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forma de ou téeni- "trabalho e "specificos as praticas res na ges- | éncias que ‘orama das nizacdo, A >ossibilida- formas de > tema das ‘te importante FARIA, José Henrique de. Gest&o participativa. Relagdes de poder e de trabalho nas organizacées. Sao Paulo: Atlas, 2009. [Capitulo 4. A hetetogestio, p.107-119] A Heterogestao “A coagio € a légica dos brutos para seguir explorando a grande malora de popula, ‘Na URSS, para manter a nova exploracéo, 2 nove classe drigente definiu medidas para ‘Pevenizar seu poder (ex6rcito vermelho de LEnin e Trotsky, cago da Cheka [organtzacto ‘militar e de seguranga bolcheviquel por Lénin em dezembro de 1917, com os campos de concentragao, melhorados por Stalin, sob 0 pretexto de preparar o surgimento do “rome novo” eda futura nova sociedad igualitiria.” FRANK MINTZ? Sob o ciscurso da necessidade de homogeneizagdo do trabalho, a classe 'dominante julga-se capaz de gerir, de determinar, de guiar os interesses das classes dominadas, pois acredita que estas nada fazem por livre iniciativa, mas somente atuam sob um comando inteligente, exercido, axiomaticamen. te, em nome dos interesses coletivos. Assim, o sistema heterogerido aparece “como natural, como universal e proprio das “relagées humanas” segundo a apologia do sistema de capital. A heterogestio seria, assim, a tinica forma _possivel de tornar uma organizacio administravel. Mas, essa questio no & ‘to simples como parece, 4.1 Racionalidade burocratica, autoritarismo e desqualificacao do trabalho Como sugere Montuclard (1975), aprioristicamente poder-se-ia pensar que a heterogestéo estabelece uma dualidade entre dois agentes sociais, aquele que gere ¢ o que é gerido, o que comanda (que concebe) e aquele que 1 Mintz (2006), 108 Gestio Parccipeiva + Faria 6 comandado (que executa). Seria uma duslidade de certa maneira linear, na medida em que colocaria esses dois agentes sociais um ao lado do outro. Esses agentes estio colocados lado a lado, porém, verticalmente, em uma escala hierdrquica, destacando-se em primeiro plano os principios e em segundo os efeitos, de tal forma que para a racionalidade torna-se essencial e suficiente que o que gere eo que é gerido sejam ndo s6 intelectualmente distintos, com a maxima preciso possivel, como separados efetivamente por fungées tam- ‘dém distintas, Acstrutura burocritica, contudo, sob a égide da racionalidade, coloca em confronto direto, em um mesmo individuo, a coexisténcia entre submissao e a criatividade ¢ justapée o sistema rigidamente organizado com o desenvol- vimento individual. Perde-se, assim, a perspectiva da condigio humana e das suas relagées, de forma a que se amenize a iniciativa, proliferando as ages ritualisticas e meeSnicas e propiciando o crescimento dos meios e das formas de controle repressivos, gerando uma postura de tal forma rigida que “em todo © sistema heterogerido, tomando como tal, o agente é sempre reduzido a uma fungéo” (MONTUCLARD, 1975, p, 14). A dualidade perde suas caracteristicas, Com efeito, argumenta Montuclard (1975), quando a represso é denun- ciada o que surge é a unidimensionalidade: assim, a heterogestéo, que a prin- eipio surgia em sua aparéneia dualistica, acaba por revelar-se monistica, o seja, em uma concepsao de unidade de forcas reduzidas a um s6 fendmeno, a ‘um s6 movimento portador de elementos simples: de um lado o que comanda € de outro 0 que € comandado. Se na perspectiva dualistica os agentes esta- vam colocados um ao lado do outro, separados intelectualmente e por fungio, no monismo os agentes esto efetivamente separados, pela represséo. Para Montuclard (1975), 0 autoritarismo organizacional se apresenta, sob a heterogestao, em seu aspecto mais radical, quer pela coercéo, quer pela impoténcia em acolher o individiio em toda a sua complexidade, instaurando ‘uma visto simplista da natureza das coisas, de forma a no perceber, em um mesmo momento, nos atos e nos fenémenos, sua negagao formal (alienagio) eab isole tites tese, ira linea, na "outro, Esses uma escala 1 