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EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. UNICAMP, Retor: Carlos Vost Coordenador Geral da Universidade: Joe Martins Filho Conselho. Edional: Ateio Pereira Chagas, Alfredo “Miguel Ozorio de Almeida, Antonio Carlos Bannwart, CCézar Francisco Ciacoo (Presidente), Eduardo Guiemaries, Heermégencs de Freitas Leitio Filho, Jayme Antunes Maciel ifoior, Luiz Cesar Marques Filho, Geraldo Severo de Souza Avila Diretor Executivo: Eduardo Guimaries PAUL HENRY AA FERRAMENTA IMPERFEITA Lingua, Sujeito e Discurso Com um posficio de Oswald Ducrot Traduséo: Maria Fausta Pereira de Castro SUMARIO PROLOGO, A pressupos configuragio epistémiea da fingiisties a. 1. SUIEITO NA LINGUISTICA. A PROPOSITO DAPRESSUPOSIGAO sree an) Introdugiio ~ Duas perspeetivas tedrieas, dias ‘concepgies da pressupasigio Capitulo I-A pressuposigao na teoria da gramética .. c ‘apitulo II - Da pressuposigao Kagiea ao ato de linguagem .. Conelusio - Enunciado, ato de linguagem ¢ pressuposigio: ‘oavesso da conliguragio epistémica da linguistic 3 I. SUJEITO, LINGUAGEM E SABER. EM TORNO DA LINGUISTICA........ Capitulo I - A lingiéstica no campo e fora do campo da complementaridade © campo da complementaridade . A “maquina logica’ ou 0" mato combinatéri 0 “sujeito da ciéneia O buqué invertido © "sujeito da linguagem" e o “sujeito méltiplo" Capituto 11-0 sujeito e o significante Para concluir... NOTA SOBRE A PRESSUPOSIGAO E 0 SENTIDO LITERAL (Oswald Ducrot) Bibliografia 11 113 8 120 20 136 155 193 203 239 PROLOGO A PRESSUPOSIGAO_ EA CONFIGURACAO EPISTEMICA DA LINGUISTICA E na obra de Frege, em um artigo publicado na Zeitschrift fiir Philosophie und philosophische — Kritik © consagrado a andlise das relagdes entre sentido e referéncia que a nogdo de pressuposigéo viu-se investida de um valor, tanto te6rico quanto conereto, que marca o comego da sua elaboragio. E preciso contudo reconhecer, ainda que a ma depois dos lingilistas que se se habituado a referir- introduzida apenas. lateralmente. Nel Tinguagem ordindria sofre deste defeito de com cla podermos formar expresses que, do ponto de vista da forma gramatical, € adequadas.p: um objeto, a1 determin a, pois depende Assim, por exemplo, esse texto de Fr parecem determina Eenquanto, em eertos casos, da verdade de uma proposig © pais europeu que tem fromeiras comuns com outros dez paises diferentes ou, se preferirmos u A segiténcia de mimeros reais que converge mais lenta- mente sdo expressdes que, para retomar os termos de Frege, parecem designar um objeto quando, de fato, essas expresses nao referencia. Ainda segundo Frege, isso deve-se ao fato das seguintes proposigies Um pais europew tem fromeiras comuns com dex outros. paises. diferentes Uma seqiténcia de mimeros reais converge mais Jentamente que todas as outras seqiténcias de nimeros serem falsas, Considere- agora a frase © pais europeu que tem fronteiras comuns com nove outros paises diferentes 6 a Alemanha Federal 1 propésito da proposigio Um pais europeu tem fronteiras comuns com nove outros paises. diferentes que Frege introduz a expressi geralmente por pressuposto. Se contida na frase global, cla est modo que em verausgesetzt, que se traduz indo ele, essa proposigo niio est as pressuposta do mesmo Kepler morreu_na miséria 2 € pressuposto que o nome proprio Kepler designa alguma coisa, mas isso ndo faz parte do "conteddo" desta frase. Essa aproximagio centre nomes préprios ¢ expresses que, por sta forma gramatical, parecem determinadas ¢ adequadas para designar um objeto, esté fundada sobre 0 fato de os pressupostos serem comuns a uma assergio © & assergio contraria (X ndo morrew na mixéria como © pais europeu que tem fronteiras comuns com outros paises nao é X). Parcecria, portanto, que os pressupostos eseapam contra-assergio, o que evidentemente cria um problema 16 quando se tem em vista a questio d Entretanto, o essencial nao esti Frege estabelece uma distingio entre nomes proprios ¢ expresso gramaticais que pressupostos. E que para os nom proprios, a existéncia ou a ndo-existéncia de.uma referéneia repouss, sobre 1 evidencia enquanto s fazem intervir wn julgamento que no repousa necessariamente sobre a evidéncia, como é 0 caso do exemplo acima das seqiincias de nimeros reais, ai que Frege vé um defeiro da linguagem ordinaria: a existéncia de expresses gramaticais que introduzem pressupostos. seria responsivel pelo fato de se poder falar muito seriamente © muito logicamente de coisas que nao existem no sentido forte mas apenas, se 6 possivel dizer assim, verbalmente ou no pensamento, Encontramos aqui o problema de fundo de que trata Frege: trata-se de impedir a ilusio ou a ficgdo de intrometersse na linguagem quando esta visa 0 conhecimento, a verdade. Antes de Freze, os logicos tinham sobretudo insistido sobre as ambigiidades, Tinguagem, Frege formula uma nova questio ao mostrar que ss das questoes de re , uum mundo de fiegbes, dar aparéncia que os objetos cxistem, quando cles nao existem, Desde entio a nogo de pressuiposi¢io conhe: avatares. Freqiientemente destacada do valor coneeitual que Ihe , reeoberta por interpretagées espont ela ‘aparece hoje na lingilfstica © na teoria do discurso servindo apenas, na maioria das vezes — pela oscilagao incessante do seu a muitos B valor conccitual nas suas interpretagdes esponténeas —, para tapar bburacos, para ocultar as dificuldades tebricas e priticas encontradas nnessas matérias. Ao mesmo tempo a questéo parece ter sido deslocada; ela ndo trata mais das relagdes entre o conhecimento © a ilusio na linguagem, mas daquelas entre a semantica ¢ a sintaxe na gramética, entre a lingua ¢ o discurso na linguagem. A questio (0 pode, portanto, ser considerada como um sintoma fundamentais com que a lingiifstica se depara hoje; problemas que giram em torno de duas questoes-chaves: a semintica © a ima Fazio suficiente para que os trabalhos dos lingiistas sobre pressuposi¢ao meregam um exame aprofundado. E a isso vem acrescentar-se tudo aquilo que decorre do lugar que a lingiistica ocupa hoje com rela questio de Frege permanece. A consolidagio das _posigoes materialistas em epistemologia ¢ em hist6ria das ciéncias transforma ‘08 pontos de vista sobre 0 que Frege chamava ci ‘comecar pelo que concerne a propria lingiistica © & seu objeto. Ja em Saussure, pode-se reconhecer uma ambigtidad esse respeito, Lé-se no Cours de linguistique générale que "é a lingua que faz a unidade da linguagem’,’ que “a lingua é um todo ‘© um principio de classificagdo".’ Essa maneira de conceber a lingua prende-se as preocupagbes epistemoligicas a que Saussure, para instituir a ia, atribuiu, como Marx no seu proprio dominio, tanta importincia, Mas, a0 lado disso, Ké-se no Curso que a lingua € uma ins ouro depositado pelt pritica da fala nos sujeitos pertencentes a uma mesma comunidade, um sistema gramatical existindo virtualmente em cada cérebro, ou mais exatamente nos eérebros de im conjunto de individuos, j4 que a lingua nao esti completa No Curso’ de lingdistica geral aparece assim 0 que deve ser reeonhecido como uma contradigio no sentido materialista do termo. Ainda que identifique social © essencial como sendo da ordem da lingua, individual © acessério “ou mais exatamente 4 acidental’, como sendo da order lingua nio € fungio do sujeito f da fala, embora pense que “a es, principalmente a respeito da analogia. Lé-se efetivamente no Curso que, embora sendo de ordem gramatical, “a analogia & de natureza psicoldgica (..), ela supie a conseiéncia ea compreensdo de uma relagio unindo as formas entre clas (..), a ctia resultado sé pode pertencer primeiro & fala, ela 6 ob sun sujeito isolado" Em vez de ver af a necessidade de um casamento da gramética © da psicologia (0 que queremos nos outorgar com o desenvolvimento da psicolingiistica), observaremos apenas que com 0 sentido retorna o syjeito, 20 mesmo tempo que aflora uma contradigio que Saussure articula com as oposigdes da lingua © da fala, do coletivo c do individual, do social © do psicolégico, do essencial e do accss6rio, do homogeneo ¢ do heterogéneo, do todo unificado edo diverso etc... Trata-se, portanto, de uma contradicio fundamental da qual pode-se dizer que cla faz parte integrante do corte saussuriano, sancionando a posteriori 0 advento. da cicntificidade na lingiistica. Como pano de fundo, © que questio € a materialidade da lingua.’ Tem-se portanto tres elementos articulados: o retorna ao sentido & ao sujeito © a questio da materiatidade da lingua, Ai esté a forma especifica que toma para a lingUfstica a contradigio entre objeto real © objeto de conhecimento, inerente & construgio do objeto proprio de toda ter um objeto’, diz Lacan! psicanslise € uma ei ‘pode-se sustentar que uma cigncia € espeeificada por um objeto definido, pelo menos por um certo nivel de operacio, eprodutivel, que chamamos experiéncia. Mas devemos ser muito prudentes porque esse objeto muda, ¢ singularmen e, no curso dit evolugio de uma cigncia®, O fato de que Lacan fale também da lingua ¢ do sujeito di a essa referéncia todo sew alca istinto do cuja apropriagio ele permite pela modalidade do conhecimento, 0 objeto de conhecimento tem com esse real uma relagdo contradit6ria.* Isso nao quer dizer que esse objeto scja ideal ce que scja proprio da sua natureza ideal ser contraditério com 0 real. Nao se trata de opor 0 mundo das idéias a0 mundo das coisas, proclamando sua irredutibilidade. Isso seria equivalente a falar em termos de inadequagio ¢ ndo de contradigao, Ver-se-é que é a adequagio do objeto de conhecimento © do abjeto real. O objeto de conhecimento € to material quanto o objeto real, mas cle ¢ to. Reconhecé-lo permite precisar em que consiste a materialidade do objeto de conhecimento sem reduzi-lo a um reflexo pensado do objeto real. © objeto de conhecimento € objeto que muda, que tem uma histéria inscrita na hist6ria da éncia da qual & objeto, na confrontagio de suas teorias, nas priticas especificas que o caracterizam, assim como nas cond iistoricas que produziram essa historia, essas confrontagdes, essa pritica, Em vez de se perguntar se a lingua € uma instituigao social, a realizacto de uma faculdade inata ou as duas coisas ao mesmo tempo, € simultancamente a histéria da lingtistica, a confrontagio de suas teorias, a pratica do lingiista sobre a linguagem na sta especificidade que devem ser interrogadas quando se quer aprender alguma coisa da materialidade da lingua enquanto objeto de conhecimento. E desse ponto de vista que se revela contraditoria a relagao entre objeto de conhecimento de lingua ¢ o real do qual cesse objeto de conhecimento, através da especificagio dos conceitos na teoria e da prética dos lingbistas sobre a lingwagem, permite uma apropriagdo pela modalidade do conhecimento, A contradi € portanto essencial; ela nao faz parte da “ordem das coisas", mas se inscreve no processo de produgo dos conhecimentos quanto proceso hist6rico em que as ciénci sovinhas. A forma historiea que € dada a contradigao objeto reab-objeto de conhecimento a um certo momento, por exemplo no Cours de linguistique générale, s6 se torna reconhecida como contradigio a partir de um certo momento © em certas condigées que no dependem apenas do que se passa na lingtistica mas também do que ocorre fora da lingiistica. Dizer que a contradigio no é 16 imediatamente reconhecida no quer dizer contudo que ela nao funcione como tal: ao longo das paginas que se seguem, sera afirmado que, sob formas historieas varidveis que conservam stia especificidade, uma contradigio especifica entre objeto real e objeto de conhecimento & constitutiva do objeto proprio de toda ciéncia cenquanto justamente esta tem um objeto proprio que a especi Salvo na hipdtese do desaparecimento desse objeto ¢ portanto da bsorgio da ciéncia em questio por outras ciént ssibilidade que nio deve ser excluida e sobre a qual a cigneias fornece exemplos —, nfo se trata de eliminar essa contradiggo mas apcnas de reconhecer que praticar uma ciéncia é sempre, em Giltima instancia, trabalhar sua contradigao espeetfica de modo que o exame das diversas formas coneretas dessa contradigio permita a depreensio de seus elementos. Sua articulagao constitu: © que se convencionara chamar a configuragdo epistémica da cigncia em questa, Para limitarmo-nos a lingiifstica, naquilo que observamos em Saussure, podemos distinguir dois elementos fundamentais. De um lado um elemento que ndo & proprio da lingiistica, um desdobramento da forma-sujeito” opondo individuo e comunidade ou sociedade, isto €, sujeito individual e sujeito coletive. De outro lado um elemento especifico, a relagao do sentido com a marevialidade —fonica ou gréfiea da linguagem. Essex dois elementos entram em jogo a partir do momento em que se Formula materialidade da fingua, isto é, desde que se levanta a questo da relagio entre objeto de conheeimento e objeto real na lingistica.E claro, portant, que afatamos a ida segundo a qual que especifi 1 existéneia de uma certa regio do real com vocagio para tornar-se objeto priprio de uma ci antes de qualquer investigagio cientifica. Entretanto, como cada unt be, hi linguas: 0 francés, 0 polonés, o bambara, por exemplo, E. como se diz um faro, um fato de experiéncia mesmo, Que as linguas tenham existido antes de qualquer esboco da fingiistic também um faro. Mas justamente os lingtistas sabem melhor do que ninguém, mesmo se as veres ouvindo-os poder-se-ia pensar que a questio d © esquecem, que o francés, como qualquer outra lingua, nao se deixa pegar assim, que & primeiro uma diversidade tanto temporal quanto espacial e que € preciso pelo menos um conceito de lingua, € nao apenas um conceito simplesmente, para poder pensar uma unidade dessa diversidade.”” E o que jé argumentava Saussure ao dizer que a linguagem é 0 diverso © que € preciso a lingua pi fazer a unidade da linguagem, para construi-la, Formulada de maneira mais geral, a questo agora € saber se pode caracterizar_o real de que uma cigncia ¢ 0 objeto jependentemente da ciéncia que permite precisamente conhecé-lo Ou, mais exatamente, que tora possivel sta apropriagao pela mmodalidade do conhecimento. Essa questio ndo & indépendente daguilo que, alé 0 presente, permanece como um outro paradoxo, saber: que a conte possa ser operante ainda que ela ado seja observivel pontualmente como tal. De fato esse duplo indica © lugar que ocupam as ideologias no processo de produgio dos conhecimentos. Com efeito, dizer que se pode earacterizar 0 de que uma cigneia se apropria peli modalidade do cimento supie que exista pelo menos uma outra forma de apropriagio desse real. Evidentemente niio se trata de sustentar que, cigncia pelo intermédio da qual ele se ohjeto real de um objeto de conhecimento. Nesse sentido, podie-se dizer que existiam linguas antes de qualquer lingbistica, Uma coisa & reconhecer o primado do ser sobre 0 conhecimento, conh oulra & afirmar que, sem o saber, cada pessoa € um lingdiista e que a pritica do Tingiista sobre a finguagem ¢ a sitematizagin “reflex de prdticas “espontaneas’ de quem quer que fale uma Lingua, Ess; 6 mais uma maneira de contornar a contradigio objeto real-objeto de conhecimento ou, mais exatamente, de produzir uma apropriagio ignorando-a ao mesmo tempo. E exatamente 0 que se pode observar com respeito Aiquilo que alguns lingdistas chamam de “a inmigato lingdistica do sujeiwo falance' io forjada para legilimar, no interior da propria linggiistica, a pritica do lingbista sobre a linguagem Limitando-nos. a Chomsky, essa nogdo intervém — lembremo-lo — 1s em dois niveis, pritico, trat m um nivel pritico © um nivel tebrico. No nivel inicialmente de poder decidir se tal ou tal forma, de clementos tomados como fazendo parte da lingua, em fungao de regra c c gramatica, pertence ou nio a conta de que, por exemplo: 0 cachorro ouve 0 tadrao 0 ladrao é ouvido pelo cachorro 0 cachorro owve 0 ladrdo entrar sio frases do portugués enquanto O ladrao entrar é owvide pelo cuchorro io €. Se esta ou aquela forma pertence ou nio a lingua ¢ algo que se considera como diretamente acessivel & intui¢ao lingtisti Depoi ipenas depois, apela-se para a intuigao lingistica para, por excmplo, dissociar as regras cuja aplicagio muda o sentido, daqucla que ‘nvio © mudaria, para poder levantar as formas que parceem ligadas por uma rckacio, incluida af a de sentido, fazer com que essas formas sejam geradas por seqiiéneias de reer que déem conta de sua diferenga © de st 0. A intuigio lingiistica 6, portanto, ieiro momento, constituir a lingua como um todo empirico (aquito que esti ou nao cesta na lingua), Em um segundo momento, no interior do todo empirico considerado como constituido de tal modo, opera-se uma constantemente para eritérios espécie de experimentagio que a de sentido considerados lingitistica. Bis 0 que diz respeito a intuigio Tingiistica no nivel pritivo. No nivel te6rieo, d ssa intuigio um fundamento, que € a competéncia — lingiiistica. ‘Todo sujeito falando wma detorminada lingua disporia dessa competGneia—cujos fundamentos, seriam inatos — ainda que o que ele diga coneretamente afaste-se mais ou menos do que ele mesmo reeonhece como farendo parte da lingua “propriamente dita’ mo dirclamente acessiveis & intu » Go nos deteremos centre teoria © pritica, que o primeira vista, quanto no fa {que as priticas lingdisticas “espontiinea into na circularidade das relagées yelo & intuigao Tingiistica instaura a fornecem, Estas, do ponto de vista da tcoria em questdo, fornecem aqui ¢ ali formas que pertencem ou no & lingua, assim concebida; © que importa nio & tanto que essas formas existam ou no tu 4 julgamentos que se possam fazer sobre clas. O apelo a intuigio lingiistica justfica portanto a consideragao das formas construfdas a partir da tcoria e para fins te6ricos. O exemplo acima pode com efeito servir para mostrar que uma transformagio (no caso a ransformagio ativa-passiva) ndo pode ser uma operagio definida na superficie som evar em conta a estrutura dos const da Irase." Isso torna possivel uma experimentagio no sentido forte do termo. Ao mesmo tempo, isso mostra que a prética que permite construir elementos de uma gramitica, tal como a conccbe Chomsky, nio opera fora da teoria, numa relagio especular com 0 real que ela apenas revelaria. Uma defasagem entre objeto teGrico € objeto real introduzida ¢ dela depende a existéncia de verdadciras questées e, portanto, tamb \deiras respostas Pode-se dizer pois que a nogio de intuigio lingiistica é aquilo que, no quadro dessa teoria, dé corpo a configuracio epistémica da Lingijstica da qual retomamos os elementos fundamentais: desdobramento da forma-sujcito (com a oposigio competéncia- diesempenho) © questio do sentido na sta relagio com a materialidade fonica ou grifica da linguagem. Em outras palavras, esa nogio representa na pritica do lingtista, no quadro dessa (coria, uma apropriagio da contradigdo entre objeto real ¢ objeto de conhecimento, mas trata-se de uma modalidade de apropriagio tem por caracteristica descanhecer seu objeto (a contradigio) 0 por um outro. O apelo aos fatos pelo viés da intuigio idade um apelo a cvidéncias e representagies ia do sentido, evidéncia da individualidade: do nit lingiistica ideolbgicas: evid sujeito enquanto unidade de uma interioridade singular © de ste universalidade. 20 a de que © que s¢ avangou sobre a lingiistica 1, chegamos a conclusio’ de que, na pratica cientifica, a apropriagao da relagio entre objeto real e objeto de conhccimento apela necessariamente para as formagies ideologicas, variaveis segundo as teorias, pelas quais se raliza coneretamente apropriagio. Por que neeessariamente uma (algumas) que podemos agora procurar aprofundar antes de abordar a especificidade das, formagées ideoligieas. Dissemos apropriagdo de uma A resposta & questéo que acaba de ser ievantada ss de tudo do que se entende por conmradigito © em a do que se entende por apropriagia. A contradigao aqui la nao é uma contradigao pontual, como a contradigio no s ico. J4 insistimos sobre esse ponte, A categoria de contradigZo que permite pensar a relagio entre objeto real e objeto de conhecimento no processo de produgio dos conkecimentos 6 a aque foi claborada por Marx. Assim, a contradigio que desenvolve © antagonismo de classe $6 6 contradicio do ponto de vista da Tuta de classes, isto 6, da historia no sentida do materialismo histérico. Precisemos mais ainda, De uma eerta mancira, a contradigio & estabelevida pelas relagdes de produ constitutivas da divisio de classes; io © de reproducio as classes néio preexistem is as, de modo que nao hi primeiro a contradigio ¢ depois seu desenvolvimento, a contradigio & 0 proprio desenvolvimento, Ela esta presente desde sempre e sé 6 suplantada por uma transformagao revoluciondria das relagdes de produgiio, Do mesmo modo dizse que a contradigio objeto real-objeto de 10. em uma cigneia no é pontual, que Jo ao futuro de uma ciéneia reinscrita no processo de produgio do conhecimento, Localmente, cla s6 se manifesta sob a forma de dificuldades tedricas e priticas encontradas no exereicio de uma cigneia, pontos de fuga como a questio da cnunciagiio, a dos universais ou a do sentido na lingiistia. Que sentido pode-se dar, nessas condigées, & afirmagio segundo a qual uma formagio ideolégiea é susectivel de realizar em uma prética uma apropriagio de uma contradigio?