | Quanto ao universo de referéncia © (a) O comentario aborda uma questdo do mundo real, do colidiano conerelo . das pessoas, que eslao inevitavelmente expostas aos muitos apelos do + consumo de mercadorias. Nao se Lata, porlanto, de um mundo ficlicio, © * onde os objetos teteridos adquirem contornas eminentemente simbdlicos, (0) Se insete no dominio do jornatismo, concretamente no campo social-dis- cursive do jornalismo formador de opinido, que objéliva deixar os leilores | mais crilicos e conscientes frente a determinadas questoes da vida, : {o} Por adequacae as exigéncias discursivas proprias desse campo e do : Suporte em que esta publicade (a revisla Veja), estd expresso com um certo = nivel de formalidade, o que implica dizer lora das formulagées mals Lipicas » da otalidade coloquial. {d) Os destinaldrios previstos sao os leitores da revista, identiticaveis como | perlencentes, em geral, a uma classe, no minimo, medianamente letrada | ( e orftioa i {e) Essa condicao dos possiveis leitores justilica a opcda do autor por um tipo mais elaborado de abordagem do problema e. consequentemente, por uma selecdo vocabular mais especializada ¢ mais distante do camum in- + formal. A esse propasito, velamos o Lecho: O consumidor nao vai morer — de overdose dessa droga Ele 0 teme set battado os poriais eletrdnicos do, imenso testim psicodeli¢o Quanto 4 unidade temdtica {@) Nao € diffell perceber que 6 comentario A mercadoria alucinogena se | desenvolve em tomo de wm mesmo lema: a publicidade na tv, delimitado por uma perspectiva —- a de que a publicidade apela para os eleitos magi- 608 dos produtos que apresenta. {b}"Ag pisias para 0 reconhecimento desse tema, nessa perspectiva, sto muitas. A primeita ¢ mais obvia delas € o t/tulo, que ja aponta para um objeto de reieréncia a mercadoria (da qual a publicidade se encarrega de lazer a apresentacao) ¢ para a especilicacda dessa mercadoria, alucindgena (pelos efeitos que Ihe 830 alsibufdos). {0) 0 inicio do texto sintetiza esse Lema, afirmando que a publicidade na TV, em vez de atgumentar para a razdo do telespectador, apela pata as Sensacoes, para as fevelagdes magicas mais impossivels. (c) Com base no reconhecimento desse Lema, uma das passagens mais sig- nilicalivas do lexto é a seguinte: A publicidade é a fabtice do gozo licticio — € este G0z0 é a glande mercadoria dos nossos Lempos, conloslavelmente escondida altds das bugigangas olerecidas (vejamos 0 Ultimo paragralo). Quanto a progres: ao do tema PA perspectiva de que 4 publicidade 6 ‘ctiadora des mihos ‘Wlbpicas conti nua, plimeitamente, com (a) a apresentacdo delalhada de alguns objetos em que esse podet magico | pode aconlecer: 0 chiclete, 0 adecante, 0 guarand, Cada um desses abje- tos ¢ apresentado com a discriminacao minuciasa dos eleilos que provaca no consumidor: Lransportar, pela levilacao, pata ‘esferas césinicas’; lazer | surgir do nada; provocat vises. As siluagdes descrilas {uncionam como | uma espécie de argumento de sustentagao do tema: a publicidade na ty éalucindgena Esta provaco. Taxativamente ¢ realirmado: Estamos na era das meicadorias atucindgenas. Imaginariamente aluctndgenas, (b) Em seguida, 0 autor se antecipa a uma possivel objegdo do leitor a propaganda nao tem lodo esse poder, pois Ninguém leva os comesciais alucinogenos ao pé da Je, ou actedita que uma goma de mascar, um adocanle, ou um guatané proporcionem a transmigracao das almas. (c) E, imediatamente, ja responde a essa objecdo com a abservacao de que o encanlo das mercadorlas nao esté nelas, mas tora delas. Esse encanto esla na relacao imaginaria que ela, publicidade, fabrica enue a mercadoria e seu’ consumidor, o qual tem consciéncia desse jogo enganoso, desse tnsulto a inteligéncia, dessa mentira, que proporciona a mafor viagem (cd) No ditime paragrato, o tema se mantém pela formulacao da conclusao, primeiramente em relagdo a publicidade como um todo: (A publicidade é | } | | i | t a fbrica do gozo ficticio — e este gozo é a grande mercadoria dos nossos tempos, coniortavelmente escondida alias das bugigangas olerecidas); de pols, em relacao ao consumidor: compra satistelto a alucinacao Imaginaria e estd cercade de muito contorto, protegido pela aparénela de razdo que todos fingem ser sua liberdade. Tpassa 0 xtO da imetra a Ultima | linha, Quanio ao propésito comunicativo relacdo a cilada escondida nag olerlas de produtos de consumo, apresen- » tados em peas publicitarias que thes alribuem poderes magicos e aluci nantes. O autor relorca essa sua preterisao de advertencia quando explicita que, por esse vies alucindgeno, a publicidade abre mio de sua fungao civica, que €: a de informar 0 comprador para que ele exerca 0 seu difeilo de escoiha consciente na hora da compra e, assim, promete o transe, a fe- licidade elérea, ineal e imateral, gue nada tem a ver com as propriedades fisicas (ou quimicas) do produto. | { Quanto aos esquemas de composigao do texto, conforme seus tipo e género! 