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Texto 1

FONTES DAS IBRIGAÇÕES E FASES DA


EVOLUÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Jackeline Guimarães Almeida Franzoi** Especialista em Direito Contratual, do


Consumidor e da Responsabilidade Civil. Aluna do
Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá
(CESUMAR).
Advogada na comarca de Maringá (PR).
218 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Fontes das obrigações: conceito e importância; 3.


Direito
das obrigações; 4. Conclusões; 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar as espécies de fontes das obrigações e a
evolução do direito obrigacional no decorrer dos tempos.
De início, será investigado o conceito de fontes das obrigações, distinguindo esta
terminologia de uma outra espécie de fonte, a fonte do direito.
Será feita uma abordagem sobre a importância do estudo das fontes das
obrigações, haja vista a divergência existente entre os doutrinadores acerca de
sua classificação, muito embora alguns autores salientem que esta polêmica não
tenha mais um grande interesse prático, mas, somente, doutrinário ou histórico.
Convém ressaltar, porém, que a análise das fontes das obrigações é de suma
importância até para que, ao final, se possa compreender melhor o próprio
conceito de obrigação.
Torna-se, primeiramente, imprescindível estudar as fontes das obrigações no
direito romano, pois foi este o manancial de onde nasceram as classificações das
demais legislações estrangeiras, inclusive da legislação brasileira.
A seguir, far-se-á uma análise das fontes das obrigações no direito brasileiro atual,
segundo o entendimento de alguns dos mais renomados juristas nacionais para,
então, abordar-se a atual crise da classificação destas fontes.
Na segunda parte, e de maneira introdutória, conceituar-se-á, resumidamente, o
termo "obrigação" para que se possa entender a importância do estudo de sua
evolução nos últimos tempos. Este tópico será abordado de maneira sintética,
posto que se trata de tema de outro trabalho conexo do seminário.
Por último, esta evolução do direito obrigacional será, então, analisada mais
pormenorizadamente, a fim de se poder visualizar o avanço (ou não) deste direito,
que, enfim, diz respeito à vida de todo ser humano.
Neste sentido, Ernani Vieira de Souza1 enfatiza:
(...) é no campo do direito das obrigações que a atividade econômica do homem
encontra seu principal ordenamento; daí a sua inegável e preponderante
importância no mundo moderno, uma vez que os interesses humanos
contrapostos são organizados e delimitados pelas regras que coordenam a
relação obrigacional, tendo em mira o equilíbrio das relações entre o credor e o
devedor
.
2. FONTES DAS OBRIGAÇÕES: CONCEITO E IMPORTÂNCIA
Pode-se conceituar fonte de obrigação como origem, nascedouro, maneiras de
surgimento ou realização de uma obrigação.
Obrigação, por sua vez, advém do latim obligatio (em que ob dá uma idéia de
sujeição, e ligatio, a noção de vínculo).
Convém fazer-se, de maneira introdutória, uma distinção entre fonte do direito e
fonte das obrigações. Fontes do direito, de acordo com Álvaro Villaça Azevedo2,
são: primeiramente, a lei e, depois, havendo omissão, a analogia, seguida dos
costumes e dos princípios gerais do direito (conforme artigo 4° da Lei de
Introdução ao Código Civil). Por último, surge a eqüidade. Já, as fontes das
obrigações têm conotação diferenciada.
"Estudar as fontes das obrigações equivale a investigar como nascem ou se criam,
de onde surgem, e em virtude de que uma pessoa se pode achar na necessidade
de efetuar determinada prestação em favor de outra", menciona Renato de Lemos
Maneschy3. Para ele, ainda, cabe fazer uma distinção entre fontes do direito e
fontes das obrigações, da seguinte maneira: "as chamadas fontes do direito geram
as normas jurídicas, preceitos gerais destinados à disciplina da vida social,
enquanto das denominadas fontes das obrigações decorrem direitos e deveres,
relações jurídicas, concretas e particulares, entre duas ou mais pessoas, tendo por
objeto determinada prestação”4.
Orlando Gomes5 preleciona que "quando se indaga a fonte de uma obrigação,
procura-se conhecer o fato jurídico ao qual a lei atribui o efeito de suscitá-la. É que
entre a lei, esquema geral e abstrato, e a obrigação, relação singular entre
pessoas, medeia sempre um fato, ou se configura uma situação, considerando
idôneo pelo ordenamento jurídico para determinar o dever de prestar. A esse fato,
ou a essa situação, denomina-se fonte ou causa geradora da obrigação".
Sílvio Venosa6 acrescenta, porém, que "a importância do estudo das
fontes das obrigações é eminentemente histórica, porque no passado do
enquadramento das obrigações derivavam determinadas conseqüências jurídicas.
Hoje as obrigações não mais se caracterizam pela decorrência de certos fatos,
mas pela própria estrutura que as define, deixando de ter a classificação das
fontes grande importância prática".
Corroborando este pensamento Álvaro V. Azevedo7 afirma: "a importância do
estudo das fontes das obrigações perdeu, hoje, quase todo o interesse, tendo
valor histórico, entretanto. Isto porque os juristas sempre procuraram estudar as
obrigações pelas suas origens, sendo estudadas, modernamente, pela sua própria
natureza".
Finalizando, Amoldo Wald8 também expõe o seu entendimento neste sentido, ao
dizer que "atualmente caracterizamos a obrigação não mais por decorrer de certos
fatos, mas pela sua estrutura própria que o direito hodierno define. Por este
motivo, as polêmicas travadas a este respeito perderam grande parte do seu
interesse prático, embora mantivessem importância para fins doutrinários".
Ao nosso ver, contudo, este tema tem a sua importância, pois toda e qualquer
evolução do direito deve ser estudada, até para que se possa diagnosticar
possíveis falhas e indicar mudanças benéficas e necessárias.
Para que se possa iniciar um estudo a respeito das fontes das obrigações, torna-
se indispensável o entendimento destas fontes no direito romano, pois que elas
serviram de base para a classificação das fontes na maioria das legislações.
A mais antiga classificação das fontes das obrigações provém das Institutas, de
Gaio. Datada do período do direito romano pós-clássico9, Gaio foi quem elaborou
as Institutas e relacionou duas fontes das obrigações, da seguinte maneira:
"omnis obligatio vel ex contractu nascitur, vel ex delicto", ou seja, as obrigações
nascem dos contratos e dos delitos.
Amoldo Wald10 lembra, entretanto, que a primeira fonte de obrigação foi o
delito11, na esfera penal, seguindo-se a responsabilidade pelos delitos civis. Havia
os delitos públicos e os delitos privados, sendo que os primeiros tinham pena
imposta a toda a coletividade, e os segundos a favor somente da vítima. Os delitos
privados eram o furto, o roubo, a injúria e o dano, além de outros, sendo que o
causador respondia pelo seu ato mesmo se o tivesse cometido com culpa
levíssima, de acordo com a Lex Aquilia. Logo em seguida, surgiriam as obrigações
oriundas dos contratos que, porém, nesta época ainda não significavam sempre
um acordo bilateral de vontade, mas podiam existir independentemente da
declaração do consenso entre os contraentes, muito embora o consenso das
partes já fosse um elemento integrante dos contratos desde o século II d.C.
A seguir, dois outros textos, de autoria do mesmo jurisconsulto Gaio, surgiram
logo após esta época, sendo que o primeiro deles foi o Digesto. 9 O último período
da história do direito romano é classificado como período pós-clássico, coincidindo
com a época de sua decadência. Nesse período, sentiu-se a necessidade da
fixação definitiva de todas as regras romanas até então vigentes, por meio de uma
codificação, situação esta que os romanos desprezavam, pois sabe-se que este
direito era eminentemente casuístico (não sendo por acaso que, à exceção da Lei
das XII Tábuas, no século V a.C., nenhuma outra codificação fora empreendida
pelos romanos até esta era pós-clássica). Foi o imperador Justiniano (527 a 565
d.C.), enfim, quem empreendeu a compilação da grandiosa obra do Corpus Juris
Civilis, que reuniu os textos do Codex, do Digesto, das Institutas e das Novellae,
finalizado em 535 d.C. Convém ressaltar que foi esta codificação que preservou a
genialidade do direito romano para a posteridade.

Neste primeiro texto, Gaio se referia, além dos contratos e dos delitos, a uma
terceira espécie de fonte, que ele denominou "várias espécies de causas", ou
melhor, "ex variis causarum figuris". Estas várias espécies de causas seriam as
fontes de obrigações que não se enquadrariam nem nos contratos, nem nos
delitos, como por exemplo a gestão de negócios, a tutela, a curatela, a comunhão
incidente entre os vários condôminos de um mesmo bem (obrigações nascidas
das relações de vizinhança) e as obrigações surgidas a partir do enriquecimento
injusto.
O segundo texto, também atribuído a Gaio, apareceu nas Institutas do imperador
Justiniano, à época bizantina, e dizia: "sequens divisio in quatuor species
deducitur: aut enim ex contractus sunt, aut quasi ex contractu; aut ex maleficio, aut
quasi ex maleficio", significando que as obrigações surgiam dos contratos, dos
quase contratos, dos delitos e dos quase delitos, numa divisão quadripartida.
Foi esta classificação das fontes das obrigações que perdurou à época de
Justiniano, e que serviu de base para o estudo de legislações posteriores.
Parece não ter havido uma contradição entre os textos romanos acima
mencionados, mas, apenas, uma adequação de terminologias até então
desconhecidas. O que aconteceu foi uma substituição do termo "várias espécies
de figuras" por uma sub-classificação dos contratos e delitos, conceituando os
quase contratos e os quase delitos.
O termo "delictum" ou "maleficio" ficou reservado apenas para os atos
considerados dolosos, que traziam a intenção de praticar uma ofensa. Já, os
"quasi delictum" se inspiravam na noção de culpa. Distinguia-se o delito do quase
delito através da existência ou não da vontade, da mesma forma que se distinguia
o contrato do quase contrato mediante a existência do consenso (acordo de
vontades). Esta figura do quase delito surgiu devido ao desenvolvimento do
elemento "moral" no direito da responsabilidade, e verificou-se a necessidade de
se qualificar a vontade do agente causador do dano. Surgia a responsabilidade
baseada na culpa. Quanto aos contratos, J. Cretella Júnior12 enfatiza que "dizer
que contrato é fonte de obrigações é o mesmo que dizer que a parte que não
cumpre uma das cláusulas é responsável pelos danos que o descumprimento
causa ao outro contratante. O causador do dano é responsável e como a
responsabilidade nasceu do contrato ela recebe o nome de responsabilidade
contratual. Responsabilidade extracontratual é a que não tem como fonte o
contrato. Ela nasce da inobservância de deveres, impostos a todos pelo direito
objetivo e repousa no princípio ético geral do neminem laedere".

Este autor também menciona a classificação quadripartida do direito romano


(baseada nos contratos, quase contratos, delitos e quase delitos), seguida da
menção à lei.
Contrariando o pensamento da maioria dos autores, acerca da distinção entre
delitos e quase delitos no direito romano, Ebert Chamoun13 explica que "não
obstante a falta de total valor científico e de fundamento lógico à quadripartição
justiniânea, ela logrou introduzir-se no Código Civil francês (art. 1370) e no
primeiro Código Civil italiano (art. 1097), os quais, para maior imperfeição,
ajuntaram ao elenco das fontes justiniâneas, a lei, pressuposto das obrigações,
antes que fontes delas. Adulterando mais ainda a quadripartição romana, dominou
a doutrina de que a diferença entre os quase-delitos e os delitos se reduzisse a
serem os primeiros culposos e os segundo dolosos, doutrina que não tem assento
no direito romano". Para este autor, "os delitos (privados) eram os atos ilícitos que
lesavam o interesse particular, como o furto, o roubo, o dano e a injúria. ( ... ) os
quase-delitos não tinham características próprias, embora fossem, como os
delitos, sancionados com o pagamento de uma pena. Compreendiam a hipótese
do juiz qui litem suamfacit, do effusum et deiectum, do positum et suspensum e a
responsabilidade dos nautae, campones e stabularii”14.
Posteriormente, os romanistas alemães modificaram, no século passado, a
estrutura dos delitos e quase delitos, agrupando todo o tipo de dano, doloso ou
culposo, em um único conceito que eles denominaram "ato ilícito". O direito
brasileiro albergou esta idéia, positivando-a em nosso Código Civil antigo, em seu
artigo 159, e no Código Civil atual, no artigo 186.