® A primeiea rel 21 vista isso dé a entender que se pode pensar essa contradigio na erioridade, a do sujito, suscotivel de reunir u0 seu desenvolvimento os dois termos. Retomemos a contradigio de isse que se descnvolve no antagonismo de classe. Afirmar que it contradigo esi sob a jurisdigio da categoria de. sujeito enquanto unidade de uma interioridade seria 0 mesmo que dizer mnultan que esse sujcito pode est classes antagonistas, que ele & portanto a detern relagies de producio c de reprodugio, que ele ocuparia a po de um sujeito da hist6ria, Ora, © que Marx afirma, contra Hegel, aproveitando as ligées do materialismo, ¢ que a contradigio de classe sé pode ser eoncebida como objeto de um sujeito, que, de quaquer modo, ‘sujeito da historia’, que a histéria do ponto de vista mate 1m “processo sem Sujeito nem Fim(s)™."" No que diz respeito wo processo. de produgio dos. conhecimentos, depreende-se uma conelusio semelhante da leitura da Science de la logique (Ci Logica) de Heye! por Lenine.Dado 0 que foi visto a respeito da materialidade do objeto de conhecimento da relagio objeto de conhecimento-objeto real, deve-se dizer que a contradigio objeto real-objeto de conhecimento nao € o objeto de uum sujeito capaz de verifiear a conformidade do objeto de conhecimento com 0 objeto real, Assim como nao hi sujeito da historia, nao ha sujeito do proceso de produgéo do conhecimento fou sujeito da Ciéneia, Ocorre que, do ponto de vista do ‘materialismo hist6rico, 0 proceso de produgio do conhecimento, tenquanto processo histérico, realiza-se concretamente sob formas, hiscéricas variadas — ver mais adiante — , nas priticas, sociais, principalmente no que chamamos a pritica cientifiea, egar que a pritica cientifica através da qual se realiza concretamente © processo de produgio do conhecimento nie seja qualquer tipo de prética social, Quando se quer manter de mancir conseqtivnte «ts posigées materialistas contra © subjetivismo © 0 idcalismo, € preciso estar alerta para no se inverter a ordem das ‘questdes. E preciso sobrctudo evitar a armadilha que consistiria em dizer que a prética civntifica é antes de tudo, simplesmente uma ade propria enquanto pritica, talver pritica, tendo sua especili tiniea prética tendo uma tal especificidade — alguns diriam uma pravis. —e que 6 secundariamente uma pr entifiea 6 primeiro, como toda pritic secundariamente & uma pritica especilica, Ora, como em toda 1 social, os individuos humanos coneretos que, se no sio os tos, so pelo menos os agentes, “agem na e sob a determinagio das formas de existéncia historiea das relagGes sociais de produ © reprodugio (proceso de trabalho, divisio © organizagio do trabalho, processo de producao € reprodugio, luta de classes cle) Dizer que esses agentes agem na e sob a determinagio das Formas hist6ricas de existéncia é dizer que eles so constitufdos em sujeitos nas praticas sociais & por elas. No que concerne ao do processo de produgio de conhecimentos, eles se constituem ma prética cientifica e por essa pritica como sujeitos, ciemtistas, pesquisadores, pensadores, « Ora, precis social. A praia uma pritiea social, agentes, que constituem ha Pode-se agora compreender apropriagiio de uma contradi¢ao, que como tal escap de sujeito, possa realizar-se concretamente em uma pritiea, © (b) que, quando direta ou indiretamente levanta-se a questo da re entre objeto de conhecimento © objeto real em uma encontra-se necessariamente, de um modo ou de outro, a categoria de sujeito, © que no inicio nao passava de uma const. na Ieitura de Saussure © no exame do papel da nogio da intui lingiistica na pratica do lingiista ligada a certas teoria recebcu um comeco de explicacio teGriea, Aqui depr definigio posiriva’ da Idcotogia, definigio que suspende to coneepgio desta como um erro, magoria ete... alguma coisa de puramente ideal, sem rekigio com a realidade: ela aparece como um dos clementos necessirins av proceso de producio de conhecimento. Além do mais, se se aumite que praticar uma cigncia ibalhar sua contradigio espeeffica, a Kdcologia & nesse processo emento primordial. Ocorre que, apesar de real ¢ efetiva — 0 que nos remete ropriagio objeto real-objeto de perde, retomando 0 termo para a questo da adequagio—, ‘conhecimento na pritica de uma ciénc de Althusser, seu objeto (a contradi¢do), substituindo-o por um outro, como a gio lingtistica ‘ou 0 funcionamento ico da linguagem. E necessério portanto precisar 0 uma formagio ideotogica tem um objeto que Por exemplo, a ideologia da transparéncia da linguagem ou a idcologia da individualidade do processo de pensamento. 0 objeto de uma formagao ideoligica é real no sentido em que Saiil Karsz, em um exemplo particularmente notivel, diz que Deus 6 real.” Em um segundo nivel aparece uma diferenga fundamental entre cigncias ¢ formagées ideolbgicas: ndo hd, para una formacde ideoldgiea, 0 equivalente a contradigito objeto real-objeto de conhecimento._ Isso se deve ao fato de 0 objeto de uma formagao ideol6gica que intervém no proceso de produgio de conhecimentos — limito-me a esse aspecto — representar para os agentes da pritica cientifica, constituldes como sujeites dessa pritica, a contradigio objeto real-objeto de conhecimento sob suas diferentes formas. Contradigao que escapa & categoria de sujcito. Ora, © nfo se pode derrapar nesse ponto delicado, nio hi iniciamente a contradigio € depois sua representagio — a contradigio s6 existe na medida em que hé uma pritica cientifica ‘que a desenvolve —, donde agentes dessa pritica constituidos como sujeitos nessa prética por essa mesma representagio. Nessas condigies, falar da adequagio do objeto de uma formagi idolégica no tem sentido, a questo da adequi 8 propésto da relagio entre objeto de conhecinento e objeto real ncias. & ainda preciso especificar que essa questio da adequagio nao pode ser fevantada em referéneia as estruturas de lum “sujeito” que a refletiria de um modo Kantiano, ela stem sentido enquanto referéneia & pritica’ cientifiea © a0 desenvolvimento das cigncias, lembrando-se que as formagées idcolbgicas coneretas que realizam a apropriagio da contra objeto real-objeto de conhecimento fazem parte das condigives 24 hist6ricas precisas nas quais essa pritica ¢ esse desenvolvimento podem ocorrer. Em resumo, a questéo da adequacao s6 pode ser convenientemente configurada se destacada das condigies histGricas que a determinam Seno recai-se sobre a famosa questio. da verdade absoluta, questo que substitui a da adequagio na filosofia, idcalista. Como mostrou Lecourt para a dupla tese do reflexo,"* hé uma ordem das questdes que deve ser respeitada: a relagio entre abjeto real ¢ objeto de conhecimento no proceso de produgao dos conhecimentos cientificos é uma relagao da adequagao-contradi mas a contradigéo é primeira na medida em que ela é constituiiva do objeto proprio de uma ciéncia, a adequagao esta em segundo lugar e é historica Isso nos leva a precisar a natureza das formagdes idcoldgicas cujo lugar no proceso de produgio dos conhecimentos foi posto em evidéncia, Digamos para comegar que nio ha neeessariamente, em toda formagio social, produgio de conhccimentos cientificos. Nao se trata aqui de trazer nossa contribuigao para as discussdes sobre a origem da “ciéneia moderna” (na Grécia antiga, ou com Galileu, ou com Descartes etc.). Queremos apenas dizer que o process de produgéo do conhecimento & suscetivel de tomar ¢ tomou formas histéricas diversas. Tudo 0 que se pode dizer € que o proceso implica uma certa divisio que decorre da contradi¢io objeto real-objeto de conhecimento, a qual funda igualmente, sem que possa ver af um Fetorno & concepeao continuista do desenvol autonomia relativa do proceso de produ Pode-se evidentemente colocar de um lado dessa divi dlo outro ideologia com a condigéo de reconhecer-se que os dois elementos desse par sio suscetiveis de variagdo simultinea. Nao basta dizer que as ciéncias antigas ndo sio exatamente as modernas ainda que ja scjam ci¢ncias (a geometria de Thales, por cxemplo), pois isso seria ao mesmo tempo colocar-se na posigio de precisar partir em busca da esséncia dessa ci lade. O que importa é a condigio de possibilidade da divisio; o que deve ser evado em conta é 0 par ciéncias-ideologias no processo de produgio de conhecimento € nao apenas um dos dois termos. A 25 divisio, o par, realizando-se coneretamente de manciras dif de acordo com o modo de produgio, enquanto sistema con: das relagdes de produgio € das forgas produtivas, que domina a formagio social S6 posso fornecer indicagdes globais © parciais ps centrever aquilo que torna historicamente possivel a divisio produgio material ¢ aprop priticas de contradiedes entre objetos de conhecimento ¢ objetos reais. Sabe-se que mas socicdades feudais « pratica cientifica foi essencialmente iniciada c controlada pela Igreja. Sabe-se igualmente que nas sociedades capitalistas 0 desenvolvimento das. cid estreitamente ligado ao da escolarizacio © as formas especii tomaram, Essa € io, Para algm dessa constatagao diremos que esse vinculo traduz 0 fato de que, nas formagbes sociais feudais como nas formagécs sociais capitalistas, tenha existido ou exista, nas superestruturas idcoldgicas, um aparelho ideol6gico de Estado cujo lugar particular entre os outros aparelhos ideologicos da superestrutura esta na origem da formagio ¢ da reprodugio de uma distingo entre © que se convencionou chamar de as ideolagias tedricas © as ideologiaspriticas. Trata-se ainda af de um par ou mais exatamente de um tipé ciéncias, ideologias —priticas, ideologias teéricas, eujos txés elementos devem ser considerados ha sua Examinar como modificada na passagem do modo de produgao feudal para 0 modo de produgao capitalista, esse seria o abjeto de um estudo especifico, ‘nos-cmos aqui, neste momento, em observar que essa dio, que define os trés termos, é determinada pelo modo de produgio; de maneica mai ica, cla esta ligada A forma subseqiiente do proceso de trabalho, da divisdo e da organizagio do trabalho (sobretudo representada pela oposi¢io entre trabalho manual e trabalho intelectual), da qualificagdo da forga do trabalho, da inter das cigncias no processo de produgio econdmica e na luta ideoldgica de classe (essa lista nao é limitativa) Sustentaremos que os tres elementos do trips, ideologies priticas, ideologias tedricas, ciéncias, no podem cxistir 26 separadamente de tal modo que nao poderia haver, se essa posigao € correta, producio-reprodugio de conhecimentos cientificos se as 3 de uma distingdo entre cdo mais propor uma primeira formulagao das posigdes tedricas que deveriam ser sustentadas a propésito das relagdes entre ciéncias c ideologias no processo de producio dos conhecimentos. E possivel formular duas proposigées a esse respeito: (1) As formagoes ideoldgicas pelas quais se realiza’ a apropriagdo da contradigdo objeto real-objeto de co- nhecimento na prética cientifica resuliam de ideolo- gias tedricas. (2) As ideologias tebricas estdo ligadas ao que Louis Althusser chama de 0 Aparelho Ideolégico do Estado dominante,® a saber, nas formagdes ——_sociais capitalista, ao A.I.E. escolar (Aparelho Ideolégico do Estado es-colar). A cessas duas proposigées acrescentarfamos uma terceira, proposta por Dominique Lecourt. (3) As ideologias priticas imprimem sua forma e seus limites as ideologias tedricas. Essas formulagées exigiriam especificagoes, particularmente. para articulé-las com a distingdo idcologias proletarias-ideologias, burguesas (ou ideologias da classe dominante-ideologias da classe dominada). Elas constituem apenas um ponto de partida que vai nos permitir reformular a questio das relagdes entre linguagem e conhecimento de onde partimos. Voltemos pelo caminho até agora percorrido. Partimos da questio da pressuposigio enquanto reveladora das dificuldades te6ricas e praticas com que se depara hoje a lingiistica. Para além dessas dificuldades, essa questdo nos interessa na medida em que 2 condensa duas outras questées: (a) a questio da rel objeto real ¢ objeto de conhecimento (no exeretcio de uma cigncia particular, a lingiistica) e (b) a questéo das-modalidades intervengio da linguagem no processo de produgao-reprodugio de nheeimentos (reformulagio da questio de Frege). 9 entre ragio absolutamente que ela recobre, uma Essa _condensagio € uma confi F, proporcional ao peso singu pode ser abordada, de um ponto de vista cientifico, negligenciando- se a lingiistica, enquanto, inversamente, a questao (b) faz. parte da ‘questi (a) pelo proprio fato da existéneia da questo (b). E nesse aspecto que 0 problema da pressupasigio nos interessa e af esti a » de a primeira parte deste trabalho ser consagrada a uma controntagio dos trabalhos lingiifsticos sobre se deve esperar, contudo, encontrar nesta primeira parte do (raba uma nova teoria (lingiistica ou outra) da pressuposi confrontagio dos trabalhos em questi conduz sobretude a uma desconstrugio da nogio de pressuposigio, desconstrugio que permite confirmar 0 que f alo a propdsito dos elementos da conliguraga ica da lingiistica (desdobramento da forma sujeito ¢ questio do sentido na sua relagio com a materialidade ‘a ou grafica da linguagem) © precisar 0 funcionamento © a articulagio, Um trabalho como este inscreve-se necessariamente dentro de permite que se atinjam, como tais, as questics do sujeito © do sentido que, entretanto, a lingiistica formula de um certo modo, a0 mesmo tempo em que sempre as ié resolvidas. As mesmas observagdes aplicam-se ao trabalho c ito em que ele recorre & na questo Poder-se-ia portanto concluir que ‘0 que nos falta é uma “teoria do sentido" e uma “teoria do sujeito’. ‘Aqui a resposta nao tarda. Ela ¢ formulada da mancira r por Louis Althusser "como todas ase s, inelusive aqu » que uma palavra designe uma coisa ow significagio, inclusive as evidéncias da (ran cessa evidéncia de que voc’ ¢ eu somos sujeitos — ¢ que isso 28 constitui um problema — é um efeito ideol6gico, o efeito ideoligico elomentar" (Ideologia e aparethos idealdgicos de Estado, p.30). E Lio impossivel ter uma “teoria do sentido" ou "teoria do sujeito” quanto esses objetos so cat ideologicas ¢ nfo objetos de conhec impasse parece portanto total, De fato, cle indica somente que a lingiéstica Levanta um certo niimero de” qu com uma acuidade qu encontra em nenhuma outra ¢ a nos pie na obrigaga priticos. Essas questdes podem pendentes na andlise das relagdes entre esbogada acima. A q ideoligico, Sabe-se que essa nio é a palavra nem tampouco o que Foucault chama de "acontecimento discursive" Seria efetivamente iguagem ou do discurso que tem como questies sobre a produgio, reprodugio © apropriagio materiais desses objetos cuja pertinéncia, entretanto, nao se pode negar. Enquanto no fornecermos respostas a essas questées ndo poderemos controlar o retorno sob diversas formas, mm -domindncias empiristas ou idcalistas, da ideotogia da a da linguagem na pratica da lingiiistica. Essa ideologia, confusio entre objeto de conhecimento c objeto real, assegura, na lingiistica, o liame entre as questies do sujeito © do sentido sob formas tais que esti sempre delas se separando para a elas voltar sem cessar. De um certo modo podemos dizer portanto que se trata de assegurar 0 dominio daquilo que torna possivel a apropriagio da contradicio objeto real-objto de con transparé enraizada alirmamos que dispomos hoje de elementos, com a procurarmos por eles li onde esto, a saber, de um lado nas teorias das idcologias enquanto regio do materialismo histérico ¢, de outro do, na psicandlise. » elaborar 0 conceito de inconsciente, Lacan soube Lirar as conseqiiéncias do fato de Freud, desde a ciéneia dos sonhos, (er sido levado a fazer hipoteses sobre a linguagem que rompessem com a ideologia da sua transparéncia, Essa ruptura com a twansparéneia da linguagem € uma conseqiiéncia neces problematica da psicandlise, Com efcito, embora a psi seja nem uma ‘teoria do sujeito", nem uma “woria c Finguagem’, mas uma ciéncia especificada pelo seu lacanianas: "o inconseiente & um conccito forjado no rastro daquilo que opera na eonsttuigao do sujeito" ¢“o inconsciemte € estruturado um efeito. Mais precisamente, o sujeito que constitui sua mat prima é efeito da linguagem. & finalmente essa posiga definir 0 sujeito como efeito exclui tomé-lo como centro, fonte, unidade de uma interioridade etc... Contudo, um problema permanece, que 6 0 de saber se levantando essa € tem que consistem exatamente, a linguagem nao é objeto de ci¢ncia alguma, De uma certa m pode-se dizer que a linguagem desempenha ise, um papel at sentido com relagio & linghistica, Donde formu! naiureza forncce, para ser explicito, significantes c esses significantes organizam de modo inaugural as relagées humanas, fornecem as cestruturas ¢ modelam-nas". Nao se deve superestimar a inci de uma tal formula mas ess: ia de naturalidade do siguificante cria realmente um problema, Na segunda parte deste livro, mostr se como sc pode tirar partido da teoria das relagdes entre significantes ¢ constituicdo do sujeito, principalmente no que diz respeito aos processos de apropriagio e assujcitamento. Mostra que, apesar desses elementos, cla deixa pendente a questio da com relagio & ps 30 materialidade dos objetos de conhecimento ¢ dos objetos ideologicos. Essa reserva instaura, como campo de questdes, as laces entre idcologia ¢ efeito sujcito, especialmente a propésito 0 com a dicotomia ica & também ia na segunda parte deste livro, com aqucla dos aspectos d ao do regime de materialidade que concerne is relagses entre lingua, ciéncias ¢ ideologias. Reafirmando que a lingua ndo ¢ a idcologia nem 0 formalismo, a ciéncia deli eonecito que permite pensar essas relagies. A partir de Pécheux,” decidimos designar esse conceito recorrendo ao termo de discurso. do desdobramento da forma ideologia pratica/ideologi abord: 31 NOTAS * Ferdinand de Saussure, Cours de linguisique générale, p. 25 * tia, p. 31. 5 ia, p26. “A lingua no € menos que a fala um objeto de natureza cone uma grande vantagem pars o estado. Of signos lingifticos, por serem essencialmente psiquios, ndo So abstragdes, as associagdes ratfiadas pelo consentimento eoletivo, evjo conjunto constitu a lingua, sto realidades que Seu lugar no cérebro” Saussure, CLG, p 32 7 4. Lacan, "Os quateo eonceitos fundamentais da psieandlise”.p. 13. * Sobre a distingio objeto real-objeto de conhecimento, ver L. Althusser, Lire Je Capital, I, pp. 46D. "Todo sujeito humano, ito & socal, s6 pode ser agente de uma pritica se ele ‘este forma de sujcito. A forma-sujet é com feito a forma de existénciahist6rica de tovlo individvo agente das priticas socks pois as relagdes de produgio © de reproducio compreendem necessariamente, como parte integrante, 0 que Lenine cchama de as relagdes sociais Guridico) ideolbgias:* L. Althusser, “Remarques sur tune catégorie: procs sans sujet ni fins)", pT 2 Ainda que nio se trate de uma obra de lingiista, o trabalho de R.Balibar e . Laporte sobre a formagio de vm francés lingua nacional (R. Balibar © D. Laporte, Le francais national) mostra que a questo de saber 0 que € 0 francés ow mesmo do francés no € assim tio simples como parece, Os problemas posts pelas classifieagdes em patos, dialetos, ioletos et, propria emergéacia da nocdo de idioleto enquanta "lingua individual” conirmam que passada a evidéncia de que 0 francés existe, que nasceu Ja unio Jo gaulds ¢ do latim, mais diversos outros clomentos, que no € a mesma "coisa" que o alemdo, © poionés ow © bambara, delimitagio dos contornas desse objeto nio & uma’ coisa simples. Ver-se-d em Sseguida que o conecito de auronomua relauwva da lingua permite transformar, de certo modo, 6s pontos de visa sobre essa questo. Observemos que uma graméticagerativa deveria também dar conta das Frases ‘malformadas enquanto resullada dos erros na aplicacio das rgras de lormagio, Em lum certo sentide, o campo de aplicagio de uma gramética gerativa ullrapassa 0 {quadro do todo da lingua para, em principio, estender-se a0 todo dos envnciados Possiveis bem ov malformados. Ai esté um fndice do poder do conceito de gramstien ferativa com relagdo a qualquer forma de andlise distrib ional. Em contrapartida, {2 questao de saber se 0 todo dos enunciados possveis & definivel de outro modo 3 além daquele puramente formal permanece inteira (sobre esse ponte ver J-Cl Milner, Rcofes de Cambridge et de Pensyvunie: dus théores de fa transformation). vortante para nds aut €salientar que o apelo 8 intuig fingustica aa tors amticas geraivas garantiu empiticamente & existencia de uina linha de emaragi sem’ a qual © projeto de uma cela grants sen simplemente Noam Chomsky © George A. Miller, Ltanayseformelte des langues natreles, p., A questio de saber se toda formagio ideoligica € apropriagio de uma contradigho € no momento deisada de lado. "= L. Althusser, “Remarques sur une catégore: procs sans sujet mi fins)" © D. Lecourt, Une ens er som en, D, Lecour, op. cit. 1. Althusser, "Remanues sur une eatégorie: procs sans suet niin)" p70. 7 »NGo saberiamos sustentar sobre 0s objeto reais deus, religido um diseurs0 que enunciaria eieatiieamente aquilo mesmo que oulsos discersos ehunciam {ologicamente. Deus existe, podemos encontrite a partir de objelos tricos tats como a computsio 4 repetigio, a religio enquanto apacetho bleoligico do Estado, 4 anilise cientifiea “da problematiea propria aos. discursos.teologicos. EE Dreeisamente a parti da analisecietiica da eligi, da divindade ete. que aerites materalista pode estapae dos dilemas-armadilha fidefsmo-atesmo, religioso-laio, Ditemas-armadiha, pois os dois termas de cid par si0 igualmente relgiosos, respectivamente postivo-neyativo.S. Kars, Tagore et pote: Louis Aldus, s '§ Dominique Lecout, Une ers et som enje «essai sur fa poston de Lénine en phitosopie " Louis Althusser, ldcologia © aparcths ideoligicos de Estado, ® D, Lecourt, “Sur Parchéologie du savoir, * Michel Foucault, Lurchéologie du savoir. Ver também a erica dessa angio ‘em D. Leeourt, op ® 4. Lacan, XI, p23. ® Pécheus, Les whit de La Patice O SUJEITO NA LINGUISTICA APROPOS SITO DA PRESSUPOSICAO INTRODUGAO DUAS PERSPECTIVAS TEORICAS DUAS CONCEPCOES DA PRESSUPOSICAO Mesmo reconhecendo que eles ndo conhecem bem st natureza,! so sobretudo os lingiiistas que hoje se interessam pel pressuposi¢ao, Partiremos dessa atualidade da pressuposigio. A nogio da pressuposigdo é itil aos lingiiistas por varias razies veremos como, depois de ter indicado o contexto em que isso se di Do ponto de vista lingiistico, a pressuposigao esti estreitamente ligada a teoria da gramatica. Enquanto durante um longo periodo a fonologia ocupou o primeiro plano da cena, a teoria da gramética tornou-se a questo central em lingtifstica. Para explicar essa mudanca de perspectiva, apelou-se freqientemente para a idéia de uma hierarquia de complexidade crescente das estruturas linguisticas, indo da fonologia 4 semAntica, Em primeiro lugar os lingiistas ter-se-iam ocupado com toda naturalidade dos aspectos mais simples da lingua e, quando 0 conhecimento destes foi considerado razoavelmente estabelecido, ter-se-ia passado antes de abordar a seméntica. Na realidade, por tras dessa i uma hierarguia de estruturas da lingua hé outra coisa além da 37 explicagdo da importincia tomada atualmente pela teoria da gramatica, Hé toda uma concepgio de lingua, estrutura complexa cujos elementos de base, as "unidades minimas’, seriam os fonemas (ou 0s tragos distintivos de fonemas como o trago sonoro/surdo que. opée em francés b e p por exemplo), dos quais os outros niveis de. estruturas derivariam por combinagdes: as palavras so combinag de fonemas, as frases combinagées de palavras ete. a isso, como em Jakobson, a idéia de uma liberdade daqueles que usam a lingua: suas possibil seriam quase nulas no nivel fonol6gico, mais importantes no nivel sintatico © predominantes no seméntico, Encontra-se redesenhado o lugar da subjetividade vos falantes na lingua, Nao se trata de negar que as escolhas em questéo possam ser eventualmente determinadas, por outro lado, pelas crengas, conhecimentos que cada um divide ou no a ordem da linguagem parece depender, pelo menos em um certo nivel, daqueles que a empre; Ver-se-< mais adiante como, com a nogio de pressuposigio, encontrase uma referéncia semelhante a crengas, conviegdes, conhecimentos ete..2 E pre aqui uma primeira bifureagio possivel easo se permanega no quadro de uma concepedo de lingua que deriva da que acabamos de evocar, isto 6, se ficamos no quadro do estruturatismo, ou que dele nos afastemos. Em outros termos, & preciso distinguir duas correntes, nos trabalhos lingiiisticos sobre a pressuposicio, Em primeiro lugar uma corrente estruturali mente representada por Ducrot em segundo lugar uma corrente transformacionalista o Harris € Chomsky. As duas correntes distinguem-se pelo lugar atribuido a teoria da gramética, pois a importincia predominante (que the foi atribuida traduziu-se em uma reviravolta na concepgio de lingua enquanto hicrarquia das estruturas articuladas. A partir de Chomsky a gramatica engloba tudo, a fonotogia, a sintaxe © a semintica, no se fala mais das estruturas da lingua mas dos componentes da gramética (componentes fonoligicos, sintiticos © seminticos). Além do mais, ¢ esta é uma mudanga fundamental, 0 componente de base passa a ser a sintaxc, os componi 38 fonoligicas e semanticos, pelo menos numa primeira concepeao da gramética, s6 fornccem interpretagSes do que ja foi definido no nivel sintatico. Ha af uma ruptura que, entre outras coisas, torna caduca a idéia de uma escala ascendente da liberdade do locutor no uso da lingua, liberdade em que se alojaria sua subjetividade, através do que passariam suas opinides, suas erengas, suas es proprias ete... Nesse sentido, esse projeto de un da gramatica retoma ¢ prolonga a tradigdo saussuriana na uma recusa (parcial)® da subjetividade, como modo de 10 dos “fatos da linguas'. De acordo com a formula de prépria linguagem que € criadora e no o sujeito que portanto também a concepeao da lingua como ferramenta ou instrumento que se acha afastada, Entretanto, js comentamos anteriormente, atrav chase reintroduzida nessa teoria da gramética, Portanto, por vias diversas, fessa_nogio acha-se desempenhando um papel anélogo nas perspectivas estruturalista ¢ transformacionalista. Isso mereee que nos detenhamos por aqui, pois significa que a dificuldade tworica que se mostra dessa mancira passa além daquilo que opée essas duas correntes da finghistica e as duas concepgdes da linguagem que as subjazem. Em ambos os casos, 0 que esti em questo & 0 que se apresenta sob 0 aspecto das relagdes da linguagem © da subjetividade com seus corotirios, erengas, opinides, convieybes ete Sem compromisso de demonstrar 0 que de ser adiantado, pode-se concluir que a mudanga de perspes permitir a saida dessa dificuldade, deve visar © que recobrem as nogdes de subjetividade, de crenca ou de opinido na sua relagio com a linguagem, isto é o que depende de uma teoria do efeite sujeito ¢ dos efeitos ideoldgicos. Antes de chegar a essa perspect examinaremos a problematica da pressuposigao na lingiistica at das formas especificas que cla toma nas correntes que foram contrapostas. 