segundo os e suficiente ‘stintos, com ungées tam- +, coloca ém /submissdo e 0 desenvol- mana e das do as acdes das formas ye “em todo wido a uma acteristicas, | fo é denun- / que a prin- onistica, ou enémeno, a ecomanda sentes esta- or fungi, sho. apresenta, », quer pela rstauitando Der, em um alienacao) Atetsrogestio 109 _- e absoluta (autogestéio). Os agentes, colocados em sua unidimensionalidade, isolam-se, alienam-se, desencadeando uma pratica que dialeticamente é a an- Gy ttese, a negacdo da heterogestdo, a qual, por seu turno, mantém e reforga a tese, a order estabelecida, em que tudo é controlado. A forca de trabalho néo ultrapassa o nfvel de mercadoria e nao condiciona , as decisbes, isto 6, nfo se constitui em um grupo de interesse (embora seja um grupo com interesse), Em consequéncia, as finalidades da produgéo sequer sto questionadas pois, em nome da organizacio, inspirado na emergéncia da pesquisa e do desenvolvimento, o segredo é invocado como necessério e seu uso é privilégio de uma minoria dirigente, © que importa é, sobretudo, controlar as formas pelas quais o capital deve reproduzir-se ininterruptamente pois, com o lucro no posto de comando, esvazia-se o aspecto politico, buscando-se exclusivamente produzir mais, em menor tempo ¢ com menores custos (aumentar a produtividade), pela explo- ragio e pelo avanco tecnolégico. O capitalismo acaba materializando um sistema baseado em uma relagdo de produgdo de tal ordem que permite, aos dirigentes, a extrago da mais- valia (subproduto social) de acordo com os interesses objetivos especificos da classe dominante e visando perpetuar a sua dominagéo, O bom andamento da producio estd, portanto, no “génio da chefia” e em sua aptidio para se fazer obedecer pelos trabalhadores, para o “bom desenvolvimento dos negécios”. Acrescentando-se a esse fato 0 exército industrial de reserva, tem-se configu- rado um quadro eminentemente autoritério, ignorado pela miopia causada pela sensacao de lucro imediato. Como néo cabe ao trabalhador entender a Idgica da diregéio, apenas esta se julga apta a compreender as limitacdes da sua légica, bem como entender a dos trabalhadores. Com a emergéncia dessa elite administrativa, as diferen- 110 Gest Pusticipativa + Faria as introduzidas tomaram-se amplamente favordveis 4 manutengio de uma geréncia autoritadria e nao de uma geréncia mais compreensiva, comunicativa, feita de chefes simpaticos, democriticos e persuasivos. Se 0 conhecimento tomnouise, como argumenta Touraine (1970; 197), uma forca de producao em si shesmo, concluir que a competéncia seja uma forma de autoritarismo seria, pelo menos, apressado, No entanto, o conheci- mento acabou sendo tratado cdmo uma eapacidade inerente a uma minoria, © que levou, no limite, ao centralismo. Essa proposta de uma heterogestiio autoritéria? introduz, em suas prescrigées a hierarquizacao dos agentes pela divisio técnica e social do trabalho: a competéncia perde seu cardter orienta- dor para cair na imposicao. Nessa perspectiva, utiliza-de o melhor possivel o maquinario ¢ os indi- viduos, cabendo aos administradores, experts nos meandros da burocracia, a importante tarefa de “tomar decisées de curto prazo para cumprir 0 plano de fabricagaio que Ihes é pedido, e decisdes de mais longo prazo para me- Ihorar @ produtividade e rentebilidade da fébrica. Porém, sua fungSo mais importante é, enfim, a de administradores e diplométicos mais do que tée- nicos. Seu éxito consiste, anted de tudo, em conseguir que colaborem entre si pessoas sobre as quais néo s¢ podem empregar sendo meios muito indire- tos” (CROZIER, 1981). Da ingenuidade da diplomhcia na manipulagéo do fenémeno burocrati- co & genialidade da chefia nas/decisées no centralismo democrdttico, nfo se escapa, quer de um, quer de outro lado, da heteronomia, dispondo de cima para baixo, Porém, como a burdcracia mostra-se impotente para resolver sem. crises seus préprios problemas, nada impede que a heterogestdo se manifeste pela repressao ou pelo recalcatiento, tendendo, assim, a manter e reforgar a ordem estabelecida. A