2.2. Fontes das obrigações no direito brasileiro


De acordo com os doutrinadores consagrados, as fontes das obrigações no direito
civil brasileiro atual são três:
1. os contratos: que é um acordo de vontades, ato jurídico bilateral, tendentes a
criar obrigações;
2. as declarações unilaterais de vontade: que, como o próprio nome já define,
trata-se de uma manifestação unilateral de vontade; e,
3. os atos ilícitos: que se constituem em uma ação ou omissão de um agente
causador de um dano a outrem mediante conduta culposa ou dolosa.
Um quarto elemento nesta classificação, discutível por alguns autores pela sua
obviedade, é a lei. Sabe-se, enfim, que todas as obrigações têm origem na lei, por
ser esta a fonte primária, autônoma e imediata das obrigações, ou seja, nenhuma
obrigação seria cabível a qualquer pessoa se não fosse legal.
Embora a classificação acima referida seja a mais mencionada, ela não se
constitui no pensamento unânime dos autores, como se procurará demonstrar a
seguir.
Primeiramente, menciona-se a classificação de Clóvis Bevilaqua15, para quem as
fontes das obrigações estão reduzidas a quatro espécies fundamentais, quais
sejam o contrato, o chamado quase contrato, os atos ilícitos e a vontade unilateral.
Mais adiante ele acrescenta que "as fontes que acabam de ser indicadas
admitiriam ainda uma simplificação, se as reduzíssemos a duas: - o ato humano e
a lei, elementos que se não devem dissociar de modo completo, porque o ato
humano desprovido de sanção legal é juridicamente improfícuo e, por outro lado, a
lei exige a insuflação vital da atividade humana, para descer do mundo abstrato,
onde paira e rutila, sem o que não conseguirá realizar o fim a que se destina.
Porém é inútil insistir sobre essa redução, balda de interesse prático e de
elucidação teórica".
A seguir, traz-se o entendimento de Amoldo Wald16, quando preleciona, nos
seguintes termos: "temos, pois, atualmente, como fonte das obrigações, no direito
civil brasileiro, os atos jurídicos (unilaterais ou bilaterais), os atos ilícitos, que
geram a responsabilidade civil e a lei". Para ele, constituem-se atos jurídicos as
declarações de vontade unilaterais, bilaterais ou plurilaterais; os atos ilícitos, que
vieram a substituir os delitos e quase delitos do direito romano, são toda a
violação da lei, seja por ação ou omissão, que cause um dano e gere a obrigação
de indenizar; e, a lei, que pode fazer nascer obrigações entre parentes, vizinhos
ou pessoas de algum modo relacionadas. Ele destaca, ainda, como fonte especial
de obrigação, o "enriquecimento sem causa", que o Código Civil antigo não tratava
especificamente, mas era admitido em alguns de seus artigos, como no caso dos
arts. 546 a 549 (acessão de imóveis), 611 e seguintes (especificação), 615
(confusão), 603 (invenção), dentre outros.
O novo Código Civil brasileiro, em seu artigo 920, já define a figura do
enriquecimento sem causa, quando determina:
"Art. 920. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários".

Neste caso, não se discute o elemento culpa, bastando o fato, objetivamente. Dois
são, então, seus elementos, a saber:
a) o empobrecimento de uma pessoa, incluindo-se aqui o dano moral;
b) e o enriquecimento sem causa de outra.
Carlos Alberto Bittar17 também menciona o enriquecimento ilícito, quando afirma:
"na nossa codificação - em que se abarca no Direito Obrigacional a matéria sobre
o contrato, suas espécies e a responsabilidade extracontratual - reconhecem-se,
como fontes, o contrato, a declaração unilateral e a extracontratual (por atos
ilícitos).
Mas admite-se a existência de obrigações de outras origens, como as do
locupletamento ilícito, da lesão e do abuso de direito, que não se encartam,
rigorosamente, nos conceitos básicos e aceita-se também a sua corporificação,
mesmo à inexistência de norma legal explícita; daí por que se não deve restringir à
lei a temática das fontes, como pretendem alguns autores (dentro da noção de
que esta é a única causa eficiente, ou fonte imediata, da obrigação, que se
manifesta, em concreto, à luz da ocorrência de fatos constitutivos, ou fontes
mediatas, naquela préordenadas)"
.
Da mesma maneira ensina o grande jurista Sílvio Rodrigues18, para quem as
obrigações têm também por fonte a lei: "sendo que nalguns casos, embora esta
apareça como fonte mediata, outros elementos despontam como causadores
imediatos do vínculo. Assim, a vontade humana ou o ato ilícito.
De modo que classifico as obrigações da seguinte maneira: a) obrigações que têm
por fonte imediata a vontade humana; b) obrigações que têm por fonte imediata o
ato ilícito; c) obrigações que têm por fonte direta a lei".
Maximilianus Cláudio Américo Führer19 menciona algumas espécies, dentre as
inúmeras fontes das obrigações que ele julga existir, destacando-se: 1) a lei; 2) o
contrato; 3) o ato ilícito; 4) a declaração unilateral de vontade; 5) o abuso de
direito; 6) o enriquecimento ilícito ou sem causa; 7) a obrigação da coisa, ou em
função da coisa (obligatio propter rem, ou in rem scripta); 8) a responsabilidade
em função de certas situações ou atividades; e, por último, 9) a responsabilidade
civil.
Vê-se que este autor especifica, à parte, situações que outros entendem tratar-se
de obrigações eminentemente legais, como a obrigação propter rem e os diversos
casos de responsabilidade civil objetiva.
Entretanto, salienta Roberto de Ruggiero20 que, segundo uma concepção mais
moderna, e seguindo uma contextualização estritamente científica da doutrina
preponderante, as fontes das obrigações podem ser reduzidas da seguinte
maneira:
a) fatos que consistem numa livre determinação da vontade, que se dirige à
constituição de um vínculo obrigatório, e, portanto, declaração de vontade emitidas
na intenção de se obrigar;
b) fatos de qualquer outra natureza, não implicando qualquer determinação
volitiva, aos quais o direito objetivo liga, só por si, o aparecimento de uma relação
obrigatória.
É neste sentido a explanação de Maria Helena Diniz21, quando afirma: "é fácil
denotar que as obrigações decorrem de lei e da vontade humana, e em ambas
trabalha o fato humano, e em ambas atua o ordenamento jurídico, pois de nada
valeria a vontade sem a lei, e a lei sem um ato volitivo, para a criação de um
vínculo obrigacional".
Veja-se, enfim, o entendimento de Washington de Barros Monteiro22: "temos que
reconhecer assim que, além dos contratos, das declarações unilaterais da vontade
e dos atos ilícitos, outros fatos ainda existem de que resultam obrigações. Enfeixá-
Ios numa fórmula única, sintética, precisa, por amor à simetria e harmonia, parece
impossível. Se a generalidade das obrigações se filia aos contratos e aos atos
ilícitos, outras existem que se mostram deploravelmente rebeldes a qualquer
catalogação sistemática. Preferível, por isso, que o legislador pátrio houvesse
retomado à classificação tripartida do direito romano ex contractu, ex delictu e ex
variis causarum figuris, ou então, ainda mais simplesmente, à classificação das
obrigações em voluntárias e legais".
Segundo o novo Código Civil, as fontes das obrigações são os contratos, os atos
unilaterais (termo preferencialmente adotado em oposição à "negócios
unilaterais") e o ato ilícito. A título meramente didático, pode-se conceituar o ato
jurídico, resumidamente, da seguinte maneira: "todo ato lícito que tenha o objetivo
imediato de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
Desse modo, o ato jurídico, manifestação da vontade do agente ou de vários
agentes, deve estar conforme a essa vontade, e devendo ser lícito deve ser
executado segundo as prescrições de direito”23; por negócio jurídico pode-se
entender "todos os fatos do homem, que se vinculam à existência de um direito, e
que podem ter por efeito vir criar uma nova relação jurídica, ampliar, conservar ou
proteger um direito já existente”24.

2.3. A crise atual das fontes das obrigações


Por tudo o que até então foi relatado, verifica-se que os autores qualificam como
critérios de classificação das fontes obrigacionais, principalmente, a vontade
humana e a lei. Vê-se que o aspecto volitivo, consubstanciado no princípio basilar
da autonomia da vontade, foi o princípio fundamental a nortear o direito das
obrigações, até então. A teoria da vontade ec10diu de forma substancial a partir
da Revolução Francesa, com as grandes transformações sociais e econômicas da
época, assim como pelo desenvolvimento e ascensão da burguesia, e tornou-se
um marco na história do Direito. A idéia de contrato como acordo de vontade se
solidificou, sendo que estes deveriam nascer para serem cumpridos (pacta sunt
servanda).
Mas, posteriormente, houve a instalação e acomodação do capitalismo, e o
surgimento da Revolução Industrial, no século passado, também deixou marcas
profundas nas áreas econômicas, sociais, políticas e jurídicas de todos os países.
Diz-se que o importante, então, passou a ser o aspecto segurança (a confiança
jurídica), em detrimento da vontade individual. Como bem resume Maurício
Macedo dos Santos25, "em conseqüência disso, a vontade (intenção) não é mais
suficiente para produzir o vínculo obrigacional, mas, sim sua declaração, logo há
uma objetivação da vontade, a vontade não é mais verificada sob o crivo subjetivo
e, sim pelo objetivo, a interpretação dos negócios jurídicos não se dá sobre a
intenção das partes, mas sim, sobre os elementos objetivos determinados no
negócio jurídico. Atrelado à passagem do valor Vontade para o valor Segurança,
com as transformações políticas e econômicas, verifica-se o surgimento de certos
serviços que se caracterizam por um feito sociológico novo, que é a massificação
social, ou seja, há uma prestação de serviços em massa, que caracteriza os
contratos por adesão, como por exemplo, contratos bancários, de transporte, etc.,
logo há uma limitação da autonomia privada, pois esta se restringe a aderir ou não
ao serviço".

Observa-se que a "decadência", ou limitação, do princípio basilar da autonomia da


vontade, fez surgir novas fontes no direito das obrigações, fontes estas
impossíveis de serem enquadradas na classificação atual e clássica do direito.
E, ainda, devido à rápida mudança dos fatos e acontecimentos sociais havidos em
nossos dias, principalmente com o crescente desenvolvimento tecnológico, social
e biológico, conclui-se que a estipulação codificada das fontes das obrigações
tornar-se-ia incapaz de enquadrar todos os seus fatos geradores.
Sobre a autonomia da vontade e o direito das obrigações, salienta o grande
mestre Pontes de Miranda26: "o direito é processo social de adaptação, um dos
processos sociais de adaptação. A técnica legislativa, desde os costumes das
tribos primitivas, ao deixar às pessoas a determinação de certos direitos e
deveres, de certas pretensões e obrigações, atende a que a adaptação ainda se
tem de fazer por meio de contactos individuais. Diminui essa margem, à medida
que as regras jurídicas, que se estabelecem, já são cogentes, ou se tornam
cogentes as que eram dispositivas ou interpretativas.
A maior adaptação caracteriza-se por essa eliminação progressiva do que fica à
mercê das manifestações individuais de vontade". O certo, enfim, seria mencionar
apenas os princípios gerais, que norteariam a conduta e procedimentos jurídicos
pós-modernos. Na conclusão de Maurício dos Santos, "as fontes no direito das
obrigações devem ser observadas com a devida atenção, sob um enfoque
sistemático, tendo em vista a obrigação como totalidade, como um processo e os
princípios que a regem, pois o direito das obrigações preocupa-se com a
circulação de bens e serviços, a segurança no tráfego (sic; rectius: tráfico) jurídico
e a distribuição social dos riscos. Logo, a crise das fontes das obrigações foi
conseqüência da admissão destes princípios gerais, da própria evolução das
sociedades e da globalização da economia, onde os interesses e necessidades do
homem modificaram-se e expandiram-se e, em função destas transformações,
foram se criando novas formas de vinculação entre os homens27”.
Neste sentido, Clóvis do Couto e Silva28 salienta: "a crise da teoria das fontes
resulta da admissão de princípios tradicionalmente considerados meta-jurídicos no
campo da ciência do Direito, aluindo-se, assim, o rigor lógico do sistema com
fundamento no puro raciocínio dedutivo. Em verdade, outros fatores passaram a
influir poderosamente no nascimento e desenvolvimento do vínculo obrigacional,
fatores esses decorrentes da cultura e da imersão dos valores que os Códigos
revelam no campo social e das transformações e modificações que produzem. A
crise decorre da concepção de que um código por mais amplo que seja não
esgota o 'corpus juris' vigente, o qual se manifesta através de princípios, máximas,
usos, diretivas, não apenas na interpretação judicial, como também na
doutrinária".
Estes princípios seriam: o princípio da autonomia da vontade, o princípio da boa fé
e o da separação entre as fases (ou planos) do nascimento e desenvolvimento do
vínculo e do adimplemento, sendo que os dois primeiros dizem respeito às fontes,
e o da separação "delimita o mundo, a dimensão na qual os aludidos deveres
surgem, se processam e se adimplem”29.

3. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


3.1. Conceito
Primeiramente, tem-se que o "direito pode ser dividido em dois grandes ramos: o
dos direitos não patrimoniais, referentes à pessoa humana (direito à vida, à
liberdade, ao nome, etc.), e o dos direitos patrimoniais, de valor econômico, que
por sua vez dividem-se em reais e obrigacionais. Os primeiros integram o Direito
das Coisas. Os obrigacionais, pessoais ou de crédito compõem o Direito das
Obrigações", resume Carlos Roberto Gonçalves30.
Avaliando a evolução histórica do conceito de obrigação, observa-se que esta
terminologia foi primeiramente firmada pelos romanos, que a conceberam como
vínculo. Assim, ensina Olímpio Costa Júnior31 que o legislador do Corpus luris
Civilis mencionava: "obligatio est iuris vinculum quo necessitate adstringimur
alicuius solvendae rei secundum nostrae civitatis iura", ou seja, "obrigação é o
vínculo de direito pelo qual somos constrangidos com a necessidade de pagar
alguma coisa segundo os direitos de nossa cidade".
Para Álvaro Villaça Azevedo32, obrigação, resumidamente, é "a relação jurídica
transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor,
devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo
inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de
seu interesse".
Ou seja, obrigação, em sentido amplo, é o vocábulo que exprime qualquer espécie
de vínculo ou sujeição entre duas ou mais pessoas. Mas, juridicamente, as
obrigações nascem partindo-se de um conteúdo patrimonial e implicando, para
uma das partes, em um dever de dar, fazer ou não fazer e, para a outra, em uma
faculdade de exigir da primeira a referida prestação.
Comp1ementa Costa Junior33 que "as transformações impostas pelo direito
moderno, seja no sentido de restringir, com o dirigismo contratual, a autonomia da
vontade, seja no de permitir, sem substituição do vínculo, a transmissão subjetiva
das obrigações (por sucessão ativa e passiva), não subvertem, a rigor, a
substância do instituto elaborado pelo direito romano, cujo formalismo também
limitava aquela autonomia (só muito depois hipertrofiada) e cujo pragmatismo
contornou, na prática, o rígido personalismo do vinculum, que impedia a
ambulação da obligatio".

3.2. Importância do estudo dos direitos obrigacionais


A partir da análise do conceito de obrigação visto acima, vê-se a importância do
seu estudo, principalmente nos dias atuais, haja vista a sua enorme projeção nas
relações jurídicas comuns em nosso tempo, típica de uma sociedade massificada,
globalizada.
Analisando a importância do estudo do direito das obrigações, Arnoldo Wald34
avalia que "o caráter universal e abstrato do direito das obrigações explica a
permanência da influência romanista até os nossos dias. ( ... ) Por outro lado, o
aspecto personalíssimo e intransferível da obrigação romana foi ultrapassado,
regulando o direito moderno a transferência das obrigações e tendo, finalmente, a
socialização do direito modificado completamente a função de numerosos
institutos do direito das obrigações".
Neste sentido, a festejada autora Maria Helena Diniz35 comenta que "o homem
moderno vive numa 'sociedade de consumo', onde os bens ou novos produtos da
tecnologia moderna lhe são apresentados mediante uma propaganda tão bem
elaborada, que o leva a sentir necessidades primárias ou voluptuárias nunca antes
experimentadas, como, p. ex., a de substituir um carro novo por um 'zero km' que,
embora supérfluo, virá satisfazer um anseio de status. A ânsia de atender aos
mais variados requintes de bem-estar e de vaidade transforma-o num autômato,
que age em função da ganância de novos mercados, de maiores lucros e da
satisfação de seus desejos e ambições, justificáveis ou artificiais, fazendo-o
desenvolver uma atividade econômica intensa. Essa intensificação da atividade
econômica, provocada pela urbanização, pelo progresso tecnológico, pela
comunicação permanente, causou grande repercussão nas relações humanas,
que por isso precisaram ser controladas e regulamentadas por normas jurídicas,
que compõem o direito das obrigações ".
Ou seja, se este direito tem como escopo o equilíbrio das relações havidas entre
credor e devedor, ou melhor, equilibrar "a relação jurídica transitória, de natureza
econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor", é indubitável a
importância de sua análise nos dias modernos.
Este direito regula, por exemplo, as obrigações nascidas dos contratos e todo o
tipo de responsabilidade civil, institutos que, como se sabe, sofreram inegáveis
transformações principalmente no século passado, no qual a autonomia da
vontade viu-se relativizada, em matéria de contratos, e a responsabilidade civil
caminha a passos largos para sua total objetivação.

3.3. Fases de sua evolução

Partindo-se de uma análise histórica geral, realizada por Miguel Maria de Serpa
Lopes36, tem-se que a evolução do direito das obrigações permeou, até a nossa
época, cinco fases fundamentais, a saber:
3.3.1. Fase primitiva
"Primitivamente, a idéia do direito entre os romanos era uma idéia de força,
demonstrada através das próprias palavras empregadas”37. Foi o direito de
propriedade a primeira manifestação jurídica entre os romanos, que tinha um
significado de "vontade dominadora", idéia que também calcou o direito
obrigacional desta época: o devedor estava submetido ao credor.
Assim, "durante um largo período embrionário a concepção abstrata da obrigação
não existia senão por essa idéia de força. O que preponderava era o aspecto
brutal e materializado da submissão do devedor ao credor, como se tudo se
desenrolasse no domínio do direito das coisas”38 o devedor obrigado sujeitava-se
com o seu próprio corpo, sendo que este primeiro momento do direito das
obrigações podia ser caracterizado pela vingança privada.
Todavia, é importante ressaltar que, para Caio Mário da Silva Pereira39, existiu
uma fase anterior a do direito romano das obrigações, uma fase no qual
predominava uma idéia de obrigação coletiva. Neste sentido, este autor menciona:
"primitivamente não havia um direito obrigacional.
Numa fase primeira da civilização, campeavam a hostilidade e a desconfiança de
um a outro grupo, impedindo amistosas relações recíprocas, pois que
freqüentemente tomavam conhecimento uns dos outros em razão apenas dos
movimentos bélicos que os inimizavam". Assim, o direito obrigacional parece ter
surgido quando começaram as relações de negociação e comércio entre as
pessoas, de forma coletiva. Era uma idéia de obrigação que abrangia todo um
grupo, e a sanção ao inadimplemento também estava direcionada a todos os seus
componentes, em geral.
Do mesmo modo ensina Manuel Inácio Carvalho de Mendonça40, quando lembra
que "todos os pactos primitivos deviam ter-se originado no acordo de certas
comunidades. A gens romana, o clã escocês, o mark alemão, ou a comunidade da
aldeia, mostram-nos como se resolvia e se contratava solenemente, muito antes
do indivíduo. Todos os atos só afetavam a êstes como gentiles, membros da
coletividade".

3.3.2. Fase da Lei das XII tábuas


Porém, viu-se a necessidade de intensificar um controle destas situações, tanto
para proteção da pessoa do devedor quanto para a mantença de uma ordem
social.
Com a intervenção do Estado, a vingança pessoal foi substituída por uma multa
pecuniária vultuosa, ou seja: "a pena pecuniária veio tomar o lugar da forma
grosseira de escravidão, e nesta só incidia o devedor impossibilitado de pagá-
la”41.
Relata-se ainda que, quanto ao ato ilícito, para que houvesse a obrigação de
indenizar, este deveria passar por um ato solene, caracterizado por uma
declaração do devedor em "alta voz". O devedor que assim o fizesse, diante de
cinco testemunhas, ficaria obrigado com o seu corpo por ocasião de um eventual
inadimplemento.
"No princípio, em razão da pessoalidade do vínculo, o devedor se achava
comprometido e respondia com o próprio corpo pelo seu cumprimento,
estabelecendo-se o poder do credor sobre ele (nexum), compatível com a redução
do obrigado à escravidão (manus infectio), se faltava o resgate à dívida. Estas
idéias eram tão naturalmente recebidas que não repugnava impor sobre o devedor
insolvente um macabro concurso creditório, levando-o além do Tibre, onde se lhe
tirava a vida e dividia-se o seu corpo pelos credores, o que, aliás, está na Tabula
III: 'Tertiis nundinis partis secanto; si plus minusve secuerunt se fraude esto "',
lembra Caio Mário da Silva Pereira42.
Também Carvalho de Mendonça43 explica, com propriedade, o significado da
terminologia nexum, ao expor que "(...) os plebeus se entregavam aos credores,
ligavam-se a êles por uma operação ou solenidade denominada nexum, um
contrato judiciário em que o mutuário, ou o nexum dans, ficava homem livre até o
vencimento da dívida. No advento dêste, satisfeita a obrigação, ele retomava
plena posse de si; caso contrário, tomava-se addictus do credor que, pelo só fato
da insolvabilidade, o reduzia à escravidão". Conclui-se que somente aos plebeus
era aplicada a regra deste contrato, não sendo admissível empregá-la aos
patrícios, ainda que devedores.
Assim era o direito à época da Lei das XII Tábuas, que ainda admitia que o corpo
do devedor ficasse sendo propriedade do credor, sendo que nem mesmo o direito
de intervenção na ação era dado àquele, pois que era tido como um objeto de
domínio. Mas, devido aos inúmeros casos de injustiças praticados, felizmente este
período durou pouco tempo.

3.3.3. Fase da Lei Poetelia


"Uma lei marcou um novo surto no direito das obrigações constituindo o caminho
de uma nova era: a Lei Poetelia, do ano 428 de Roma, cujo ponto nodal consistiu
em transformar o conceito de obrigação, para retirar o vinculum iuris da pessoa do
devedor e fazê-lo recair no seu patrimônio”44.
A única falha desta lei foi a exclusão do direito de autodefesa do devedor, que só
poderia ser realizada por um vindex, falha esta corrigida posteriormente pela Lex
Varia.
O resultado desta evolução do direito das obrigações foi que as obrigações, no
direito romano, passaram a se constituir em um vínculo pessoal e intransferível, e
a responsabilidade recaiu apenas sobre o patrimônio do devedor. Devido a este
caráter pessoal45 da obrigação, não se podia cogitar em representação ou
contratos em favor de terceiros ainda nesta fase.
Nas palavras de Carvalho de Mendonça46, quando conclui acerca da evolução no
direito romano: "os romanos não davam ao direito, como os gregos, o caráter ideal
de que já falamos; para os romanos o direito era a lei, tendente a regular as
relações do indivíduo com a sociedade, de tal modo que aquêle nunca pudesse se
sobrepor a esta. Quanto ao instituto das obrigações, foi o que mais perfeito saiu
dessa elaboração. Operou-se uma espiritualização crescente do conceito das
obrigações. Partindo do constrangimento físico, material, do nexum, elas atingiram
o caráter moral do juris vinculum".

3.3.4. Fase do direito medieval


É, de fato, um tanto difícil a análise das obrigações no direito medieval, haja vista
que a grande maioria dos autores simplesmente não menciona este período
quando relatam acerca da evolução do direito obrigacional.
Sendo assim, far-se-á um brevíssimo e geral relato histórico desta fase, para
melhor compreensão do Direito nesta época, a partir de textos de Karl Larenz47 e
Aurélio Wander Bastos48, finalizando com os ensinamentos, mais específicos, de
Franz Wieacker49 e Carvalho de Mendonça50.
Na Idade Média, a visão de mundo estava baseada no cristianismo (fundamentada
no judaísmo), que tinha como fundamento a Bíblia Sagrada dos judeus. Assim, e
aos poucos, a mensagem de Jesus foi difundida, e o cristianismo ganhou
adesões, tornando-se a religião oficial do império romano por volta do século III
d.e., época do imperador Constantino, de Roma. 45 "Outra foi a diretriz do direito
germânico, que abandonou o apego a qualquer idéia pessoal posta em segundo
plano, para fundar-se na concepção de um direito sobre os bens do devedor. A
obrigação, no conceito germânico, converteu-se numa noção econômica e
objetiva, suscetível de transferência e transformação, funcionando, consoante o
afirmou Ihering, como no antigo direito funcionava a própria casa". LOPES, Miguel
Maria de Serpa. op. cito p. 32
Com a ascensão do cristianismo, o império romano decai, pois a anterior visão de
mundo pagão se modifica, e a base deixa de ser o Estado racional para ser a
Igreja (espiritual, pacifista), Nesta época, que teve duração aproximada de mil
anos, predominava os ensinamentos da Igreja baseada nos Evangelhos: o Direito
abandonou a ciência e a filosofia para fundamentar-se em uma ética teológica,
espiritual, consubstanciada na fé. Dois grandes nomes surgiram neste momento,
que foram São Tomás de Aquino e São Agostinho.
Franz Wieacker acrescenta que, no direito medieval, o pensamento científico
estava embasado nos princípios metodológicos instituídos pela escolástica e pela
ciência jurídica dos glosadores, onde era comum a "autoridade trans-histórica dos
textos e a aplicação das figuras lógicas da tradição escolar geral”51. Imperavam
três grandes poderes ordenadores do Direito, quais foram "(...) os restos da
organização do império romano do ocidente, a igreja romana e a tradição escolar
da antiguidade tardia”52.
Ou seja, havia, essencialmente: a lei imperial, como absoluta forma de comando
de poder; o Direito, como criação intelectualizada e especializada do homem, e
exercício deste poder; grande influência da igreja no mundo ocidental53; e o
ensino jurídico sendo incluído no triviwn, primeiramente nos estabelecimentos de
ensino "profanos" para, depois, ficar adstrito apenas às escolas dos conventos ou
às escolas reais (ou seja, não havia escolas jurídicas específicas, à exceção
somente das escolas localizadas no oriente bizantino: houve um monopólio do
saber jurídico nas catedrais e escolas reais).
Desta forma, a reflexão do Direito ficou reservada aos métodos típicos da época,
fundamentada na gramática, retórica e lógica. "Supervivência, interrupção e
recomeço da influência do direito romano na alta Idade Média é o que se retira
fundamentalmente da documentação no testemunho das fontes. Duma forma
sistemática, os dados fundamentais são os seguintes: a observância continuada
da lex romana wisigothorum e sua reelaboração e resumo (...); o predomínio, em
geral, das formas documentais tardo-antigas dos contratos, das doações e dos
testamentos (...); e a forte ligação de todas as leis e redacções dos direitos
populares (...) ao estilo e terminologia jurídica do direito vulgar”54, sintetiza Franz
Wieacker. Ele também constata que os estudos jurídicos eram realizados a partir
da análise das lnstitutas de Justiniano, das Novelae e do Digesto, assim como de
outros textos de origem romana55.
Vê-se, desta forma, que havia um estudo do direito romano, que ficava, porém,
reservado apenas aos detentores de formação canônica. Além disso, é importante
ressaltar que este estudo era permeado de "confusão constante dos pontos de
vista teológicos, filológicos e jurídicos, como seria de se esperar de uma escola
não especializada no direito”56. Além disso, até mesmo a integridade do direito
romano aos poucos foi decaindo, pois a ele foram combinados alguns costumes
bárbaros, próprios da época feudal57.
Carvalho de Mendonça é contundente ao afirmar que esta época "passou sem
utilidade para o desenvolvimento das obrigações". E acrescenta: "os contratos
quase se resumiam nas doações às igrejas, mosteiros e senhores feudais, em
vendas com pacto de retro, ou com reserva de usufruto em enfiteuses e
concessões feudais”58. Salienta a atuação da igreja católica no meio jurídico, ao
dizer que foi ela que implementou a noção de dever ligado à uma sanção (advinda
de um Deus, único). O grande mérito da igreja, para este autor, foi o de conseguir
separar o dever moral do dever político, disciplinando especificamente o primeiro
destes, em especial as formas de conduta.
Conclui-se, desta maneira, que as fontes do direito obrigacional no período
medieval continuaram sendo as mesmas do período do direito romano,
acrescidas, contudo, de teor espiritual (não racional).
Esta fase, que se prolongou até meados do século XIII, termina com a propagação
das idéias de Aristóteles, que abre, novamente, espaço para a ciência, permitindo
o surgimento do capitalismo. Com Aristóteles, chega ao fim a era denominada
historicamente "cega" do Direito, a era das "trevas" e "escuridão", baseada na fé
sem questionamentos. Inicia-se, a partir de suas idéias, a era do Direito Moderno,
do jusracionalismo: o Direito fundamentado na razão e na ciência (época do
Renascimento).

