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\ulo Queiroz » Impressiio » Leis penais em branco e principio dar... hitp:/pauloqueiroz.nev/leis-penais-em-branco-e-principio-da-reserv - Paulo Queiroz ~ http://pauloqueiroz.net - Leis penais em branco e principio da reserva legal Publicado por Paulo Queiroz em Direito Penal | Como é sabido, as assim chamadas lels penais em branco ~ expressdo que procede de Karl Binding ~ so normas penais incriminadoras que, embora cominem a sancdo penal respectiva, seu preceito, porém, porque incompleto, depende de complementagéo (expressa ou técita) por, outra norma, geralmente de nivel inferior (decreto, regulamento, portaria etc.), de modo a precisar-Ihe o significado e contetido exatos; leis penais em branco 80, enfim, tipos penais estruturalmente incompletos* . Exemplo disso so 0s casos de tréfico ilicito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) e a omissao de notificacdo de doensa (CP, art. 269), que remetem & norma inferior a complementagao do seu significado, determinando Quais so as drogas ilicitas que produzem dependéncia fisica ou psiquica ¢ quais s80 as doengas de notificagdo compulsoria. Pots bem, questéo das mais relevantes e pouco debatida diz respeito 8 compatibilidade deste tipo de norma com o principio da reserva legal. ‘A doutrina, embora eventualmente exija o atendimento de certos requisitos, tem-nas como ‘constitucionais e compativeis com o aludido principio. Assim, por exemplo, Luz6n Pefia, para quem, 0 recurso a técnica de remissdo ha de ser absolutamente excepcional por resultar estritamente necessdrio, imprescindivel, e ndo meramente conveniente, para completar a descricdo tipica da conduta* . De modo semelhante, Cerezo Mir aduz que esta técnica de remiss&0 s6 é aceitavel quando necesséria por razdes de técnica legislativa (por resultar em outro caso a regulacdo legal excessivamente casuistica), e pelo carater extraordinariamente cambiante da matéria objeto da regulacdo, que exigiria uma reviséo mui freqdente das agées proibidas ou ordenadas, motivo pelo qual na lei penal em branco ja deve conter a descricSo do niicleo essencial da ado proibida ou ordenada® . Finalmente, Jescheck considera que quando a norma que ha de completar a lei penal em branco tiver cardter delegado, o legislador deve prever a cominagao legal, bem como descrever com tal precisdo 0 conteddo, a finalidade e 0 alcance da autorizacao que o cidadso possa extrair 8 na lei mesma os pressupostos da punibilidade e a classe de pena, pois, do contrario, no se respeitaria o principio da determinagao legal do delito e da pena* . Entre nés, manifestam-se pels constitucionalidade Luiz Régis Prado® e Guilherme de Souza Nucci, entre outros® E no sentido da inconstitucionalidade Rogério Greco’ e André Copetti® . Sobre o assunto, 0 Tribunal Constitucional espanhol (sentenca 127/1990, de 5 de julho) 8 teve ocasio de se pronunciar pela constitucionalidade das leis penais em branco, exigindo, porém, que *o reenvio normativo seja expresso e esteja justificado em razio do bem juridico protegido pela norma penal; que a lei, além de prever a pena, contenha 0 niicleo essencial Ga proibiggo e seja satisfeita a exigéncia de certeza, ou..se dé a suficiente concrecso, para que a conduta considerada criminosa fique suficientemente precisa com 0 complemento indispensavel da norma a que a lel penal faz remissao e resulte, desta forma, salvaguardada 2 fungao de garantia do tipo com possibilidade de conhecimento da atuagéo penalmente Cominade”. De acordo com este entendimento, portanto, so necessérios os seguintes Fequisitos: 8) necessidade estrita da remissdoj 'b) que a norma, embore incompleta, jé preveja a sancdo especifica; c) que o preceito contenha 0 “nicleo essencial da proibicao”. Pessoalmente, tenho que as leis penais em branco que remetem o complemento a norma inferior so inconstitucionais, por implicarem clara violago do principio da reserva legal e da divisfio de poderes. Com efeito. Tomemos como referéncia o tréfico ilicito de entorpecentes. Inicialmente, ndo 3 divide de que o art. 12 da Lei 6.368/76 atende aos requisitos exigidos pelo tribunal espanhol, uma vez que, a0 descrever 0 nucleo essencial da conduta tipica, criminaliza nada menos que 18 (dezoito) verbos e comina a pena cabivel - 3 a 15 anos de reciusdo. Além disso, pode-se dizer que © bem juridico protegido ~ a satide piblica ~ justifica plenamente 2 remissao, Estariam satisfeitas, assim, as exigéncias daquela corte constitucional. No entanto, quando a lei permite que o “nucleo essencial da proibico” seja completado por Simples ato administrativo, € 0 Poder Executive quem dird, em ultima enalise, © que 1de3 16/10/2015 19: Queiroz » Impresstio » Leis penais em brance e principio da r...