heterogestio, longe de propor uma qualificag&o da méo de obra, acaba por desqualificar 0 trabalho, decomposto em uma série de gestos simples € mecfnicos de acordo com o planejamento do escritério de métodos. Cada func&o é dada a uma pessoa diferente e a automatizacdo dispensa a criati- vidade do trabalho manual, a qual ¢ reservada a uma elite administrativa a quem cabe a benevoléncia de simplificar o trabalho, gerando um proceso de alienagdo e coisificacdio do honiem. *Rheterogetog por s means, sutra. O wo, aq, a expresso heterogertocuoritriaprotende dar tase a autortarsmo,embor pique ta cedundanc earot sobrev do, na BOUR no por or be pregac lubes chefias Co tradore greve) se lhe jament servic o regul empres cumpri Or todos ¢ mas rea dere esse case Vin "éelo« io éom io de uma unicativa, 70; 1977), |i seja uma ! © conheci- a minoria, terogestdo ‘entes pela er orienta. € 08 indi- wurocracia, riro plano para me- neao mais 0 que tée- orem entre ito indire- burocréti- co, n&o se lo de cima solver sem manifeste reforgar a bra, acaba simples dos. Cada yaa criati- sistrativa a rocesso de ‘irle protende Antecrogestio 111 A falta de interesse no trabalho provoca o absentefsmo, a instabilidade © a rotatividade dos trabalhadores, pois, “sendo o trabalho a tinica forma de sobrevivéncia, a todo o momento é substitu(do por outro, igualmente insipi- do, na medida em que permite alcancar-se o mesmo objetivo” (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 165). Mantendo, contudo, a esperanca de algo melhor no porvir, o trabalho é subsidiado pela oferta de prémios de toda a espécie ¢ or beneficios (vantagens) que vo desde o transporte gratuito para os em- regados, até refeigSes e precos médicos no local de trabalho, convéinios com clubes recreativos, empérios etc. Sempre, é claro, sob 0 controle cerrado das chefias, para evitar abusos. ‘Com todas essas vantagens, torna-se dificil aos dirigentes e aos adminis- tradores entender a realidade da chamada operagio tartaruga (forma sutil de greve) (FARIA, 1987). Exigindo que o trabalhador faga rigorosamente o que se Ihe manda, ou seja, que siga totalmente as diretrizes do escritério de plane- Jamento, a geréncia nio percebe que “para bloquear o funcionamento de um servigo, nio ha necessidade de parar de trabalhas, basta aplicar estritamente © regulamento em vigor” (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 169). Para que a empresa continue a produzir, o operério vé-se forgado a urdir uma forma de cumprir suas tarefas sem deixar que os capatazes industriais o percebam. © progresso de uma organizacdo, como é sabido, est na criatividade de todos os individuos. Mas como conciliar criatividade e submisséo?® Como a “es stuagio pecullar a que sedi em agéncias de publicidade O trebathador na dtea do design ou na rea de redasto publicttria tem sua aivicade Higadafundamentalmente Aispirao,& criack. Acting, esse caso, ¢ um procesto de amadurecimento de uma ideia e que etige um tempo de um aparente Ss, {Um “Selo editivo", pam usar a expresso de De Masi (2000). As fontes de inspiraglo ndo esto necessari: ‘mente na empresa. Da mesma forma, 0 "acabsmento” ou a finalizaglo dessa ideia tambéa nfo se dé neces, sarlamente na empresa e durante a Jornada formal de trabalho, O tempo de trabalho gasto fora ta ford to €compursdo para efeitos de remunerasSo do trabalho, Ao mesmo tempo, a exigénca que aehpnese 112. Gostto Participaciea + Faria criatividade, lato sensu, é impedida, todo o esforgo feito para recuperé-la sem alterar a estrutura autoritdria nao se traduz senéio em uma falsa criatividade, dissimulada em seu sentido de logro funcional pelas mais engenhosas taticas gerenciais. Ocorre que, pereebendo a queda dos rendimentos, os dirigentes séo relutam em inventar formas de usar a criatividade, razo pela qual em algumas empresas oferecem-se prémios por sugestées apresentadas que pos- sam propiciar um melhor rendimento do trabalho e funcionamento da méqui- na administrativa. Em algumas outras empresas, existe a chamada caixinha de sugestées, na qual os funcionérios, no