3.3.5. Fase do individualismo


"Depois de haver sofrido o embate da evolução social e política da época feudal,
carregada de ônus e servidões, a obrigação tomou novo aspecto com a escola
liberal do lasser faire, lasser passer, ingressando, através do Código de Napoleão,
fruto da Revolução Francesa, num período de liberalismo e de individualismo em
excesso, encontrando-se, atualmente, numa fase de reação, através da
intervenção estatal dos contratos”59.
A característica principal, então, desta fase do direito das obrigações, era o
individualismo "absoluto", que o direito civil francês sedimentou no Código de
Napoleão. Ou seja, as partes eram livres para contratar da maneira que melhor
lhes conviesse: porém, uma vez pactuada, esta liberalidade fazia lei entre as
partes.
Outro traço marcante é evidenciado por Caio Mário, quando preleciona: "é de
assinalar-se, entretanto, que se atribui à vontade plena força geradora do vínculo,
ao mesmo tempo que se aceita, sem qualquer constrangimento, a impessoalidade
da obrigação. Neste passo, é necessário frisar que uma distância muito grande se
abre entre a concepção romana e a moderna, precisamente no que diz respeito a
esta impessoalidade do vínculo”60.

3.3.6. Fase atual


A fase atual do direito das obrigações é uma época de transição, e está sendo
marcada pelo apego a considerações éticas até então esquecidas juridicamente.
A principal mudança dá-se na noção de contratos, que estão subjugados mais à
idéia de eqüidade do que de imutabilidade contratual: "esse modelo de contrato,
ainda preconizado por muitos, não mais atende às aspirações e necessidades da
sociedade atual, haja vista que não se pode mais admitir uma relação contratual
sem equilíbrio, iníqua, celebrada com ausência de boa-fé, ser considerada válida,
sob o argumento de que existe a autonomia privada e as partes são livres para
contratar. Na realidade, o perfil atual do contrato modificou-se. Abandonou-se o
rigor de sua intangibilidade para adaptá-la à nova realidade social, que busca,
antes de tudo, uma relação equânime, justa entre os contratantes", argumenta
Rogério Ferraz Donnini61, quando escreve sobre a moderna concepção de
contrato, que atualmente está mais para o plano social do que para o individual.
Corroborando este entendimento, o renomado mestre Francisco dos Santos
Amaral Neto escreveu um artigo interessante acerca da evolução do direito civil no
Brasil, no qual trata da importância da cultura no desenvolvimento das normas
jurídicas de um país, os períodos históricos e fases do direito civil brasileiro, além
de discriminar alguns institutos que mais sofreram alterações no decorrer do
século passado, como é o caso do direito de família, o direito das coisas, o direito
das sucessões e, enfim, o direito das obrigações. Assim, ele resume muito bem o
momento atual da evolução do direito das obrigações, quando preleciona:
"No campo das obrigações, observa-se uma limitação crescente da autonomia
privada, o aumento dos contratos em massa, dos contratos coativos, dos contratos
tipos, do contrato de adesão, dos contratos necessários, a lesão como vício do
consentimento, a correção monetária hoje consagrada em lei (Lei 6.889, de
8.4.8'1), a admissão de novas figuras contratuais, com a incorporação imobiliária,
a alienação fiduciátia em garantia, o compromisso de venda, o leasing, o know-
how, o franchising, o engineering, o factoring, o seguro de crédito, os contratos
bancários, nova disciplina do contrato de transporte e do seguro. No campo da
teoria geral das obrigações, voltamos à unidade das obrigações civis e comerciais,
já preconizada um século antes por Teixeira de Freitas, e na disciplina das fontes,
nelas se incluem os contratos, a gestão de negócios, o pagamento indevido, o
enriquecimento sem causa, o ato ilícito, o abuso de direito”62.
Também conclui neste sentido Caio Mário da Silva Pereira: "o direito obrigacional
moderno, especialmente neste século, já inova sobre as concepções dominantes
anteriormente encaminhando-se no sentido de sofrear a autonomia da vontade,
que no século XIX tão longe fora, e, com o dirigismo, assegurar a predominância
do princípio da ordem pública. Cresce a intervenção do Estado em detrimento da
liberdade de ação do indivíduo”63.
Concluindo acerca da situação atual do direito das obrigações, mencionamos o
pensamento de Orlando Gomes64: "orienta-se modernamente o Direito das
Obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio social, imbuídos seus
preceitos, não somente da preocupação moral de impedir a exploração do fraco
pelo forte, senão, também, de sobrepor o interêsse coletivo, em que se inclui a
harmonia social, aos interêsses individuais de cunho meramente egoístico. Corrige
situações injustas a que conduziu, quando imperava na órbita política e
econômica do liberalismo, dando-lhes conteúdo mais humano, social e ético.
Tende, em resumo, para a socialização e a moralização, na conformidade das
convicções a êsse respeito dominantes". Em sua obra, este autor vai enfatizar a
evolução do direito obrigacional voltada prioritariamente ao aspecto coletivo
(função social), em detrimento do aspecto individual, destacando, ainda, o retorno
do emprego da ética no estudo do Direito (e, conseqüentemente, a queda do
positivismo científico).

4. CONCLUSÕES
Sabe-se que o direito obrigacional visa regulamentar a vida social e econômica
das pessoas. Assim sendo, conclui-se que se trata de matéria que, a despeito de
ter sido maravilhosamente edificada pelos romanos, sofreu um processo evolutivo
inegável: ou seja, o direito das obrigações, tal como foi construído pelo direito
romano e, posteriormente, instituído e codificado pelo direito francês (direito este
que o Brasil também sistematizou em seu Código Civil, com algumas nuances da
técnica alemã), já não atende mais às necessidades sociais do mundo atual,
tornando-se insuficiente. O progresso, no campo social, das relações
obrigacionais, é evidente.
Conseqüentemente, o direito das obrigações, ao não acompanhar esta evolução,
gera uma crise, um desencontro, entre a moralidade do mundo social e a do
mundo jurídico.
Percebe-se, assim, que a crise não está adstrita, somente, ao direito das
obrigações e suas fontes. A crise está às portas do Direito, principalmente no
Direito do Brasil após o advento da Constituição Federal de 1988: há uma crise
que advém dos obstáculos existentes quanto à "implantação do novo modelo de
Direito e Estado traduzido na nova ordem constitucional”65.
"Pode-se dizer que, no Brasil, predomina/prevalesce (ainda) o modo de produção
de Direito instituído/forjado para resolver disputas interindividuais, ou, como se
pode perceber nos manuais de Direito, disputas entre Caio e Tício”66, conclama o
douto jurista e professor Lênio Streck. Hoje, contudo, deve-se pensar em conflito
de interesses de cunho transindividual, coletivo, sendo que, da mesma maneira, o
direito obrigacional também precisa ser analisado.
Ademais, tem-se, da mesma forma, e a título de agravar ainda mais a crise do
direito das obrigações, o processo de codificação do Direito. Sabe-se que,
historicamente, a codificação foi uma criação do Estado Liberal e da afirmação do
individualismo jurídico: os Códigos vieram para transmitir a segurança jurídica
adequada para aquela época, assim como para sedimentar maior espaço de
autonomia para todos os indivíduos. Ressalte-se, ainda, que os Códigos que
seguiram o modelo francês tiveram, como paradigma, o cidadão dotado de
patrimônio.
Lembre-se, ainda, que o Estado Liberal apregoava a igualdade de todos perante a
lei, que era uma criação democrática de todos. Porém, o que se pôde observar, de
fato, foi que os Códigos, ao invés de garantirem a igualdade no seu sentido
material (o que era o mais importante), conseguiram apenas cristalizar uma
igualdade "formal" de direitos, pois, o que se viu foi a exploração dos mais fracos
pelos mais poderosos, que desencadeou reações e conflitos nos mais diversos
setores, culminando na criação de um "Estado Social" (Estado que faz prevalecer
o interesse coletivo, ao evitar abusos e garantir a afirmação da dignidade da
pessoa humana).
Assim, a idéia de codificação, hoje, parece estar superada. Os Códigos, ao
imprimir tamanha rigidez às suas regras, podem se tornar obstáculos ao
desenvolvimento do direito civil. Ainda mais quando se tem, em mãos, um novo
Código Civil67 recentemente aprovado que, a despeito de ser novo, já está, em
alguns de seus aspectos, ultrapassado. Críticas à parte, este novo Código
albergou alguns valores fundamentais da pessoa humana, visão esta defendida
por todos os doutrinadores modernos. Neste sentido, Miguel Reale68 faz uma
análise geral do novo Código Civil, enfatizando:
O código atual peca por excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo se
deve resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as
referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. Esse
espírito dogmático-formalista levou um grande mestre do porte de Pontes de
Miranda a qualificar a boa-fé e a eqüidade como 67 O Código Civil brasileiro de
1916 foi formulado mediante uma mentalidade conservadora, e demonstrou-se
apto a traduzir os objetivos e anseios das forças sociais e dominantes que o
produziu. Pôde-se perceber, porém, que a Revolução Industrial, ocorrida, no
Brasil, após o seu advento, e mais precisamente em meados da década de 30,
gerou profundas mudanças em todos os níveis e setores da vida da população
brasileira, principalmente nas áreas econômica, política, social e jurídica. Houve
um crescimento e desenvolvimento em grande e rápida escala, que transformaram
as relações jurídicas de todos os envolvidos. Cumpre ressaltar que este
desenvolvimento foi também global, não se restringindo ao Brasil, mas atingindo
os demais países em geral. É por isso que tanto hoje se fala em globalização, pois
é a mesma realidade para todas as nações. A repercussão destes fatores sociais
e econômicos alterou, de forma inquestionável, a visão dos juristas, que hoje
tendem a dar maior valor a aspectos e princípios como o da dignidade da pessoa
humana, da igualdade entre as pessoas, princípios estes que vieram a ter o seu
clímax quando foram albergados pela Constituição Federal de 1988 ‘abecerragens
jurídicas’, entendendo ele que, no Direito Positivo, tudo deve ser resolvido técnica
e cientificamente, através de normas expressas.
Nos não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo
preferível, em certos casos estabelecer normas genéricas que permitam chegar-
se à “concreção jurídica”, conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a
solução mais justa ou eqüitativa. (...) Em nosso projeto não prevalece a crença
na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a
imprescindível eticidade do ordenamento. O código é um sistema, um conjunto
harmônico de preceitos que exigem a todo instante recursos à analogia e a
princípios gerais, devendo ser valorizadas todas as conseqüências da cláusula
rebus sic stantibus. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio
econômico dos contratos como ética de todo o Direito Obrigacional. Nesse
contexto, abre-se campo a uma nova figura, que é a da resolução do contrato
como um dos meios de preservar o equilíbrio contratual. Hoje em dia,
praticamente só se pode rescindir um contrato em razão de atos ilícitos. O direito
de resolução obedece a uma nova concepção, porque o contrato desempenha
uma função social, tanto como a propriedade. Reconhece-se, assim, a
possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações
imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema,
tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa.
Pode-se visualizar, por exemplo, o avanço da teoria do risco, quando se fala em
obrigações delituais (extracontratuais). A responsabilidade civil, inegavelmente, é
um dos ramos do direito obrigacional que mais se desenvolveu nos últimos anos.
Da mesma forma, em matéria de contratos69, constata-se a grande evolução
ocorrida, a qual pode-se averiguar através do grande número de figuras
contratuais novas colocadas à disposição das pessoas, assim como a
multiplicação dos seus efeitos.
Atualmente, a simples assinatura necessariamente obriga as partes contraentes,
haja vista a possibilidade de posteriores reVlsoes. Como 69 “Talvez uma das
maiores características do contrato, na atualidade, seja o crescimento do princípio
da equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos
constitucionais a ele aplicáveis. Esse principio preserva a equação e o justo
equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e
obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando
que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa
não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi
assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva
para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente,
segundo as regras da experiência ordinária. O princípio é espécie do
macroprincípio da justiça contratual, que por sua vez abrange a boa fé objetiva, a
revisão contratual, o princípio venire contra factum proprio, o princípio da lesão
nos contratos, a cláusula rebus sic stantibus, a invalidade das cláusulas abusivas,
a regra interpretativo contra stipulatorem'.
exemplo, citam-se os contratos de adesão, totalmente questionáveis acercade seu
poder vinculatório, sendo alvos constantes de ações revisionais nostribunais,
como é O caso dos contratos bancários, quando estes contêmcláusulas que
ofendem o direito dos consumidores. Já não se discute ocaráter volitivo nestes
casos, mas uma questão de maior importância, deordem pública, que é dirigida
aos princípios da boa-fé e da proteção à partehipossuficiente desta relação
jurídica.
A autonomia privada passa a dar lugar, assim, aos interesses maioresde ordem
pública, que o Estado vem proteger através de normas jurídicas.
Esses são, enfim, alguns frutos do processo de massificação social,que parece ter
sempre em vista, prioritariamente, o interesse do bem comumem detrimento da
justiça individualista. Desta forma, a decadência do sentido individualista do direito
das obrigações (podendo-se falar, também, no Direito como um todo), contribuiu
para que fossem agregados valores éticos e morais ao regramento das condutas
humanas. Sem dúvida alguma, este fator muda, sensivelmente, a visão
eminentemente positivista do direito e, conseqüentemente, o prisma em que se
analisam as conseqüências daquelas condutas.