6) Predominam as caracteristicas de um texto opi nalivo, pois 0 autor cuida em expressar seu ponto de vista: a publicidade na iv abandona progressivamen- le a ideia de que 0 consumidor ¢ um ser tactonal, dotado de juizo e de bom senso, nao argumenta para a 1azdo de telespectador e apela pata as sensacdes, para as revelacdes magicas inais imposstveis Essa opinido € sustentada, com argumentos consisten- les, em relagdo 4 verdadeira lungdo da propaganda @ ao modo como a ry se vale dos diferentes recursos publicitarios. i ; (b) Levando em conla o'suporte em que o comentario foi rubioado (a op ta Veja), podemos reconhecer esse género como um comentario opin, teristicas funci 0 coment ‘io em analise tem claramente um proposito de esclarecimento i e de adverténcia do leitor (mais especificamente, do leitot consumidon), em | j i se programar para, diante de cada novo género, explorar suas carac- ais v formas, As- sim, 9 propésito ile nm comentario, dle uma erdnica, de um texto expo~ sitive, por exemplo, pode aprofun- dar com os alunos as especificida- des textuais desses exemplares de texios. Com isso, a0 mesmo tempo ' Eyidentemente, o professor pode em que opta por am programa de | estudo centcado em questaes textu- ais, poe o estudo da gramstica no lugar que lhe cabe: 0 da construgio do sentido em textos. embora, como ja relerimos, nem sempre o reconhecimento do género possa ser absolutamente exalo, = (c) O plano composicional do texto conforma-se a esse género: um pon- _ lode vista sobre uma questao contiovertida apresentado: em sequida. © possiveis objecdes sao levantadas, para, no final, algumentos relevantes @ consislentes serem delendidos. Percabe-se um percurso que culmina com a tesposla ao problema considerado, nao obstanle as objecdes lembradas + (@) Do ponte de vista do contetido, o comentario em andlise aborda uina questo de orem politice-social, alheia, porlanio, a cirqunstancias da es- fera pessoal e privacla do autor. Isso justitica a opcae do aulor por uma lormulacio que, do porto de vista formal, se caracleriza pela omissde de marcas (verbais ¢ pionominais) de primeira pessoa do singular. Quanto a a velevncia informativa i (a 0 comentario ndo se prende a obviedades. Uti a mnelaloricanente o » Universo dos alucinégenos para caracterizar as intervengoes da publicidar _ Ge, que olerece o transe, a lelicidade etérea, ineal © imaterial (d) O enquadramento do texlo nesse universo mobiliza uma série de co- . hhecimentos prévies do leitor € olerece elementos para que seja ampliada _ 2 compiéensdo que se pode ter da publicidade, O principal interesse do comentario — ou sua novidade maior — esta em atenuar um pouco o ‘goz0 alucinado” altibuide socialmente a publicidade © em tier do loco seus poderes magicos ¢ encantatorios, © (c) Nessa diregda, 0 autor detine para o leilor 0 que seria a ‘fungao ciyica’ da publicidade: deixar o consumidor informado a tim de que, na hora da Conipia, ele possa fazer, livremente, escothas conscientes &, na sua preten- Sao de opinar ¢ adverlir ao mesino tempo, ressalla que a grande metcadoria dos nassos tempos é 0 goz0 ficticio propagade pela publictdade Quanto as relacdes com outros textos i (a) Noambito daquela inlertextualidade am pla, nodemos deslacar i Magad co lexta as regularidades do género comentaria opinative. | (b) Podemos destacar ainda todo o conhecimento que esia pressuposto ou implicito € que jé faz parte de nosso repertério de saheres. Saberes TIT STAT TRARDE ANTON FS eee celaito a bus cimens20 Groce — merece Jembrat — resultantes de nossas experiéncias discursivas antes, tiores. Por exemple, 0 autor supée que sabemos estabelecer certos liames ©, assim, entender por que 0 guarand em lala provoca visdes amazénicas, ou quais so os porais eletiénicos do imenso lestim psicodélico Ou seja, ja conheciamas muito do que é dito no texto, o que implica a inevitavel condicao de intertextualidade da linguagem (c) No ambilo da intertextualidade mais restrita, podemos destacar a tele réncia fella ad refrigerante, como uma versdo comercial das beberagens do Santo Daime. 0 que exige um conhecimento especilica do objeto reterido (um cha alucinégeno). ainda ha pouco nomeado em uma reportagem da revista Istok (10Aey./201 10), 51.2 Observacdes sobre alguns fatos gramaticais verificados no comentario "A mercadoria alucinégena” Antes de iniciar estas observagées, gostaria de reforgar a ideia de que sao intimeros os fatos gramaticais que ocorrem em uma. passagem com a dimensio do comentario em andlise. Nao seria metodologicamente adequado dar conta, neste espaco, de todos esses fatos. Tenho que me deter, assim, em um ou outro aspecto mais saliente, na perspectiva integrada dos sentidos criados, re- pito. Isto é, os tais fatos gramaticais serao vistos como recursos ow como partes da criacéo dos sentidos expressos. Warios desses fatos jA foram cxplicitamente levados em conta quando analisa- mos os aspectos globais do texto, o que reforga nossa convicgdo de que ndo se pode separar a gramdtica dos outros componentes. Vejamos, por exemplo, entre outros itens: (a) a simultaneidade temporal sinalizada pela expressdo em destaque entre © que © consumidor imagina € 0 que a publicidade faz em relacao a isso: Enguanio o consumidor imagina que é6 um ser racional, dotade de julzo € de bom senso, a publicidade na TV abandona