Morte Encomendada

Fui acordada com os seus gritos enquanto ela era arrastada pelo beco. Eram gritos histricos,
desesperados, de quem sabia que seu destino no seria nada agradvel. Depois de ouvir as
splicas por piedade no consegui mais pregar os olhos. Revirei-me na cama pensando no que
ela estaria sentindo naquele momento, com os ps amarrados, carregada de qualquer jeito
pelos seus membros superiores, enquanto, assustada, observava o ambiente estranho ao seu
redor sem entender direito o porqu de estar ali.
Ouvi o rudo dos seus ps arranhando o balco inox, mais alguns gritos e depois s o silncio.
Ela morreu agora, pensei. E a angstia cresceu ainda mais, pois eu sabia que teria que
encarar o corpo sem vida. Ainda no meu quarto, no sabia o cenrio que iria encontrar. Ser
que havia sangue espalhado pelo cho? Ser que ela sofreu muito, enquanto sua vida se
esvaa pelo corte em seu pescoo? Foi terrvel imaginar isso. Mas eu tive que tomar coragem e
deixar o conforto da minha cama, que j no estava to confortvel assim por causa da
conscincia pesada.
Abri a porta do quarto meio vacilante, caminhei em direo ao quintal, local onde o assassinato
foi cometido. O corpo dela no estava mais l, o que me aliviou.
- Ouvi a gritaria falei para a carrasca.
- Ah, nem fez tanto barulho assim respondeu com a frieza de quem j havia matado
dezenas.
- Cad ela? perguntei.
- J est na geladeira.
- Jogou a cabea fora?
- Joguei! Est dentro do balde de lixo. Quer olhar? disse a algoz, em tom de deboche, com
um sorriso de canto de boca.
Apesar do mal estar que a cena me causou, bateu uma curiosidade mrbida e ainda cheguei a
erguer um pouco a tampa do balde de lixo, porm s avistei parte de suas vestes.
- P, me, da prxima vez compra frango congelado. Esse negcio de matar a galinha em casa
medieval.
- Foi voc quem disse que estava com vontade de comer ensopado de galinha.
Eu sabia que para conseguir o que eu queria teria que haver morte, mas eu no precisava
acompanhar parte do processo sinistro. Um dia, eu tomo vergonha e viro vegetariana.