podendo falar as claras, depositam suas contribuigées, Em ambos os casos, que no se excluem e nem sio os ‘inicos, a ordem estabelecida nao € colocada em risco: trata-se, em suma, de negar a criatividade utilizando-a por subterfigios, Eo autoritarismo expresso na heterogesto que se sofistica; é a adminis- tracdo por objetivos da empresa que mal consegue disfarcar seu contetido; é a gestio participativa que convoca 0s individuos a escolher o escolhido, re- cobrindo as técnicas elaboradas pelos dirigentes para seu proprio beneficio. Sendo assim, a racionalizagéo acaba por se tornar explorago e a burocracia se constitui em um sistema de dominac&o que participa, ativamente, da apropriagio da mais-valia. Nao é sem razo, portanto, que a percepcao do burocrata termine no vértice da construgio burocratica, a qual se apresenta para ele como o horizonte ¢ o limite de seu universo cotidiano (LAPASSADE, 1976, p. 29). Assimilada pela burguesia, a heterogestio burocrética age antiestetica- mente: “de um lado responde a sociedade de massas e convida & ‘participa G0’ de todos, de outro lado, com sua hierarquia, monocracia, formalismo ¢ opresséo, afirma a alienagio de todos, torna-se jesuitica (secreta), defende-se pelo sigilo administrativo, pela coagéio econdmica, pela represséio politica” (TRAGTENBERG, 1977, p. 190). 0 operario, condenado ao idiotismo profissional e a executor passivo da produgéo, tem no trabalho apenas a materializagdo da relacdo de compra e venda da forca de trabalho. Vivendo na empresa, vive fora dela: “sua vida tem inicio apés o término do labor” (TRAGTENBERG, 1977, p. 194). Sujeita- se, por necessidade, a uma tinica regra: a obediéncia. Adaptado a m4quina, o homem coisifica-se (reifica-se), aliena-se, na medida em que é usado pelos meios de producdo. Se o individuo identifica-se com a empresa, crendo que © progresso dela é também seu préprio progresso, é porque seu desejo, nao podendo ser expresso, é transferido. Produzindo, o individuo é servo do re- sultado de seus esforgos, pois cria o produto final da empresa que, ndo the fi para que se cumprarigoresamente ima jomuda de trabalho ¢ uma negepio do trabalho criativo desse tipo, como exigir quem compositor faga misia das 6 as 12 he das 14h 8s 18h, que se el Webe mais efici de hetero dierna ter, 4.2 Co estudada « capitalista pitalista n natureza vosas tdticas 's dirigentes ela qual em Jas que pos- oda méqui- «da caixinha s, depositam nem séo os sm suma, de éaadminis- contetido; é rolhido, re- o beneficio, a burocracia ‘amente, da atcepgao do e apresenita APASSADE, intiestetica- 1 'participa- smalismo e defende-se 0 politica” passivo da © compra e i sua vida 4). Sujeita- & maquina, asado pelos crendo que desejo, néo ervo do re- ue, nao Ihe 0 eras dose Adeterogestio 113 pertencendo, acaba por dominé-lo. # a alienagao total do sujeito dividido, a dependéncia do trabalho ao capital ou, como alerta Marx, o homem é dividi- do eo capital é concentrado, A estrutura autoritéria da organizacdo 6 preservada sofisticando tal for- ma de gestao. It possivel encontrar, na literatura, propostas que (i) defendem @ missio e 0 cardter da organizacdo sob a estrutura burocrdtica; (ii) indicam. as incertezas como fonte da falta de controle adequado e, portanto, do fra- casso da dindmica orgenizacional; (iii) postulam o paradoxo ingénuo de criar padrdes participativos de administracao para dirigir pessoas; (iv) ou, o que é pior, sugerem que para que se tenha uma mudanga na sociedade, isto é, para ue se eliminem as instituigées burocréticas, é preciso criar novas burocracias, Weber; advettindo que a racionalidade burocratica constitui-se no meio mais eficiente de dominacéo, criticava a burocracia ea eficiéncia monocrética de heteronomia, A despeito dessas adverténcias, encontram-se na literatura ho- dierna tentativas de conciliar a buroeracia com a participagio democrética, 4.2 Cédigo autoritério, controle e sofrimento no trabalho Autoritarismo, expresso na heterogestio, jé havia sido denunciado por Marx (1946) quando definiu a regulamentacio social