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Colecgdo: PERFIS © Payot, Paris, 1973 Titulo original: ROLAND BARTHES —Un Regard Politique sur le Signe Prefacio: Dr. Pirouz Eftekhari Traducao: Adriano D. Rodrigues Capa ¢ orientacao grafica: Estudios Vega Direitos de traducdo para a lingua portuguesa reservados por Editorial Vega Rua Jorge Ferreira de Vasconcelos, 8— 1700 Lisboa LOUIS JEAN CALVET ROLAND BARTHES UM OLHAR POLITICO SOBRE O SIGNO Prefacio de PIROUZ EFTEKHARI Professor de Psicolinguistica no Instituto Superior de Psicologia Aplicada © SIGNO QUOTIDIANO: MITOLOGIAS Os cinquenta e quatro pequenos estudos de Mitologias so outros tantos textos de actualidade que Barthes produziu ao longo de um periodo «jornalistico» que cobre alguns anos da sua vida. Estes textos, indiea ele no principio da obra, «foram escritos mensalmente durante cerca de dois anos, de 1954 a 1956, a0 sabor da actualidade> *. Esta produgéo estende-se de facto de Outubro de 1952 a Maio de 1956’, principalmente na publicagio mensal de Lettres Nouvelles, excepto em dois casos ®. A finalidade é igualmente indicada: «O ponto de par- tida desta reflexio era a mais das vezes um sentimento de + Mitologias, pagina 5. ?eLe monde oli Yon catches, Esprit, Outubro de 1952, «Petite mythologie du mois», Lettres Nouvelles. Maio de 1956. * Esprit (ver nota precedente) ¢ France Observateur, 9 de Setem- bro de 1954, *, E a galeria dos retratos que produzem esttidios de Harcourt torna-se assim uma procissao divina, Olimpo de semi-deuses que se actualizam por vezes, aqui acolé, num filme, numa peca, mas cuja esséneia é imate evanescente. O' mito procede assim aqui por inversio: ni nos seus papéis que o actor é um heréi, mas na sua v © Mitologias, pégina 22. pelo menos nesta parcela de vida imaginéria que a fotografia nos devolve. Este mito manifesta-se por signos, mas por signos a que falta muitas vezes a franqueza. No caso dos romanos do cinema por exemplo, dois signos coexistem: a franja dos cabelos de que se revestem as personagens (Barthes analisa o filme Jiilio César de Mankiewieez em que nao existem carecas) © © suor que todos apreseniam (excepto César). Ora aqui a franja aparece como «representagSo da romanidade>, enquanto que © suor, revelado pela profusio dos grandes planos, <é também um signo». De qué? Da moralidade. Toda a gente sua Porque toda a gente debate qualquer coisa dentro de si © povo traumatizado pela morte de César, depois pelos argue entos de Mareo Anténio, 0 povo sua. eombinando enmnar ente num mesmo signo, a intensidade da emogdo e o carie- ter frusteada sua condigdo’. No tatch, tudo aoe Pode- mos perguntar por ocasiio de um jogo de boxe se um golpe assentou, se fez doer ao adversdrio, podemos interrogar-nos sobre 0 que pensa o pugilista, sobre as suas reaccdes e inten- ses. Nada disso no catch, uma vez que o catch nio € um desporto mas um espectaeulo em que tudo é explicitado. Como 0 teatro antigo ou a pantomina, 0 eatch faz amplifica- ses. Nietzsche observou h muito este fenémeno da tragédia grega em que «Dionisio, tinica personagem real, manifesta (-se) através de uma pluralidade de figuras, sob a mascara de um her6i que luta ¢ se aprisiona...»*. O jogador de catch, por seu lado, impSe pelo fisico uma leitura, é 0 seu proprio cartaz, a sua prépria mAscara, e a sua propria aparieio contém j em gérmen todo o desenrolar da partida. O resto ira confir- mar esta mascara, cada gesto, cada mimica de sofrimento ou * Id, paginas 2627, * Naissance de la tragédie, ed. Gonthier, pagina 69, 40 de édio, assinalando: véem, sou de facto o tipo igndbil que o meu aspecto fisico vos deixou supor. Mas para isso 6 preciso que o gesto atinja o seu alvo, dai a énfase necesséria para 0 constituir como signo. Daf a funeio do punho grandiloquente da camisa, do ponta-pé vingador dado ao vencido que jaz por terra, ou do ataque manhoso, matreiro, no momento da pausa, escondendo-se do rbitro, mas & vista de toda a sala: o golpe traidor que ninguém visse no teria nenhum interesse visto que ele nao conta senfio enquanto é percebido como signo da. maldade e da traicio, do Mal. Encontramos aqui a oposi¢ao ao boxe em que o golpe baixo é dado sempre As escondidas: a sua funcio é fazer doer, mas a finalidade (cansar 0 adver- sério) implica que passe despercebido, sem o que a penali- dade poderia anular o lance. No catch. pelo contrério. um mau golpe tem como funcéo ser visto como tal: desaperce- bido, seria inoperante. por isso que 0 boxe esté do lado do desporto, do lado dos golpes que fazem doer, e 0 catch do lado do especticulo, do lado dos golpes que dio a ver. © escritor, tal como o actor ou o jogador de catch, & também um deus cujas manifestagdes mais prosaicas