39 NOTAS " D, Lightfoot, “Les présupposés dans la grammairetransformationnell ? Bis, a titulo de exemplo, duas “defini da pressuposigio: “NOs reservamos 1 palavra pressupecicio para definir as representagses necesshrias ao ouvinte para ‘que 0 enunciado se integre @ uma comunicacio normal” (Ducrot: "Logique et Tinguistique, p18). “As pressuposigoes, ito 6, as convicgbes do locstor a propésito do unverso™ (Lightfoot, "Les présupposés dans la grammaire transformationnelle, p18), > Ctausine Normand, “Propositions et notes en vue d'una lecture de Ferdinand de Saussure" assim como Haroche, Henry e Pécheuy, "La sémantique et la coupure 41 CAPITULO I A PRESSUPOSICAO_NA TEORIA DA GRAMATICA' da pressuposigao na teoria da gramética est ada a uma critica ao modelo de gramética referido acima. Mais precisamente, o que se contestou no modelo definido por Chomsky em Aspects of theory of syntax € a possibilidade de separar 0 componente sintitico ¢ o componente semantico fazendo deste um componente puramente interpretative. No centro do debate c a nogio de restrigio de sclegao ligada a essa concepeao do componente seméntico, Convém portanto lembrar as, caractcristicas essenciais do modelo de gramética em ques A. gramética definida em Aspects por Chomsky deve cumprir dois objetivos: er capaz de fazer corresponder, por meio de um conjunto finito de regras formais, a qualquer representa de uma frase em um sistema de categorias for ou eventualmente varias descrigSes seménticas dessa frase em um sistema de categorias semanticas igualmente universais.. a3 b) dar conta das propriedades das frases (ambigitidade, relagio de sentido, independentes de qualquer contexto, gramaticalidade ou desvio em relagio se revelam a intuigio lingiistica imedia lingua. alidade) tais como a de todo sujeito que fala a A gramética deve, portanto, permitir a definigao, para uma frase julgada incorreta do ponto de vista da lingua, de quais so as, regras da gramética que foram infringidas, E assim que card que uma frase tal como: (1) * a mesa pensa em vock poss parecer incorreta porque o verbo pensar s6 pode ser adequadamente empregado com um sujeito animado. E preciso lembrar que o desvio em relagio & gramétiea no implica a impossibilidade de atribuigdo de sentido ou significagio a uma frase com essa caracteristica © objetivo de uma gramitica nao é dar conta do sentido on da significagaio das frases que podem © saber lingistico ou competéncia de todo sujeito falando uma Tingua, saber ou competéneia que the permita formular, a propésito de toda frase enunciavel, um julgamento que diga se essa frase € ou no correta, Isso nao significa que nio & possivel “comprecnder” as frases gramaticalmente incorretas. Inversamente, é possivel que frases gramaticalmente corretas sejam praticamente ‘ aso, em particular, das frases nas quais & eneaisad uma rekitiva etc. tal como « homem que vin a mulher que matou 0 cachorro que mordeu o guarda que pegow o ladrio que pegou o colar que the dew 0 home que ela encomrou que © guarda prendew na estrada que o cachorre ete, Voces conhecem a historia, A gramiatica, concebe Chomsky, deve poder dar conta de (ais fras praticamente clas no sto observaveis, pois sew carter mais ou menos “incompret gramatical " ndo & atribuido a uma incorregio fal gramitica nio pode ser exclusivamente fundada sobre a anilise de frases observaveis ¢, conseqiientemente, cla deve ser um disposi A distingio entre competéncia © desempenho permite dar conta do fato de que frases “incompreensiveis’ possam ser gramaticalmente corretas, ¢, inversamente, de que frases gramaticalmente incorretas possam ter um sentido ou uma significagio. O- sc a0 & do dominio do desempenho ¢ © papel do "contexto de situagio" na produgio © interpretagéo das frases sempre foi reconhecido, independente do contetido de seus termos. O mesmo ocorre com a representagao semdntica que pode ser associada a uma frase © que sb deve depender dessa frase. A representagio semintica deve responder a uma tinica fa: dar conta do fato de que, independentemente de toda cia a_um contexto, possa-se considerar duas frases formalmente diferentes — como semanticamente equivalentes ou, inversamente, que uma mesma frase possa ser interpretada de varias manciras. Nesse iiltimo caso, pelo menos dua semnticas distintas devem poder ser associa gramética, Assim a frase: (2) Eu vi ohomem com bindculo (J'ai vu Uhomme avec des jumelles) ja em que se pode compreender que alguém vin um homem através de um bindeulo ou que alguém viu um homem que usava binéculo. A gramitica deve associar a um: essa duas representagies set . Trata-se agora de saber em que nivel deve operar a diferenciagio dessas duas interpretagdes da frase. Isso no poderia ocorrer no nivel da representagio fonética (salvo se se considera que as duas interpretagdes sio diferenciadas por tragos prosédicos, no nivel dat acentuagio, o que parece ser o caso em ocorréncia), Frase como 45 Aspects & que essa diferenci componente sintético; © componente semanti interpretativo, ele associa para cada estrutura de frase definida no vel do componente sintitico uma e apenas uma representagio frases formalmente distintas vel de stia represent ideradas como nio diferencisveis no nivel da representagii ica, argumenta- que elas derivam de uma mesma estrutura sintitica de base pela aplicagio do que se chama uma fransformagao, que nao afetaria 4 interpretagao, no que ela depende da lingua. Considera-se em geral que isso ocorre, por exemplo, numa frase ativa e em sua forma passiva. Conseqientemente, é no nivel da estrut profunda (no sentido que acaba de ser tembs diferenciagao das representa E ‘© componer intitica do) que a operada. .¢ sentido que © componente sintitico aparece como agora vollarmos ao problema das _mis-formagdes gramaticais, vemos que estas podem ser de diversos tipos. Seja por provir de uma aplicagio incorreta das regeas que delinem a estrutura profunda, seja pela apli cestruturas profundas que nao admitem essas transformiagies ou de ‘uma aplicagdo incorreta dessas transformagoes. Resta um tereeiro tipo de mé-formacio: € aquele que apresenta uma frase t que serviu de exemplo acima, frase na qual um verbo que, gramaticalmente, 56 poderia ser empregado com um sujeito animado é empregado com um sujeito inanimado, & para dar conta desse tipo de mi-formagio que Chomsky introduziu a nogio de resirigao de selegao, O componente sintitico & tomado como definindo as seqiléneias constituidas de formants. gramaticais tais como N, V ete. a cada um dos quais esté ligado um stinbolo complexo Q, ele mesmo constituido por um conjunto de tragos tais como, para um substantive, comum, enumerdvel, —animada, Jumano ete. Uma tal seqiéncia & dita pré-terminal, A cada elemento de uma frase, ou mais exatamente de sua representagio io de transform: 46 fonética cujos elementos sao os formantes gramaticais anexado pelo Kéxico um simbolo complexo C aniilogo. a0 procedente, A representagio fonctica, munida desses.simbolos ‘complexos C, é chamada de seqiiGncia terminal. A gramatica associa a essa seqiiéncia terminal uma seqiiéncia pré-terminal, isto é, para cada formante lexical corresponde um formante gramatical. Existe uma regra gramatical que estipula que, se 0 simbolo da seqiiéncia {terminal nao € idéntico ao simbolo complexo Q do formante gramatical que Ihe corresponde na seqiiéncia pré-terminal, entiio a frase ¢ gramaticalmente malformada ¢ a mé-formagio resulta da violacio de uma restriga desenvolveremos aqui, Chomsky mostrou que no quadro de uina tal gramética a categoria do substantivo & dominante, do ponto de vista da relagio, sobre a do verbo © a do adjtivo. De tal modo au traduinse-ia pelo fato de que, na seqiéneiagramati 4 uma frase, 0 simbolo complexo correspondendo ao formante gramatical do verbo nao comportaria o trago sujeito animado que figuraria no simbolo complexo do formante lexical correspondente. Nao 1a representagao semantica. Na gram \gos de sclegio que compdem os simbolos complexos. so considerados como tragos sintdticos ¢ niio como tragos seminticos, A hipétese da natureza sintética dos tragos de sele nnforme a logica do modelo de gramatica com componente semintico interpretativo. Ocorre, contudo, que a posigio de Chomsky sobre esse ponto é apresentada em Aspects com muito mais prudéncia do ‘que de um modo geral adotamos. A possibilidade de uma retomada dda fungao das regras de sclegao pelo componente semantico esté af expressamente encarada, De um modo mais geral, Chomsky insistiu sobre 0 fato de que “a relagio entre regras sintéticas © regras seminticas nao é um assunto esgotado, permanecendo um leque de possibifidades que merecem um exame aprofundado"? Alem do ica na gran ¢ pode confundir os simbolos complexos C © Q com sa definida em Aspects, 0s ais a questio das relagies entre sintaxe © ver levantada, Ao dizer que os tragos de selegio sio de natureza si aa diferenciar 0 caso de fras violagio de uma regra de sek “incongruéncia puramente sem: 20 componente seméint semintica da ‘itica, Chomsky foi levado ja anomalia pode ser explicada pela do, daquelas que apresentam uma ica ou pragmatica’, que pertencem coe devem estar marcadas na representagio natureza das “incongruéncias é especificada, Ri e a isso uma outra aquela que diz. respy centre. "sistema sistema de conhecimento ou de erengas’. Segundo entre esses dois sistemas deve ser considerada ‘que separa semantica ¢ sintaxe, muito tempo, os dois ir de mancira obscura’? semintico” © Chomsky, a frontei como tio incerta quanto aqui pois, observa ele, "como jé notamos ha sistemas parecem interf Seja a frase: B) O homem que morreu ontem bate & porta. Qual a naturez seméntica ow pragm: gramitica? Pod responder a essas questes de maneira pragmética; se se pode rt cuja violagio lade de (3) € de frases semelhantes, entio ticularidade pertence a gramética © & competéncia lingiistica. E assim que procede Kuroda a propésito de um outro caso, aquele de: (A) Le professeur a épousé Paul.’ (A. professora casouse com Paul.) Essa frase levanta uma dificuldade para a teoria das restrigies de selegio. Com efeito, é preciso poder excliir frases como: (8) Pierre a épousé Paul. (Pierre casou-se com Paul.) 48 ‘A primeira solugao em que se pensa é a de introduzir no mbolo complexo anexado ao formante lexical que dé "casar-se” wm trago de sele¢io que imponha que 0 sujcito ¢ o objeto desse verbo sejam de géneros opostos. De fato, a oposigio, clissica na gramética francesa, entre género e sexo poderia aparecer como um argumento em favor da tese do cardter sintético dos tragos de selegdo. Infelizmente, essa restri¢ao exclui tanto (4) quanto (5). Para contornar a dificuldade, Kuroda propds a introdugio de uma transformagio de insergio lexical capaz de incluir na forma de base tragos semdnticos do tipo (+ masculino) ou (- masculino). No ‘caso de uma frase como (4), uma transformagao substituiria em um contexto como ..a épousé (casou-se) (+ maseulino) o traco (+ masculino) vinculado ao formante lexical correspondente a professor pelo trago (- masculino). Essa solugao, embora permanccendo no quadro de uma concepgio interpretativa do componente semantico, supde uma reestruturagio do modelo de gramética exposto em Aspecis. Ela sup6e uma intervengio do componente semantico no componente sintatico. Segundo Kurod poder-se-ia caracterizar sobre essa base os casos de pressuposi que pertencem a gramatica: 0 verbo épouser (casar) pressuporia tum sujeito ¢ um complemento de sexo (c nao de género) opostos, © que explicaria que em (4) interpreta-se “le professeur” como designando uma mulher ¢ ndo um homem. O mesmo tipo de solugio poderia valer para, por exemple, “le docteur’ ("o doutor’, ef nota (4) ) © mesmo, hi pouco tempo, para “le commissaire de police” (0 delegado de policia) pois 0 concurso acaba de ser aberto is mulheres. Contudo, essa solugio cria ainda um problema pois no permite excluir, por exemplo: (©) Le curé a épousé Paul. (O padre casou-se com Paul.) verdade que os casos em que a solucio nio & aplicével pertencem a uma lista fechada (que € preciso supor como revisavel como mostra 0 exemplo do delegado de policia). Seria entio suficiente indicar no léxieo os casos em que a transformagio de 49 substituigao do trago € ou nao aplicavel. A solugio aparece entio ‘muito pouco satisfat6ria do ponto de vista tebrieo pois, entre outras, coisas, cla fere seriamente o carater dedutivo da gramética. Ela torna, mesmo num caso ainda relativamente simples como este aqui, a fronteira entre "sistema scmintico" ¢ “sistema de crengas ¢ de conhecimentos" bem permedvel. Além disso, os problemas que acabam de ser levantados pem em evidéncia o liame que existe, se tipo de g € semintica © aquela que deve permitir a distingdo entre “sistema semintico" ¢ “sistema de erengas € de conhecimentos ramatica, entre a fronteira que deve separar sintaxe Parece haver uma solugio para sair desse impasse. Esta consistiria em dizer que a gramética deve comportar regras que permitam formar e analisar (4) assim como: (7) Marie casou-se com Paul. que nao € do dominio da gramética especificar em quais casos cessas regras se aplicam ou no, Ao introduzir uma distingio entre ‘sistema semintico” ¢ "sistema de crengas © de conhecimentos", Chomsky reconhece implicitamente que sua concepgao da gra abre lugar para um externo @ lingua na linguagem, para alguma ‘a que escaparia & universalidade que fundaria a competénci lingistica através da universalidade dos principios gerais sobre quais repousariam as regras da gramética, a universalidade da teor ¢ das catcgorias fonéticas, a universalidade enfim das categorias emiinticas pressuposta pela nocao de represent. além das divergéncias que podem aparecer na operacionalizagio, 0 projeto transformacionalista de gramtica procura empurrar para 0 mais longe possivel a fronteira entre o que na linguagem pertenceria 4 lingua © & competéncia lingiistica © © que constituiria o externo a lingua na Tinguagem. Tal projeto descavolve-se claborando uma concepgio da subjetividade individual representada pelas opinides, crengas, convi de uma forma de subjetividade universal andloga aqucla que representa a nogio de-sujeito episté~ ‘mico cm Piaget: "sob o sujeito individual, na sua consciéncia ¢ sua idcagio particular, € preciso considerar as estruturas das, o semantica, Para 50 coordenagées de agdes comuns a todos 0s sujeitos ¢ so essas coordenacdes gerais (psicobioligicas assim como mentais) que n6s, chamamos de 0 sujeito epistémico'® Essa “definigdo" do sujeito epistémico deve ser aproximada de uma daquclas que Chomsky prope para a competéncia lingiiistica: “parece claro que nds, devemos considerar a competGncia li mento de uma lingua — como um mpenho, sistema constituido pelas potencialmente infinito de frase que em cada desc tipo, isto é em cada gramética, “hi elementos s, Wdiossineréticos, que determinam uma lingua humana a, ¢ elementos universais gerais, condigdes que alingem a forma e a organizagio de toda lingua humana e que constituem 0 universal.” Havers, portant ts qu, soba forma de cada Hogua particular, € uma realizacio ¢, enfim, o nivel do desempenho sustentado por sua vez pelo segundo, o conhecimento da lingua. Cada um desses niveis & de possibilidade do seguinte e cada ais do que uma realizagao particula ‘Assim a base universal deve ser concebida como a base de todas linguas possiveis, existentes ou nao, passada, atual ou vindoura. Do mesmo modo, 0 desempenho s6 realiza muito parcialmente. a competéncia que necessariamente o sustenta, uma vex que cle 56 abranje um conjunto finito de frases, enquanto a competéncia des poder, potencialmente, estender-se a um conjunto infinito de frases, com 6 qual o individuo s6 se confronta de mancira pressentido como uma condi uum deles pressupée muito conhecimento. © experiéncia, afirmando que a organizacio do comportamento pressupée um conhecimento potencial que iri sempre muito além daquilo que a experigneia como tal pode encerrar® A nogio de subjetividade individual, mas, ao mesmo tempo, as bases universais inatas da competéncia lingtistica, sio ‘uma potencialidade de todo sujeito, contanto que esteja apto a falar. 51 E nesse sentido que se pode falar de uma forma de subjetividade universal, de um sujeito da competéncia lingbistica. Aqui, preciso lembrar que as duas concepgies da subjetividade que se acham como em confronto pressupdem u outra, ou, mais precisamente, que, se a teoria nos apresenta uma forma universal de subjetividade como condigao de possibilidade de existéncia da subjetividade individual, é na realidade o inverso, a saber, a hipétese individual, sua “evidéncia’, que torna necessaria a hipdtese racionalista de uma forma de subjetividade universal, no ‘50, de uma “esséncia da linguagem humana,” Em outros termos, € porque consideramos um sujeito fonte de comportamento, de conduta, de escolha, de decisaes, tendo opinides, conviegbes ete. que 0. problema’ das condigdes de possibilidade — desses, comportamentos, condutas ete... ma medida em que eles sio organizados, aparece sob a forma da existéncia de uma forma de subjetividade universal que representa as propriedades de rodo sujeito possivel, na medida em que ele é capaz de pensar ¢ falar. Assim, no é surpreendente que o que se apresenta como extern a lingua na lings ionado com opinides, conviegics, ali crengas etc, sada sujeito pode partilhar ou no. Para contornar as dificuldades com que se depara a realizagio do projeto de gramatica definido em Aspects — dificuldades que evoeamos apenas parcialmente — em vez de adotar uma solugio do tipo pragmitico como aquela exposta por Kuroda, foi proposto que se renuncie & separagdo entre sintaxe © semantica tal como cla foi definida, Comegamos argumentando como MeCawley” que os tragos de selegio nio sao de natureza sintitica, ‘mas seméntica, Chegamos a fazer da representagiio semdntica a estrutura mais profunda e dela derivar as estruturas sintiticas e as estruturas superficiais.” A introducio da nogio de pressuposigo na teoria da sgramatica foi inicialmente uma caracteristica daqutcles que viam nos fendmenos de pressuposicio uma prova conclusiva para ndo se. separar seméntica © sintaxe. Nessa perspectiva Lakoff" introduziu, relacionada com a nogdo de pressupo: , uma nogiio 52 ituta da de gramaticalidade relativa que ele propde como subs nogio de gramaticabilidade — claborada por Chomsky em Aspects Assim, segundo Lakoff, uma frase como: (8) 0 cachorro acha que 0 gato é mau. pressupde que os cachorros possam pensar. Se partilhamos essa opinido, a frase seré julgada gramatical, sendo cla seré declara agramatical. A nogio de gramaticabilidade esta portanto assujei a subjetividade individual, dependendo de crengas, 0} conviegies, conhecimentos etc... que cada um partilha oun mesmo modo frases tais como: (0) A terra gira ou (10) 0 ferro de passar pesa mais quente do que frio. seriam julgad maticais por um leitor pré-galileano ow pré~ relativista, Ocorre que LakolT insiste sobre o fato de que essa concepgio da gramaticabilidade no implica que 0 "saber lingiistico” nao possa ser separado do “conhecimento do mundo’ Ao contrario, segundo cle, os principios gerais que permititi emparelhar uma frase © as pressuposigoes que garantem sta gramaticabilidade fazem parte da competéncia linghistica € sao pantilhadas por todo sujeito que conhece a lingua. Um dos, argumentos mais fortes em favor dessa concepcao € a existén frases apresentando © que seria muito amplamente reconhecido como uma “contradigio". Seja a frase: (1) Ele for morto mas nao morreu. (ou ele foi mono mas -ndo esté morte.) of, uma tal contradigdo deve estar mareada na tica da frase. Segundo L representagao § 33 Consideremos a frase: (12) 0 ferro de passar é mais quente mas ele nao é mais pesado, Para um fisico que reconhece a validade da tcoria da relatividade, uma tal frase apresenta uma contradigao cuja natureza rio ¢ diferente da que aparece em (11). Contudo, para aqueles que nunca ouviram falar na relagio massa-energia, cla € perfcitamente banal. Parece portanto perigoso dizer que a contradigio de (11), assim como a de (12) para alguns, faz parte do seu “sentido inteinseco", para retomar os termos de Chomsky, Isso poe em evidéncia a relagao que existe entre a nogio de "contradigdo" como 6 usada aqui © uma teoria da enunciagio cujos principios dev. ser formulados, Essa mesma relagio, nés a reencontramos em um exemplo tratado pelo proprio Lakoff. Scguindo Searle, ele observa que, quando um juiz I& uma sentenga (como cada um poderia fa lo se, por exemplo, ela € divulgada em um jornal), ele realiza 0 que Searle chama de um aro de linguagem, isto é, um ato que s6 pode ser realizado por uma enunciagio dentro de certas eircunst no caso transformar um acusado em condenado. Por essas razics, Lakoff considera que a frase: (13) Mesmo nao sendo juiz, Jean leu a sentenca, condenando assim o homem & prisdo perpétua. comporta uma contradigio proveniente do fato de que 0 verbo condenar pressupie um sujeito que se considera com 0 poder de condenar. Ainda, segundo Lakotf, « pressuposigdo em questio deve poder ser mareada na representagio semintica da frase a fim de que a “contradigio" de (13) possa ser explicada. A teoria da tenunciagio que se acha aqui implicitamente introduzida na teoria da itica foi desenvolvida por Austin ¢ Searle. Ela sera longamente teoria da pressuposigao proposta esse filtimo aspecto das concep fo na teoria da gramati n observar que essa teoria da enunciagio pressupde um sujeito enunciador de tal modo que, embora ele si aparega com a nogio de pressuposis nte uma forma de subjetividade que se acha reintroduzida na gramética, contentemo-nos NOTAS " Lamento no ter tomado conhecimento no momento da redagio deste capitulo do estuda de Ryszard Zuber, La stuctre présuppositionnlle du langage, Pans, Dunod, 1972, Esse estado tray presses interessantes a respeto das relagdes ‘entre pressuposigio, constituintes © teansformagées. Por outto lado, 0 Teitor ‘encontrara informagdes complementares em uma série Je artigos recentemente radvridos: Chomsky, Questions de sémanique, Pars, Le Soul, 175. Enfim certos aspects *téenicos" da relagio entre proposiqBes relativas © pressuposigio so Ucsenvolvidos em Henry, "Constructions felatives et articulations discursives", Langages 37, masgo 1975. * Noam Chomsky, Aspets of the theory of syntax, p. 159. tug, p. 159. * a tradugio desta frase pordese a paniculaidade do francés com que jogs ‘avor para encetar sua dicusso sobre a necessiade de se exe frases com (5) Spierre eaou-s com Paul” eas possvs olugbes Jo problema. Le professeur apie 4 tanto part o mascuno como para o feminino em francis, Asim di-se tanto M. Ie professeurfte doctaur tex coro Me. le professeurfledoceurete.