progressivamente essa jlusio; (b) a equivaléncia possibilitada pelas relac6es semanticas entre imaginat @ iludir-se € sinalizada pelo uso do demonstrativo ‘essa’, em: 0 consum/dor imagina que ¢ user tacional... ¢ a TV abandona essa {hisdo; SEMIS Se Txics ~ hundamentos 6 priticas RATAN (c) a pergunta tetorica: Seria o tal relrigerante uma versdo comercial dag beberagens do Santo Daime? Ou seja, a pergunta feita com propésitos de apenas interessar 0 Ieilor, sem pretensao, portanto, de obster uma tesposta, que, tla verdade, ja é sabida; (d} 0 recurso de uma negativa contundente, taxativa. revelando sequranca, cerleza da parle de quem afirma, em: io, nada disso: © (@) o.uso da primeiia pessoa do plural, em: Estamos na era das mercadotiag alucindgenas, um recurso do autor para se fazer incluir entre os envalyidos na queslao analisada; na verdade, um recurso que exptessa a disposigao do enuncledar para aproximar-se do interlocutor e lavorecer a inleracao: - (Hae marcas de plural do verbo sublinhado’em 0 adocante laz surgitary do i nada violinisias e guitartistas, Fssas marcas tavorecem a identilicacae dos © agentes (violinistas € guitartistas) envolvides na predicacao de ‘surgir'; os i i | lermos nao estao na orem candnica (sujeito, verbo, complemento}, 0 que podetia cilicultar a Interptelagao do Lecho; por isso, as marcas de plural ‘NO verbo Juncionam como sinais que indicam a dependéncia entre verbo e sujeilo: (@) ouso, ouira vez, de uma linquagem contundenle, cheia de cerleza, em: £ claro gue ninquém ha de acreditar { { Ningueém teva, além da repetigao do indelinido, a expressao ‘é clato' reforca esse parecer de certeza com que a alimacdo ¢ leita: {h} 0 uso de varios pronomes no trecho seguinte, com diferentes relerentes texluais: Ninguém teva os comerciais alucinégenos ao pe da letra, mas cada vez mais gente se deixa seduzir por eles (05 comerciais alucindge- nos). £ que 0 encanto das mercadorias Aa esta neles (nas mercadorias), mas fora detas (das mercadotias) — e a publicidade sabe disso (do fal de que 0 encanto das mercadorias esta fora delas) muito hem. Ha {a publici- dade} sabe que esse encanto {o encanto das inercadorias} reside na relagdo imaginaria que ela, publicidade, fabrica entre a mercadoita e sett consumi- dor (da mercadoria}; saber indicar com clareza, em um techo como esse, a sequéncia referencial para objetos diferentes, sem divida, é uma compe- léncia gramético-textual pertinente: (i) 0. uso de uma linguagem informal, com termos da gitia popular, em: & tudo mentira, mas ¢ @ maior viagem, bicho, que tevela a disposigao do aulor para se sintonizar com @ questao do ‘mundo alucinégeno’ abordada ‘ho comentario; (RETAIN Prat icas da ander tsteeoss quanto a sue dimensto global (i) 0. Uso da expressde “Por isso”, com valor conclusive € como recurso de atticulacdo ente dois paragralos: Per isso, a publicidade se despe momen- taneamente de sua aiegada funcao civica — a de inlormat 0 comprador pata que ele exerca 0 Seu direilo de escajha conscienie na bora da compra > € apenas olerece o lanse, a Jelicidade elérea, Merece sublinhar ain da, nesse fragmento, a metalora criada em a publicidade se despe de sua alegada funcda ciyica (ou seja, ndo cumpre sua principal luncao), @ que justifica a ocoréncia do “apenas” depois (sem lun¢ao civica, a publicidade somenie olerece a lelicidade elérea): (kj a indicapao da mudange de topico feita pela expressdo sublinhada em. | Quanto ao consumidor, a propdsito, oulfas expresses com a mesma lun j i do podetiam ser exploradas; | (I) a relomada relerencial possibilitada pela expressao em destaque, em: i “Quanto ao consumidor, compra satiste!to a alucinacdo fmagindria, O ean- | sumidor nao vai motrer d@ overdese dessa droga’ {a alucinacgao imagina- i sia}, Fica evidente aqui a funcionalitlade dos Lermos hiperonimicos, pelos » delerminado conjunto. O uso do demonstrative é determinanle para marcar | essa relomada, t : 5.2. Andlise da crénica “Talvez 0 ultimo desejo” | TALVEZ 0 ULTIMO DESEO | Pergunta-me com muita seriedade uma moca jomalista qual é 0 meu maior desejo para 0 ano de 1950 F a resposta natural édizerlhe que desejo muita paz. prosperidade publica e particular para todas, sadde e dinheiro aqui em casa Que mais hd pata dizer? Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar ndo posso, aquile que re presenta 0 real desejo do meu caracao, seria abrir os bragos pata o mundo, olhar para ele bem de frente e Ihe dizer na cara: Te dana! Sim, te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e@ bi- chos, ao continente, ao pals. ao Estado, a cidade, 4 papulagio, aos paren- les, amigos e conhecidos: danem-se! Vou para longe me esquecer de tudo, vou a Pasdrgada ou a qualquer ult lugar. | quais 0s objelos ja seleridos podem ser categorizados e incluides em um | RE EE dana, meu bem! Dorayante pode fazer o que entender, pode ir, pode vor lar, pode pegar dancarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas algadas, pode jogar futebol, enlrar na linha Quimbanda, pode amar ¢ desamar, pode tudo, que eu nao ligol Chegar junto ao respeitavel pliblico © comunicar-Ihe: Danai-vos, respeilavel piblico. Acabou-se