e 0 cédigo auto- ritério. Marx argumenta que a subordinagio do trabalhador ao capitalista (via de regra, expressa como 0 dominio do capital sobte o trabalho) deve ser estudada com referéncia ao conceito de diregao, que, sendo exclusiva dos capitalistas, ganha a conotagao de direcdo autoritéria. O papel diretivo do ca- pitalista no , portanto, apenas uma fungao especial que se desprende da natureza do proceso social do trabalho, como algo distinto do mesmo, mas 114 Gestdo Perceipativa + Farle & também, uma fungio de exploragio do processo social do trabalho, funcio esta que é determinada pelo antagonismo inevitével entre 0 explorador ¢ a matéria-prima de sua exploragio: o trabalhador. A diregéo autoritdria geral- mente tem uma funcéo de exploragio do trabalhador empregado para obter a maior quantidade possivel de mais-valia, o que, de forma particular, controla € reprime 0 comportamento de resisténcia do trabalhador. As atividades do trabalho sio, assith, reguladas mediante normas que direcionam o desenvol- vimento do trabalho e 0 uso dos instrumentos. Enquanto as normas de controle se constituem, para Marx, em uma con- digo necessdria de qualquer organizagio produtiva (e é sempre possfvel dis- criminar suas fungdes técnicas das sociais), as normas de repressdo, por seu turmo, tém sempre uma fungdo social, Por essa razéio € que, com 0 objetivo de extracao da mais-valia, a resisténcia dos trabalhadores e sua repressio so consequéncias necessdrias do antagonismo entre o proprietério capitalista e 0 trabalhador. A direcéo autoritéria, na medida em que dispée da capacidade de organizar 0 processo de trabalho, subordina 0 trabalhador ao dominio do capital e torna mais despético o controle deste sobre o comportamento daque- Je que, em sua articulagao com o mecanismo total, vé-se obrigado a trabalhar com a regularidade de uma maquina. A capacidacle de organizar o processo de trabalho com a diviséio do trabalho vai permitir que se estabeleca uma diferenca de intensidade da alienacéo, na medida mesmo em que se instaura uma relacio de dependéncia mais forte entre o trabalhador e a direcéo. Engels, quando faz a distingao da coordenagio das operagées, da relagio que existe entre as normas e a direcdo autoritéria, afirmou, com razo, que no Ambito da organizacéo o capitalista industrial é 0 legislador absohuto. Estabe- lecendo as condicées nas quais o problema da coordenacéo encontra solueio no eddigo despético, Engels distingue a funcio organizativa das normas de sua fungao autoritéria (PALMA, 1974b, p. 27-28). Marx (1946), por seu tur- no, expressa as duas fungGes das normas através dos conceitos de regulacio social e de cédigo autoritario. Assim, enquanto as normas de controle aparecem como condigées ne- cessdrias da organizacéo produtiva, as normas de represséio aparecem como tendo uma funcao social (PALMA, 1974b).* Da mesma forma, a resistencia dos trabalhadores & sua repressdo sio consequéncias necessdrias do antago- nismo entre o proprietério capitalista ¢ o trabalhador. Como a complexidade da organizagéo requer normas cada vez mais autoritérias, com o crescimen- to da massa de trabalhadores cresce também sua resisténcia, aumentando a pressio do capital para vencé-la. Emerge, assim, 0 cardter necessario do conflito que impée sempre a individualizacéo das normas como instrumen- + Os argumentos desenvolvidos a seguir encontram.o2 em Palma (1974), to re que s oseu taria, trabal mais sua a regul: G uso sc pode- Por qt © proc s¢ con que é rem regula constit Ihador Jement autorit ° cial, 6 forma; tratade lagdo s de trak regular enquar toritéri otraba de trab doenga cionais tias, pa estudos 5 Faacat eamirof sncias pa Minas Ger 10, fungaio orador e a fria geral- wa obtera + controla ‘idades do desenvol- uma con- “ssfvel dis- ©, por seu 0 objetivo ressiio sto italista eo apacidade ' ominio do tto daque- i trabalhar 9 proceso aleca uma -e instaura 2080. da relagao fo, queno 10. Estabe- ra solugao rormas de or seu tur- - regulagdo digdes ne- zem como vesisténcia lo antago- plexidade rescimen- mentando 2ssdrio