(N. da.) F Jean Piaget, “es problémes principaux de Pépistémologie des smathématiques’, pp. 56344 © Noam Chomsky, Le langage et a pensée,p. 106 id, p. 107. 8 sacho que se examinarmos o problema cssio da psicologia, o de dar conta {8 conhesimente humano, nio poderemos evitar o choque diante da enorme ‘isparidade entre conhecimento © experiénca, No caso Ja linguagem, entre a trata gerativa que exprime a competenetsinicial do loeutor e es dados magros edegencridos sobre os quais foi consteuida essa gramitica” Ibid. p. 15. ° i, p. 128 © MeCawiey, “The role of semantics ia grammar" " Exemplos de gramstica desse tipo so sobretudo propostos por Hutchins, ‘The generation of sync structures from a semantic base. 1 Ver David Lightfoot, “Les présupposés dans a grammaire transformationnelle™ 1 Georges Lakoff, "Presupposition and relative well-formedness" 37 CAPITULO II DA PRESSUPOSICAO LOGICA AO ATO DE LINGUAGEM Os contornos da nogio de pressuposi¢io utilizados na perspectiva das graméticas gerativas permanecem bastante imprecisos; cla escapa a uma apreensio intuitiva por ca roupagem que a encobre (cla é definida em relacio a certos tipos de mas-formagdes nao redutiveis pelas outras rege: gramitica). Com Ducrot, encontramos uma nogio. muito mais dirctamente interpretavel, 0 que evidentemente constitui uma vyantagem, pois isso di a ilusio de que se trata de alguma coisa de muito mais conereto, © portanto mais real, mas que pode, evidentemente, ser também uma armadilha, Ducrot perecbeu perfeitamente esse fato e parece-me que, percorrendo © conjunto dos trabalhos que ele publicou sobre a questéo na sua sucessio cronol6gica, a claboragio conceitual efetuada por ele sobre a pressuposi¢ao nao tem outra finalidade senio escapar das contradigées que nio deixam de surgir qizndo a representagio subjetiva da nogio torna-se prevalente. O ponto de 59 Ia de Duerot & a nogio formada no dominio da filosofia da linguagem (Frege, Strawson) em que cla tinha um econtetido te6rico, relacionado coma teoria da referéncia, ¢ em contrapartida um sentido “téenico" ligado questio do campo da negagio global de uma proposicéo complexa. E esse sentido "téenico questo quando Frege diz. que ney que esti em (14) Se o ferro fosse menos denso que a dgua ele flutuaria, wares no signilica negar ao mesmo tempo que o ferro se} denso que a agua, mas apenas ar entre a densidade rclativamente & agua © a propriedade de flutuar sobre a agua. E pelo menos 0 que ressalta da confrontagio com: de fato mais (13) E falso. que se 0 ferro fasse menos denso. que a digua ele fatuaia Por outro lado, a mesm anilise nao se aplica a: (16) 0 ferro é mais denso que a agua e nao jflutua, que, do ponto de vista da hidrostatiea, é uma pardfrase de (14). Em outras palavras, (16) ndo se comporta do mesmo modo que (14) ante a negagio global como mostra a confrontagio com: (17) E falso que 0 ferro seja mais denso que a agua e que ele nao flutue. Frege analisa esse fendmeno dizendo que a subordinagio cm (14) implica uma dependéncia entre as duas partes da proposigio que explica por que nao se pode substituir a proposi introduzida por subordinagdo por uma outra propos mesmo valor verdade como em: (18) Se 0 ferro nao fosse oxiddvel ele fluwaria. 60 Essa dependéncia nao existe na “pardfrase’ (16) uma vez que se pode fazer a substituigio sem mudar 0 valor verdade da proposicio global (19) O ferro é oridavel ¢ ele nao flutua, Dir-se-4, portanto, para designar essa dependéncia, que (14) pressupde que o ferro seja de fato mais denso que a agua. Ducrot apossou-se em um primeiro momento do sentido Genco" da nogio de pressuposicio, mantendo antes de tudo 0 critério da negagéo como meio para por em evidéncia a necessidade de distinguir em um enunciado o que cle pressupSe daquilo que ele pide. Esse sentido “téenico” foi provisoriamente destacado do contetido teérico que & a contraparte na tcoria da referéncia em Froge ¢ Strawson. Esse contetido te6rico foi substituido por uma definicio inicialmente muito frouxa de pressuposigio. Apoiando-se na idéia de que 0 que proibe (18) © autoriza (14) € 0 fato de percebermos um liame entre 0 contetido das duas partes de (14), liame que esté de acordo com a dependéncia marcada pela , enguanto em (18) ele nao existe, Donde uma das primeiras definigoes: "Nés reservamos a palavra ‘pressuposi¢go’ para designar as representagdes nccessérias ao ouvinte para que 0 enunciado integre-se a uma comunicagao normal’.' Uma tal evidentemente muito mais ampla ¢ ni vio se enquadra no io, Além do mais ela faz. do reconhecimento dos pressupostos pelo ouvinte uma condicéo do emprego normal de um enunciado, enquanto 0 contedido da pressuposigio parece que nfo deve necessariamente ser admitido pelo ouvinte mas fazer 0 papel de hipdtese ou de posigdo a partir da qual o locutor enuncia alguma coisa. Assim, (20) E a crise do petréleo que torna necessério 0 bloqueio dos salérios. que pressupGe que um bloqueio dos salirios € (em qualquer situagio) necessério ¢ enuncia que a causa dessa necessidade ¢ a 61 crise atual do petroleo, inscre-se muito bem em uma comunicagio normal sem que a necessidade desse bloqueio seja admitida por uunanimidade. Caminhamos assim para uma nova definigao que deixa de fazer dos pressupostos condigdes de emprego normal de um enunciado para transformé-los em elementos do seu contetdo que tém um modo dc apresentagio especifico, ligado a0 seu comportamento na negacio (como, alids, na interrogagio © no encadeamento).* Essa passagem, & preciso frisar, é realizada sobre da interpretagio da nocdo, reconstituida a partir do seu enico’, em um modelo da comunicagio, ¢ nao sobre o lo da teoria (aquela da referéneia em Frege enquanto légico) em que cla tinka sido investida do seu contetido teérico inicial, io € de se cstranhar que essa passagem seja acompanhada de uma dissociagio. completa entre referencia e pressuposigao, operada também, evidentemente, sobre o terreno da interpretacio. Esse ponto é fundamental para 0 prosseguimento de andlise; também estamos obrigados, a qualquer preco, a fazer uma digressio que considere a relagio entre. pressuposica referéncia em Frege. 1 A claboracdo conecitual da nogio de pressuposigio em Frege faz parte do projeto de constituigio de uma Begriffishrift, isto é de uma conceitografa, destinada a remediar as imperfeigses da linguagem natural (Sprache), ficando entendido que Frege rofere-se expressamente sobre esse ponto a Leibniz e a idgia de que basta ter uma boa linguagem para que nao seja mais possivel dizer ou escrever algo que nao seja bem pensado ¢, portanto, suscetivel de ser reconhecido como verdadeiro ou falso, Acessoriamente, 0 trabalho de construgdo de uma tal conceitografia, se nao permite climinar as imperfeigdes da linguagem otdindria, permite, pelo menos, como veremos, dissolvé-las, devolvendo’ assim a. cx linguagem um ar de credibilidade no scu uso controlado. 6 nccessirio que um mesmo ‘maneiras, que nio fosse para poder eserever que, em um tridngulo ‘ABC, a intersegio das medianas oriundas de A e de B ¢ das, medianas oriundas de B € C so um tinico ¢ mesmo "objeto". Na terminologia de Frege, dir-se-A que se trata de nomes com sentido diferente tendo mesma referéncia. Isso posto, Frege considera que 0s erros légicos provenientes do fato de que expresses com a iparGncia de nome proprio nao tenham referéncia io menos perigosos que os provenientes da ambigiidade das expressbes denunciadas por todos os livros de légica. A utilizacdo de expressies tais como a "Vontade do povo" pode conduzir a abusos demagogicos ic estabelecer que em nenhum sentido essa expresso tem referéncia reconhecida’? Portanto, uma cconceitografia deve ser tal que “cada expresso gramaticalmente bem construida, como um nome proprio, pela introduzir novos signos, como os nomes préprios, sem que se tenba assegurado que eles tém mesmo uma referencia’ ia deve ser tal Por outro lado, ja o dissemos, a conceitogr que toda proposigio possa ser dita verdadcira ou falsa, Frege transporta essa exigéneia para a preéedente, dizendo que uma proposigio, do ponto de vista légieo, ndo passa de uma mancira de nomear 0 verdadeiro e 0 falso, Donde a idéia de considcrar todas, as proposigdes como expressdes de sentido diferente, como nomes diferentes, tendo por referéncia ou "Verdadciro" ou "Falso". Se se a essa maneira de considerar as proposigées no introduz dificuldades particulares, cla cchega mesmo a apresentar sGrias vantagens. E necessério acrescentar ainda que Frege precisa que uma tal cxigéncia s6 tem razdo de ser quando ha interesse pelo conhecimento pois podemos considerar outros niveis da linguagem, particularmente a fieedo, na {qual a questio da verdade ou da falsidade das proposigées no tem sentido, uma vez que esse uso da linguagem néo visa 0 conhecimento mas apenas as representagdes ow sentimentos despertados. pelo sentido das proposigies ou, ainda, "as belas 8 sonoridades da lingua’. © problema é que, se as linguas devem tomar possivel a ficgdo, clas abrem, pelo mesmo movimento, 0 caminho para a demagogia (ter escolhido como ilustragio “a vontade do povo’, isto é, uma nog&o que concerne a politica, no € evidentemente um acaso) ¢, do ponto de vista do conhecimento, 20 erro € a ilusio. A esse respeito, a "linguagem ordinaria sofre deste defeito de com cla podermos formar expresses que, do ponto de a da forma gramatical, parecem determinadas e adequadas para designar um objeto, enquanto, em certos casos, essa determinagéo falha pois depende da verdade de uma proposicio’? Para Frege, fessasproposigSes no esto verdadeiramente contidas nas proposigSes em que aparecem as expresses gramaticais referenciais correspondentes, que so apenas vorausgesetzt por estas, isto 6, instituidas antes, preestabelecidas, ou ainda, como de um modo geral se tem traduzido, pressupostas. _ Do que precede, conclui-se que € para explicar porque a Tinguagem ordiniria ¢ feita de modo que, do ponto de vista do ‘conhccimento, seu emprego possa conduzir ao erro, a ilusio ou A demagogia que Frege introduz a nogio de pressuposigio. Ela caracteriza, do ponto de vista do conhecimento, o estatuto das expressdes gramaticalmente referenciais com relagio ao es niomes préprios. Quanto a estes tli fato de eles terem ou nio uma refer nio pode depender de modo algum da verdade de um pensamento’.® Enfim, expressies gramaticalmente referenciais e nomes préprios opdem-se na medida em que, para as prim depende da verdade de um pensamento enquanto, para os iltimos, cla s6 repousa sobre uma forma de evidéncia, Para Frege, "a vontade do povo" nio tem referén fem questo ndo é identifiedvel com a evidéncia subj individual (a qual poderia na sua singularidade proceder dail mas sobre um tipo de eonsenso, Isso nos leva a considerar, junto do sentido ¢ da referencia, 0 terceiro termo da teoria da signilicagio em Frege, a saber a representagdo (Vorstellung). tid Frege convida-nos com efeito a distinguir, além do s da referdneia de um signo, 0 que ele chama de sua representa que & a forma subjetiva individual da significagio. Enquanto 0 sentido de um signo pode ser “a propricdade comum de varios idividuos" ¢, por isso, ele néo faz parte "do modo da alma *, a representagio deve ser sempre “atribuida a alg * Dois individuos no podem nunca, efetivamente, ter a representagio de um mesmo objeto ¢, ainda que seja as vezes possivel apontar semethangas entre essas representagdes, a ‘compuragio néo pode ser rigorosa, pois ‘seria impossivel reunir as representagSes na mesma conscincia’.® Convém aqui examinar mais minuciosamente como Frege irredutivelmente individual da representagio, pois af reside um dos seus pontos fracos. Ele s6 dt maiores detalhes sobre 0 que entende por representagio nos casos em que o signo pode denotar “um objeto perceptivel pelo sentido’. Nao exclu, contudo, que se possa falar de representagies evocadas por um signo que nao teria essa particularidade (ele eonsidera 0 caso do nome proprio Bucéphale) e tampouco exclui que as expressdes referenciais desprovidas de fato de referencia possam dar lugar & representacao. Nesses casos, diz apenas que “um pintor, um € um naturalista ligardo sem divida representagdes bem diferentes a0 nome ‘Bucéphale”.” No caso em que 0 signo denota um objeto perceptivel, a variedade interindividual da representacio € conccbida como sendo de natureza psicoldgica. Frege esboca uma psicologia da pereepgio de sua ligagdo com as intuigdes © as representagoes, que faz, intervir as impressdes sensiveis ¢ as a is ou externas que thes respondem, bem como as marcas deixadas na alma por aquclas cis, Se nos referimos a essa psicologia da representa es, a variabilidade interindividual i pode (er outro fundamento séndo a variabilidade interindividual das, ‘ages internas ou externas que respondem as impresses sonsivei isto ¢, afinal, a individualidade irredutivel dos processos do pensamento. Cada individuo reage a seu modo ao mundo sensivel; diante de um objeto pereeptivel cada um forma sua representagio essencialmente irredutivel a de qualquer outro individuo; cada signo 65 evoca na mente do ouvinte uma repr comparada a de nenhum outro indi Oeorre que o se tem uma, sio propriedades nao distingue a repr io do sentido © da referencia. Ma sobre 0 que pode fundar-se essa nio-individuatidade do sentido ¢ da referencia? Certamente nio é — dado 0 que ocorre com a representagdes — sobre a singularidade empitica do objeto denotado, quando o signo pode denotar um objeto material, Quanto ao sentido, Frege indica duas bases distintas da nfo-individualidade. Primeiro 0 fato de que ‘nao se podera negar que a humanidade ;possti um {esouro comum de pensamento que se transmite de uma geragio a outea’.” Em segundo lugar a idgia de que "o sentido de ‘um nome proprio & dado a quem quer que conhega suficientemente a lingua ou o conjunto das designagdes de que ele faz parte”." A igacdo entre essas das bases da nio-individualidade do sentido — thesaurus de pensamentos, comum a todas as geragées conhecimento da lingua ou dos conjuntos de significa permanece contudo obscura, Quanto a referéncia, ela é sariamente ndo-individual, assim como o sentido, porque a 0 entre 0 signo, seu sentido e sta refer ndo se pode di nio-individualidade da refercneia decorra da nio-individualidade do sentido, pois varios sentidos, distintos podem corresponder & mesma referéncia. A originalidade a tcoria da significacdo em Frege deve-se ao fato de cle recusar-se a considerar que 0 sentido denominador comum das proceda de sta Higagio das concepgdes empiristas; principalmente, € possivel reduzir ao tridngulo de Ogden ¢ Richards o sistema dos Gs termos: refertneia, sentido © representagio. Na aust outras bases as conseqii relagoes entre sentido e referéneia permanecem misteriosas © que, para os nomes proprios sobre os quais afinal de contas tudo 66 neia de uma referéneia e sua identificagio s6 repousa, a exis podem ser justificadas invocando um const coria da significago em Frege deve ser fio das ligagdes entre conhecimento ¢ (0, que se baseia na idéia de que & apenas na ¢ pela linguagem que aqucle ¢ esta se misturam, porque as Knguas so feitas de tal forma que € possivel construir expressbes tendo gramaticalmente (isto é do ponto de vista da linguagem © do sentido) valor refercncial enquanto nada garante que clas tenham de flo uma referéncia, E, com efeito, somente se se reduz unicamente aos. nomes proprios a rel cia que se pode coneeber que uma conceitogts mento a0 abrigo da ilusio ou possa ser, para palavras, uma Tinguagem do pensamento cognoseitivo, uma vez que cla é de tal modo organizada que “cada expressio gramaticalmente bem construida, como um nome proprio, pelt ajuda de signos jé introduzidos, tem necessariamente uma rel de tal forma Essa dificuldade da jonada com sua concep que "no soja possivel a introdugio de novos signos como nomes proprios sem que se esteja seguro de que cles tém mesmo uma m resumo, a nogio de pressuposigio em Frege insepardvel do papel fundamental atribuido aos nomes proprios no uuso da linguagem visando © conhecimento quando se conecbe que na ¢ pela finguagem. cesta $6 se mistura ao erro ow a ilusd Se voltarmos agora ao trabalho de elaboragio conecitual efetuado por Ducrot sobre a presstiposigao, ncle poderemos distinguir por comodidade trés tempos. Primeiro tempo (de qui demos conta): retomada da nogao de pressuposiglo a partir do sentido "téenico”(ligado ao fendmeno da negacio) ¢ reinterpret dessa nogio no quadro de um modelo da comunicacio essiria a0 ouvinte para que o enunciado integre: 0 normal). Segundo temp precedente que faz da verdade das pressuposigies urna or condigio para o emprego normal dos enunciados." Essa critica apresenta-se inicialmente sob a forma de um questionamento do trabalho de Frege considerado como o representaate dessa tese. A. critica comporta dois aspectos; um aspecto teérico que mos parece pouco perlinente, pois passa a0 largo do conteido tedrico da nogio de Frege, © um aspecto “téenico” que pie em primeiro plano 0 critério da negagi ceiro tempo: reconhecimento da insuficiéneia do sentido “técnico™ para dar um fundamento tanto tedrico quanto analitico (na produgio da anilise semintiea dos ccnunciados) & nogio de pressuposicio © desenvolvimento de uma teoria das 0, suscetivel de responder uundo tempo antes de pasar ao Cereciro que & aqucle em que intervém as nogives dle alos © jogos de linguagem, Antes de abrir caminho para nossa necessiria digressio sobre a teoria da significagio em Frege, base da teoria Iégica da pressuposigie, dissemos que a transformagio a que Ducrot submetew sta: prim: io da nog em conta o contetido te6rico inicial desta, valorizando, antes de tudo, seu aspecto “é E isso que precisamos agora justificar antes de tirar as conseqiiéneias, sobretudo porque essa op como acabamos de dizer ao delinirmos 0 segu expediente de Ducrot, & apresentada como uma comportando dois aspectos: um te6rico e outro téenico, Comecemos pelo aspecto te6rico. Enquanto Frege insiste sobre o fato de que a cexisténcia de uma referéncia s6 tem interesse quando se busca 0 conhecimento porque ‘para conhee: considera, entretanto, que sua coneepeao da pressuposigaio implica que os enunciados cujos pressupostos no sio verdadciros sio, de fra muito geral, “logicamente inavalidveis". Toda questi © que quer dizer "logicamente inavaliével". Para Frege significa apenas que tais enunciados nao tém valor, ou pior, podem causar erro ow ilusio, do ponto de vista do conhecimento ou da ciéncia. Nao & portanto nada surpreendente que, como observou trawson," 0 uso da palavra falso em Frege — no que toca a 68 ao uso que E verdade nogio de pressuposigio — no corresponda habituaimente se faz dela na "Tinguagem ordinar também que, como diz Ducrot, 0 logico que adota a tese segundo a qual um caunciado cujos pressupostos sao falsos & logicamente lidvel, “constr6i muito mais um conceito de falsidade do que Isso supde, entretanto, que inavaliavel” ou, se desereve um conecito preexistent se chegue ao conecito de preferirmos, ao de decidibilidade, Mas o que acontece com esse coneeito de falso rei I de se revelar a “intuigao lingitistica imediata’, como esereve Ducrot, desse conceito que bastaria ser descrito © no produzido? Nos, pessvalmente, contestomos formalmente que se possa falar de um conccito preexistente de falsoc que estaria em ago na linguagem em geral. Voltaremos a esse ponto, pois o que diz aqui Ducrot a respeito da palavra filso vale para ele = de um modo geral — para qualquer palavra na qual reconhega uma significagao literal, imediatamente apreensivel. bamos de ve ito da critica a0 uso © que a prop palavra falso em Frege ¢ do sentido a dar & tese segundo a qual a verdade dos pressupostos 6 uma condigio da avaliahilidade ligica ease, de uma mancira mais geral, a idGia segundo a qual Frege seria 0 campedo da concepgio que assimila 1s pressupostos as condigies de emprego normal dos enunciados © no