a adulagao. nao me importo mais com as vossas Teagdes, do que goslais € do que nao goslais; nutte a maior indilerenga pelas vossos apupos e os vossos aplau- _ 508 & sou incapaz de estirat um dedo para acaticiar os vossos senlimentos, © Ide baixar noutro ccrilro, respeltdvel pliblice, e nao amoleis 0 esciiba que > , de vos se liberloul © Chegar junto da patria e dizer o mesmo: o doce, © suavissimo, o libérrimo | ~ te dana! Que me importa contigo, patria? Que crescas ou aumentes. que solras de inuridagdo eu de seca, que ventas calé ou compres ervillias de lala, que simules eleigdes ou engulas galpes? Elege quem lu quiseres, © volo € Leu, 0 lombo € teu. Queres de novo a espora ¢ o chivote do pefio Gordo que se Icz leu ginele? Ou queres o manhoso minciro ou o paulista le ditto undo? Escolhe a vontade — que me imporla o comandante seo favio Ndo & meu? A casa € Lua, Serve-te, patria, que piltia nao Lenho mais. | Dizer le dana ao dinheiro, ao bom nome, ao tespeito, 4 amizatle & av amor, Desprezar parentela, irmaos, lias, primos © cunhados, desprezar o sangue 0s lacos afins, me sentir como [ila de oca de paul, sem Compromissa | / nem afetos. i | i Isso eu queria, Chegar junto do homem que eu amo € dizer para ele: Te | | i i i } Me deitar numa tede branca armada debaixa da jaqueita, licar balancanco , devagar para espantar o calor, roet castanha de caju Conleilada sem recel _ de engordar, € ouvir na vitrolinha porldlil todos os discos de Noel Rosa, | Com Araci ¢ Marilia Batista. Depois abrir sabre p rasio o tiltimo romance palicial de Agatha Christie e dormir docemente ao motmaco. | Mag naa faco. Quetia tanto, mas née laco 0 inquicto coracao que ama es | assusta ese acha fesponsdvel pela céu é pela Letta, o insalente coragao nao i deixa De que setve, pois. aspirar a liberdade? © miseravel coracSo nasceu - calivo € 86 no caliveir pode viver, O que cle deseja & mesmo servidao € lanquilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiat, quer se romper todo. Tem que espreilar og desejas do amado, e the lazer as vontades, @ | _ alormenta-lo com cuidiaclos € bendizet 0s seus caprichos, ¢ dessa submis- | si0 © cegueira Lita sua tinica lelicidade. Lemmas... ipmmembeiiiliibiiiiii halle ‘Tem que culdar do mundo e vigiar o mundo, ¢ gritar os seus brados de alarme que ninguém escula e chorar com antecedéncia as desgragas pre- visiveis € carpir junto com os demiais as desgragas acontecidas; nda que o munda lhe agradeca nem saiba sequer que esse estiipide coragdo existe. Mas essa é a oulta servidio do amar em que ele se compraz — 0 miste- rioso sentimento de Irateridade que ndo acha nentiuma China demasiado fonge, henhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiada estranho | pata o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmao. E lem 9 pai orto © a mae viva. lao paderosos ambos, cada wm na sua | solidao estranha, Lao lange de nossos bracos. F tem a paltia que € coisa qué ninguém explica, e lem o Ceara, valha-me Nossa Senhora, Lett yelho pedaco de chao serLaneja que é meu, pois meu pai 0 deixou para mim como o seu pai ja Iho deixata e vdrias gerages antes de nds passaram assim de pal a lilbo. F toma casa leita pela nossa maa, toda caiada de bianco € com janelas azuis, Lem 05 Cachottos & as roseiras, | E tem 0 sangue que € mais giosso que a Agua € ala lacos que ninguem desata, @ no adianla pensar nem dizer que o sangue nao importa, porque ~ imporla mesmo. B tem as amigos que sd0 Os inmdas adalivas. lao amades uns quanto os outros. E Ler 0 respeltavel ptilico que ha vinle anos nos alua e lé, @ em geral - entende e aceila, € escreve e pede providéncias ¢ colabora no que pode. £ “tem que se ganhar o dinheiro. e Lem gue se pagar imposlo pata possuir a lerla € a casa e 0s bichos ¢ as plantas, e Leni que se cumprit os horarios, € ~ aveilaro Lrabalhio, © cuidar da comida e da cama. E ha que se ler medo dos soldados, e respeilo pela auloridade. e paciéncia em dia de eleicdo. Ha que ler coragem para Conlijuar vivendo, Lem que se pensar no dia de amanha, embora uma coisa obscura nos diga Leimosamente la dentro que 0 dia de amanha, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de _ ontem se cuidou. | E assim, em vez da bela liberdade, da solidao e da musica, a triste alma lem mesino & que se debater nos cuidados, vigiar ¢ amar e acompanhar medrosa e impotenle a loucura geral. o suicidio geral. E adular o piblico e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si propria & a0s Seus desejos secrelos. re # Kaan ord rnalmente en Rachel de Queiroz, Uncalpendre, uma rede, uns agude, Prisao de sele portas, cada uma com sele lechadu- Tas, lrancadas com sete chaves, por que lular contra as Luas grades? ica foi publicada origi- Rio de Janeiro: José Olympic. ] O nico desabalo é descobrir 0 misera coracao den- i Lo do peilo, sacudi-lo um pouco € bolar na boca toda a amarguta do cali: © veild sem remedio. ailles de o apostrolar. Te dana, coragéo, te dana! (Rachel de Queitoz. As cen! melhores cidnicas brastteiras. Selecao de Joaquim Ferreira dos Santos. S30 Paulo: Objeliva, 2007 74-76) i i Quanto ao universo de referéncia 4 realidade, concrelamente da rea