__hitp://pauloqueiroz.nevieis-penais-em-branco- -principio-da-resery. constitul, ou no, tréfico ilicito de entorpecentes, afinal é ele que, um tanto arbitrariamente, discriminaré as substdncias entorpecentes capazes de determinar dependéncia fisica ou psiquica e que, por isso, devem constar do rol do niicleo essencial da proibicso. Caberia indagar, entéo: quem, no Brasil, define, realmente, o que & “tréfico ilicito de entorpecentes"? ‘Obviamente que néo € 0 Poder Legislative, mas o Poder Executivo, mais exatamente 0 Ministério da Saiide, que se utiliza, para tanto, de simples portaria, decretando, dentro do vastissimo universo das drogas, as que devem ser consideradas ilictas, proscrevendo-as. Enfim, quanto a0 assunto drogas ilicitas, quem legisla sobre matéria penal é, em tltima instancia, 0 préprio Ministério da Saude, 0 Poder Executivo, mesmo porque a lei penal em branco era até entéo, simplesmente, uma “alma errante em busca de um corpo” (Binding), e, portanto, carente de auto-aplicacgo, ante a manifesta imprecisio de seus termos e consegiiente necessidade de complementacdo. Até ento, enfim, a lei penal era uma espécie de cheque em branco emitido em favor do Executivo. Semelhante ato viola, por conseguinte, a um tempo, ainda que obliqua e sutilmente, o principio da reserva legal, por tolerar que simples portaria emanada do Poder Executivo possa dispor sobre matéria penal, criminalizando uma dada conduta, bem como o principio da divisio de poderes, jd que é aquele poder, e no o legislativo, quem acaba legistando em um talgaso. ™ N3o quer isso dizer, porém, que as leis penais em branco sejam_inconstitucionais; inconstitucional é apenas a remisséo & norma inferior que no ostente o status de lei em sentido formal, bem assim o preceito de norma que no contenha o nticieo essencial da proibico ou que sequer preveja a pena. O primeiro obstaculo poderd ser superado com a edicdo de lei pelo Congreso Nacional deciaratéria das drogas ilicitas, ainda que meramente homologatéria de proposta (portaria) do Ministério da Satide; 0 segundo, com a redacao de tipos penais com a maxima precis5o de seus elementos constitutivos, conforme o principio da taxatividade. Em isso no ocorrendo, estaremos tolerando mais uma violagéo ao principio da reserva legal, entre tantas violagdes que o siléncio ou conveniéncia vai perpetuando. Finalmente, quanto & circunstancia de a matéria objeto da remissio ser, ordinariamente, cambiante, 0 que a justificaria, temos que a mutabilidade e a incerteza que a cerca justifica, em verdade, 0 contrario: que ndo deveria ser objeto de criminalizacao ou que somente 0 fosse depois de profunda discussdo sobre o assunto, motivo pelo qual, também por esta raz80, sobre ela deveria manifestar-se, previamente, o Poder Legislativo, seja para aprovar, seja para rejeitar. Notas de rodapé convertidas1. Utilizo aqui a expressdo em sentido estrito (Binding), € no em sentido amplo (Mezger), pois, do contrario, confundir-se-do leis penais em branco com leis penais incompletas. Conceito ainda mais restrito dé-nos Rodriguez Mourullo, para quem, as leis penais em branco sdo sempre leis que remetem, expressa ou tacitamente, a determinagao concreta do preceito a uma autoridade distinta de nivel inferior, Derecho Penal, p. 87/89, Ed. Civitas, Madrid, 1978.2. Derecho Penal, p. 146 e ss., Editorial Universitas, Madrid, 1996. 3. Curso de Derecho Penal Espanhol, Introduccion, p. 156, Tecnos, Madrid, 1997. 4, Tratado, p. 98, Ed. Comares, Granada, 1993. 5. Curso de Direito Penal Brasileiro, RT, S. Paulo, 2002. 6. Cédigo Penal Comentado, RT, S. Paulo, 2002. 7. Curso de Direito Penal, Impetus, Rio, 2003. 8. Direito Penal e Estado Democratico de Direito, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2001. Impresso de Paulo Queiroz: http://pauloqueiroz.net URL: http://pauloqueiroz.net/leis-penais-em-branco-e-principio-da-reserva-legal/ Pauloqueiroz.net Paulo de Souza Queiroz: doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da Reptiblica, Professor do 16/10/2013 19:02

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