confor- tam neste estatuto. Certamente o escritor tem férias, como 0 operdrio, como o empregado, como toda a gente. Mas goza-as de maneira diferente na medida em que prepara sempre um novo livro, eorrige provas, toma notas, 1é, e aquilo que o situa ao nivel do comum dos mortais (goza férias) afasta-o logo, uma vez que goza finalmente de férias diferentes, de férias de eseritor: muda de ares mas nio muda de residéncia, permanece no Olimpo contra ventos e marés (trata-se aqui evidentemente da imagem das férias do eseritor tal como no-las apresenta uma certa imprensa). A abordagem que Barthes opera destes diferentes signos 6, no comeco das Mitologias, ambigua. Assim, para os roma- nos do cinema, sue principal erftica parece ser de caracter (pelo menos raciocina em fungio dos crit ertinéneia do especticulo) : o signo-suor e o signo-franja so degradados porque intermediarios, situando-se entre os dois extremos que seriam 0 signo intelectual, totalmente elfptico, © © signo visceral, vindo das profundezas do actor e no rei- teravel. Aqui como para o catch ou para a fotografia da vedeta compreender-se-4 que se trata de signos voluntaria- mente emitidos: a franja quer ser o signo da cromanidade>, € usada por isso, os punhos vieiosos querem ser signos da maldade, ete. Quer isto dizer que estamos no mundo do espec- téculo, em que os signos néo so talvez francos porque s6 escolhem uma via média, mas em que néo escondem a sua fungio ao consumidor. Aqui, para empregar um vocabulirio que Barthes ainda nio utiliza nesta época, o emissor codifica uma mensagem feita para ser descodificada pelo receptor: Se as diferentes franjas do filme de Mankiewicz faltassem 20 Seu dever, nio proclamariam a cada instante aparece em filigrana sob o mito-alegoria do escritor © mito-mentira das férias. , como a baptiza Barthes, no € (s6) desonesta, é policial. Porque estas profissies de incompreensio nao tém como finalidade deitar 0 oprobrio sobre uma parte da producio literdria, de a ridicularizar, tém como fungio exclui-la do campo do admissfyel. «De facto, qualquer reserva a propésito da cultura é uma posicao terro- rista. Exercer a profissiio de critico e proclamar que se nio compreende nada sobre o existencialismo e 0 marxismo (por- que de maneira explicita sio sobretudo estas filosofias que se confessa ndo compreender) 6 erigir a sua cegueira ou o mu- tismo em regra universal de percepeio, 6 rejeitar do mundo o marxismo ¢ 0 existencialismo: no vos compreendo, portanto sois idiotas» », | sec.0 oritico torna-se assim o polieia que, jogando com a pro- Jeegio do leitor, pratica a exclusio em nome de eritérios que * Id,, pagina 38. 4 seni ein ececouanmoanEnR EAN ja nfo tém nada de estético. O jogo assim manifestado entre a obra, 0 critico e o leitor nio se reduz entretanto a este tipo de situagio. Podemos, evidentemente, vé-lo em toda a activi- dade critica: cada vez que um artigo incensa uma obra, inter- vém de igual maneira, mas em sentido contrario, entre esta obra e o leitor. Pode s vé-lo também em todos os casos de insergiio entre e percepedo que temos desta inacessivel e no entanto atin- gido gracas a Persil (mais braneo do que o braneo do vizinho, evidentemente, o que introduz além disso uma nocdo de com- petic¢ao social) ou uma caga de que Omo é a melhor espin- garda. . Este mito-mentira, ter-se-4 adivinhado, participa ao mesmo tempo de uma visio social: nfo é por acaso que Persil elogia. % Expresso intraduzivel com 0 sentido primeiro de cot etn al Gaba, as se prefere abandonar ou deitar fora para salvar o resto das, chamas de um incéudiv (Nuta do Traduror). = Td, pégina 52, 46 memes oti oe senna ‘© sou branco, é porque é «mais branco> do que os outros, niio € por acaso que o eritico finge crer na vacuidade de certas obras, mas talvez porque estas obras demonstram a vacul+ dade da critica. Em ambos os casos, a defesa de um sistema, de uma ordem, que sio comunicados pelos mitos. J& o suger, a mentira 6 sempre uma verdade, a um plano superior. Mas 6 preciso ainda que esta «verdade» possa ser descodificada, isto 6 que o mito participe de um eédigo. © MITO ENQUANTO CoDIGO Este cédigo, Barthes constréi-o primeiro sem o_saber. A custa de acumular tijolos, acaba-se muitas vezes por cons- truir uma parede; o autor acumula aqui deserigdes que ee apresentam & partida como elementos independentes, unica- mente ligados 4 actualidade, mas que a pouco e poueo acabam por constituir um sentido. (Algumas palavras de M. Poujade, p. 111); — «J assinalei a predilecedo da pequena burguesia pelos raciucinivs tautolégicos» (Racine 6 Racine, p. 127); — «Promogéo burguesa da serra» («Le Guide bleu», p. 159) ; — (O cruzeiro de

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