lidade psicoldgico-aletiva do sujeito — um lemente, 0 eu do texto pode telerit-se ou nao 4 pessoa lisica de Rachel de Queiroz, coma pode tepresentar qualquer um de ndés numa citcunstancia semelhante, (b) © texto pertence ao dominio da fiteratua, mais especificamente da literatura que costuma ser publicada em suportes do jomalismo e que se destina a abordagem meio despretensiosa, embora literdria, dos fatos do dia a dia. (c} Por se atar de uma crénica literria, o texto esta expresso em um estilo bem Cuidado, conlorme os padides prestigiados da lingua. No en- tanto, por determinagdes do género que materializa (cronica), predomina uma linguagem informal, prdxima dos relatos pessoais tipicos da orali- dade colequial (basta ver a expressio Te dana!, que aparece do comeco ao fim). (d) Os destinatarios previsios sdo 08 supostos inieressados pela titeratu- Ja, leitores, na sua maioria. periencentes a um grupo com certo grau de leuamento. (e) 6 conjunto desses elementos leva a autora para uma formulacao dis- cursiva mais elaborada ¢ para apgdes linguisticas mais prestigiadas, dei- xando, assim, 0 texto em condigdes de adequacao contextual satislatéria, | desejo do autor para o ano de 1950, que comecava naqueles dias. Eviden- | 2 NES ES TRUS ~ MUNG TION @ PSC IRANIAN TON EoT aeeernennn eaten rrr Quanto a unidade temdtica (a) A cronica se desenvolye em torno da desctigao de ‘um possivel deseja" da autora, na passagem do ano de 1950. Em resposta a uma jormalista que jhe pergunta ‘qual o seu maior desejo para o ano que se Inicia’, a autora comesa por detalhar 0 que seria seu seal desejo, na verdade, um incon- lessdvel desejo, para, depois, descrever sua rendigao aos imperatives do ‘coracao’, a ‘servidéo do amor’ que lalalmente guia o destino humana. Os pormenares dlesse desejo e as razées pelas quais ele nao pode ser acalada é que vai marcando, passo a passo, 0 percursa do lexto. t Quanto a progressdo do tema (a) O pretexto inicial do Lexlo —- um desejo para 0 ano que comeca ~~ pas: saa ser o fio condutor de todo 0 seu desenvolvimento. (b) O ponto de parlida é a contissdo desse dlesejo: "que tudo se dane!” Um desejo sentido, mas inaceildvel e, por isso, inconlessavel (a verdade verda- deira que eu falar nao passo). Esse desejo, nos cinco parégratos sequintes. é delalhadamente descrito, Que se dane o mundo, que se dane o homem | amado, que se dane o pilllico leitor, que se dane a paliia, o dinheito, 0 | bom nome. 0 respeito, a amizade, o amor. Que se dane a parentela A cons- | ciéncia de que esse desejo ndo é de todo legitimo, pois lere os principios | elemeptares da boa convivéncia, esta expressa ja no titulo, pelo recurso a0 advésbio ‘lalvez'; Talvez o itimo desejo. { (¢) O tema avanca na conissao da autora de que 'o seu maior desejo” seria ‘lomar essa alilude de desprezo por Ludo. Mas nao 0 laz. & ai prossegue no detalhamento de todos os motives por que nao 0 faz, Tepassando quase todos os elementos considerados no bloce anterior: o amado, 0 mundo, a patsia, a parentela, 0 respeitavel pliblico etc, (c) F como abertura e coroamento cesses detalnes, sobressai a idela de que o desejo de mandar que ‘ludo se danel’ naa é vidvel porque o insolente coragao ndo detxa. {e) Essa idela da Lotal submissao as leis do coragao é expressa nos frag menlos O miserdvel coracao nasceu cativo e 56 no cativelro pote viver; Prigio.de sete portas, cada uma com sete fechaduras, ancattas com sete ~ “Afidlise dé lexios - lundamentos ¢ préticas (RAMANA RUNES | Ghaves, por que lular conta as tas grades?; cativeiro sem remédio. Ou seja, fender-se a servidao do amor constitui um destino incorrigivel, uma espécle de sina fatal de nds todas, da qual nao podemos hugir. Prisdo de sete poitas, cada uma com sete lechaduras, ancadas com sete chaves, por que futar contra as tuas grades. (l) A aceitagdo da impoténcia humana, frente aos imperatives do coragao, Se exptessa lambém no fragmento: fralernidade que ado acha nenhuma China demasiado longe, Isto é, a realidade objetiva se neulraliza frente a incosrigivel servidao do amor. {g} Como dissemes na abertura desse L6pico. todo 0 texto é coslurado em lomo da expressdo de um desejo € da impossibilidade de se render a ele. Constitui, assim, uma peca sé: razées de um desejo, detalhada- mente descrito, que nao pode ser cumprico, por razées que $30 também apresentadas. (h) A conseiéncia dessa impossibilidade se manitesta, no final da cronica, com a expressdo: Te cana, coracaa. Ou seja, & mellior entregarse, deixar que 0 colagdo Comande, sem questionamentos, Quanto ao propésito comunicativo {a} O texto em andlise, como vimos, perlence ao dominio literario e, como : (al, Lem uma Jinalidade de encantamento, sobretudo. isto 6, nao tem pio- : prlamente um propésito informative ou expositivo acerca de un ponto con © celtual qualquer. (b) Mais especilicamente, a cronica Talvez o ultimo desejo responde a um _ objetivo de carater expressivo, cenlrado na exposi¢de das particularidades, i mesmo eventuais, daqucle que esta com a palavra. No entanlo, a cronica de Rachel pode servir de apoio a reflexdo sobre a contingéncia humana, que € destinada a liberdade, mas. paradoxalmente. se