do astrumen- Attewerogersto 115, to repressivo. Destarte, o trabalhador esté em relacio de subordinagao no que se refere aos processos de decisio e tal subordinaco agrega, também, 0 seu trabalho, enquanto funcéo dos objetivos da diregio, A diregao autori, téria, na medida em que dispée da capacidade de organizar o processo de trabalho, subordina totalmente o trabalhador ao dominio do capital e tora mais despético o controle deste sobte o comportamento daquele que, com sua articulacdo com o mecanismo total, se vé obrigado a trabalhar com a regularidade de uma maquina. Considerando que o processo de trabalho é organizado em fungéo de um uso sobre cujas determinagdes o trabalhador néo tem capacidade de decisio, pode-se afirmar que a regulagdo social se apresenta como cédigo autoritdrio, Por qué? Porque os trabalhadores néo participam das decisdes que presidem © processo de trabalho, de maneira que a racionalidade da regulasio social! se converte na racionalidade das técnicas para controlar um comportamento Que & necessariamente conflitual e para induzir os trabalhadores a coopera. Tem com objetivos que lhes so estranhos. O cédigo autoritdrio é, assim, uma regulamentagio social cujas normas so formuladas pelos dirigentes e que se constituem em um instrumento organizativo de sua dominagéo sobre os traba. Ihadores. Tal cédigo ¢ autoritério porque se vale de formas coercitivas de regu. lamentagio e aplicago, ou seja, expressa medidas autoritérias e prevé formas autoritérias de punicao através de sanges, disciplinamento e controle > © cédigo autoritério é uma caricatura capitalista da regulamentacdo so- cial, ¢ uma interpretacdo deformada da funcio organizativa das normas, de- formagéo essa que consiste em fazer com que esse cédigo autoritdrio seja ‘matado como uma simples regulamentacéo social. Por qué? Porque uma regu lacdo social poderia evocar razées técnicas, que seriam inerentes ao proceso de trabalho. Mas 0 édigo autoritdrio estabelece um conjunto de normas que regulamentam o processo de valorizacao do capital. A alienagiio do trabalho, enquanto subordinacéo do trabalhador ao capital sob as regras do cédigo au. ‘oritdrio, pode ser claramente percebida, portanto, na medida em que nao é © tabalhador que se utiliza das condigdes de trabalho, mas sio as condigdes de trabalho que usam o trabalhador. Nao 6, portanto, gratuitamente, que as doengas decorrentes do trabalho, sejam fisicas (LER/DORT), mentais/emo- cionais (estresse, sindrome de burnout etc.) ou decorrentes delas (cardiopa- tias, patologias gastrointestinais etc.), estejam ganhando tanta ateng&o nos ‘estudos sobre o trabalho, £_ Foseatlt (1977; 1980) estudou as formas de vigilincia © punigho, as micropenalidades, a disefplina 8 microfisice do poder em outras realidades organizacionals, mas que podera ser tomacas como refe- sénelae paca a vida nas fabrieas, como o fez Gareia (1984) em um estudo sobre o setorsiderirgico emt Minas Gerals, 116 Gestio Paricipstva Faria Como foi observado por Vasconcelos e Faria (2008), ao longo da histéria, as manifestacdes do sofrimento do trabalhador diante de mudangas nas con. digoes de trabalho e nas relagdes sociais de producdo também se modifica- ram, Essas novas formas de sofrimento humano (stress, depressio, sindrome do panico, psicossomatica, LER/DORT), ao mesmo tempo em que promovem ‘um questionamento inicial sobre a tesponsabilidade do trabalho na instala- Gao ¢ intensidade do fendmeno, logo fornecem respostas simplistas como: as doencas mentais so intrinsecas ao individuo, hereditdrias ou relacionadas & sua hist6ria familiar e infantil, a um déficit quimico cerebral tempordrio (dis- fungdo de serotonina, noradrenalina) etc. Sob a heterogestiio as situagées relativas A satide fisica e mental no tra- balho no sio tratadas como causadas pelo proceso de trabalho. Para se roteger das formes como a organizacio heterogerida age, segundo Dejours (1999), as neuroses, psicoses e depressées em situagées de trabalho sfio com- pensadas pelos individuos através do desenvolvimento de sistemas defensivos. As