1 Souza, E. V. de. Obrigação. Enciclopédia Saraiva do Direito, volume 55,


coordenação de R. Limongi França, São Paulo, Editora Saraiva, 1977, p. 264.
2 Azevedo, Á. V. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. 9~ edição,
revista e atualizada. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 40.
3 Maneschy, R. de L. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Editora Liber Juris
LIda., 1984, p.31
Franzoi – Fontes das obrigações 219
4 Idem, ibidem, p. 31.
5 Gomes, O. Obrigações. 4ª edição. Rio de Janeiro, Editora Forense. 1976, p. 36.
6 Venosa, S. de S. Direito civil: teoria geral. São Paulo, Editora Atlas, 1984, p. 62-
3.
7 Azevedo, Á. V. op. cit. p. 41.
8 Wald. A. Obrigações e contratos. 12ª edição, revista, ampliada e atualizada de
acordo com a Constituição de 1988 e o Código do Consumidor e com a
colaboração do Prol. Semy Glanz. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995,
p. 70.
220 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002

10 Wald. A. op. cit. p. 70-1


11 Os delitos que lesavam a coletividade, também no direito romano primitivo,
eram perseguidos pelo poder público. Assim era nos casos de traição à pátria,
deserção, ofensa aos deuses etc. De outro lado, nesta mesma época, o Estado,
por falta de organização eficiente dos poderes públicos, deixou a cargo do próprio
ofendido a punição dos delitos que lesavam interesses particulares. O ofendido
tinha direito à represália, podia vingar-se. Distinguem-se, então, delitos públicos
(delicta publica) dos delitos privados (delicta privata). No período primitivo, não
havia limitação quanto à represália do ofendido. Ficava a seu livre arbítrio o
exercício da vingança, sua forma e extensão. O ofendido, naturalmente, podia
deixar de vingar-se e, conseqüentemente, estabelecer as condições mediante as
quais o deixaria.
Franzoi – Fontes das obrigações 221
12 Cretella Júnior, J. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil
brasileiro. 18ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1995, p. 242.
222 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002
13 Chamoun, E. Instituições de direito romano. 4ª edição, revista e aumentada.
Rio de Janeiro, Editora Forense, 1962, p. 305.
14 Idem, ibidem, p. 305.
Franzoi – Fontes das obrigações 223
15 Bevilaqua, C. Direito das obrigações. 8ª edição, revista e atualizada por
Aquilles Bevilaqua. Rio de Janeiro, Editora Livraria Francisco Alves, 1954, p. 18-9.
16 Wald, A. op. cito p. 73
224 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002
17 Bittar, C. A. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Editora Forense
Universitária, 1990, p. 16
18 Rodrigues, S. Direito civil. São Paulo, Editora Saraiva, 1988-1995, p. 10
19 Führer, M. C. A. Resumo de obrigações e contratos (civis e comerciais). 16ª
edição. São Paulo, Malheiros Editores, 1998, p. 18-9.
Franzoi – Fontes das obrigações 225
20 Ruggiero, R. de. Instituições de direito civil. Tradução da 6ª edição italiana por
Paulo Roberto Benasse. Campinas, Editora Bookseller, 1999, p. 131-2
21 Diniz, M. H. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo, Editora Saraiva, 1996,
p. 45-6.
22 Monteiro, W. de B. Curso de direito civil. São Paulo, Editora Saraiva, 1990-
1995, p. 41.
226 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
23 Silva, J. de P. e. Vocabulário jurídico. Edição universitária. Volume I e 11. Rio
de Janeiro, Editora Forense, 1987, p. 236-7, e Volume III e IV, p. 236-7.
24 Idem. Vocabulário jurídico. Volume III e IV. Rio de Janeiro, Editora Forense,
1987, p. 239.
25 Santos, M. M. dos e Sêga, V. A. Crise das fontes no direito obrigacional. Artigo
publicado no site http://www.jus.com.br/doutrina/crisfont.html. capturado em
16.08.2001.
Franzoi – Fontes das obrigações 227
26 Miranda, F. C. P. de. Tratado de direito privado. 3ª edição. São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1984, p. 11
27 Santos, M. M. dos e Sêga, V. A. op cit.
28 Silva, C. V. e. A obrigação como processo. São Paulo: Editora Bushatsky,
1976, p. 74.
228 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
29 Idem, ibidem. p.16.
30 Gonçalves, C. R. Direito civil. São Paulo, Editora Saraiva, 1998, p. 1
31 Costa Junior, O. A relação jurídica obrigacional: situação, relação e obrigações
em direito. São Paulo, Editora Saraiva, 1994, p. 32.
32 Azevedo, Á. V. op. cit., p. 31
Franzoi – Fontes das obrigações 229
33 Costa Junior, O. op. cit., p. 34.
34 Wald, A. Obrigações e contratos. 12ª ed. Revista, ampliada e atualizada de
acordo com a Constituição de 1988 e o Código do Consumidor e com a
colaboração do Prof. Semy Glanz. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995,
p. 32-3.
35 Diniz, M. H. op. cit., p. 4.
230 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
36 Lopes, M. M. de S. Curso de direito civil. Volume 11: obrigações em geral. 5ª
edição, revista
e atualizada por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos,
1989, p. 30 e ss
37 Idem, ibidem. p. 30.
38 Idem, ibidem, p. 31.
Franzoi – Fontes das obrigações 231
39 Pereira, C. M. da S. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Editora Forense,
1997, p. 6
40 Mendonça, M. t. C. de. Doutrina e prática das obrigações ou tratado geral dos
direitos de crédito. 4ª edição, aumentada e atualizada pelo juiz José de Aguiar
Dias. Rio de Janeiro, Editora Revista Forense, 1956, p. 103
41 Lopes, M. M. de S. op. cit, p. 31
232 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
42 Pereira, C. M. da S. op cit., p. 8.
43 Mendonça, M. I. C. de. op cit., p. 112.
44 Lopes, M. M. de S. op cit., p. 32.
Franzoi – Fontes das obrigações 233
46 Mendonça, M. I. C. de. op. cito p. 117
47 Larenz, K. Metodologia da ciência do direito. 3ª edição, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, p. 163 e ss
48 Bastos, A. W. Introdução à teoria do direito. São Paulo: Liber Júris, p. 01 e 55
49 Wieacker, F. História do direito privado moderno. 2ª edição. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1967. p. 01 e ss
50 Mendonça, M. l. C. de. op. cito p.119 e 55
234 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002
51 Wíeacker, F. ob cit., p. 09-10.
52 Idem, ibidem, p. 15.
53 "(...) a cristandade fixou desde o início o conceito do direito. Na medida em que
a fonte de todo o direito não escrito· que arrancava da consciência vital
espontânea· continuou o ser a ética social, e na medida em que toda a ética
européia continuou a ser, até bem tarde na época moderna, a ética cristã, a
doutrina cristã influenciou o pensamento
jurídico, mesmo quando legislador e juristas estavam pouco conscientes dessa
relação. Através do cristianismo, todo o direito positivo entrou numa relação
ancilar com os valores sobrenaturais, perante os quais ele tinha sempre que se
legitimar". Wieacker, F. ob. cit., p. 17·8.
Franzoi – Fontes das obrigações 235
54 Idem, ibidem, p. 29-30.
55 Idem, ibidem, p. 32-3.
56 Idem, ibidem, p. 33
57 Os feudos eram concedidos apenas aos nobres (que tivessem título de
nobreza incontestável), sendo que a pessoa do servo era simplesmente anulada.
Os nobres e os príncipes só se viam obrigados perante outro de casta igualou
superior.
58 Mendonça, M. I. C. de. ap. cil. p.11 9
236 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002
59 Lopes, M. M. de S. op. cito p. 32.
60 Pereira, C. M. da S. op. cit., p. 9
61 Donnini, R. F. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. Temas
atuais de direito civil na Constituição Federal. Organizadores Rui Geraldo
Camargo Viana, Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 70-1.
Franzoi – Fontes das obrigações 237

62 Amaral Neto, F. dos S. A evolução do direito civil brasileiro. Revista de Direito


Civil Imobiliário, Agrário e Empresarial. Direção e coordenação de R. Limongi
França. Ano 7, volume 24, São Paulo, abril/junho 1983, p. 86 63 Pereira, C. M. da
S. op. cit., p. 10
64 Gomes, O. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1967, p. 01-2.
238 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
65 Slreck, L. L. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica
da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 34 66 Idem,
ibidem, p. 35.
Franzoi – Fontes das obrigações 239
. 68 RealeJ M. Visão geral do projeto de Código Civil. Artigo publicado no site
http://www.ufrgs.br/mestredir/doutrinalreale1.htm. capturado em 16.08.2001.
240 Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 – 2002
Lôbo, P. L. N. Constitucionalização do direito civil. Artigo publicado no site
www.infojus.com.br/artigos. capturado no dia 29/10/2001.
Franzoi – Fontes das obrigações 241

5. REFERÊNCIAS
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WIEACKER, F. História do direito privado moderno. 2a edição, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1967.
Texto 2

Direito das obrigações: em busca de elementos


caracterizadores
para compreensão do Livro I da parte especial do Código
Civil
Por Rodrigo Xavier Leonardo11 Professor de Direito Civil da UFPR. Professor
Titular de Direito Civil no Curso Prof. Luiz Carlos. Mestre e Doutor em Direito Civil
pela USP. Advogado em Curitiba e São Paulo. Autor dos livros Redes contratuais
no mercado habitacional, editado pela Revista dos Tribunais em 2003 e Imposição
e inversão do ônus da prova,editado pela Renovar em 2004.
Referência para citação: LEONARDO, Rodrigo Xavier. Direito das obrigações: em
busca de elementos caracterizadores para compreensão do Livro I da parte
especial do Código Civil. In: CANEZIN, Claudete (org). Arte Jurídica. v.I. Curitiba :
Juruá, 2004, p. 277- 291.