mantém cativa ¢ irreme- diavelmente presa as convencdes, as razdes da prdpria vida ¢ aos lacos que ‘vao alando 0s seres Uns aos outros, a Quanto aos esquemas de coniposigao do texto, conforme scus tipo e género (a) A cronica, apesar de conslituir a contissao pessoal (escrita em primeira pessoa) de um estado de espirito da autora, se constitui numa espécie de degcticdo desse estado Primelramente, a descrigao de sua disposicao int cial de ‘manda que tudo se dane’. Depois, a descrigao das razdes impostas pelo coracao, que impede, sob coercao, a concretizacao desse desejo. Ow seja. o texto é eminentemente descritivo, tb] Quanto ao género, se enquadra na categoria da ‘crénica’: um genero que surgili na relacde da lileralura com a imprensa (03 primettos cro nistas receblam came misao escrever um Telato dos latos da semana ou dos costumes que mareavam a vida social). Dal uma caracteristica distintiva da crOnica: seu tema sao episddios do Cotidiano, naquilo que eles Lém de delalhe @ que, aos olhos comuns, po- dem ndo signilicar nada. Aus olhos do cronista. no entanto, esses detalhes se converlem om male ial para Telatos € descrigées cheios de estilo, de muita graca e de muito encanto filerario. Ocupam 08 grandes jornais brasileiros, constituindo, para © \eilor, uma pausa dianle das noticias dos Lrisles casas, das crises € das Wagédias. Quase sempre. pssas cronicas se iransformam depois em livros: + de grande aceitacao do piblico interessado pela "boa escrita’ Como. item do programa, uma hoa opgiv para o professor ser explorar com os alunos as carac: tcristicas discursivas € textuais do género erinica, depois, & claro, de oferceer-thes oportunidades de Ieitura © apreciagio dese genero, tip bem representado nas paginas da literatura nacional, de todas as Epocas e estilos, capa de interes | saraté mesmo os leitores aio muito, aficionados pela keitura. von ' ; i Quanto 4 relevancia informativa (a) A grande ‘novidade’ da crénica em andlise est na forma {0 cheia de detalhes graciosns como € leila a descrigao do estado de esplrito do enun- ciadot A sequéncia em que esses detalhes sao deserltos € suliciente para prender o |silor ¢ pata suscitar nele © enconlio com esse inevitavel conilito entre o que nos da vontade de fazer, por vezes, ea coeIgao natural da vida, que nos deixa presos as convencdes & normas sociais, Andlige do vextos —tncamen.os ¢ pica: RANEETARONRED Quanto a ds relagoes com outros textos (a) A crénica “Talvez 0 ultimo dasejo tevela interltextualidade, sobretudo no sentido amplo do lermo, pois se conforma A conliguragao estrutural do géneto € a oulta do tipo descritive-narrativo de um relato. Além disso, sia muilas as releréncias teltas 4 tealidade fisica ¢ cultural da vida da auto- fa, 0 que mobiliza o conhecimento do leitor em relagao aos esquemas de Organizagdo dessa tealidade. Analisemos, por exemiplo, quanto de outros lexlos esta presente no seguinte Iragmento: rede branca armada debaixa | da jaqueira, jicar balancando devagar para espantar o calor, roer casianha : dé caju conleilada sem teceio de engordar, e ouvir na vitrolinha porlatil to- _ dos os discos Ge Noel Rosa, com Araci ¢ Marilia Batista, Depots abrir sobre | © fosto 0 tiltimo romance policial de Agatha Christie e dormir docemente 5) ao mormaco, (b) Como exemplos de intertextualidade restrita, pode ser citada a alustio a0 poema de Manuel Bandeira “Vou-me embora pra Pasarqada”, alem das releréncias ja lellas a nomes da tealidade arlistica nacional. A autora es- pera que o leitor saiba reconhecer esses lances de intertextualidade ¢ 0 signilicado que Thes {oi attibuido. A releréncia ao poema de Bandeira, por exemplo, condiz com a disposie#o que estd sendo descrita pela aulora: mandar que tudo se dane! Nada mais coerenle, porlanto, que lugir" para _ uma terta ‘onde se é amigo do rei’ € se pode tudo lazer, 5.2.1, Observacoes sobre alguns lalos gramaticais verificacos na cronica "Talvez 0 (timo desejo" ‘Ao longo das anilises precedentes, fui pontuando um ou ou- tro item gramatical que mais diretamente concorreram para os sentidos globais do texto, Além desses itens, vale destacar, por exemplo, que: (a) 0 uso tecorrente da primeira pessoa do singular (eu, me, meu, mim), em todo 0 texto, condiz com a especificidade do género: uma espécie de desabaio, de confissde pessoal acerca de sentimentos que parecem nao aberlamente confessaveis; (D) a repelicdo e a redundancia em: Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu Jalar ndo posso, ambém & coerente com a impiessio.da naradora TGREGRUNGEBY Praticas de anatise de lextos cuanto a sia cimensia glonal de que deve esconder o que sente: esta é toda a verdade e deve ser dita enfaticamente: (c) a linguagem expressiva da conlissio pessoal, insetida no dominio da literatura, favorece 0 uso de meldloras e metonimias, como, entre outras: - abrir os bragos para 0 mundo, olhar para ele bem de frente e the dizer na cata: Te danal: - o sangue (.) ala Jacos que ninguém desata; a amargura do | cativeira sem remedio, : (d} a insercao de varios segmentos descritivos na narativa favoreceu a ocorréncia de enumeracdes, como em: Ao planeta