neuroses e psicoses descompensadas sfio facilmente detectadas através da queda de produtividade, o que gera a exclusio do individuo do trabalho. Quando existem entre os trabalhadores apenas individuos isolados que niio conseguem manter o ritmo de trabalho ou o equilibrio mental, a organizaciio heterogerida logo oferece trés solucées para esse individuo: “deixar o empre- 0” (Ger dispensado), mudar de posto (ser transferido) ou absenteismo (fugit do problema). A fadiga e 0 sofimento mental nao so motivos para o afas- tamento, para o qual se torna necessério a doenca, Nesse sentido, a consulta médica e 0 uso de medicamentos passa a disfarcar 0 sofrimento mental. “A medicalizacdo visa, além disso, a desqualificagdo do sofrimento, no que este pode ter de mental” (DEJOURS, 1999, p. 121). 4.3 Hierarquia capitalista, regulacdo social e insuportabilidade do trabalhador Como se sabe historicamente, A medida que o processo de producéo tor- Aou-se mais complex, o capitalista nao pode exercer sozinho a direcio e 0 controle de todo 0 processo de trabalho. As fungées dos mestres e supervi- sores foram ampliadas e uma nova categoria profissional surgiu na divistio do trabalho para auxiliar o capitalista na fango do controle e ampliagéo da dominagao: o gerente, As funcées de geréncia nao se limitam, contudo, a0 controle do processo de trabalho, pois os gerentes passam a cooperar em sua concepgéio. Essa ampliagdo da funcdo da geréncia é 0 golpe fatal (porém nun- ca decisive) dado sobre o produtor direto, na medida em que o despoja do trabalh I, cap. ( 109), € mente j 08 ofici gerale “a medi Em de tal f balho. £ comple: em nov Cor trabalhe trabalh: Gio soci Particip de da n control: trabalhe autorité pelos di domina &aplica: Abe amplam cias tem. la histéria, as nas con- 2 modifica- , sindrome promovem na instala- 8 como: as cionadas & ordrio (dis- dtal no tra- to, Para se do Dejours 0 sto com- jefensivos, através da » trabalho. 2s que ndo tganizagaio Fo empre- ‘smo (Fugir ara 0 afas- a consulta mental, “A vo que este vilidade dugio tor- liregdo e 0 e supervi- na divisio pliagdo da ontudo, 20 ‘orem sua orém nun- Jespoja do AWetezogestio 117 trabalho mental, como ficou marcado no projeto taylorista (RARIA, 2004, v. 1, cap. 6). © papel da geréncia moderna, como observa Braverman (1977, p. 109), é, portanto, o de “tornar consciente e sistemdtica a tendéncia antiga mente inconsciente da producéo capitalista”, garantindo que, 4 medida que 0s oficios declinem, o trabalhador mergulhe ao nivel da forca de trabalho geral e indiferenciado, adaptével a uma vasta gama de tarefas elementares e,” “Amedida que a ciéncia progrida, que esteja concentrada em stias mos”. Em sintese, o desenvolvimento do modo de produgdo capitalista opera-se de tal forma que os trabalhadores perdem o controle sobre 0 processo de trax balho. As funcées do capital diferenciam-se e, nas grandes operages, seguem complexas hierarquias. ‘Tais transformagées estruturais acabam por resultar ‘em novas formas de relacdes de propriedade. Com efeito, considerando que a alienacSo significa que 0 proceso de trabalho € organizado em fungéo de um uso sobre cujas determinagdes 0 tabalhador nao tem capacidade de deciséio, Marx argumenta que a regula- so social se apresenta como cédigo autoritétio, porque os trabalhadores nao participam das decisdes que presidem o processo de trabalho: a racionalida- de da regulamentagio social se converte na racionalidade das téenicas para controlar um comportamento necessariamente conflitual e para induzir os trabalhadores a cooperar com os objetivos que Ihes sao estranhos. 