aos elementos do scu conteado. Do ponto de vista da problemitica de Frege, "emprego normal” nao tem muito sentido; & preciso eselarecer de que uso se trata, Por outro lado, a posigio ege quanto a saber se os pressupastos fazem ow ndio parte do contéudo dos enunciados (do seu sentido, na sta terminologia) &, apesar do que ele diz quando introduz & palavra vorausgesetzt, muito mais sutil do que sugere Ducrot: & questo nio € erucial do scu ponto de vista, Mais especificamente, as perspectivas de Ducrot c de Frege sio radicalmente diferentes do ponto de vista te6rico, Frege nao procura, como o pretende abusivamente Ducrot, na linguagem, ele quer apenas definir wn uso légico da linguagem (logico significando aqui adequado para 0 conhecimento © para a 09 cigneia). Ducrot, a0 conteirio, procura que seria a0 mesmo tempo uma semi pressupde que uma tal Logica exista, @ que inguagem wna lox © empreendime: 0 nos parcee evidente Do que foi dito acima, conclui-se, como haviamos nciado, que mesmo admitindo que as eriticas feitas a Frege, por Ducrot, sobre 0 plano (e6rico no so radicalmente incompativeis com a problemética de Frege e que, levando-se em conta as contradigées © 08 pontos obseuros que a sua formulagio mostra, a passa na sua essneia ao largo da problemtica em questio — como aliés as criticas formuladas por Strawson © por Russel. Agora, se ndo nos esquecenins de que Duerot busca uma ligica na finguagem, compreendemos melhor por que a nogio de pressuposigio em Frege the que € limitada a certos usos d a nogio de pressuposigio, Duerot baseia essa nogao tem em Frege, liguda 8 questo da negagio, Isso levou Duerot a duvidar da ligagao entre pressuposigio e relerGacin Sobee esse ponto, notar-se-4 inicialmente que niio hi evidéncia de que essa ligagiio seja assim tio estreita em Frege como se tem dito, ji que ele mosira qual a relagio existente entre 6 funcionamento das expressdes ditas referencias e, por exemplo, o funcionamento das subordinadas eondigionais, como em: cee restritiva demais, na medida em Tinguagem. Para estender portanto ¢ no sentido "téenico" que (21) Se Pierre tivesse partide, Jean teria voltado, A critica de Ducrot no esta entectanto ai; ela contesta 0 Iratamento diferencial aplicado aos dois tipos de relativas, as restritivas © as deseritivas explicativas. Para Frege, quando Tunciona como deseritiva, a rel io introdwz pressupostos, Ele toma como exemplo de descritiva 0 caso em que a relative refere-se um nome proprio como em: (22) Jean, que sabe que Pierre esti aqui, néo vind _ Frege considera que, do ponto de vista da pressuposi no hi diferenca entre esse enunciado e 0 seguinte wD (23) Jean sabe que Pierre estd aqui € nao vird, Para Ducrot, ao contririo, a aplicagio do eritério da negagdo permite distinguir cm (22) 0 que esse enunciado wressupde” (que Pierre ui) do que ele “poc* (que Jean nio vird), Paroce-nos que essa conclusio é um pouco apressada © que cla s6 se bascia sobre uma “intuigio lingiistica", que alids nada permite just Pode-se, particularmente, observar que 0 cenunciado: (24) E falso que Jean, que sabe que Pierre esti aqui, 6 freqicntemente julgado malformado c é interpretado de maneira 9 ocorre quando a relativa € restritiva). Esse aio G entretanto um argumento suficiente. Para maior clareza, € itil considerar 0s casos. em que 0 estatuto da relativa & ambiguo. Seja por exemplo: (25) Os sindicatos que defendem os trabathadores conclamam a greve nciras dil Esse enunciado ¢ interpretado de dus 1 se se considera que todos os sindicatos defendem os trabalhadores (de fato ou por definigao) e portanto também conclamam & greve, ‘ou que unicamente certos sindicatos conelamam & grove, aqueles, precisamente que defendem os trabalhadores, enquanto 0s outros de fato nao os defendem, mente, constata-se que a interpretagio de um da “opin” de cada um do que ct de virgulas ou de uma entonagio Experiment: tal cnunciado depend presenga ou da ausén caracteristica, Além do 1 lis no cnunciado: (26) E falso que os sindicatas que defendem — os trabalhadores conclanem a greve n arelativa imente interpretada como uma r que seja a entona apesar de se en ainda decisive. A questio é saber se a diferenga funcionamentos da relativa deve-se ao fato de que uma pressupse © contetide da relativa © no a outra ow ainda a outea coi ceselarecer um pouco mais essa questo, & nas quais uma relativa pode func caso dos nomes proprios, ha duas outras possibilidades. A primeira & aqucla cm que a idemtificagio da referéncia independentemente do contetdo da relativa. E 9 tiva qualquer undo argume: re os dois 0, por exemplo, (21) O menino que voce viu ontem, que veio me ver, estd de nove aqui. Em tal enun chan fancione como uma deseritiva sind condigées nas quais as duas rela papel portanto que sio as con muneiado que determi como ja foi visto em (25). A segunda possibilidade de funcionamento, deseritive da relativa € aqucka em que o contetido dest peopriedade geral daquilo rat alla que ela se ref de emprego. do im o fuacionamento efetivo da rel pode ser considerado Wo peo grupo (28) Os edes, que sto animais, podem ser domesti« cados. pois & pouco provivel que esse enuneiado seja interpretado como se ele se apli uma espécie particular de cies, os que sio animais, © no aos outros, Se é assim, € porque a animalidade & uma propricdade geralmente reconhecida nos cies. A segunda possibilidade de haver um funcionamento deseritiva da relativa no n faz apenas intervir portanto as condigdes de emprego desta, mas 0 proprio contetido desse enunciado: & preciso que as propricdades ccnunciadas, via relativa, possam parecer como sendo propricdades universalmente reconhecidas. De que tipo de propriedades pode se a no ser daquclas que procedem de conhecimentos jentificos ou daquilo que se mostra come tal, isto é, propricdades consideradas como fazendo parte da natureza dos objetos designados (como a animalidade do io)? Nossa andilise mostra que o modo de funcionamento das no & uma propriedade intrinseca aos enunciados nos quiais tuparecem, mas que cle pode depender do que chamaremos de ‘agora_em diante de as condigdes de funcionamento dese tenunciados. Isso nos permite precisar 0 peso tebrico da discussao sobre a relagio entre © modo de funcionamento das relativas © a imitimos com Frege que € apenas no e4so em que relativa funciona sobre 0 modo resteitive que hi pressuposigii, entio somos necessariamente conduzidos i conclusio de que a existéncia on a ndo-esisténcia de lais pressupostos pode depender de suas condigies de funcionament © nie apenas do centnciado tomado isokidamente, Nao € indiferente dizer que os pressupostos fizem parte das condigdes de emprego, pois isso s6 em sentido se se considera que de toda mancira o cnunciado comporta pressupostes. Se admitinios que a presenga de virgulas ou de uma entonagio caracteristiea € interpretada de mancira varivel, ulmitimos ainda que o critério di negagio nie fornece um argumento, permitindo estabelecer ineontestavelmente que os enunciados. em que uma rekuiva funciona como deseritiva comportim uma pressuposigéo ligada a essa relat io podemos exeluir scm uma justificativa que a presenga de uma de uma propriedade sintitica da frase, seja somente uma condigao necessiria © condigio suf hhaja pressuposigio no enunciado, Pelo menos nesse caso torna-se Fa presenga de uma pressuposicio como um possivel consider B precisamente o que quel no pode apoiar-se uni tornando-se 1 negar Ducrot, Acontece que essa posigio jente sobre o sentido t a intervengio de uma teoria das relagies entre lingua ¢ discurso, O proprio Ducrot reconhece que as regras dle negagiio, de interrogacio e encadeamento que Ihe serviraim para a necessidade de se distinguir 0 que um enunciado pie do que ele pressupse “nia poderiam constituir um procedi descoberta que produziria, imediatamente, vento de lises lingiisticas de detalhe™™ © que, se esas regras necessdrias para que um enunciado sej a rigor, condigées, considerade 6 pressuposto, seria muito perigoso considerd-las como condigies sulicientes’.” E preciso portanto introduzir 0 tereciro tempo do trabalho de claboragio conceitual da nogio de pressuposi realizado por Ducrot. Iv A nogio de pressuposigdo em Ducrot faz parte de projeto teérico que visa por em evidéncia a existén Togica na lingua enquanto, geralmente, as ligagies da layica e da Hinguagom so coneebides como sendo de naturezaexclusivamente Essa logica da lingua, que & também concebida como tuma scméntica, é assimilada, ver-se-4, as regras do jogo instituindo 'S entre individuos na finguagem, Nesse sentido elt ria também uma psicologia social da lingua. EE por isso ‘ma que "0 fendmeno da pressuposigao (..) provoca ‘© aparccimento no interior da lingua de todo um dispositive de convengies c de leis, que deve ser compreendido como um quadro institu gulando 0 debate dos individuos'."* Noutro lugar ¢ levamos em consideragio 0 fendmeno da pressuposigio, ¢ se definimo-lo, a0 nosso modo, como um poder Juridico dado ao locutor sobre 0 destinatério, é preciso entio que a agio dos interlocuto um, feito acidem ‘ na propria organizagio da lingua’ ele acresce , conseqitentemente, & em mais que um simples instrumento para comunicar scrito na sintaxe ¢ ao Léxico todo lingua 6 informagies", que “ela comport tum cédigo das relagies humana: nos de que Duerot ‘As cilagées que precedem lembram assenta sua concepgio da pressuposigao, enquanto forma de mplicito, sobre uma critica da assimilagio da lingua a um c6digo, instrumento da comunicagio ou meio de manifestar o pensamento por simbolos que o tornam acessivel. Mais precisamente, sc no & possivel considerar que a lingua & um ebdigo, é que esse modo de representagao nio deixa nenhum lugar para a necessidade tanto ‘quanto social de uma forma consciente de implicito que e, poder se manifestar na ¢ pela linguagem. Ai para ele o papel da pressuposigio. De uma certa mancira, pode-se dizer que Ducrot vira pelo 0 0 problema de Frege. Este dltimo procura liberar a m da ilusio ¢ da demagogia que neta se imiscuem devido la linguagem ordiniria, Duerot, ao contritio, parte da idgia de que existe uma necessidade ao mesmo tempo icolbgica de ilusio ¢ demagogia, conscicntemente desejadas, para fazer a hipdtese de que a lingua deva necessariamente ser tal que torne possivel essa produgio voluntaria de ilusiio ¢ de demagogi E porisso que Duerot eshoga uma teoria da persuasso e da influgncia ‘social que no deixt “de ter rekagio com a_ dos tratar essa questo, Parte da idgia de ontradito"e que, portanto,"ni0 se psicessocilogos que quien que "tudo 0 que é dito pode poderia anunciar uma opiniio ou um desejo sem expé-los, pelo as eventuais objegdes dos interlocutore cessirio "para toda crenga fundamental, quer se e de uma ideologia social ou de um ponto de vista (parti pris) pessoal, encontrar, se ela se exprime, um meio de expresso que io a exponha, que no a transforme num objeto determinavel © portanto contestavel’. Acrescenta que ess crenga tem contra sua “principal forga, © no seu perpétuo (re)dizer"2! E necessidade de se exprimir porque stia principal fonte de evidén 15 preciso portanto poder di + sem ter dito, exprimir efetivamente certos contetidos (erengas, ponto de vista pessoal ow ideologia social) sem para tanto poder ser obrigado a reeonheeer que os cexprimimos voluntariamente, Seria entio previso nio apenas poder F os conteados — isso & necessério para que cles sejam cfetivamente expressos — mas também que cles possam ser wos de tal mancira que a responsabilidade de (@-los exprimido nao possa ser imputavel ao loculor. Em outros termos, seria preciso que na manilestagio voluntéria desses contetidos fosse apagada sua ligagio com o sujeito da enunciagio, Mais exitamente, seria preciso conceber um processo de desdabramento do sujeito da enunciagde, um desses sujeitos sendo identificado ao locutor © considerado como {vel pelos contetidos formulades, 0 outro, © duplo do primeire, no sendo mais identificado ao loculor fomando, por esse fato, 0 estatuto de sujeito universal, Compreender-se-ia entio que os contedidos vineulados a esse segundo sujeito da enunciagao parccem investidos dessa especie de evidéncin que € 0 atributo do sujeito dito universal, sujeito da cigneia ou daquilo que se mostra como tal Introduzindo @ proceso de desdobramento do sujeito da cnunciasio cujos principios acabamos de indicar, nds si pensamos, em dar uma base (eérica para aquilo que’ de outro’ modo permanceeria bastante misterioso, a saber, 0 porque da elie seonhecida pelo proprio Ducrot, do modo de apresentagio a dos conteddos, que constitui a pressuposigio. Ebvo, entretante, qt io esse processo nis introduzimos elementos sdrieos que no aparccem na anilise de Duerot ¢ que nio provém mais da teoria psicossocioligica da persuasio e da influéncia, mas da teoria com que se devem relacionar os canccitos de sujeito universal © de (eoria das ideologias © das formas de existéncia da subjetividade. Nao é nessa diregio que se tencaminhou Ducrot, pois seu objetivo é mostrar que a pressuposigao E de nalureza lingitstica, o que significa que os pressupostos devam set considerados como fazendo parte da significagio literal dos cnunciados. E af que intervém a distingio fundamental no quadro de sua problematica dos pressupostos ¢ dos subentendidos, espe lentificagio, a saber, 1 dio entre pressupostos ¢ subentendidos, tal como Ja por Ducroi, repousa sobre uma primeira distingio ies que podem estar asso io. entre significagto literal & distingio € superposta cla 6 produ ‘opcrada no conjunto das si a um enunciado: a dis significagdo —ndo-literal, ‘uma segunda, a do imp! teérica de Ducrot em relagio aos seus predecessores se reduz a formular que, uma vez essas duas distingbes admit 0 Se recortam, de tal modo que as associadas a um ‘enunciado podem ser repartidas om quatro categorias definidas pelo quadro abaixo: plicito explicito literal pressupostos postos o-literal subentendidos conclusdes nceessirias Vimos sobre 0 que se assenta a distingio do implicito ¢ do explicito: sobre a necessidade tanto psicol6gica quanto social de recorrer ao implicito, O resto repousa sobre a oposigio do literal ¢ do nio-literal, E precisamente essa distingao que Ducrot identifica com a da lingua ¢ do discurso. Ao fazé-lo, cle confere a essa um conteiido teérieo que, ainda que amarrado a concepgies anteriores dessa ligacio, ndo deixa por isso de requerer discussio, justamente pelo que essas concepgdes implicam do ponto de vista da tcoria da significagio. Vollaremos a esse_ponto, portanto, depois de cxaminarmos sobre 0 que Ducrot funda a distingio do literal © do nao-literal De imediato, a distingio em questio aparece_como problematica, ao mesmo tempo pressuposta e exigindo justitical ‘A distingio € pressuposta quando se diz que para apreender 0 implicito da_pressuposigio, considerada como lazendo parte da n significagio literal, nccessirio nenhum expediente ligicw ow psivologico de natureza diversa dos mecanismos utilizados. para comprecnder as. significag Ss lingiifsticas mais clementares’s caquanto © mesmo no aconteceria com as signifieagées que podem estar discursivamente associadas a um enunciado. A distingao sinda pressuposta quando se diz que a relagio de um enunciado com as signilicagies literais € uma relagio imediata © estivel. O imediatismo dessa relago poe em jogo a relagao do sujeito com © cnunciado © com a lingua. Por essa via, tem-se a hipotese de que uma parte extdvel (isto 6, independente dos sujeitos se mostrar para “quem quer que conhega sulicientem; (para_retomar os termes de uscetivel de te a lingus Frege) ou ainda de se revelar “a intuicdo imediata’ (para retomar dessa vez os termos do proprio Duerot). Desse modo esti justificado 0 que anuncianas a propisito da discussio sobre © estatuto do conecito de fulso em Frege, posto fquele elaborado por Strawson ¢, depois, por Ducret (ef. pp, 57-8). Mas, enquanto o sujcito s6 intervinha em Frege no nivel das relagées entre 0 sentido © a referéneia dos nomes proprios, essa intervengio da subjetividade linghistica (sobre a qual deveriamos dizer, se Ihe damos direito de cidadania, que psicossocial) € estendida ao conjunto das relagdes de sign Contrast com a estbildade eo imeatatnm da rela enunciado com suas signifieagdes literais, as significages nao-tiverais (os subentendidos © as conclusies neeessirias) mantém com o enuinciado uma relagio mediata e inst iato dessa ova relagao seria devido ao fato de que um expedicnte intelectual ou psieologico precisa intervir, expediente que toma por base as ignificacdes literais © assegura a passagem para as significacdes nio-literais © que tem a forma de uma associagio de signilicagives ou de uma inferéneia, Ducrot esta sobre esse ponto totalmente de acordo com Searle que escreve: "o discurso figurativo & parasitario com relago ao discurso literal, pois (segundo ele) ndo & possivel enunciar uma frase atribuindo-he um sentido figurative se nao temos 0 sentido literal como base do uso figurative" A. tinica diferenga & que onde Searle fala de “discurso literal’, Ducrot fala de significacdes Tingiifsticas fiterais. Quanto ao segundo aspecto das sua natureza 6 a rel. O carater med 8 (orais, sua variabilidade decorreria do fato de su: significagdes ndo- relagio com 0 enunk ‘cognitivos que podem variar de um sujeito para outro, em fungio do contexto © das “circunstineias da clocugao", o que é indicative de que estamos na ordem do discurso (intervengio da enunci Pr nos processos de produci (0 de significagio correspondendo respectivamente ao que no por significagies literais c significagées nio- Mas, por outro lado, contestamos a idgia de que scja falar de uma semdntica da lingua eujo _processo de constitu plicitamente contido na propria nogio de significacdo literal tal como foi definida por Duerot, isto & fantasiacla pelas propricdades de imediatismo, estabilidade, acessibilidade direta & intuigio lis .. Essa incidéncia, mesmo tempo que fixa nosso horizonte, reconduz-nos ao card problemitico da distingio estabelecida por Ducrot_ no mesmo do seu proprio discurso, Até o momento, nos exames do ssa distingio, nos nos detivemos nos lugares em que cla & pressuposta; a teoria da significagio que encontramos e compativel com as intimeras concepgdes ainda con inclusive a econecpgio nominalistatradici n outro lugar, é tomada uma distancia tessa concepgao quando ele diz. que “as significagdes dos enunciados, tomados fora do contexto (portanto si es literais) nso constituem de modo algum fatos ou dados, mas resultam de uma decisio livre do lingiista’2* Ao adotar essa posiga ‘com a perspectiva chomskyniana de uma formal Tingaistica, ainda que nao endosse todos os pressupostes adotados, no projeto dos transformacionalistas da Escola de Cambridge. Para Ducrot, trata-se de definir o que se pode almente entender por deserigto seméntica de wma lingua. ‘com relagio a Lembremos, uma vez mais, que para Chomsky gramatica & um dispositive que deve satisfazer dus eondigé ” a) ser eapaz de fazer corresponder, por meio de um conjunto de regras formais, a qualquer representagdo fonética de uma frase, em um sistema de categorias fonéticas universais, uma ou, eventualmente, varias descrigées semanticas dessa frase, em um sistema de categorias seminticas universai b) dar conta das propriedades das fr relagées de sentido, gramaticabilidade ou desvio relativo i gramaticabilidade) tais como se revelam & imediata de todo sujeito que fala a Kingua. imbigiidade, intuigdo lingiistica © projeto de deserigio si iro olhar, ica de Duerot parece, ao prim © mais ambicioso porque essa deserigao & definida como “um conjunto de conhecimentos que permitem prever o sentido que recebe efetivamente um enunciado da uma das situagées em que ele 6 empregado’ Particularmente ambicioso do projeto deve-se a0 f deve operar uma certa an ra em cada © carater to de que ele e das situagies que és _nio compreendemos bem em que consistiria exatamente. © projeto chomskyniano parece mais limitado, pois pressupde que, através da intuigdo lingbistica, pode-se afastar do contexto © chegar 2 representagées semanticas, sendo que as relagés significagie: io consideradas como do dominio da gramatica mas do dominio da teoria do desempenho. Quanto a Duerot, cle considera que “aquilo que se chama de ocorréncia fora do contexto ada mais é do que uma ocorréncia num contexto artificialmente simplificado' © que, conseqiientemente, as significagées consti ladas nessas condigées podem impedir que se preveja o sentido cfetivamente recebido nos contextos naturais. A divergéncia entre as dois projetos aparece mais como uma diferci (fundada sobre uma apreciagao diferente das condigdcs reais de realizagio do projeto) do que uma divergéncia de fundo, pois Ducrot supde, de todo modo, que se pode definir uma signilieacto literal ndo-contextual. Essa diferenca de abordagens explica, igualmente, porque Ducrot rejeita a idgia de que scja precise estabelecer a priori que a descrigio semantica dos permite prever seu sentido efetivo em cada 80 ucrot mantém a exigéneia segundo a qual para uma relagio de sentido R. inivamente pereebida entre dois cnunciados A © Bde uma lingua L, deve corresponder uma relagio formal R’, ma metalinguagem de deserigio L’. Através de tudo que foi exposto, Duerot protegeu'se das wumerosss objegdes formulates contra aquilo que, mal ou bem, pode aparecer como exigéneias arbitrarias do projeto chomskyniano. cariter parentemente Quanto ao projeto de Ducrot, s a utépico nfo € razio suficiente para afasté-lo como hipste: trabalho capaz de produzir um certo conhecimento dos fendmenos ds nea rabes pertinentes prov do que ignificagio. Ainda at sua realizagio pode incorporar como hipotese sobre a (cor te , & justam © ponto que reencontramos as significacio, Os a 80 ¢ lingua. No oposigies entre 6 literal ¢ o ndo-literal entre dis 6 obrigado a destacar, no conjunto dos eonhecimentos necess para predizer 08 sentidos de um enunciado nas suas diferentes condigaes de emprego, um componente linguistico que “atribuiria a ca enunciado, independente de qualquer conteto wa ert jeserigio, que chamarcmos de significagio"™ © um componente cnunciado pelo componente lingiistico ¢ dadas as circunstinci au ele € pronuneado, prever © sentido efetivo desse enunc situagdo. & efetivamente da maior urgéncia, considcrando 0 posto (¢ aquilo que nio se quis levar em conta), tomar as para no cair na confusio em que se esta que foi edidas, necessiri 81 mergulhado se fosse nec {rio explicar que © enunciado Que fempo! contém as significagbes de nds ndo remos nada a dizer!, eotd fazendo um tempo do cao een. Ao fazé-to, passamos de uma definigdo sempre pressuposta da opo: literal © 0 nao- Titeral para uma definicao puramente operacional, figada a exigén um valor preditivo da significagio identificada A sua deserig semdntica, O interesse em considerar essa definigdo operacional reduz. ao minimo as hipdteses contidas na oposi¢io entre 0 a teoria da significagio que esti implicitamente ncorporada neste projeto de descrigdo semantica da lingua, a saber, a hipotese segundo a qual a discursividade sé imerviria na passagem, nas situagaes de emprego, da signifieagio para 0 sentido ¢ de forma alguma no processo de producio ¢ de reprodugao das préprias.significagies. Essa hip6tese, ainda que adequada a0 tipo de evidéneia empirica que adviria, pela intervengio da “intuigdo lingistica", da contemplagao da linguager no seu funcionamento sobre si mesma, no deixa de ser aquela que inar com as bases io conetitual realizado por Duerot io de pressuposigao, & preciso examinar os efeitos dessa hipotese sobre a teoria da lingua ea da significagio. E ela que abre © caminho para aa io da lingua a um jogo que se confundiria amplamente com a existéncia cotidiana, jogo no qual i participaria assimilada a um ato de linguagem, como ‘© movimento de uma pega no jogo de xadrez. E o que veremos awora, Desde 0 comego da e concepedo que assimila a lingua a um eédigo, através da qual Duerot opde-se a que se ponha todo o implicito do lado definir a lingua A moda de instrumento da comunicaca ure, como um codigo, lerada como um jogo ou, mais exatamente, como impondo as regras de um jogo que se confunde amplamente com a existéncia cot tomada de posigio € um pouco surpreendente, exatamente na ‘medida em que, em lugares decisivos do ponto de vista do corte que marca sua contribuigio te6rica aos fundamentos da lingtistica, Saussure serviu-se da comparagdo da lingua a um jogo. A comparacio é utilizada por Saussure: 44) no momento em que estabelece a oposigio entre o que nna linguagem 6 interno a Kingua ¢ o que the & externo: “é interno tudo que muda o sistema em qualquer grau’, portanto no a matéria de que sio feitas as unidades (resp. para o jogo de xadrez, as ‘ou a forma material das pegas) nem o fato de que a Ii pasado da Roma antiga a Galia (resp. para 0 jogo da Pérsia a Europa), mas em compensagdo 0 aumento ou a diminuigio do ngimero de pegas pois isso “atinge profundamente a “gramaticw’ do jogo" b) no momento em que opie diacronia & {que 86 contam as posigaes respectivas das unidades © nio 0 que se tenha chegado a elas por tal ou tal caminho (resp. pi posigio das pegas sobre o tabuleiro em dcterminada ctapa do jogo € no, ao longo da partida, para 0 fato de se ter chegado a essa posigio por tal ou tal seqi movimentos ¢ de jogadas); ©) 6, cnfim, esse € 0 ponto mais importante, no momento valor em oposi incronia dizendo em que ele defi ‘alor pode ser eansiderado como o micleo da ruptura — devertamos issuriana”™ apoiando-nos nas conclusdes da indagacio ep ‘a que Claudine Normand submeteu 0 Cours de linguistique —générale.