I. Introdução
Dentre as novidades encaminhadas pela Lei n.º 10.406/2002 pode-se ressaltar a
iniciativa do legislador por iniciar a parte especial do novo código pelo livro “do
direito das obrigações”.
O presente ensaio busca revisitar uma antiga questão doutrinária fundamental
para interpretação desse primeiro livro da parte especial do Código Civil. A
questão é a seguinte: qual a abrangência do direito das obrigações? Quais são os
critérios para determinar o que se submete ao regime jurídico disposto no livro
primeiro da parte especial do Código Civil?
Se o primeiro passo a ser dado partir pela busca de um conceito de obrigação, ao
contrário do que se pode pensar, a tarefa toma proporções absurdas. Uma
tentativa de aproximação do conceito jurídico de obrigação perpassa,
inevitavelmente, pela dificuldade de se conjugar os diversos sentidos nos quais
essa expressão é empregada pela própria teoria geral do direito.2
Ainda que os propósitos sejam reduzidos a um melhor esclarecimento do que vem
a ser o direito das obrigações, a tarefa permanece penosa3 por inúmeras razões,
dentre as quais merece destaque, pelo menos, duas.
A primeira razão é esclarecida por Karl Larenz, a partir de Wiacker, logo na
introdução do seu livro direito das obrigações. Diz Larenz que o direito das
obrigações “não tem por objeto um setor vital uniforme”4, ao contrário do que
ocorre com outros ramos do direito civil, tais como o direito de família, o direito
societário e outros. Analisando algumas matérias indiscutivelmente pertencentes
ao direito das obrigações, percebe-se essa disjunção. O significado vital ou social
de um determinado contrato típico pode ser absolutamente diverso de outro
contrato típico. Ainda assim, ambos encontram-se submetidos à disciplina das
mesmas regras da parte geral do Código Civil e da teoria geral dos contratos e
das obrigações.
Se a disjunção aparece dentro do direito dos contratos, ela amplia-se ainda mais
quando se propõe comparar, por exemplo, o 2Mario Júlio de Almeida Costa
destaca que “na linguagem comum, utiliza-se a palavra obrigação para designar
de modo indiscriminado todos os deveres e ónus de natureza jurídica ou
extrajurídica. O termo engloba, pois, indiferentemente, em face do direito e de
outros complexos normativos (moral, religião, cortesia, usos sociais, etc.), as
situações que se caracterizam pelo facto de uma ou várias pessoas se
encontrarem adstritas a certa conduta” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito
das obrigações. 9.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.55). 3 Segundo Pontes de
Miranda “quando se vai falar de ‘direito das obrigações’, já se restringe a tal ponto
o conceito de obrigação, já se pré-excluem obrigações que não entram no quadro,
e de tal modo se precisa o conceito, que em verdade melhor teria sido que às
obrigações que são objeto do Direitodas Obrigações se houvesse dado outro
nome. Porque a direito corresponde dever, de que o devido é objeto a prestar-se,
e a pretensão corresponde obrigação, sem que se possa negar que há pretensões
e obrigações fora do Direito das Obrigações (...) Temos, portanto, de tratar das
‘obrigações’, em sendo restrito, sem apagarmos o que também é obrigação e não
está no Direito das Obrigações. Temos de ver que, do outro lado, ou logo após,
estão obrigações que não cabem no terreno que exploramos: basta que o sujeito
passivo delas seja total, ‘todos’, e não só ‘alguém’ (...) O Direito das Obrigações é
ramo de direito em que se constituem relações jurídicas de estrutura pessoal;
mas, ainda assim, há direitos de estrutura pessoal que estão fora dêle. Por aí se
vê quão artificial é o conceito, e como havemos de ter cuidado no trato do artificial,
sem que artificialidade nos engane” (PONTES DE MIRANDA.Tratado de Direito
Privado.v.XXII. Rio de Janeiro : Borsoi, 1958, p.7-8). 4 LARENZ, Karl. Derecho de
obligaciones. t.I Madrid : Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p.13.
significado vital ou social do contrato e aquele pertinente ao dever de indenizar
danos (fundados em atos por vezes lícitos, por vezes ilícitos, segundo os critérios
de imputação previamente determinados).
Nem mesmo a tentativa de se unificar o direito das obrigações como a disciplina
do tráfico de riquezas seria plenamente frutífera.
Conforme explica Karl Larenz, podem ser destacados diversos negócios
obrigatórios que não implicam na transferência de bens, tais como os contratos de
arrendamento, o mandato, o contrato de sociedade, razão pela qual não se
poderia “contemplar o direito das obrigações exclusivamente do ponto de vista dos
negócios de tráfico em sua relação com a distribuição dos bens”.5
A Professora Judith Martins-Costa, por sua vez, destaca a desvinculação do
direito das obrigações das atividades de tráfico jurídico, justificando seu
pensamento por intermédio de situações nas quais certos contratos, ao invés de
serem destinados à circulação de riquezas, acabam sendo destinados à criação
de riquezas.6
Pense-se, por exemplo no desenvolvimento de atividades de empresa por
intermédio da simples organização de contratos em rede (alguns sites da internet
consubstanciam um exemplo eloqüente) nas quais a gestão de contratos aparece
como o dado fundamental para a 5 LARENZ, p.17. 66 “(...) é também objeto da
atenção dos estudiosos a nova racionalidade que preside as relações econômicas
na sociedade, que vem sendo chamada, própria ou impropriamente, de sociedade
pós-industrial, locução utilizada para indicar o fenômeno denotado por uma certa
desmaterialização que, desde os finais do século XX, acompanha uma série de
‘acontecimentos sociais’, apanhando inclusive a palavra ‘produto’. No âmbito das
relações obrigacionais avultam, como exemplos deste crescente fenômeno, certos
contratos que ‘não servem mais apenas apenas para fazer circular as coisas, mas
tout court, para fazê-las, e em especial para criar produtos financeiros”. A
afirmação é justificada na nota de rodapé n. 14. MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao Novo Código Civil. v.V. t.I. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.5-6.
criação de riquezas.7
Em suma, a multiplicidade do significado vital ou social das situações abrangidas
pelo direito das obrigações, por si só, dificulta imensamente o trabalho de
conceituação desse ramo do direito.
A segunda razão destacada para justificar a dificuldade para se aproximar de uma
melhor conceituação do direito das obrigações reside, justamente, na centralidade
desse ramo do direito civil na construção moderna do pensamento jurídico.8
Pode-se dizer que até mesmo a estrutura das relações pertinentes ao direito das
obrigações foi abstraída do próprio conteúdo obrigacional por elas engendrada.
Essa abstração, por sua vez, serviu para propiciar a construção genérica da teoria
geral da relação jurídica pretensamente aplicada a todas as relações, potenciais e
efetivas, regradas pelo Direito.9
Essa afirmação, por sua vez, é confirmada pelo pensamento de teóricos10 que
buscaram refletir sobre a teoria geral da relação jurídica, 7 Em outras
oportunidades pudemos desenvolver melhor este tema LEONARDO, Rodrigo
Xavier.
Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo : Revista dos Tribunais,
2003; LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais: sua contextualização entre
a empresa e o mercado. Revista de Direito Público Econômico, São Paulo, v.7,
2004 (no prelo). 8 Nas palavras de Giorgi introdutórias de seu tratado sobre o
direito das obrigações: “De las partes en que se divide la ciencia del derecho
privado, merece estudio preferente de los juriconsultos, la que tiene por objeto las
obligaciones. En efecto, al encontrar nuevos elementos en la actividad, en el
seguro y en la asociación, y en la facilidad de comunicaciones, la civilización
moderna, entregada por completo a la industria y al comercio, ha hecho tan
frecuentes en los tiempos que vivimos las relaciones de crédito, que el mayor
número de nuestros asuntos legales, son, sin duda, aplicaciones prácticas de la
teoría de las obligaciones” (GIORGI. Teoría de las obligaciones en el derecho
moderno. v.I. Trad. Redacción de la Revista General de legislación y
jurisprudencia. Madrid : Revista de la Legislación, 1909, p.2). 9 Pontes de Miranda
é enfático: “a noção fundamental do direito é a de fato jurídico; depois, a de
relação jurídica” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito
privado.v.I. Rio de Janeiro : Borsoi, 1954, p.XV). 10 Nesse sentido, dentre tantos,
esse enfoque é percebido na leitura de Henrich Hoster a respeita da relação
jurídica: “A relação jurídica em sentido abstrato é uma relação virtual que equivale
a determinado tipo (a sua fisionomia típica) tal como ele está regulamentado na
lei, quer dizer, corresponde ao tipo negocial legal (p.ex, as normas que regulam o
contrato do arrendamento urbano ou o contrato de compra e venda). A relação
jurídica concreta é uma relação jurídica em que as regras da relação jurídica em
abstrato ganham vida num caso concreto mediante a aplicação (ou transposição)
a este caso concreto do tipo regulamentado da lei” (HÖRSTER, Heinrich Ewald. A
parte geral do Código Civil Português. Coimbra : Almedina, 1992). encontrando no
direito das obrigações o solo seguro para a concreção de sua reflexões, por vezes
movediças ao tratar de outros ramos do direito.
Segundo escreveu Louis Josserand – tendo por base a primeira metade do século
XX –, todos os ramos do direito partiriam da teoria geral das obrigações para
alicerçar suas bases a partir das quais seriam realizadas as adaptações
necessárias para o tratamento de interesses muito diversos.11
Talvez por essa razão, alguns teóricos apontam a obrigação como a noção central
da filosofia do direito moderno, vez que esta propiciaria a própria articulação entre
o indivíduo e a expressão moderna do direito: a Lei.12
Uma vez ressaltadas essas dificuldades, restam dois caminhos: desistir do
propósito de aproximação do conceito de obrigação ou restringir os âmbitos deste
propósito. O leitor pode perceber que optamos pela segunda alternativa.
Para tanto, pode-se seguir por alguns caminhos já trilhados pela doutrina.
Proponho algumas das trilhas destacadas por Karl Larenz.
A primeira diz respeito ao que seria um enforque possível para 11 “Cette théorie
est à la base, non seulment du droit civil, comme on a pu le constater em étudiant
les personnes et la famille qui sont le centre de rapports obligatoires inombrables,
mais du droit tout entier: le droit commercial, le droit aministratif, le droit
international, privé ou public, son à base de rapports obbligatories dont ils tendent
à reáliser l’adaptacion à des intérêts très divers, plus ou moins spécialisés, et il
n’est nullement exagéré de dire que le concept obligationnel constitue l’armature et
le substractum du droit et même, d’une façon plus générale, de toutes les sciences
sociales” (JOSSERAND, Louis. Cours de droit civil positif français. 12.ed. Paris :
Sirey, 1933, p.3 ) 12 Segundo René Sève: “l’obligation est sans nul doute la notion
centrale de la philosophie du droit moderne car elle assure l’articulation nécessaire
entre l’individu et l’expression même du droit – pour les Modernes – la loi. Sans
rentrer dans les détails historiques, il faut rappeler que le but poursuivi par la
philosophie du droit moderne, celle des jusnaturalistes, fut de susciter un
consensus sur des principes admissibles par tous, au moins au sein de la
Chrétienté, permettant une fondation globale du droit par-delà la diversité de ses
manifestations” (SÈVE, René. L’obligation et la philosophie du droit moderne. In:
L’obligation. Archives de philosophie du droit. t.44. Paris : Dalloz, 2000, p.88).
fundamentar a unidade dos direitos das obrigações: a pertinência a este ramo do
direito pelo destaque das particulares características de seus efeitos jurídicos.
Seguimos, assim, Karl Larenz: a unidade do direito das obrigações não deriva da
igualdade dos acontecimentos vitais por ele regulamentados, nem tão pouco de
sua função econômica, mas provém exclusivamente da identidade dos efeitos
jurídicos. Existe uma relação obrigatória sempre que existe uma obrigação frente a
determinadas pessoas para cumprir uma determinada prestação, qualquer que
seja o acontecimento no qual esta relação se fundamente.13
Cabe procurar, portanto, sublinhar minimamente o conjunto eficacial que
possibilita qualificar uma relação jurídica como obrigatória.
O segundo caminho – igualmente traçado por Larenz e desenvolvido no Brasil por
Clóvis do Couto e Silva14 –, refere-se à noção da obrigação como processo ou,
rectius, da relação jurídica obrigacional como processo.
Por intermédio desse enfoque, pretende-se estudar a relação obrigacional sob o
angulo da totalidade, tanto em sua estrututa quanto em sua função.15
Note-se bem que esses dois caminhos não excluem outros como, v.g., aqueles
provenientes da reflexão da filosofia do direito. Estipula-se aqui, previamente,
apenas os limites da reflexão que se pretende desenvolver.
13 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. t.I Madrid : Editorial Revista de
Derecho Privado, 1958, p.17. 14 COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como
processo. São Paulo : Bushatsky, 1976, p.10. 15
O Prof. Clóvis do Couto e Silva traça as linhas gerais dessa perspectiva na
introdução de sua obra A obrigação como processo: “A obrigação, vista como
processo, compõe-se, em sentido largo, do conjunto de atividades necessárias à
satisfação do intresse do credor. Dogmaticamente, contudo, é indispensável
distinguir os planos em que se desenvolve e se adimple a obrigação” (COUTO E
SILVA, p.10).

II. Elementos identificadores da relação jurídica obrigacional A expressão direito


das obrigações consagra uma forma elíptica da idéia de relação jurídica
obrigacional. Assim, a despeito da expressão destacar o lado passivo da relação –
como reminiscência de uma tradição romana16 –, inexistiria qualquer vantagem
em substituí-la pela expressão direito de crédito17, quando o que se pretende
justamente é identificar os elementos caracterizadores dessa relação.
Sendo assim, nossa pesquisa deve buscar pelos elementos identificadores da
relação jurídica obrigacional que seriam capazes de justificar a própria criação de
um capítulo autônomo para o direito das obrigações que determina um regime
jurídico específico.
Pela caracterização da relação jurídica obrigacional, por sua vez, poderemos
traçar critérios para determinar quando a disciplina do direito das obrigações é
aplicável ou não.