0 cédigo autoritério é, assim, uma regulamentacdo social cujas normas so formuladas pelos dirigentes ¢ que se constituem em um instrumento organizativo de sua dominagio sobre os trabalhadores. Tal cddigo é autoritério porque se vale (e é aplicado) de formas coercitivas. A heterogestio 6, destarte, uma forma de gestiio radical, personificando amplamente 0 autoritarismo organizacional. Suas implicagées e consequén- cias tém-se mostrado desfavordveis a conseguir, ao mesmo tempo, o aumento 118 Gestio Partelpaiva + Faria da produtividade e a reduc&o dos conflitos, jd que as bases do poder, que af é exercido, fundamentam-se na coergéo e na autoridade legal. H4 um ponto, no entanto, em que, sob essa forma de gestiio, os niveis de insatisfagéo no trabalho tomam-se insuportdveis. A niio ser pelas modifi. cagbes tecnolégicas dos meios de produgio, a produtividade estabiliza-se ou mesmo decresce; nao hé motivago que resulte em intensificagio da jomada de trabalho: o lucio diminui e a insatisfagéo aumenta, Das relagdes de poder, que af se do, resultam formas diferentes de gestio. As organizagoes produti, vvas sob 0 comando do capital percebem, com o tempo, que as formas autori- tdrias de gest4o geram descontentamento e nao comprometimento. De fato, conforme estudo anterior (FARIA; BARBOSA, 2007, p. 110-111), “do ponto de vista das relagdes organizacionais, estar comprometido signili. ca que o sujeito (individual e coletivo) desta ago deve partilhar dos valores objeto da mesma, estar motivado a participar da definigio e da realizado dos objetivos ¢ das estratégias de sua consecucio e sentir-se responsével pelo sucesso das agées que permitam o alcance dos objetivos, engajando-se, crian- do e inovando para a conclusao das ages conforme os padroes esperados ou além deles”. Assim, do ponto de vista organizacional, o comprometimento se manifesta quando pelo menos uma dessas seis situagées (ou bases) ocorre quando o individuo: (i) possui ligagSo afetiva com um grupo ou uma orga- nizag#io ou com os objetivos e as finalidades da acéo; (ii) concorda moral € eticamente com a ago em si ou com sua finalidade; (ifi) ird beneficiar-se di- retamente dos resultados da acéo; (iv) acredita que 0 grupo ow a organizacéo sio portadores de seus desejos ou ideais; (v) participa da definigdo e da reali- xasio dos objetivos da organizacéo; (vi) partilha dos objetivos da organizagéo e/ou de seus projetos e participa de sua difusio. Nesse sentido, a pratica da gestdo autoritéria vai se tornando, para os Bestores, antes um problema do que uma solugio, especialmente porque, 20 mesmo tempo, os trabalhadores e stias organizagées procedem a enfrenta- mentos cada vez mais tensos contra essa forma de gestio. Isso néo significa que a mesma tenha desaparecido. Significa que quando ocorre de os traba- Ihadores néo se encontrarem organizados politicamente, a gestéo autoritéria apenas nao existe se a geréncia € suficientemente atenta aos efeitos da mesma € aos resultados de uma gestdo mais participativa. Aqui ocorre, ento, um desdobramento que é preciso retomar para es- clarecer. A gestéo participativa pode ser tanto uma iniciativa da organizacio capitalista do trabalho, com o intuito de aumentar a produtividade, reduzir os conflitos, diminuir a tenso, aumentar 0 envolvimento e o comprometimento, quanto a base de uma acéo dos trabalhadores, seja na perspectiva do capital, seja contra este. Os capitulos seguintes esclareceriio essas diferencas. A Figura 4-1 mostra esse desdobramento, as que a é », 05 niveis las modifi- iliza-se ou da jornada s de poder, es produti- nas autori- 110-111), ido signifi- os valores realizagao asdvel pelo o-se, crian- perados ou stimento se ses) ocorre uma orga- da moral e ficiar-se di- rganizagdo veda reali- rganizacéio lo, para os porque, ao 2 enfrenta- 50 significa @ os traba- autoritéria sda mesma “ar para es- nganizacao steduzir os ‘netimento, do capital, “as, A Figura Participativa Tipo! Gestéo Participative como estratégia de _gestdo e de controle {do trabalho pelo capital. Por exemplo: GSA; TOC: Team Work, Figura 4.1 Desdobramento da gestdio participativa por tipo bdsico, Adoterogertio 119 Gestdo Participativa Tipo It Participativa | [conto pricpata cone Tipo tl hase da organizagdo nbo capitalist ao bale, for exes cooperates de Trabalho: Sronlzgoes Clete, ‘nog. Gestdo Participativa camo base da organizagio dos ‘rabalhadores sob 0 ‘comande do sistema dle capital Por exemplo: Cogestdo; Comissbes de Fabrica,

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