® Actes principio estrcitamente ligado a idéia da lingua como que abre a possibilidade de uma tcoria geral da lingua’, sob seus aspectos fonolégicos, morfologicos © sintiticos, fundando a autonomia relariva dessas propricdades com relagiio & {A esse respeito mostramos também que © corte em questo deixa ter escrito corte — 83 fora do seu campo a seméntica © que, para tratar dela, s recorre novamente a palavra e ao sujcito, o que est em contradicio com 0 fato de que o prinefpio lembrado acima tem "como efeito cortar qualquer recurso ao sujeito, quando se trata da lingua’ centdo a instituigao social ow remete a questao da semdntica para a constituigio de uma semiologia enquanto teoria geral dos signos. E uma maneira de dizer que a significagio nao catamente de natureza Tinglistica. Dessa conelusdo, mantemos, jiclo nosso lado, que efetivamente a significagio mio & de naturcza sentido de Saussure, a no ser na sua rela fonologia, a morfologia © a idéia de que o principio de w procura de uma semiologia qualquer ou na idcntificagio da lingua com uma igo social (no sentido em que geralmente ent alavra), vendo nessa solug lear a necessidade de um recurso a un Uo efeito sujeito cujos projetos no pod por Saussure dado que dependiam dos cortes voile albures, na obra de Marx ¢ na de Freud, para ser mais preciso, © que precede justifiea a tomada de posigio de Duerot, com a condigao de limiti-la unicamente ao dominio da se Sobre esse terreno ¢ correto dizer que Saussur de uma concepgio da lingua enquanto instrumento que permite sos sujeitos "ver seus pensamentos’ © comunicé into, tal interrogagio critica de Saussure nao é conduzida por Ducrot para tomar o camino que acabamos de indicar algumas finhas acima, mas para tomar a frente de uma posigio que chamariamos de totalmente oposta. De uma certa maneira, © que Ducrot propde & transportar para o dominio da significagio a comparagio da lingu 4 um jogo, comparagio que s6 caberia na fonologia, na morfologi na sintaxe, isto & naquilo que, pela sta relativa autonomi forma de linguagem considerada na relagio consigo mesma, Ducrot, além do mais, ndo se contenta com uma comparagio que em Saussure pode apareeer como tendo, antes de tudo, apenas um valor didatico, Ele identifica efetivamente a lingua a um jogo, que nio somente regularia as relagbes interpessoais, na medida em que estas 84 realizam-se pela Finguagem, mas ainda que seria sua propria substincia, sforn Para chegar a tal conclusio Ducrot usa e tr tworia dos atos de linguagem de Scarle, assim como a sua anslise ja durante um jogo como o xadrez.* Segundo da atividade realiz Searle, as regras de um jogo como o xadrez tém uma earacteris 1s so constiturivas do jogo no seguinte s fundamental; ela nar outras regras € portanto outros 8) poder jogos; as regras 0 jogo nao existiria © no seria possivel te no fato de jogar uma partida ue ele quer dizer quando afirma itutivas, Searle opie 0 jogo de reve da seguinte maneira b) sei cempenhar-se na atividade que con de xadrez, Para precisar melhor 0 que as regras do xadrez siio cons xadreza um jogo imaginario que de Imaginemas (...) wna sociedade de sédicos cujos membros gostam de se maliratar entre eles gritando nos ouvides uns dos outros. Su- pontumos que para satisfacer essa quedinha eles adotem a convendo de sempre gritar BANG para producir esse efeito. Nesse caso, como no do xadrez, trata-se de uma atividade implicando uma convencao, Mas, diferente: mente do xadrez, a convencdo nao manifesta ‘aqui regras constinutivas subjacentes. Contra riamente ao case do xalrez, esse procedimento convencional procura obter un resultado natu ral Gragas a esse jogo imagindrio, Searle pode estabelecer a diferenga entre a matureza constituriva das regras € a forma con vencional gragas as quais elas sio representadas. Essa distingio & inda detalhada pela observagio de que seria possivel dar uma outra forma ao jogo de xadrez, por exemplo substituindo © tabulciro 85 por uma seqiéneia de nimeros € as pegas por outros simbolos apropriados e associando a cada simbolo 0 ntimero correspondente A casa em que a pega seria representada por esse simbolo sobre 0 {abuleiro. O jogo permanece um “jogo de xadrez’ na medida em que, na transposigéo, conservam-se as regras, Tendo assim caracterizado as regras do jogo de xadrez, dizendo que clas sio constitutivas, pode-se dizer que se empenhar numa partida de xadrez implica uma submissao deliberada as regras do jogo de onde (5 atos realizados no deslocamento das pegas sobre 0 tabulciro (se nos limitamos ao modelo tradicional) tiram scu valor ¢ seus efeitos. tunicamente na conformagio com as regras que 0s atos realizados podem ser interpretados ‘pelo parceiro como manifestando a intengao rar com cle na atividade que constitui jogar uma partida de xadrez, A partir dai, concluimos que, para Searle, trapacear nao € jogar endo é por acaso, na nossa opiniio, que 0 jogo de xadrez seja escolhido como modelo privilegiado pois, salvo circunstncias totalmente excepcionais, no se pode nem trapacear nem blefar no jogo de xadrez: 6 um jogo sem ambigiidade, [sso significa, porém, que nio se possa indagar sobre a estra adversirio, mas esta s6 pode ser concebida como uma seqti alos, que, tomados cada um isoladamente, no sofrem da ambighidade. 1c daguilo que & um jogo de xadse7, ther sobre a analogia entre jogo & jolar uma forma de eomportamento a qu linguagem. cogido por regras™ Particulares is quais se obedece ao falar tal ou tal ‘mas as regras subjacentes “atualizadas © manifestadas nas como no exemplo do xadrez".” Searle precisa justificar te que essas regras existem realmente © para isso vai intertradutibilidade -gundo ele, agdes convencionais, exatamente como as ica e a forma em que 0 ia de niimeros representam basear-se "as linguas naturais diferentes representam diferentes das mesmas regras subjac formas do jogo de xadrez: a forma cla abuleiro & substituido por uma seq 86 duas aplicagées conven diferentes das regras do jogo de xadrez. Em’ um certo sentido, poder-se-ia considerar que essa concepgio das regras encontra uma justificativa na concepgio das graméticas transformacionais que considera que s6 a estrutura profunda contribui para o sentido © de que além disso el tuniversal, Serfamos assim levados de volta aos problemas, Formulados na primeira parte deste trabalho, Mas as coisas no so , pois Scurle considera que a analogia entre sustenta no momento em {que as significages entram em questo. Essa tomada de posigio introduz uma contradigio na teoria de Searle que Ducrot™ niio deixou de observar e sobre a qual teremos que vollar. Por ora, se essa identificagio das regras ¢ excluida, de que tipos de regras quer le? © importante, no scu ponto de vista, que essas ‘am 0 que se faz a0 falar ec, portanto, que o nto a clas seja equivalente a renunciar a falar; com clas deve ser ou tudo ou nadia. S por essa qualidade que elas podem ser constitutivas como as regras do jogo de xadrez. Ha todavia uma diferenga, Na falta do jogo de xadrez, haveria uma atividade lidiea que poderia realizar-se de diversas manciras ¢ com relagio qual as regras do jogo de xadrez perderiam rel 0 sct cariter restritivo, Ao contrario, para o jogo que s¢ jogs falar, se a intengdo é significar, mio haveria solugio de troca possivel. E ai que intervem a nogio de are ilocuciondrio (nogio © por nenhum outro meio, a ndo ser que se retorne au concepgiio puramente instrumentalista da linguagem (que Sear parece fotalmente decide a exlui uma vez que cle admite que os fora de qualquer sistema den Contd nesta hipdese, masa eventuaidade eoatemplada eve set relacionada com a limitagio que impde & analogia entre linguagem ¢ jogo). A nogio de ato ilocucionario define-se no interior de uma anilise daquilo que se faz quando se diz. alguma coisa, 87 amente resumidos, os diferentes tipos de idera que se pode realizar ao di alos que Searle coi alguma 4) pronunciar uma frase (equivalente a deslocar uma pega sobre o tabulciro de acordo com as regras de deslocamento das pecas sem por isso pretender tomar parte numa partic b) significar alguma coisa, isto Tinguagem, realizar um ato tal como: af formular uma questo, comandar ou qualquer coisa de parecide (cquivalente a deslocar uma pega, de acordo com as regras, quando © a sua vez no jogo, ¢ com a intengio de tomar parte em una partida); quando se trata de mar, ordenar, prometer, ©) procurar produzir, pelo fato de ter significado alguma coisa, certos efeitos sobre 0 destinatirio (por 0 adversirio. em ificuldade, procurar ganhar a partida tc.) | ¢ do que possa ser dizer alguma coisa, constatarse que a exceucio de (b) supse um ato como (a) e que a exceugio de (¢) supe um ato coma (b) © como (a). Eo ato correspondente a (bh) que chamamos de ao ilocuciondrio, (a) sendo chamado de aro locuciondria ¢ (6) ato perlocuciondrio. Ora o que distingue (b) de (a) €, segundo Searle, a intencionalidade no sentido de que se pode dizer uma frase sem significé-la como quando toma-se essa frase para submeté-la a uma anilise lingitistica, Searle faz portanto da intencionalidade do Jocutor wn elemento exsencial sem o qual o que é dito nao é una patavra, Podemos agor a que tipo de regras Searle faz alusdio quando diz que “falar é adotar uma forma de comportamento ‘do por regras’. O ato locucionirio & aquele que eorresponde ao nico nivel das convengdes pelas quais as regras podem “ser aplicadas. O ato perlocuciondrio caracteriza 0 objetivo procurado pelo fato de adotar © comportamento em questio © no 0 proprio comportamento. Apenas 0 ato ilocucionirio 6 constitutive © 88 corresponde & aplicagio do equivalente as regras subjacentes do jogo de xadrez. portanto as regras que regem os alos ilocucionarios que constituem a substincia espeeifica da atividade de linguagem, Essas regras so para tomar ou largar © s6 hii escalha num segundo nivel, entre, por exemplo, dizer Je promets em vez de I promise,” o que seria ai uma questio de convengio enquanto “o fato de empregar obrigatoriamente certos procedimentos para exprimir uma promessa (numa sittagio apropriada) € aqui do dominio das regras & no das convengtes proprias do francés © do inglés" Uma vez isso formulado, resta, como jé observamos, a hipitese de qu le, entre a realizagio de atos de Tinguagem ¢ jogos, 6 pode haver uma analogia parcial pois, diz ele, “as pegas de um jogo como 0 xadrez nio tém como caracteristica significar qualyuer coisa que seja’. Portanto, ele se recusa a identifiear pura © simplesmente a lingua a um jogo. Isso deve-se essencialmente a duas razdes. Primeira razio: no momento de considerar que todos 6s atos ilocucionirios no sao exceutiveis fora da lingta enquanto sistema de regras que os constituem, isto é, no momento d «que sua significagio s6 6 definivel em relagao a lingua (logo, contida inguia) Searle hesita. Ora, admilir que possa ser assim & wunciar ao carter constitutivo das regras, conservando-Ih apenas um carter convencional, Segunda razio: fundamental ¢ nao independente da primeira) Scarle nao se decide quanto a considerar que as regras subjacentes, as rege constitutivas possam ser clas também, num outro sentido, tomadas ‘como convencionais, Em outros terms, ele no reconheee 0 que chamamos de 0 arbitrdrio generalizado ow 0 arbitrdrio do sistema, © qual deve ser cuidadosamente distinguido do arbit do signo, Ducrot insistiu com razo sobre o fato de que nao & 0 arbitrario do signo que marca o corte saussuriano; segundo cle, 6 0 reeonhecimento do arbiteario do sistema expresso em Saussure pela idéia de que a linguagem & uma instituigio social e que as regras da * "Gu prometo" em vez de I promise ("eu prometo") * lingua so convencionais. A idéia de considerar 0 signo como arbitrario é bem anterior a Saussure ¢, isoladamente, cla no nos tira do nomin: sua a uma instituigio social € © ponto fraco da teoria saussuriana; ele procede do antropomorfismo sociolégico do scu tempo que constitui a sociedade em sujcito. E a intervengao da “massa falante’, “das forgas sociais trabathando-thes (para os sujeitos falantes) a lingua’ fato de a "lingua nao scr livre’, do fato de o "tempo gasta como ele gasta os velhos muros". Poderiamos multiplicar as citagdes, que no Cours de linguistique génerale marca o carater pré: ista da conccp¢o do tempo ¢ da sociedade nas suas com a linguagem. Isso ja foi feito em outro lugar,” © nos no vamos insistir nese ponto a nio ser para dizer: (1) que a questo das relagdes da linguagem e das formagées socials, permanece em patita, pelo menos sob forma negativa as finguas nio so superestruturas, ainda que nio estejam por isso fora da historia das formagées sociais; (2) 0 feito sujeito enquanto efeito material deve ser considerado, de um lado, como um produto da autonom relativa daquilo que na linguagem € “fato da lingua” (no sentido saussuriano). Para nds, portanto, jt lembramos acima, nao se no no nivel do arbitra ingio entre valor ¢ signif relativa da morfologia, da fonologi sentido de que essa autonomia é uma cont que marca o conceito de lingua enquanto condic desses aspectos do funcionam e dos efcites de Eisso 0 de conhecimento io material da Tinguagem, E a partir das posigdes (c6ricas que acabamos de lembrar que iremos examinar a titima fase da operagio que Ducrot realiza identificando pressuposicio € ato ilocuciondrio depois de ter interpretado, baseando-se no arbitririo do sistema, a teoria de Searle, Para Ducrot, é com efeito uma convengio social que confere, 0s alos ilocucionarios scu valor ilocuciondrio. Para dizer isso, ele -a.a teoria dos performativos de Benveniste, que explicou 0 cariter performative de expresses como eu prometo (ao dizer eu prometo, no afirmo simplesmente alguma coisa, mas tambi realizo 0 ato de prometer) dizendo que ela procede (a) do emprego 90 do pronome pessoal ew pelo qual o locutor mostra-se, cle mesmo, no seu proprio discurso e do presente do indicativo que representa no discurso 0 momento da enunciacio (eu prometia ¢ ele promete no si performativos); (b) do fato de que um verbo como prometerdesigna um “ato individual de alcance social” ou ainda de que “os atos denotados por esses verbos sejam olhadas como restrtivos’, Benveniste vé na existéncia desses verbos, como na existéncia do pronome pessoal ew ¢ do presente do indicative, a marea da presenca da subjetividade ma linguagen. Ou Benveniste define desse modo como subjetividade ndo € nada além ionalidade de Searle (e, seja dito de passagem, por nés, {i mais na linguagem do que a intencionalidade porque uma ¢ outra devem ser concebidas como feito), Ducrot recusa a anilise de Benveniste porque, para estender 8 pressuposigio 0 carter ilocuciondrio dos performativos, é preciso que cle separe esse carter do emprego de morfemas "auto: na superficie pelo menos, em numerosos casos de ssenta-se sobre a idéia de que, das dias te, uma nio € necessiria € a outra nao é rarece como niio-necessiria, desde le, © performative como uma pressupo condigies de Benvei ste. A primeira condi que se considere, como Austin c ilocucionario enquanto, na superficie, 0s outros ilocucionarios nio se fazem sempre acompanhar do emprego de jorfemas "auto-refereneiais". No que concerne a segunda condigio, nao scria suficiente porque hé muitos outros atos individuais de alcance social de tal modo que, empregar os verbos que os designam na primeira pessoa do presente do indicativo, no possa ser considerado como a realizagio do ato em questio, E “a sociedade que, segundo Ducrot, intervém para atribuir 4 formula eu te desafio um poder particular, para dar a seu emprego esse efeito cm que 0 destinatério ‘abaixa a cabeca’ (ou, simplesmente, deve confessar-se inferior) se ele no for capa, de acompan ago em questio; com a contrapartida de que, se cle for capaz de realizar tal ato, o locutor tera de reconhecé-lo como seu ig poder que a socicdade conferiria a certas fSrmulas, Duerot quali on © de juridico. E desse modo que ele diz. que ew te censure, pelo ‘menos quando dito por um superior a um inferior, tem como efeito ‘dcixar o inferior marcado por uma qualificagio que, dai por diante, faz parte de sua personatidade juridica (grifo nosso)’. A partir dai Ducrot formula uma série de definigdes: Agio: "toda atividade de um sujeito (grifo nosso) quando caracterizada de acordo com as modificagdes que cla tra7, ou quer Lrazer, ao mundo (compreendendo-se ai modilieagdes trazidas & situacio, fisica ou social, do sujeito que age — gril nosso)". Agdo Juridica: —atividade (de um sujeito, portanto) “earacterizada por uma transformagio das relaedes legais existentes entre os individuos (grfo nosso) concernidos”. Ato juridico: “caso particular da ago juridica (...) quando se considera a transformagio das. relagGes legais como cl primeiro da atividade © no como a conseqiiéncia de um ef logicamente ou cronologicamente anterior." Isso. significa que cometer um crime nio é em si uma agio juridica mesmo se depende da lei, mas o enunciado de uma’ scatenga por um magistrado é, cm compensagio, um ato juridico. Portanto, & me a sociedade que confere ao ato sua natureza € nio 0 ato que & por si mesmo, de natureza juridica, do mesmo modo qu que confere ao ato de dizer ew prometo um por isso, juridico. A definigao de ato juridico s6 tem portanto coma fungdo apagar a intencionalidade ou a subjetividade ligada 8 ago, tal como foi d io se julgam intengoes: querer a morte de alguém ndo é um crime mas apenas o fato de ter matado gum, Em suma, considerando a so juridica, Duerot no faz nada m: subjetividade (passiva) ou a intencionalidade (ativa) que Benveniste (para o performative) © Searle (mais amplamente pi ilocuciondrio) tinham introduzido na definigio do ato ilocu: Ao fazé-lo, Ducrot submete-se a lei da Idcologia (no sentido em que Althusser emprega esse termo cm Idéologies er appareils idéologiques d’Etat... Althusser, 1970) que determina que consi- derar a sociedade como sujeito’ ou 0 homem como sujelto sto sociedade 2 apenas duas faces de uma tinica ¢ mesma operaao. Além do mais, ele demonstra uma vez mais, como se ainda fosse necesséio, que a ideologia juridica € a instincia dominante da ideolo; mundo de produgio capitalista (Althusser, id Através de tudo o que foi dito, é possivel dizer que a pressuposigio, enquanto ato ilocucionsrio, € um ato juridico. Em outras palavras dizer: E voce quem vird. G juridicamente, do ponto de vista da lei da lingua, dizer a vird c, por outro lado, anunciar que o alguém que vird é 0 voce a A isso pode-se acrescentar que a sangio i lingua € a polémica, na medida em que marca a diferenga que hi entre responder com: (29) Nao, é Pierre. (30) Nao, ninguém vird. a0 enunciado precedent Para identificar completamente a Ii um jogo eujas regras sio regras juridicas, no sentido em que foram defini falta obscrvar que tudo 0 que foi dito 56 se sustenta com a condigio de que o, ou pelo menos sobre uma significagao das palavras. E unicamente nessa condigao que se pode Gl) Pierre suspeita que Jean vird. declara juridicamente (= pressupde) Jean vind. Em outros termos, € preciso admitir que a sociedade confere juridicamente as pal uma significagio literal, Nesse sentido diseutir sobre a significagtio das palavras é 0 equivalente a polemizar sobre os pressupostos. Essa 6 a ra7do por que pudemos anunciar acima q\ 3 icagdo discursivamente derivada ¢ da si condigio que, sobre © plano teérico, abre o caminho para a identificagao da lingua a um jogo “que se confunde amplamente com a existéncia cotidiana’, Duerot 0 faz sendo mais saussuti Saussure na identificagao da lingua a uma instituigao social. Ihe permite incluir, sob forma de substancia, as signifieagoes na lingua. Deve-se dizer para tanto que negamos a exis dicionatios, das escolas, da Academia, dos deeretos ou das leis pelas quais legisla-se em matéria de significagdes ¢ de lingua? Ni justamente necessirio ver af a prova da intervengdo da sociedade tem matéria de lingua? Responderemos categoricamente, no que diz, respeito a lingua, pela negativa. Uma lingua nao se cri rctos © a intervengao