II.I O vínculo.
Para explicar a relação jurídica obrigacional, tradicionalmente, a doutrina costuma
partir da noção de vínculo jurídico, sendo muito comum justificar esse ponto de
partida a partir da noção romana encontrada nas Institutas de Justiniano: “obligatio
est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei”.
Em favor desse caminho, a própria análise sintática da expressão obrigação –
pautada na terminologia latina ob + ligatio –, destaca a idéia de vínculo ou
liame.18
Note-se bem, todavia, que esse vínculo é dotado de um adjetivo muito especial: o
‘jurídico’.
A qualificação do vínculo como jurídico traz pelo menos duas consequências: a) o
destaque dessa relação das demais relações sociais (para alguns autores,
juridicamente irrelevantes); b) a garantia que se impõe a esse vínculo por
intermédio do Direito.
Ocorre que, para a doutrina clássica, o que distingue o vínculo jurídico dos demais
vínculos é a Lei e, ainda, dentre os diversos vínculos jurídicos pode se peceber
uma verdadeira gradação da garantia das posições jurídicas, por eles
engendradas. Essa gradação, por sua vez, também é especificada pela Lei.
Essa gradação eficacial é pormenorizadamente explicada por Pontes de Miranda
no plano da eficácia pelo qual podem perpassar os fatos jurídicos, dentre os quais,
aqueles aptos a engendrar relações jurídicas obrigacionais. Refere-se, aqui, a
diferenciação esclarecida por Pontes de Miranda entre direito subjetivo, pretensão,
ação em sentido material, pretensão em sentido processual e ação em sentido
material.
O vínculo jurídico costuma ser tratado sob os auspícios da clássica dicotomia
entre obrigações naturais e obrigações civis. Nesse sentido, conforme explica
Pontes de Miranda.19 Note-se bem que o assunto merece um esclarecimento: há
que se distinguir o vínculo jurídico dos demais vínculos sociais e, dentre os
vínculos jurídicos, aqueles que engendram obrigações perfeitas (ditas obrigações
civis) e as obrigações mutiladas (as obrigações 19 “Já vimos que há direitos,
pretensões e até ações mutilados. Àqueles e a essas correspondem posições
jurídicas imperfeitas, obrigações naturais, pela perda do efeito ou pelo
encobrimento do efeito. Não é o mesmo ser sem pretensão ou ação o direito, ou
estar prescrita a pretensão ou a ação. Os deveres morais são deveres a que
faltam a obrigacão e a ação, ou somente a ação. O Estado não pode prometer a
respeito deles, a execução forçada. Por outro lado, reconhece que o
adimplemento deles não é doação, nem pode dar ensejo à ação de
enriquecimento injustificado (...)”. (PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito
Privado. t.XXII. Rio de Janeiro : Borsoi, 1958, p.30). naturais), utilizando-se, aqui,
da terminologia de Pontes de Miranda.20
Essa distinção é esclarecida, v.g, no Direito Português por intermédio de regra
expressa que reconhece o vínculo jurídico nas obrigações naturais: “Art. 402. A
obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou
social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um
dever de justiça”.21
A tentativa de se fundar o vínculo jurídico obrigacional na Lei e suas
correspectivas limitações acaba se refletindo na chamada crise da teoria das
fontes do direito das obrigações22, por meio da qual reluz a insuficiência das
classificações bipartidas, tripartidas, quadripartidas e quinquipartidas das fontes
das obrigações desenvolvidas do direito romano até hoje.

II.II A prestação
O segundo elemento a ser destacado corresponde ao objeto imediato da relação
jurídica obrigacional23, que determinaria os limites 20 Por vezes, essa distinção
não é clara na doutrina. Cite-se, por exemplo, o pensamento de Orlando Gomes,
segundo o qual a obrigação natural seria destituída de vinculum juris: “(...) o titular
do direito do crédito há de dispor dos meios próprios para compelir judicialmente o
devedor a satisfazer a prestação, se este não cumpre a obrigação
espontaneamente. A coercibilidade do vínculo é, em suma, juridicamente
necessária. O direito, entretanto, não se desinteressa, de todo, de situações nas
quais o dever de prestar é legalmente inexigível. São relações obrigacionais que
não geram pretensão. O credor não pode exigir judicialmente o cumprimento da
obrigação. Falta- lhe, numa palavra, o vinculum juris. A essas relações dava-se a
denominação de obrigações naturais. Na dogmática moderna a construção é mais
ampla. As diversas figuras que se enquadram nessa categoria ampliada se
designam, melhormente, como obrigações imperfeitas” (GOMES, Orlando.
Obrigações. 8.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1986, p.96). 21 “(...) como a lei não
admite enriquecimento sem causa, toda e qualquer atribuição patrimonial deve
fundar-se numa causa <donandi>, <solvendi> ou <credendi>; ora, visto que nas
obrigações naturais não se verifica nenhuma dessas causas, embora o credor
possa reter a prestação, segue-se que a obrigação natural constitui uma causa
autônoma de atribuições patrimoniais válidas” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de.
Direito das obrigações. 9.ed. Coimbra : Almedina, 2003, p.174). 22 COUTO E
SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. São Paulo : Bushatsky, 1976, p.74.
23 No Brasil, a distinção é feita por Pontes de Miranda, Orlando Gomes, Luiz
Edson Fachin, dentre outros autores. Cite-se, por todos, Orlando Gomes: “Objeto
imediato da obrigação é a prestação, a atividade do do vínculo jurídico em relação.
Na atualidade, prevalece a concepção de que o “objeto ou conteúdo da relação
obrigatória é a prestação ou seja, aquilo que é devido pelo devedor ao credor”.24
Seguindo a clássica noção de Bevilaqua, por intermédio da obrigação, constrange-
se um sujeito de direito a uma prestação consubstanciada em um dar, fazer ou
não fazer alguma coisa.25
Referida concepção, todavia, não é resguardada de grandes controvérsias.
A identificação do objeto/conteúdo da obrigação como uma prestação é reflexo da
chamada doutrina pessoalista, segundo a qual a obrigação propiciaria o
surgimento de uma relação pessoal na medida em que vincularia dois sujeitos de
direito a um dever de prestar.26
Refere-se, aqui, a um sentido eminentemente moderno da doutrina pessoalista,
absolutamente diverso, v.g., do sentido encontrado em determinada época do
direito romano, segundo o qual o credor teria um direito sobre a pessoa do
devedor, inclusive como uma forma de devedor destinada a satisfazer o interesse
do credor. Objeto mediato, o bem ou o serviço a ser prestado, a coisa que se dá
ou o ato que se pratica. O objeto da obrigação específica de um comodatário é o
ato de restituição da coisa ao comodante. O objeto dessa prestação é a coisa
emprestada, seja um livro, uma jóia, ou um relógio. Costuma-se confundir o objeto
da obrigação com o objeto da prestação, fazendo-se referência a este quando se
quer designar aquele, mas isso só se permite para abreviar a frase. Tecnicamente,
são coisas distintas.” (GOMES, Orlando. Obrigações. 8.ed. Rio de Janeiro :
Forense, 1986, p.17).
É recorrente nos manuais de direito civil a explicação do que vem a ser obrigação
por intermédio da definição de Clóvis Bevilaqua: “relação transitória de direito, que
nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente
apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco
juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós
essa ação ou omissão.” (BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 8.ed., Rio
de Janeiro: ed. Paulo de Azevedo, 1954, p.14).
Segundo Judith Martins-Costa trata-se da corrente teórica do pessoalismo,
tributável a Savigny, com grande influência no século XX. Sobre o assunto, na
doutrina brasileira, cf.MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código
Civil. v.V. t.I. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.13. Nesse sentido, v.g.,
encaminha-se a definição dada por Pontes de Miranda: “os negócios jurídicos de
direito das obrigações irradiam pretensões pessoais, isto é, pretensões a que
alguém possa exigir de outrem, debitor, que dê, faça, ou não faça, em virtude de
relação jurídica só entre eles. A pretensão supõe o crédito; a obrigação, a dívida”
(PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. v.XXII. Rio de Janeiro :
Borsoi , 1958, p.9).
sujeição pessoal em garantia ao adimplemento, sendo igualmente vedada
qualquer cessão desse vínculo ou da posição jurídica correspectiva a ele.27
Opositores dessa corrente, com destaque para Eugène Gaudemet, procuraram
sustentar que a relação obrigatória, muito mais do que vincular dois sujeitos,
acabaria por vincular dois patrimônios.
Justifica-se esse posicionamento, por sua vez, com o que seria uma tendência do
direito contemporâneo retratada por uma suposta diminuição da importância da
pessoalidade, o que se poderia demonstrar por intermédio, por exemplo, pelo
fenômeno da ampla transmissibilidade de créditos e dívidas. 28
Segundo Massimo Bianca o conjunto de teorias, genéricamente chamadas de
objetivistas ou patrimoniais, tendencionalmente procurariam ressaltar, no direito
das obrigações, a posição do poder do credor em detrimento da posição de dever
do devedor: “Ora, o poder principal que tem o credor é aqule de atuar por meio da
execução forçada. Pelas teorias patrimoniais, assim, o direito de crédito é
fundamentalmente aquele direito sobre o patrimônio do 27 Segundo Massimo
Bianca, “in prevalenza si convenne che il creditore non ha un diritto sulla persona
del debitore. Una tale concezione poteva ammettersi in relazione all’originaria
obbligazione dello ius civile, che prevedeva attraverso il nexum una forma di
assoggettamento personale a garanzia dell’adempimento, e consentiva che
attraverso l’addictio l’inadempiente venisse materialmente asservito al creditore”
(BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. L’obbligazione. t.IV. Milano : Giuffrè, 1993,
p.33). 28 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. v.V. t.I.
Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.14 Faz-menção, aqui, da confluência entre
elementos da noção romana das obrigações com a noção germânica. Conforme
explica Pontes de Miranda: “No direito romano, as relações jur[idicas do direito das
obrigações eram mais estritamente pessoais do que hoje. O vinculum iuris prendia
as pessoas do devedor e do credor, de modo que o objeto da prestação era
secundário. O direito germânico foi que oncorreu para essa deslocação dos
pontos de ligação, caracterizando a pessoalidade do direito e das pretensões
como relação entre sujeito ativo e passivo porém sem a inserção da pessoa em si”
(PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. v.XXII. Rio de Janeiro :
Borsoi , 1958, p.8).
devedor que pode ser realizado por meio da via executiva”.29
Massimo Bianca, todavia, esclarece que o poder ao qual se referem os defensores
das teorias patrimonialistas apenas diz respeito a um momento patológico da
relação jurídica obrigacional enquanto remédios contra o inadimplemento, o que
não se confunde com o direito primário do credor que corresponde à pretensão ao
adimplemento, ainda que esse resultado seja alcançado prescindindo se de uma
ação do devedor (como, v.g., no pagamento feito por terceiro).30
Em uma tentativa de síntese do pensamento entre as teorias pessoalistas e
patrimonialistas, destacam-se as doutrinas mistas ou analíticas, que procuram
destacar na relação obrigatória dois elementos diferenciados: o dever-obrigacional
(schuld) contraposto à responsabilidade (Haftung).
Na relação obrigatória é perceptível que o devedor pode ser constrangido a
cumprir o dever-obrigacional que está vinculado, visando satisfazer o interesse do
credor. Para além do seu dever de prestar, todavia, seria também perceptível a
automática responsabilidade que recairia sobre o seu patrimônio.

Nesse sentido, explica a Professora Judith Martins-Costa:


(
...) visualizou-se a existência de uma distinção analítica entre a dívida (Schuld) e a
garantia (Haftung) conferida ao seu cumprimento, daí nasce a relação de
responsabilidade. Quando constituída a obrigação, o devedor restaria induzido ao
dever de efetuar determinada prestação. Esse dever, no entanto, por si só, não
permitiria ao credor exigir, coativamente, a sua execução. Esta pertenceria ao
campo da Haftung, ou responsabilidade (ou, também, garantia), pela qual a
pessoa do devedor ou de terceiro ficam 29 Massimo Bianca apresenta
organizadamente diversas correntes que poderiam ser chamadas de patrimoniais.
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. L’obbligazione. t.IV. Milano : Giuffrè, 1993,
p.36-37. 30 BIANCA, p.38-40. sujeitos à agressão patrimonial do credor, em caso
de inadimplemento.31 Justamente por intermédio dessa diferenciação seriam
justificadas as situações em que há dívida sem responsabilidade (v.g., a dívida
prescrita) e as situações em que há responsabilidade sem dívida (v.g, fiador).
Ainda que seja criticável a possibilidade de total distinção entre esses dois
momentos, a análise propicia explicações interessantes, como, por exemplo, nos
casos de fraude contra credores.
A fraude contra credores serve para anular negócios de transmissão de bens ou
remissão de dívidas que sejam lesivos aos direitos de crédito de titularidade dos
credores quirografários ainda que a dívida não tenha se tornado exigível no
momento do ato de disposição. Mostra-se necessário, apenas e tão somente, a
existência do crédito (§ 2.º do artigo 158 do Código Civil) e não a sua exigibilidade.
Em outras palavras: basta a existência do direito subjetivo, ainda que não tenha
surgido a pretensão.
A fixação da prestação como o objeto da relação jurídica obrigacional, ainda,
destaca a cooperação entre as partes como um dado essencial à relação jurídica
obrigacional.
Essa característica foi ressaltada por Emilio Betti como essencial para a própria
definição de obrigação32 e tem sido adotada por influentes civilistas brasileiros
como o verdadeiro traço 31 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo
Código Civil. v.V. t.I. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.17 32 “No diremo, pertanto,
che nei rapporti di diritto reale si risolve un problema di attribuzione di beni, nei
rapporti di obbligazione, invece, un problema di cooperazione o di riparazione
nell’impotesi di responsabilità aquiliana” (BETTI, Emilio. Teoria generale delle
obbligazioni.t.I. Milano : Giuffrè, 1953, p.10).
característico da relação jurídica obrigacional.33
Seria este elemento suficiente? Não existiriam em outros ramos do direito outros
deveres de prestar a despeito de inexistir verdadeira relação jurídica obrigacional?