com todos os seus fo- mens @ bichos, ao continente, ao pals, ao Estado, a cidade, a populagad, aos parentes, amigos @ conhecidos. A pontuagao adolada pelo uso das sucessivas virgulas sinaliza esse caraler enumerativo do trecho; (e) ocarater literdrio da crénica em analise, desenvolvida em Lorio de uma _ confissao pessoal e meio espontanea, justilica o uso reilerado da conjun- cao ‘e’ (polissindelo, como se chama}, no trecho sequinte ¢ em muitas . oullas passagens: E adular @ publico e as amigas e mentir sempre que 5 Jor precise e jamais se dedicar a si propria e aos seus desejos secretos. .) E tem o pai..; 6 tem a patria; & tem a casa; £ tem o sangue; F tem 0 sespeftavel pttblico que .. nos aiura e Jé, @.. entende é aceila, € escreve & pede providéncias e colabora no que pode; & tem que se ganhar o dinheiro, e lem que se pagar imposto.. Observe-se também 0 paralelismo sintatico desse trecho, reforgado pela repeticao da forma verbal ‘tem’; 0 tear quase inlormal da confissdo pessoal em andlise propicia a acorréncia de recursos. enfaticos, como os que acabamos de pontuar, (f) a prdclise no Inicio da frase, em: Me deltar numa tede branca, situa a conlissdo num contexto de informalidade, 0 que se ajusta a pretensdo de expor ‘senlimentos bem pessoais'. Por sinal, a crénica em andlise mescla palavras do vocabulario informal (ihe dizer ra cara; Te danal; valha-me Nossa Senhora; roer castanha de caju, adufar) com oultas menos comuns € alé eruditas (brado, carpir, apostroiar, misero), além de construgées como: seu pal jd tho deixara: {g) 0 uso do advérbio “talvez' no titulo ja indicia a descontianca da autora de que seu desejo ndo deve ser coniessado; (h) hd.um dialogo na crdnica, ha um interlocutor invecado (0 coracao), 0 que Samostra sinalizado no uso.da segunda pessoa em; Prisdo de sete | ‘Analise de textos ~ fundamentos © préticas “SABENA porlas, cada uma com sete fechaduras, Wancadas com sete chaves, por que | Jutar contra a8 luas grades. Te dana, coracéo, le dana! (i) A crénica finaliza, enlaticamente, com uma expressao bem popular, bem tipica das circunstancias de desabaio ou xingamento; nada mais cos- rente dianle de um “coracéo" que nao se deixa domar: Te dana, coracdo, i | i te dana! } 5.3, Andlise da fabula “Os urubus e os sabids" r URUBUS EOS SABIAS Tudo aconteceu numa tetra distante, no Lempo em que os bichos lalavam.. Qs urubus, aves por faluseza becadas, mas sem grandes doles pata o cane» lo, decidiram que, mesmo contra a nalureza, eles haveriam de se lornar grandes cantores _ E pata isto Jundaram escolas @ imporlaram prolessores, gargarejaram | © dd-ve-mi-la, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competiches ene si | pata ver quais deles seriam os mais importantes © Leriam a permissao de mandar nos outros, Foi assim gue eles organizaram concursos € se deram nomes pomposos, eo sonho de cada urubuzinho, instrulor em inivio de eareira, era se tornar um respeilavel urubu titular, a quem lodos chamavam por Vossa Exceléncia. Tudo ia muito bem alé que a doce Lranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A (loresta foi invadida por bandos de pintassilgos Lagare- Jas, que brincavam com os canarios e laziam serenalas Gom 0s sabias. Os velhos urubus enlorlaram 0 bico, 0 rancor encrespou 4 testa € eles con- vocaram pinlassilgos, sabias e canarios para um inquérito. Onde estio os documentos dos seus cancursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imagina- do que tais coisas houvesse. Nao haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provas gue sabiam cantar, mas canlayam, simplesmente.. EAPIRULGTEN uisediedo analse de exias quarto a sua dlmensso global Nao, assim nao pode ser. Cantar gem a titulagao devida 6 um destes- peito a ordem. E08 urubus. em unissono, expulsaram da floresla os passatinhos que can- « lavam sem alvaras. | worst: Em letra de urubus diplomados n&o se ouve canto de sabia. [Rubem Alves. Bstdrias de quem gosta de escrever, Cotlez Edituia: So Paulo, 1984: 61-52) oO anto ao univierso ode referencia (a) 0 texto reinele para o mundo da liegao, para uM ugac eum tempo em que “os bichos lalavam’”, pelo que se sabe, um lugar e um Lempe que nado existiam. Na verdade, essa ida a um ‘mundo que nao existiu' é€ ape- as uM prelexto para Se por em questo algum elemento do ‘mundo que existe’. Os animais ‘lalanles’ preenchem a representacdo dos verdadeiros ‘lalantes': nds, os humanos. Qu seja, o mundo ficticio que serve de cenario _ a0 aconlecimento conslilui uma melalora do mundo das decisées insti- ~ lucionais, onde a burocracia, por vezes, lavorece a negacao dos valores humanos mais intiinsecamente naturals (Em terra de urubus diplomados Hao se ouve canto de sabia). © {b) Pouerla ser considerado como pertencente ao dominio da fiteratura Alinal, Wata-se de uma labula, Entretanto, a julgar pelo titulo do livro em que esti publicado, Estérfas de quem gosta de escrever, 0 \exto também poderia ser inserido no dominio pedayégico, mais especilicamente na- quele dominio que remete para os espacos instilucionais encarregados de | conletir poderes — Jos urubus| decidiram que, mesmo contra a natureza, * i i ' i eles