direta ow indireta do Estado na matéria faz-se pelo intermédio de aparelhos ideoligicos de Estado, sobretudo, ¢ de ‘mancira preponderante na nossa sociedade, pela escola. Sendo de natureza ideolégica, essa intervengao legislante do Estado cm a de lingua pode apenas codificar empregos, ela nio produz por si mesma significagdes. Ocorre que o Estado nio € a socicdade ou, para falar em termos um pouco mais precisos, a form: social, Evidentemente, nao negaremos que os processos pelos quais significagbes so produzidas e reproduzidas, enquanto efeitos de significagdo, operam no interior da formagio social dos diversos aparelhos ideoldgicos. Mas, justamente, a formagio social nio é composta de sujeitos; nela s6 se podem definir lugares aos qua esto vinculadas condigSes de produgio e de reprodugio de Ses." Desse ponto de vista, no ha mais significagbes lidas para todos € essa 6 precisamente a razio pela qual 0 Estado, direta ou indiretamente, intervém pelo viés das inst (0 que diz o direito) que apresentamos. A intervencio ideoligica Jo tem efetivamente outea ra7io de existéncia a no ser (0 social que se oponha & lta de classes, mascarando-a, para reproduir as relagdes de classes «, desse modo, as relagdes sociais de produgio, Voltaremos a todos esses pontos na segunda parte deste trabalho mas é preciso werescentar ainda que, pela sta intervengio ideolgica, o Estado literais, jas 4 reproduz, “igualmente’ trabathadores © niio-trabalhadores como sujeitos idcoldgicos, mesmo em matéria de linguagem, mas uma das condigdes de possibilidade e, simultancamente, um dos limites dessa a, 0 fato de a Hingua nao ‘2 autonomia ser uma superestrutura. J4 0 dissemos, mas nunca é demais repetir, essa autonomia rel mia das condiges de produgio do efcito sujeito © como tal cla € necesséria para compreender © provesso pelo qual os homens, enquanto suportes biologices, sio produzidos como sujcitos da Idcologia e do Estado, Ora, € af precisamente que encontramos 9 problema deixado de lado por Duerot, da necessidade de se levar em consideragio as relages da semantica da sintaxe, intervengio. vi A maneira com que Duerot criticou a teoria dos 9 & eonvincente. O argument essencial avangado por Duerot & que hi um nimero de verbos designando “atos individuais de aleance social” de tal modo que 0 fato de empreai-los na primeira pessoa do indicativo presente nao possa ser considerado como a realizagio do 3 s designam, Ora, parece-nos que todos os exemplos qu podem ser interpretados como indo cxatamente contra essa tese. Ele nos di quatro exempios: ew te reconforto, eu te desprezo, eu te estimo, eu combo de voce. De um lado, esses quatro exemplas, a0 contririo de ew prometo, ew ordeno, fazem intervir nio apenas 0 as igualmente 0 pronome reflexive da segunda pessoa (tu). E verdade que se pode dizer eu reconforto, eu desprezo, eu estime, ev combo som precisar quem ow 0 que se reconforta, despreva ete. Designa-se assim a ago que se est realizando. Mas & preciso reconheeer também que s6 em circunstancias bastante excepvionais ew prometo ou ew ordeno podem ser considerados como a realizagio de uma promessa ow o fato de dar uma ordem sem que se tenba de especificar o que se promete ou se ordena. jambém designar simplesmente a ago que se esté performativos em Benveniste Alii isso pode 95 realizando no momento, eu prometo estou fazendo uma Promessa) como eu ando (= eu estou andando) ou eu escreve (= cu estou escrevendo). Inversamente, no nos parece nada evidente que ao dizer, em certas circunstancias, eu te reconforto niio se possa por esse mesmo gesto reconfortar alguém. Do mesmo modo, a0 enviar a alguém um telegrama com estas dnicas palavras ew zombo de vocé (ou cu estou zombando de voce), esté-se, sim ou nao, zombando do destinatdrio? Nao 6, portanto, de modo algum também evidente que, ao dizer eu prometo, cu realizo sempre uma a, nem que ao dizer ew te reconforto iio se realize a aco guém. De resto, 0 proprio Ducrot indica o papel quando ele trata do exemplo de eu te censuro, pois, para dizer que essas palavras sio identilicdveis com a agio de censurar, & preciso que ew seja um superior dirigindo-se a um inferior. Mas entio sc as “circunstincias’ desempenham um tal Papel, pode-se ainda considerar que o cardter performative ou io de eu prometo ou de eu te censuro faa parte de uma De ilocucioné significagio literal qualquer desses enunciado presenga dos morfemas ‘auto-refercnciais", qu aracteristica sintética e semantica, enquanto efeito de sentido da simate, reto- ma sua importincia, Ocorre que, em qualquer circunsti ando (je marche) nao poderia (diferenciando-se de eu fulo,, ew ‘minto, entre outros) ser considerado como uma maneira qualquct de realizar a ago de andar a ndo ser num sentido dito figurado Ge marche (eu ando) = eu aceito ou eu estou de acordo). Ora, pode-se observar também que hé vérias outras manviras de fazer essa além de dizer eu prometo; de modo que as igdes que podem estar vinculadas a esse enunciado nao the Ao examiné-lo, ndo mais de uma mancira isolada, mas no quadro da discursividade, estamos reconhecendo que ew Prometo pode comutar com outras superficies, Veremos aparceet como substitutes possiveis de eu prometo coisas como eu me comprometo a, 0 meu dever etc... inclusive expresses que serio julgadas como s6 podendo significar a mesma coisa que eu prometo num sentido dito figurado (em referéncia ao diciondrio). Ora, nio somente ‘equivalentes’ de ew prometo depenerio do 96 que os enunciados so produzidos ou iaterpretados. Mas en prometo no é io diferente de eu andolje marche quanto se quis, dizer, a nio ser que se admita que, por tris de todos os “equivalente: is de um desses enunciados, hd uma ic, um niieleo invariante, o que representaria volta 4 tese de um sistema universal dos conecitos, € a0 problema da representagio semantica, ‘As mesmas observagies valem evidentemente para a oposicio suspeita quefacha que, com a diferenga, todavia, de que essa oposigdo ¢ codifieada nos diciondrios. Mas tem-se af uma rao suficiente para considerar que, em todos scus empregos, suspeitar que € diferente de achar que pelo fato de seus empregos pressuporem a verdade daquilo que se suspeita? No nosso ponto de vista nfo, isso s6 pode ser verdade nos easos em que as condigSes de produgio © de reprodugio da significagao desses enunciados exclu ua combtagio, 0 que mio & verdadeiro em todos os casos. Ve-se agora, portant, que a concepgao da lingua em Ducroteasa-se com uma concepgio extremamente restrtiva da discursividade, Como ele proprio reconhece, cle a reduz, como Kant ¢ Leibniz, a um forma de dedutbitidade. E pelo menos o que se observa quando cesereve que "ha uma razio suplementar para reeusar & deserigiio dos pressupostos um carter discursivo, & q nimeras css (.) 0 presuposto nao poderia, de modo algum, ser deduzido do posto, ainda que se d& & palavra deduzir um sentido bastante amplo Nés Ihe concedemos suas premissas (que 0 pressuposto nio pode er deduzido do posto) mas no stias conclusées. em geral ” NOTAS * Oswald Ducrot, “Logique et linguistique’, p18. ta, *Présupposés et sous-entendus” > Gottlob Frege, “Uber Sinn und Bedeutung’ p. 117 ia 5 tid, p. 116. © Wi. p. 117 7 tid, p. 106 "ia ° ia. p. 10s. © oid, p. 106 © tia, p. 104 2 rem como da concepgio instrumentalista que asimila a Kingua a um e6digo. 5 p. F Strawson, Mending reference and truth values Doucrot, Dire et ne pas die, pp. 40-1 25 ¥ peto menos assim que Duerot definia seu pojeto em 1966 (Uma ver que ros liviamos da idea de que & preciso reencontrar a qualquer prego a Kipea na Tinguagem, torna-se pose procurar une Kigea na ingagetn'— Duero, "Logie Elingisique). Ainda que no fetomada sob esa forma explcta nos trabalhos fnaisfeeentcs, @ concep mais ampla da Kica da inguagem exposta desde 1966 Encontiae no nivel do componente ingustico no plano do que, de agora em Siane € ehamado de "deszrigso semntc™ © Oswald Ducrot, Dire e ne pas dire, p. 103, » tia ia, wig » Wi. % Ainda que tenhamosassinalado que Duerot por outro ade critica aconcepio ‘nstrumentalista da linguagem, € preciso notar aqui que é exatamente uma volta 3 uma concepeio dessa natureza que € realzada, ® Oswald Ducrot, Dire et ne pas dir, p. 6 ™ twig > ia, * John R. Searle, "Human communication theory and the philosophy of language’, p. 124 * 0, Ducrot, Dire tne pas die, p. 112 ® tid, p. 106 ® tia. p. 107 ” id, p. a1 * 0, Ductot, Dire et ne pas dire, pp. 45. % Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale. Gi, Haroche, P. Henry, M. Pécheux, "La sémantique et 1a. coupare saussurienne’, p. 96. dine Normand, "Propositions et notes en vue dune lecture de Ferdinand Seace, Speech at ° tod, p79. % 1. Seate, Les aces de langage, p 8 » hid, p. 0 * Oswald Ducrot. Preficio para a tradugio francesa de Speech acts de J. R. Searle, p. 20. 73. L. Austin, ow to do things with words * Wid, p. 83, oid, p68 © Ver sobretudo Cl. Normand, op. ct © 0, Ducrot, id, p. 72 100 Wid, p. 7. M4 pcheus, Analye automatique du discours "© yoia., p24 101 CONCLUSAO ENUNCIADO, ATO DE LINGUAGEM E PRESSUPOSICAO:; O AVESSO DA CONFIGURAGAO_EPISTEMICA DA LINGUISTICA Ao termo do exame das teorias lingiifsticas da igdio que foi objeto dos capitulos precedentes — cxame contestaremos — lembraremos que se as duas que recorrem & nogio de pressuposigio m dominadas por problemiticas divergentes, uma cont as relagées entre seméntica e sintaxe numa gramatica gerativa, a foutra as relacdes entre lingua e discurso na Finguagem, clas se encontram em indmeros pontos da sua utilizagio dessa nogio, Em Ducrot, a nogio de pressuposigao permite desenvolver uma er questo da pressuposicdo cujos limites cla assume. Ela no impede ‘uma volta a um certo funcionalismo na medida em que a base da ressuposigio seria a existéncia na lingua de qualquer coisa que tornaria possivel uma modalidade de insergao dos conteiidos sob forma de implicito literal cuja ida_pelas consideragées de natureza psicosso (cf. pp. 74-5). Em um certo sentido a critica da instrumentalidade fixa-se no que é necessé- 103 rio do ponto de vista te6rico para que se possa cons pressuposi idorar a 0 como decorrente da Kingua © nao da discursividade, A teoria das gramticas gerativas toma també ncia com relagio as concepgdes instrumentalists de linguagem pelo menos através da idé rater "criativo" da linguagem, Essa distancia é portanto independente da questio da pressupwigio, A nogdo de pressuposigo #6 intervém nessasteorias para dar conta de eertos efeitos de significagto que s6 parceem depender da estrutura superficial ow da represontagao.semantica quando € considcrada como a estrutura miais profunda. Parece portanto que mogio de pressuposigio permit: idemtfcar os efeitos ‘de Significagao de uma naturcza particular, Hgados ao ato de inguagem como tal. Ora, justamente, a0 ligar pressuposiqao c ato. de linguagem, traz-se de volta um sujito, enquanto origem desse ato, mesmo se se considera que esse sujeito interioriza um sujeito universal que regula a atividade ov se se toma a sociedade como uma instneia que rege juridicamente as sinificagées para ele. Mais fundamentalmente, obscrvaese que a necesidade’ Leériea que determina a assungo da pte de un uma certa enquanto educa npetnci ngistie, ovo fato de fazer da so dade um sujeito exercendo controle juridico sobre a lingua, advém do fato de considerar 0 individuo falante como um simp ee tempo lugar ¢ sujeito dos seus proprios pensamentos. E para explicar como esse sujeito pode funcionar assim que formulamos tuma categoria de sujeito universal ou coletivo que seria sua “ra psicol6gica ou social, mples sujeito, ao mesmo Para resumir a situagio, pode-se dizer que a nogik oressupsico, tal como fol elaboraa nas tras lngscns, et ligada a uma coneepedo da seméntica baseada na nogao de significagio literal. Ora, o que parece demonstrar a existéncia dos efeitos de pressuposigao, ¢ que sé poderemos dar conta de certas, relagdes intuitivamente reconheciveis entre frases em termos de regras sintiticas e de significagées literais se alargarmos 0 dominio destas até o que chamamos de 0 performativo ou o ilocucionéio. Ao dizer que o efeito de significagdo proprio da pressuposicao é um 104 valor imposto pela sociedad, 0 que Ducrot procura é exatamente tornar literais esses efcitos de significagao, Do mesmo modo, quer 6 componente semntico seya considerado como 0 componente mai profundo ou como um componente interpretative, integrando performativos & representacio, estende-se igualmente o dominio das significagdes literais Aquilo que é necessirio para dar conta das relagdes entre frases que parecem escapar ao modelo A estratégia € exatamente fazer de tal decorra da lingua, ¢ ndo € surpreendente nessas condigées que reencontremos no scu propésito todos os clementos da configuracio epist€mica da lingi aber, 0 ‘mento da forma-sujeito ¢ o problema da semantica. Além ., esse desdobramento nao foi apenas reconhecido no nivel teérico. Fomos levados, a propésito de certas construgées relativas, ‘a falar de “desdobramento do sujeito da enunciagio’. Essa formulagio deve ser considerada como provisGria e sera remanejada nna seqiéncia deste trabalho. O que podemos tentar fazer agora & cular os dois niveis em que vimos funcionar o desdobramento, c da anilise de certas construgdes. Qual é 0 alcance de tal tentativa? Ele € duplo. Como veremos adiante, trata- se de caminhar na diregio de um dominio da contradigio objeto real-objeto de conhecimento na lingbistica, Trata-se ainda de cernir, na sua estrutura (0 desdobramento) ¢ na medida em que cles tém alguma coisa a ver com a linguagem, certos aspectos daquilo que chamamos de assujeitamento ou efeito sujeito. Que a linguagem tenha algum papel no processo de assueitamento, parece que nio possivel contestar, em particular no que diz respeito aos aspectos ideolgicos desse processo. Mas de que forma concreta a linguagem trabalha nesse processo, essa é uma questio a propésito de que se dispde apenas de elementos fragmentérios. O fato de ter reconhecido que 0 desdobramento da forma-sujeito pode ter uma io com certas construgdes € um elemento que podemos levar A esse respeito, 0 inventario estabelecido por Ducrot, dos casos sobre os quais podemos levantar a questio da pressuposigio, € igualmente alguma coisa de muito preciosa. Resumindo, a propésito do efcito de pressuposicio, 6 importante lembrar que transformacional cla modo que a pressuposi¢ relat 105 cortas relag ses parceem depender do sentido © nao apenas da sintaxe. A questéo do suporte desse sentido esta levantada ¢ € a essa questo que Duerot responde a0 invocar a sociedade, Se abandonamos uma concepeao da semntica baseada numa separagio nitida entre seméntica ¢ sintaxe ¢ na nogio de vista te6rico, parece possivel mostrar que a pressuposigéo € um caso particular das relagées entre frases que estio na origem da Produgdo © da reprodugao das significagoes. Essa posigao coincide fem certos aspectos com aquela exposta por Foucault em Arqueologia do saber, que considera que as relagées entre frases, assim como as relagées Iogicas entre proposigées, ainda que suscetiveis de serem descritas de maneira aut6noma, s6 sio concebiveis sobre um fundo de relagées de cocxisténcia entre enunciados, no interior do que ele chama de formagoes discursi- vas. E assim que Foucault afirma que "é no interior de uma relagio significagio literal ou na nocio equivalente do ponto di subjetivismo, pela sua insisténcia sobre o problema da materialidade daquilo que acontece pela linguagem, Foucault desenvolve com a nogio de enunciado 0 que se pode chamar do avesso da configuragio epistémica da lingiistica. Em Foucault, no ni enunciativo, nao ha efetivamente sujeito, mas uma posigao de sujeito suseetivel de ser ocupada por individuos diversos. "Descrever uma formulagdo enquanto enunciado, escreve Foucault, nao consiste em analisar as relagdes entre o autor ¢ o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em determinar a posigio que pode e deve ocupar todo indviduo para ser 0 sujeito.” Sob o titulo Liarchéologie du savoir, 0 que procura Foucault é, entre outras coisas, fundar uma cigncia que tenha um objeto proprio, o discurso, 4que daria conta da materialidade dos objetos ideologicos ¢ dos objetos de conhecimento, isto é, da materialidade do processo de producdo-reproducio das. significagses. A configuragio cpistémica dessa "ciéncia do discurso” apresenta-se na verdade como sendo o avesso da configuragao epistémica da lingifstica na medida em que ela esté centrada na materialidade quase circunstancial dos 106 cenunciados ¢ substitui © desdobramento da forma-sujeito por lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente preenchido por individuos diferentes". Notar-se-4 que Foucault s6 procut articular sta nogio de discurso com o conceito de lingua num sentido muito particular que ilumina justamente a relagdo entre a configuracio epistémica do objeto discurso a da lingiistica, © anti-subjetivismo de Foucault lova-o a deixar de lado a questao do amento, a questo do sujeito. Ora, 0 fato de escamotear essa questio tem conseqiiéncias muito importantes. Sobretudo, sem cla nio se pode pensar a relagao existente entre 0 desdabramento da forma-sujeito © a distingio entre ideologias praticas ¢ ideologias tedricas de que falamos no Prétogo. Além do imais, cla impede que se possa dominar a contradigio objeto real- objeto de conhecimento na lingitistica, sem apelar para a psicologia ou a sociologia, Por essa razio, desenvolveremas a seguir as indicagoes dadas no Pr6logo, no que toca as relagdes entre iguagem e constituicéo do sujeito de um lado ¢ entre ideologia © assujeitamento do outro. 107 NOTAS * Foucault, Liarchéotogie du savoir, p. 119. tia, p. 126 109 UW SUJEITO, LINGUAGEM E SABER EM TORNO DA LINGUISTICA CAPITULO I A LINGUISTICA NO CAMPO E FORA DO CAMPO DA COMPLEMENTARIDADE © campo da complemeataridade (© lugar atribuido ao sujeito nas teorias lingifsticas comanda 1 posicéo tomada com relagio ao sentido, naquilo que se entende por lingua; ele determina a concepgio global da gramética e, pa ‘além, 0 tipo de prova assim como 0s resultados. Isso é verdadeiro mesmo quando 0 sujeito esti encoberto como na lingiifstica distribucional oriunda de Harris, Como pano de fundo das divergéncias entre as teorias, perfilam-se concepgdes diferentes do que se entende por ciéncia em geral © por cientificidade na lingiistica em particular. Tudo isso nos leva a mio mais nos limitarmos ao terreno especifico da lingiiéstica, para explorarmos os 0s, aquilo que do externo da lingiistica opera nas teorias tao determinante. que a lingiistica cmergiu numa conjuntura cientifica ¢ ideol6gica cujos cixos podem ser descritos. Como contraponto a evidéncia de que a finguagem pode ser enfocada ao mesmo tempo como uma *realidade psicol6gica’ ¢ como “uma realidade social’, ¢ inicialmente 13 psicologia e sociologia que encontramos no contexto da lingi Lembremos uma vez mais as refer cexplicitas de Whitney © aos elementos de psicologia, sobretudo através. da evocagio de uma faculdade geral comandando. os signos.! Lembremos que as posigdes teGricas que dcterminam a elabe das graméticas gerativas desembocam sobre uma psicolingiiistica exja renovacao a partir de Chomsky & notavel, enquanto com as posigies construfdas por Harris a questo da adequacio apela para a sociologia (determinacdo dos "tragos das situagies sociais").! Ao mesmo tempo, a lingiistica oriunda da gramitica hist6rica ¢ da filologia marca uma ruptura com relagio as (eorias puramente mentalistas da linguagem, inclusive aquelas que evocam alidade dos povos’ Tocamos aqui na posi stica no campo coberto pelo que, correta ou incorretamente, chamamos de as “cigncias humanas" ¢ as “ciéncias sociais". A propria oscilago que nstata na identificagio dessé campo é reveladora. Ela é testemunha de que cle € dominado por uma problemitica que designaremos globalmente como sendo aquela da complementaridade ¢ que podemos resumir esquematicamente em uma frase: do humana, tudo aquilo que ndo é de ordem do psicolégico, € sociale reciprocamente. O- que caracteriza portanto essa problemitica é que nao hi hiato entre o psicoldgico Co social: toda realidade humana & ou bem uma, realdade psicolégica, ou bem uma realidade so Enfase & posta seja sobre o psicok psicoligico sustenta-se diante do social pela animalidade humana, com 0 corpo orginico, de tal modo que 0 social como realidade auténoma supe sempre um psicoligico, a menos que se absorva no organicismo. Tn psicoligico ante a animalidade pela refer como testemunha @ contraria 0 comportamentalismo que afasta precisamente esse corte postulando no psicolégico uma pa: continua do a Segundo as tworias, a sobre © social. O agem al ao humano, Em resumo, formular uma dade social autnoma supde uma realidade psicolégica 114 inversamente. Hé portanto uma circularidade da dupla realidade psicoligica/realidade social. ‘A linguagem, sendo propria do homem por oposi¢ao a0 animal, encontra-se numa posigo notivel no campo da comple- mentaridade. A existéncia da linguagem ¢, de um lado, invocada ‘como apoio a uma irredutibilidade do humano A animalidade, isto 6, da realidade autonoma da dupla psicol6gico/social. Ao mesmo tempo, no campo da complementaridade, a linguagem aparcce de maneira privilegiada como aquilo que assegura a articulagio do psicolégico © do social, principalmente em torno da nocio de comunicagio. Donde os temas bem conhecidos da linguagem cenquanto instrumento de comunicagao, das relagdes entre linguagem ce socializagio, linguagem c desenvolvimento psicol6gico, linguagem € recorte da realidade (hipétese de Sapir-Whorf, em particular) te... Mas 0 que nos importa aqui é que de uma certa maneira nio ha lugar no campo da complementaridade para a lingiistica. Sendo da ordem do humano, a linguagem deve reduzir-se a uma realidade psicolégica c/ou social, Sob 0 dominio da problemética da com- plementaridade, no hé lugar para 0 conceito de lingua e para uma cordom de realidade auténoma correspondeate. E, entretanto, nesse campo que a lingiistica isola um espago que rompe a compl mentaridade € que, por isso, & constantemente contestado, amea- gado de ser encoberto por um ou outro polo da dupla psicologico € social. Nesse sentido, 6, por exemplo, significative © projeto de uma “psicologia social da linguagem", pretendendo deduzir as propriedades das linguas a partir dos seus mecanismos de ‘comunicagao e de suas "leis de interagio social’. Poderfamos, alids, multiplicar as ilustragdes do fato de a psicologia ¢ a sociologia tentarem ¢ nfo poderem deixar de tentar absorver ow anexar 0 objeto proprio da lingiiistica. Ao mesmo tempo, a lingiistica conserva nas suas margens aderéncias com o campo no qual cla faz, seu ninho, isto é, antes de tudo, com a psicologia ¢ a sociologia. Isso std muito claro em Saussure mas