II.III A patrimonialidade
A prestação pode existir em outros ramos do direito civil. No direito das
obrigações, todavia, a prestação tem uma característica essencial: a
patrimonialidade.
A patrimonialidade da prestação é considerada na doutrina italiana como uma
característica essencial para a determinação da relação jurídica obrigacional, até
mesmo por provocação do que determina o artigo 1.174 do Código Civil Italiano.34
Note-se bem que o requisito da patrimonialidade diz respeito à prestação e não ao
interesse do credor. A patrimonialidade, nesse sentido, corresponderia à
suscetibilidade de valoração econômica da prestação.
O requisito da patrimonialidade da prestação é justificado por diversas razões,
dentre as quais as seguintes, tratadas por Umberto Breccia35: a) possibilidade da
conversão da obrigação original, nas 33 Segundo Marcos Bernardes de Mello: “o
traço característico da relação jurídica pessoal, diferentemente das de direito real,
é o de que a cooperação de outrem, em regra, mas não somente, o devedor,
constitui elemento indispensável para o exercício dos direitos e pretensões que a
integram. Sem o adimplemento da obrigação pelo devedor, espontâneo ou forçado
(por meio do exercício da ação), ou por terceiro, quando possível, não se realiza o
direito do credor. Ninguém pode fazer adimplir, por si próprio, obrigação, de que
seja credor. Em qualquer hipótese, na obrigação de dar, na de fazer ou na de não
fazer, há necessidade de que outrem a satisfaça, mesmo em lugar do devedor,
substituindo-o, quando possível (obrigações não personalíssimas), até pela
substituição do adimplemento por indenização (obrigações personalíssimas de
fazer). E esse ato de adimplemento configura, precisamente, a necessidade de
cooperação que caracteriza o direito pessoal” (BERNARDES DE MELLO, Marcos.
Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo : Saraiva, 2003, p.206). 34
“Art. 1174. Carattere patrimoniale della prestazione. La prestazione che forma
oggetto dell’obligazione deve essere suscettibile di valutazione economica e deve
corrispondere a un interesse, anche non patrimoniale, del credittore”. 35
BRECCIA, Umberto. Le obbligazioni. Milano : Giuffrè, 1991, p.46-52.
hipóteses de inadimplemento, em uma prestação pecuniária substitutiva que
possa ser equivalente; b) a possibilidade da realização de juízos de valor ligados
ao sinalagma das obrigações por meio de institutos como a lesão (pode-se citar,
no mesmo sentido, o estado de perigo e a base objetiva e subjetiva do negócio); c)
a determinação de um critério para a licitude ou a ilicitude de determinados
vínculos constituídos por meio do exercício da autonomia privada.
O requisito da patrimonialidade da prestação propicia outras reflexões. Peço a
atenção para duas.
A primeira delas diz respeito às possibilidades de avaliação objetiva do que venha
a ser essa patrimonialidade, até mesmo para que ela efetivamente possa
representar um critério limítrofe para o exercício lícito da autonomia privada.
Segundo Umbertbo Breccia, na análise do artigo 1176 do Código Civil Italiano, a
principal conclusão a respeito do requisito da patrimonialidade corresponderia a
uma equivalência com a idéia de negociabilidade:
(...) Para fins normativos ou preceptivos o único critério relevante aponta para
ressaltar que a prestação não é tal em termos jurídicos se não é ‘negociável’: o
artigo 1174, segundo esta controversa leitura aparece como uma das normas que
contribuem para definir a obrigação e as linhas essenciais das noções de contrato
e de liberade contraual, naquela incerta zona na qual é posta os limites entre a
valoração da licitude e a valoração da relevância jurídica da relação.36
Não se pode negar, todavia, que o requisito da patrimonialidade representa uma
das grandes dificuldades do direito contemporâneo para tratar das situações não
patrimoniais. Isso fica 36 BRECCIA, p.51. bem claro com a relevante distinção
feita pelo Código Civil italiano segundo a qual a prestação deve ser
patrimonialmente avaliável, ainda que o interesse não o seja.
O segundo aspecto que merece realce indica o teor protetivo aos direitos de
personalidade que a característica da patrimonialidade acaba ensejando. Se o
direito das obrigações circunscreve-se ao campo patrimonial reafirma-se a
impossibilidade de que as medidas para cumprimento coativo da obrigação
recaiam sobre a pessoa. 37

II.IV O interesse do credor


Seguindo a distinção acima realizada entre prestação e interesse seria inevitável
identificar o interesse do credor como um dos elementos caracterizadores da
relação jurídica obrigacional. Segundo Pontes de Miranda O interesse do credor é
o que se satisfaz quando se solve a dívida. Tal interesse é de importânia, por
exemplo, para se saber se foi satisfeito quando terceiro solveu a dívida, ou, no
plano do direito pré-processual, pra se responder à questão sobre se há, ou não,
in casu, necessidade da tutela jurídica (...)
Qualquer interesse, ainda que não patrimonial, pode ser o do credor. Tanto a
prestação pode interessar ao credor quanto a outrem, sendo indireto o interesse
do credor. O interesse de beneficência, altruístico, ou de caridade, é interesse
como qualquer outro. Se o interesse é moral, à infração do dever corresponde à
indenizabilidade do dano moral.38
Massimo Bianca, por sua vez, esclarece que “o interesse é elemento constitutivo
da relação obrigatória no sentido de que a obrigação é essencialmente
instrumento de satisfação do interesse do 37 Mario Júlio de Almeida Costa alerta
que “sob outro ângulo, a patrimonialidade da obrigação significa que, no direito
moderno, ao contrário dos sistemas antigos, o inadimplemento só confere ao
credor a possibilidade de agir contra o patrimônio do devedor e não contra a sua
pessoa” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 9.ed.
Coimbra : Almedina, 2003, p.84). 38 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito
Privado. v.XXII. Rio de Janeiro : Borsoi , 1958, p.13-14. credor”.39
O interesse do credor é que estabelece o norte teleológico da relação jurídica
obrigacional40, sendo especialmente identificado no direito positivo por intermédio
das regras a respeito do adimplemento.
As conseqüências desse elemento identificador da relação jurídica obrigacional
são inúmeras, destacando-se, dentre elas41: a) a liberação do devedor é
dependente da satisfação do interesse do credor, ainda que a prestação seja
realizada por terceiro; b) o não cunprimento da prestação não pode ser imputado
ao devedor se sua causa for a perda do interesse do credor;

III. A relação jurídica obrigacional como processo


O conjunto de características acima descritos traça caminhos para uma melhor
identificação da relação jurídica obrigacional. Tratando-se, todavia, de uma
simples conjugação de elementos, pode-se perder de vista o caráter unificador
que se possa vislumbrar sobre a matéria.
Este caráter unificador aponta para uma metodologia de compreensão da relação
jurídica obrigacional como processo, desenvolvida por Karl Larenz42 e refletida no
direito brasileiro pelo pensamento do Professor Clóvis do Couto e Silva.
Segundo Clóvis do Couto e Silva: “a obrigação, vista como 9 BIANCA, C.
Massimo. Diritto civile. L’obbligazione. t.IV. Milano : Giuffrè, 1993, p.42.
40Conforme explica Mario Julio de Almeida Costa: “ (...) a satisfação do interesse
do credor, cujo conteúdo exacto varia de caso para caso, constitui o fim e a razão
de ser do vínculo obrigacional” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das
obrigações. 9.ed. Coimbra : Almedina, 2003, p.93). 41 BIANCA, C. Massimo.
Diritto civile. L’obbligazione. t.IV. Milano : Giuffrè, 1993, p.42-47. 42 LARENZ, Karl.
Derecho de obligaciones. t.I Madrid : Editorial Revista de Derecho Privado, 1958,
p.37.
processo, compõe-se, em sentido largo, do conjunto de atividades ecessárias à
satisfação do interesse do credor [sendo precisamente a nidade teleológica de
adimplemento que determina a obrigação como processo”.43
Trata-se de uma relação complexa que, a despeito de ser caracterizada pelas
posições de crédito e débito, pode ser vislumbrada em sua totalidade como um
conjunto de acontecimentos perceptíveis no mundo exterior que é polarizado pelo
adimplemento.
O caráter dinâmico das relações jurídicas obrigacionais processualiza a conduta
das partes vinculadas em relação para um fim, para uma diretriz unitária, que é o
adimplemento. Ao contrário de outras, as relações jurídico-obrigacionais tendem
(são, verdadeiramente, tensionadas) para o adimplemento mediante a satisfação
do credor (sem prejuízo de outros deveres laterais que permaneçam para além da
relação).
O credor é aquele que “crê” no obrigado. Acredita que o detentor da posição
passiva na relação jurídica irá cumprir com a prestação devida O credor crê que o
devedor – que ocupa o polo passivo da relação –, irá cumprir com sua
prestação.44 Se a atuação dele devedor (espontânea ou forçada), a satisfação do
credor é impossível. Daí o traço da cooperação como elemento fundamental para
caracteização da relação jurídica obrigacional. Em uma relação obrigatória
simples, podem-se verificar duas partes: o credor e o devedor.
43 COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. São Paulo :
Bushatsky, 1976, p.10. 44 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. t.I Madrid :
Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p.18.
A idéia de obrigação simples, todavia, torna-se cada vez mais meramente
acadêmica e mais inútil para compreensão da disciplina na realidade
contemporânea. A maior parte das relações jurídicoobrigacionais são complexas,
vez que ambas as partes ocupam, simultaneamente, posições ativas e
passivas.45
Mais do que uma simples concepção doutrinária, a noção de obrigação como
processo apresenta uma metodologia para releitura, estudo e ensino do direito das
obrigações. Sob as luzes da noção de relação jurídica obrigacional como processo
fica difícil continuar a se estudar e ensinar o direito das obrigações por meio de
programas que, simplesmente, repetem o sumário do Código Civil. O sumário é
estático. As relações são dinâmicas e processualizadas... Trata-se de um terreno
fértil para sustentar uma releitura do direito das obrigações a partir da renovada
teoria das cláusulas gerais (v.g., da boa-fé objetiva e da função social do contrato).
Não se pode pensar em uma oxigenação do direito das obrigações (até mesmo
por provocação de uma interpretação crítica) se a relação jurídica obrigacional
continuar a ser tratada como um binômio de crédito e débito.

IV. Considerações finais

O leitor mais crítico pode estar se perguntando: o texto carece de uma menção
sobre as insuficiências da separação entre os planos obrigacional e real; falta no
texto a reflexão sobre situações intermediárias, tais como as obrigações propter
rem e ob rem; são 45 Nesse sentido, segundo Orlando Gomes “predominam (...)
as relações complexas, nas quais a mesma parte ocupa, concomitantemente, as
posições ativa e passiva, porque lhe tocam direitos e obrigações que,
inversamente, correspondem ao outro sujeito” (GOMES, Orlando. Obrigações.
8.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1986, p.17).
poucas as menções às novas tendências do direito das obrigações, mormente no
que diz respeito às cláusulas gerais.
É hora de um habeas corpus preventivo. Não se desconsidera nenhum desses
assuntos. Tampouco, todavia, acredita-se que a reflexão sobre os elementos
caracterizadores da relação jurídica obrigacional seja impertinente! O leitor deve-
se lembrar que no início do ensaio optou-se por uma delimitação dos objetivos
deste estudo até mesmo para que seus objetivos fossem alcançados.
Acreditamos que por meio da reflexão crítica sobre os elementos caracterizadores
da relação jurídica obrigacional, pode-se superar a velha identificação do
fenômeno obrigacional pelo binômio crédito e débito. Neste caminho, alargam-se
as fronteiras para compreensão da noção de relação jurídica obrigacional como
processo e da nova metodologia de estudo do direito das obrigações que lhe é
inerente. E por aí pode-se encontrar combustível para vôos muito mais longos do
que aqueles que este ensaio poderia ter.

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