taveriam de se toriar grandes cantores e de legilimar a aluagée das | pessoas nesses espacos: Cantar sem a titulacad devida € um desrespeito | dordem. (c} Percebe-se um certo nivel de formatidade, conforme a norma presligiada da lingua, até mesmo por se tratar de urn texto com pretensdes pedagd- gicas e por ter como cena a instalagéao de procedimentos formals que, na hierarquia das instituicdes, contiolam as decisées burocraticas. (d) Os destinatatios previstos sdo os leitores interessados pelas questoes institugignais, das quais decorem muitos de nossos direitos sociais, Tais : ‘Anélie de textos ~fundamentos ¢ pritlca’ SARANBE OAR jeltores representa, na sua maiora, o grupo que detem certo grau de Jetramenta, (e) 0 conjunto desses latores leva © autor para uma formulagao discursiva mais elaborada e para opcodes lingutsticas mais prestigiadas, (por exemplo, entre muilas oulras passagens. £ as pobres aves se olharam perpiexas, por que nunca haviam imaginado que fais coisas bouvesse), deixando, assim texto em condicées de adequacao contextual salisiatoria, Quanto & unidade temédtica | (a) O percurso da fabula em andl! constilui o nticleo da metalora criada: a irracionalidade dos humanos, na i avaliagdo de determinados direitos sociais, se assemelha a dos urubus, » que, investidos de poder (eram ‘wtubus becados’), decidem ‘quem pode ou nao cantar na lloresta’, mesmo que essa decisao contrarie as leis funda~ mentais da natureza. A ‘aluacao dos urubus' — desde a sua investidlura no poder até a tiltima decisdo —- constitui 0 fin que marca @ texto, do inicio : ao fim Quanto 4 progressdo do tema A progressao do tema esta vinculada a sequéncia dos lalos: 0 proje- al dos urubus ou suas pretensoes de se tomarem cantores, (Os | rubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para 0 can i to, decidiram que, mesmo contia 2 natieza, eles haveriam de se tornar grandes cantores); as providéncias tomadas para que suas prelensies se concretizassem (fundaram escolas e importaram prolessores, gaigatejaram dé-é-mi-fa, mandaram imprimir diplomas, e lizeram competicdes entre si); a chegada das oulras aves a esse ‘Nove Mundo de urubus antares’, a re agao dos urubus por considerarem-se vitimas de uma invasao (Os velhos urubus entoriaram 0 bico, o rancor encrespou a tesla e eles convocaran pintassilgos, sabids e candrias para wm inquérito); 0 destecho itracional com a expulsdo da lloresta dos passaros que, apesar de naturalmente can- tores, nao tinham documentos que os aulorizassem a exercilar suas ap- tidées (F 0s wrubus, em unissano, expuisaram da Horesta.os passarinhos que cantavam sem alvaris.) ‘ lise respeita uma sequéncia de falas que} | i t i i i TERRA) Hee tndllse de 12xtos quanto a aus ctensho globel : (b) Na verdade, hd um esquema de desenvolvimento bem clara: uma situa | cao de desequilibrio € criada, frente a constatagaa de que 0 ‘estabelecido’ (Os urubus nde tinham grandes dotes pata 0 canto") nao satislaz. Ou seja, diante dessa limitacdo, um contlito € criado e uma decisao € tomada: os ‘urubus (representantes do poder —- eram "becados’) decidem tornar-se can- lores, &, mais que isso, instilucionalizam (com “papel passado' ¢ tudo) 0 direito de cantar na floresta, O desiecho, autoritario e irracional, tatifica a ‘ideia de que, por vezes, a vida natural — por mais legitima que sejam suas demandas —- perde diante das convencées saciais. {c) A sequéncia (emporal ou causal) das ag6es é indicada linguisticamen- ie, sobretude no inicio das sucessivos paragtalas: Tudo acontecet isto... Foi assim que... ‘Tudo ia muito bem até que... E as pobres ave: urabus.. E8gas mesmas marcas (& a segmentacio em pardégralos) também podem ser vistas como sinalizacdes dos nticleos maiores em que 0 texto > se organiza: 0 inicio do proceso, as agdes que 0 desenvolvem, a mudanga yeradora do conflito, a reacio a essa mudanga e o deseniace final. i i Quanto ao proposito comunicativo {a] O texto, como todas as fabulas, parece ser apenas uma narraliva curla, sem oulro grande propésilo que ndo cantar win fato ou telatar uma lama que tém como atores animals personilicados, numa represenlagao mela- Jorica da convivéncia entre humanos. Sabemos, no entanto, que a fébula, por tas dos episédios narradas, prelende fazer uma avalia¢ao dos compor- » tamentos Numanos e trazer um ensinamento, o que vem expresso no final © com a indicacdo: mana, (b) No caso em andlise, o ponte visado 6 a prepoténcia de alguns deten- lores do poder, que abusam da autoridade para lazer valet suas vontades mesmo se essas conlrariam o que € uma prefrogativa garantida pela nalu- — reza: |Os urubus| decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam | de se tomar grandes cantores”. E, como culminancia de suas poderosas | manobras, em unissono, expulsaram da floresta os passarinhos que canta- vam sem alvaids.. Ou seja, a burocracia das instituicoes — que por vezes eslé lravestida das mais nobres intengées — pode comprometer a prépria afirmagdo das condic¢des humanas lundamentais, mesmo contrariando 9 que 6.mals legitimo (0 canto nascera coi elas |as aves)). ii i

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