também € verdadeiro na lingiistica atual, tanto de Harris quanto de Chomsky com as postas diferentemente sobre um ou outro polo. Mostramos, 15 longo da primeira parte deste trabalho centrando-nos na questio sintoma da pressuposigio. A posigio singular da linghistica fez com que ela tenk: podide aparecer, © apareca ainda, como uma ciéncia humana ow social piloto, enquanto, ao mesmo tempo, ela esta nesse campo que € contestado na sua autonomia, E verdade que a linguistics, a0 conquistar seu direito de cidadania, in Inguagem enquanto realidade relativamente independente do sicologico e do social. Admite-se geralmente que haja uma ordem 41 finguagem relativamente aut6noma . E essa situagio nova que desereve Lacan num treeho no inicio de A instdncia da letra no inconsciente ou a razio segundo Frewk *., a dualidade ctnogréfiea da natureza © da cultura esti prestes a ser substituida por uma concepgio ternéria — natureza, sociedade, cultura — da condigio humana, em que provavelmente o terceiro termo redurit- em, OU Seja, Aquilo que distingue essencialmente a 1 das sociedades animais".” sociedade hu Nos niio podemos esgotar o tema aqui pois isso significaria ‘enganar-se sobre a porta real da irrupgao da lingtifstica no campo das ciéncias humanas ou sociais. Com efeito, se ha ui lugar para a linguagem como realidade relativamente autdnoma nesse campo, se houve uma ruptura na complementaridade © na circularidade dt dupla _psicol6gico/social, essa complementaridade¢ essa circularidade se restabelecem facilmente termos em ver de dois. Uma v cham: ido. sobre_ os tr8s io coringa, € 0 caso de assim, de comunicagio € © principal instrumento desse fechamento do campo da reatidade humana, Mas permancee unia questo pendente, lancinante, aguela da ordem de realidade da lingua, da sua forma de materialidade. Pedemos dizer agora que sio a psicologia¢ a socoloia que retormam quando surge essa questio e que posigio da lingistica no campo da complementaridade, Mas uma maneira excessivamente abstrata de formulae o problema, ‘Surge aqui uma dificuldade que parece que provém do fato de 56 podermos conceber a realidade da linguagem através de (1) 16 uma relagio exterioridade/interioridade © (2) como uma "coisa’ Relagio exterioridade /interioridade, isso pode tomar, por exemplo, 1 forma: lingua como instituigio/lingua como realidade depositada nos cérebros dos individuos. Digamos que, do ponto de vista do sujeito que tematizamos aqui, exterior & o social (c, pa cio fisico), 0 interior é o psicologico. E preciso alojar a em algum lugar Ii dentro, a0 mesmo tempo no exterior. Quanto a realidade da linguagem como coisa’, admitimos que ela nio ma no tempo (0 latim, o gaulés, 0 francés etc...) © no espago (0 francés, 0 alemio, o polonés etc. ‘mas essa coisa variavel no tempo seria sempre, aqui € agora, uma coisa, Além do mais essa realidade da Tinguagem & considerada decomponivel em elementos, mas esses elementos si0 também concebidos como “coisas” (as palavras, as frases cl Conceber assim a realidade da linguagem esta em rela com as operagées concretas de comparagao, substituigio/com- binagio com as quais operam os lingilistas © com base nas quais, Jakobson, ao idenified-tas as operagbes que estariam implicadas na produgio de qualquer mensagem, define os dois yrands cies da io, contexto © metonimia de um lado; selegao, fora de outro).! Como todos aqueles que abordam a realidade da linguagem , Jakobson supde que o lingiiista apenas reproduz © descreve: de maneira sistem: as operagées que faz espontancamente, consciente ou inconscientemente, 0 sujcito inte. Desse ponto de vista, a lingiifstica seria apenas a explicitagio de um saber que possuiria, principalmente sem se dar conta, todo sujeito falante, Esse saber que estaria na origem da evidéncia da realidade da linguagem é, além do mais, considerado como formulivel de mancira reflexiva. A descrigao sistemdtica recorre a comparagées, elassificagbes etc... que podtemos conecber em toda sua generalidade (0 que remeteria a um sujeito do tipo piagetiano), mas que podemos também considerar de mancira restritiva como idéntica as Gnicas operagies que faz 0 sujcite falando, ou selecionando © combinando os elementos que wstituem suas mensagens. Supde-se que se possa tomar 17 consciéncia dessas operagdes reflexivamente (sobre modelo, por exemplo, da abstragao refletora de Piaget). Por outro lado, o sujeito toma os elementos de suas mensagens em um estoque (0 “eédig para Jakobson) que nao Ihe pertence: é 0 fato da exterioridade. Enfim, a selecio © a combinagao das palavras sao assujeitad restrigées que também fazem parte do cédigo © que portanto nio sao individuais, Essas restrigdes constituem, para ser preciso, 0 saber linglistico do sujeito falante. A “midiquina I6gica* ou 0 "aut Resumo agora as caracteristicas do sujeito que se manifestam, a propésito da linguagem, no campo da comple- mentaridade. Esse sujeito € ao mesmo tempo individual, universal € social, Sua dimensio especificamente universal esta ligada as s de comparacio, substituigao, concatenagio que estio implicadas na composicao e interpretagao de toda mensagem. Essas (© como idéntico, em um certo nivel, que podemos conceber a partir do modelo de Tiiring (autémato abstrato) mais ou menos propriamente lingiistica, e também social uersubjetiva, desse sujeito é relativa, de um lado, ao estoque de elementos sobre 0 qual cla opera ¢, por outro, a especificagio da maquina 16 u funcionamento sobre esse cestoque de elementos. Essa especificagio corresponde as limitagoes a que se submetem a sclecao (por cxemplo, s6 os elementos ilares" so substituivcis) © a combinagio dos elementos (por exemple, certos verbos supdem um sujeito animado). Enfim, toda mensagem tem um caréter individual porque representa a escolha de uma produgdo particular no conjunto de todas as produgd possiveis da miquina a specificada. Donde de uma "liberdade do locutor” na qual & possivel alojar muitas coisas: a afetividade, as motivagées, a criatividade individual (que nao deve ser confundida com 0 que Chomsky chama de a "criatividade da linguagem", que se refere a idéia de que 0 conjunto das produgdes possiveis, das mensagens diferentes, é in cca € potencialmente us. infinito), as erengas, as opinides ete... Isso constitui a dimensio propriamente individual do *sujeito da linguagem” no campo da complcmentaridade, dimensio que se pode considerar como constituida na intersubjetividade do social ou somente ma individualidade, No nivel de gener modelo do “sujeito da finguagem’ que descrevemos ao referirmo-nos a Jakobson, vale pa Lcorias lingiisticas, em particular para Chomsky ¢ Harris. Salvo que, independentemente de outras especificagdes que aparecem depois, a hipdtese do cardter subjetivo dessa reatidade re 0 cariter disereto © recorrente, portanto 1, dos elementos constituintes do ato de fala © 0 sentido rejeitado no social, s6 ha em Harris uma deserigao eujo o sujeito falante, mas apenas o lingtiista. Saber quais| sio as propriedades que devemos supor no lingiiista, saber se clas, tém uma relagio com aquelas do sujcito falante, nio é seu problema, Ele volta a essa questo apenas indiretamente, no nivel do problema da adequagio da descrigio, confrontando esta com a 40 do sentido pelos "tragos de situagdes sociais'. Fora ade em que nos colocamos, esse 10 campo da complementaridade, todas as no nivel do problema da especificagdo da maquina logica. Isso no tem nada de surpreendente na medida em que, considerada sobre essa base, af reside todo o problema da Tinghistica: & essa especificagio que define a gramaitica enquanto sistema de regras particulares. E tam s¢ nivel que se levantam as questées que levam a distingdo entre competéncia e desempenho na perspectiva iS gerativas, € & da aceitabilidade na perspectiva distribucionalista, Nio voltaremos a esse ponto, pois decidimos situar-nas de agora em diante nos contornos da lingtifstica © nao mais sobre seu proprio terreno, a nao ser para frisar 0 parentesco deste "sujeito da linguagem" com o sujcito piagetiano. A tinica diferenca & que Piaget formula a questio da génese da “méquina logica’ que r 19 Tingiistica que levanta a possibilidade de do sujcito piagetiano ao “sujeito da linguagem’. © problema apelando para um empirismo confesso ¢ tematico no nivel dos principios. Descritivamente, na medida em as emprestadas do ncopositivismo légico podem s, isso deve ser relacionado com o ponto de vista extensional que cle adota como mostrou Milner;” ponto de vista que 0 opde ao de Chomsky, que seria o da compreenss Para Chomsky, como para Piaget, 0 conhecimento” ou “da ciéneia” é interno ao sujeito indi em em ger como um e1so particular da maquina logica, em toda sua generalidade, © define um primeiro ivel de contingénci tica da realidade da linguag geral, De outro lado, uma segunda ordem de esp caracteriza cada lingua como um caso particular da maquina ligica, especificada no primeiro nivel e define um segundo nivel de contingéncia, idiossiner: ermo de Chomsky. De fato, nao hd nenhuma razio te6ri se parar em tao bom caminho para tentar recobrir complet © campo das ¥. weis da realidade da linguagem no espago mo tempo, depreendendo subsistemas da lingua caracteristica de uma época, de uma regio, de um meio social,” ou mesmo de um individuo.” Em tvoria, no hi atribuiveis a priori 4 formalizagio, Na pritica, ha sempre um residuo que, na perspectiva das gramiticas gerativas, faz ressurgit as dimens6es sociais © individuais do "s vies do desempenho. J na perspectiva distribucionalista, em que 120 Jo tem seu lugar, encontramo-nos ma situ subclasses ao infinito em Fungio de eritérios operacionais, Na perspectiva das gramiticas gerativas, no pano de fundo do “sujito da Finguagem’, em seu fundamento, acha-se postulada, yuina logica® de ordem mais geral que a especificagio relativa & finguagem em geral; maquina logica que & a condigio de possibilidade das especificagSes ulteriores © de sua teorizagao, B. sobre essit maquina que repousa a unidade da teoria © & cla que d ia a posigo do “sujeito do conhecimento” ou do sujcito da cigneia", Na perspectiva distribucionalista, o principio da unidade da (eoria (a qual deve englobar 0 conjunto das cespecificagées necesséias para produzir a singularidade de todo corpus Tigado a uma situagio © a um meio dados como caso particular de uma gencralidade que cobre outras situagbes ¢ outros eins) conduz a uma situagio andloga, salvo que @ generalidade totalizante que & assim formulada nio € mais apresentada como sendo da ordem da subjetividade do animal humano falante, mas apenas como definindo © ponto de vista da cientificidade © da objetividude com relagdo & reatidade da linguagem. Nos dois eases, t de produzir uma unidade da diversidade dessa realidade. Essa unidade ¢ formulada em referéncia a uma posigao do "sujeito da cigncia" que, como cm Piaget," pode ser considerada como interiorizada pelo sujeito falante ou como exterior a esse sujcito, em tum lugar situado fora do alcance da conting ujeito da ci € definida de mancira puramente no se, como em Piaget, atribuimo-the em cltima posigio do formal, mes ’incia um fundamento bioncuropsicolégico, ou at iam as estruturas logico-matematicas, ou um cia de uma "relagio absoluta © necessaria das menos proprios aos seres vivos quanto em coisas, tanto nos fei todos os outros’.!? Essa configuracio do “sujeito da ciéncia” serve para ilustrar ‘o que se pode chamar de a fungdo totalizante do formalismo, ‘Totalizante naquilo que, para fundar a ordem da linguagem numa 121 seja cla obj realidade, iva, ou soja ao mesmo tempo subjetiva ¢ universal, essa fungéo opera uma ruplura no campo. da complementaridade do social e do psicoldgico, deixando intacto aquilo que reeobre a complementaridade dese campo, a saber, a dimensio hist6rica. Nao qualquer dimensio da histéria; ndo aquela tem especial que esti incluida na defini¢ao do sujeito epistémico de que procede de niveis em niveis, sendo a0 € suficienre do nivel seguinte, cficiente, uma vez formulado um nécleo funcional ristico da ordem humana, Essa historia, ou mais (c/ow arqucologia) decorre de uma ria causa de si, existéncia de um “sujeito da historia” representado pelo niieleo funcional) do. proce produgo do conhecimento, A dimensio da hist6tia & qual faco referi aquela que se acha formulada no conccito de “luta de classes’. Esse conccito € totalmente ocultado pela complemen- laridade do campo definida petos pélos do psicoldgico e do social, na alterndneia que faz passar da produgio da sociedade, baseada nas relagées entre os sujeitos, a produgio dos sujeitos pela dade em que cles devem ocupar um lugar. 0 de Se a configuragio do "sujeito da cigncia" no campo da complementaridade culmina num formalismo totalizante, e a des; 0 do paradoxo que se possa ver af nesse momento que isso decorre, em primeiro lugar, do fato de essa vonliguragio passar 20 largo da dimensio da histéria formulada pelo conccito de “luta de classes"; dimensio da historia que a complemen funso ocultar. aridade tem por A critica ao formalismo na lingiistica es l, para ser feita; tanto no proprio terreno da lingiistica, do interior desta,” quanto do exterior, isto é, do nosso ponto de vista aqui. Eu me contenta lo na sua relagdo com a problemitica da complementaridade. © formalismo, cuja origem alguns remontam & idéia de lingua como todo € principio de classificagio, marca incomtestavelmente uma passagem para o materialismo da complementaridade. E, com cfeito, a idéia de lingua como todo ¢ 122 principio de classificagio que sanciona @ posteriori a ruptura da Lingijstica com a gramética histérica ¢ a filologia sustentada por io continuista da historia. & também essa idéia que a universal e racional, uma concep. marca a posteriori a ruptura com a gram: teflozo das leis do pensamonto. Ela representa, nas formulagies de Saussure, a posigio do conceito de lingua e libera as condighes de um estudo conereto de uma realidade da linguagem na su diversidade e sua materialidade. Mas, vimos, ha limites nessa ruptura, limites ainda vigentes na finguistica de hoje, a despeito do que pensam (odos aqueles que dizem que remontar a Saussure voltar ao dilivio. Quaisquer que sejam as contribuigées cientificas incontestiveis das teorias recentes, clas no impedem 0 explodir 0 conecito de ling io do formalismo, pela 4a ou do conhecimento, que se (re)fechamento do campo que f Ora, paradoxalmente, 6 com a c configuragao de um "su opera, a partir desses limites, o (re)fechamento do ito da_linguay £. absolutamente chomskyniano, 0 da competénci tum certo sujeito do campo da complementarida ser breve, podemos chamar de sujeito comportamental, Mas se, além do’ mais, Chomsky chegou a dizer que "a investigacio istica leva a postular estruturas ¢ prinefpios mentais que ndo penas inconscientes, mas para além dos limites de natureza introspectiva possivel’* se para explicitar o que cle entende por firma que "cada um de nds dominou ¢ se te um sistema de gramitica que atribui 3s utilizamos esse saber sem , marea uma ruptura em rel c, aquele que, para competéncia ele representou internam descrigies estruturais a essas frases, fstarmos conscientes on. mesmo sem que seja_possivel estar consciente no decorrer da produgio dessas frases ou na sua compreensio quando clas so produzidas pelos outros’ tudo isso io deve, porém, levar a supor, apressadamente, convergéncias, Piaget também, vimos, fala de inconsciente cognitivo. Ele afirma explicitamente que a cvidéncia completa das coordenagbes werais da es do "sujeito epistémico’, implicaria unva mente sem fim’, pois seria necessirio jeralidade cada vex maior, até 0 “repress retornar de nivel plano biofisico, para atingir as coordenagées “iniciais". Ele vé nesse rocesso até mesmo o fundamento do acordo da matemtica com © real, partindo do prinefpio que as estruturas légico-matematicas sao construidas a partir das coordenagdes mais gerais das atividades do sujeito, as quais se furndam em tiltima instancia, acabamos de ver, sobre coordenagies orginicas. Portanto, ha mesmo uma certa convergéncia entre 0 sujeito psicoldgico piagetiano € 0 sujeito da linguagem chomskyniano, convergéncia que aliés jé encontramos ¢ ‘que apenas acabo de tornar mais precisa. Mas deve-se dizer a partir dai que o inconsciente (ou a inconsciéncia?) de que se trata aqui e 1 tem alguma coisa a ver com o inconsciente freudiano? Deixarei Por enquanto essa interrogagdo em suspenso para enfatizar que & ‘no nivel da configurago de um "sujeito da ciéncia’, pelo vies da hipotese de uma interiorizagdo de um saber" no individuo (saber a0 qual se reduziria estruturalmente todo saber lingiistico concebivel (Chomsky), ou mesmo todo saber concebivel em geral (Piaget)), que a possibilidade de uma articulagao entre psicologia ¢ lingiistica encontra-se restabelecida. Que esse saber esteja fora do alcanee da conseiéneia individual” na atividade da linguagem ou na atividade em geral, é secundario. Porém ¢ util observar que essa configuragio de um "sujeito da ciéncia’ coincide com a volta A confusio entre objeto real ¢ objeto de conhecimento, ou pelo menos a0 desconhecimento da sua natureza contradit6ria (natureza mental dos principios que esto na base da gramética ¢ fundamento orginico dos principios gerais do saber que regula a atividade humana). Argumento aqui que a configuragio de um tal "sujeito da ciéncia’ € sempre acompanhada por uma forma de redugio do ‘objeto de conhecimento ao objeto real Quanto ao papel do formalismo no exterior da lingiifstica, foi claramente caracterizado por Pierre Raymond cujas observagies wei aqui in extenso: --oformalismo lingilistico, que de imediato ajudou omecanismo do pensamento, apdia-se, antes, sobre wm conceito fundamental, 0 da 124 weatscras poset fomece um merle de tacotha ard um mateatino ripe do pen views endo pus; le da iusto de que problemdtien sua ewolugao ue ofirmaines, eh dual que ele digs ele nos leva ao confroto meme onveral, no moles dso mmo o homem por toda parte porador da I Velad? convidando.opedagoge a redundinca: como o mal nto émuncn dabélico, 0 ‘deal de harmonia venceu antecipadamente todas as contradigaes tanto 0 Como ja indiquei, Raymond aqui nao ° formalismo na lingiistica quanto sua expressio fora da lingiifstica, no campo da_complementaridade. assim © papel desse formalismo no (re)fechamento desse campo € sta relagio com 0 encobrimento nele, da dimensio da hist6ria, formulada pelo conccito de luta de classes. Com a introdugao de estruturas l6gico~ matemiticas, através de uma certa exploragio da matemitica, & ‘ado o problema da modalidade de existéncia do objeto da 125 ca ¢, para alé edida em ie o dimenes classes" ndo tem lugar na problet da complementaridade, isso ees oe east eee oe nese campo, coat apuio da indsiduliede; co pevcree a cbjetnidade da verdad Genin, Deno claro uc ado se neta de ogee a anes au pean om eucade€ una lorie Setloges done nia concepgio abstrata da objetividade cic © buque wvertide A verdade nao é abstrata, € conereta, diz Lenine.” © ave dizer sobre isso? Uma passgern do polio da segue eae da radu soc, 4 seonomin pica s0 fons teatro por fenimsnos lion. Fomemos a Inger © peas om ge essa tuts io se desenvolveu ai é també: verdide inseparivel da propria exténcia das classes na sovedade burguesa constitui-se, cle o formula ingenuamente, como a lei © periodo elissivo 126 natural, imutivel, da sociedade humana. Seria atingir o limite que ia burguesa nao ultrapassars’.” Mare diz: “A economia ode continuar uma ciéncia se a luta de classes ente ou 36 se manifesta por fendmenos isolados"; isso significa que a economia politica burguesa ¢ uma ciéncia que partir de um certo momento deixa de sé-lo; que tudo aquilo que {inha todos os atributos da objetividade © da verdade cicntifiea perde-os. Nao € porque essa verdade teria sido apenas uma aparéncia de verdade escondendo uma outra verdade absoluta © escondida, mas porque a realidade foi transformada, nio por uma causalidade interna 2s suas estruturas, operando como a condi necessiria ¢ suficiente da sua transformagao, mas pelo desenvolvimento da luta de classes. Ora, a Inta de classes, se eka pressupée exatamente a divisio em classes, ¢ portanto F produgio que determinem essa di i uma estrutura. Bla é de ordem politica. Situar 0 conceito de elass nessa dimensio € expor-se a obje 4, sob a categoria do politico, um sujeito da historia, causa primeira. Sabe-se que aqui que Marx se separa de Hegel afirmando, sobre a base do principio materialista do primado do ser sobre 0 conhecimento, que io se poderia antecipar as transformagées materiais da realidade e que, no campo da luta das classes, toda especulagio sobre as formas da realidade humana, sobretudo sobre 0 que seria ah sprovida de qualquer fundamento «i la sabemos do que poderia ser o material i Tudo © que se pode dizer é que 0 s* represen io da objetividade da verdade cientificas no que diz respeito a historia conereta dos homens conerctos no campo dessa luta de classes, E uma objetividade ¢ uma verdade pritica, concrota, que visa a realidade no como uma substncia ou uma coisa, fosse ela reduzida a uma cestrutura puramente formal, mas enquanto processo mat A contribuigio decisiva de Marx para a teoria do processo de produgio do conhecimento cientifico deve-se a relagio que ele estabelece entre a forma-sujeito do politico ¢ a formasujeito do politica 56 pecifc tori, numa sociedade comunista, s6 pode set ico. Podemos, portanto, di 127 cimento cientifico2" No campo da complementaridade, essas formas-sujeito estéo separadas na neutralidade da Ciéncia; Marx estabelece o principio da subordinagio da segunda a primei a0 mesmo tempo, 0 proeesso de produgio do coahccimento ienlifico cai no campo da lata de class data dese principio & que a posigao do 0 da ciéncia’ aio € a posigio de um “sujito universal, , do qual se poderia dizer que, nos seus limites, seu damento € mental ow orginico, mas a posigio de um sujito historico, assujeitado &divisio em classes. E somente a partir desse principio que se pode coneeber que 0 materialismo historico nfo saberia representar para a classe do ecient, objetiva, conereta, que ele se bem minada, a tnica suscetivel de u Brita, Do ponto de vista da classe dominant o “seit da do campo da complementaridade representaré a posi¢io da objetiitade da verdadecintcas © comhecemes 0 Papel que dessa complementaridade. O ismo histGrico supe uma posi¢ao de sujeito da ciéncia que rompa com esse sujeito permanente, eterno, se} a0 no fora-do-lugar ou por sta génese no modelo do sujeito ico piagetiano, integrand 0 processo de produgio do Ita de epi conhecimento, concebido como auténomo com rel Que isso nao signifique cair na armadilha da dist erdade absoluta" © "verdade relativa’ (0 fato de que a verdade

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