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Este livro tem como objetive ensinar ao estudante as antes na comunicagio visual. © tema é apresentado nao como uma lingua estrangeira, mas como a nativa que o estudante “sabe”, as na qual ainda no consegue “ler”. Esta analogia proporciona um método de ensino util, em parte por nao ser elaborada em ou aplicada com excessive rigor. Este meétedo de ensinar a ver ea ler dados visuais ja foi posto a prova com sucesso em varios contextos socioecondmicos Nada mais adequado, portanto, que alguns dos objetivos importantes do livro tenham sido comunicados por meios visuais. Varios exemplos ilustrades slo usados para arecer os elementos bisicos do design (a aprendizagem do alfabeto), para mostsar como eles sio usados em combinagées sintiticas simples (a aprendizagem de ‘sentencas” simples) e, finalmente, para apresentar a sintese significativa da informacao visual como obra de arte acabada (a compreensao da poesia) Donis A. Dondis é atualmente professora de comunicacao niversity School of Communication e diretora Term Public Communication Institute, dessa JINN Bs 2 if eal > = SINTAXE DA LINGUAGEM VISU Donis A. Dondi Esta colecao pretende reunir os estudos mais significativos no campo da comunicacao visual € das artes plisticas em particular, reservanda um espaco privilegiado para © modernismo, Seu objetivo é garantir a um piiblico de artistas, criticos, estudiosos e amantes da ante acesso ndo apenas aos clissicos que sinalizaram a historia da arte, para a compreensio de sua evolugio e de suas tendéneias, mas também aos manuais e estudos recentes que proporcienam os elementos essenciais para a compreensdo da gramitica da comunicagio visual, cara Profeze pefico Rois Hur: ert Imagem Sergio Romm gros, (debe Sm Tita (Boba Aw, 1921, plstco Sock, 24cm 2 107 cm 3 33 om (Copa pars SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL Donis A. Dondis. Tradogte JUEPRRSON LUNZ CAMARGO Martins Fontes ‘$80 Poulin 2003 tern PER OY ex recede Catdnora Pb |All 2A Th 3 Comp Ae jal de 8 Be Teer ema “ke res de ob ao Bw eae ns Concha Ra THD 252800 ea Fle SP Bow fe Tel (01) S40 S677 Fax (1) 3708-388? st eros som pte ere come SUMARIO Preficio | 1. Cardter ¢ contetide do alfabetismo visual $ 2. Composi¢ao; fundamentos sintaticos do alfabetismo visual 29 3. Elementos bésicos da comunicagio visual $1 4, Anatomia da mensagem visual 85 3. A dindmica do contraste 107 6. Técnicas visuais: estratégias de comunicago 131 7. A sintese do estilo visual 161 8. As artes visuais: fungdo ¢ mensagem 183 ‘9. Alfabetisme visual: como ¢ por qué 227 Bibliografia 233 Fontes das Mustragdes 235 Per Sorella Borsctta con Cuore Priscilla Anne Karb ‘San Sopostibi, 1973 D.D. eM. C. PREFACIO $e a inven do tipo mével criou oimperstivo de um alfabetismo* verbal universal, sem divide a Invenio da cimera ¢ de todas as suas formas paralelas, que ndo cessam de se desenvolver, criow, por sua vez, © imperative do alfabetismo visual universal, uma necessidade que ha ‘muita tempo se Faz sentir. © ginema, a televisto € 08 computadores Visuals sio extensdes modernas de um desenhar e de wm fazer que tém sido, historicamente, uma capacidade natural de todo ser humano, ¢ ue agora parece ter-se apartado da experitncia do homem, A arte ¢ o significado da arte, a forma e a funcio do componente visual da expresso ¢ da comunicardo, passaram por uma profunda transformagdo na era tecnoldgica, sem que se tenha verificad wma mo- dificacdo corcespondente na esiética da arte. Enquanto o cariter das artes visuais ¢ de suas relagdes com 2 Sociedade ¢ a educacio sofreram transformacdes radicais, a estética da arte permaneceu inalterada, ana- cronicamente presa @idéia de que a influéncia fundamental para o en tendimento c a conformagdo de qualquer nivel da mensagem visual deve bascar-se na inspiracdo ndo-cerebral. Embora seja verdade que toda informaséo, tanto de input quanto de output, deva passar em ambos 6 extremos por uma rede de interpretacio subjetiva, essa considers. iteracy qu der “eapachiade dele eexcrever’. Por extend, significa tar bem “educado”, “oonhecimento”, “inerucio”, ec, termes, porém, ue mia tad remo verdadero senia do wocsbuo coma ele €agulempengaso, Pur eviaraintraduss de ua neolagisno de sentido obscuro, como, por exemplo, “alfabetidade”, optow-se ‘aqui por “alfabetismo", defini no dicionria Are como “estado ou qualidade de alfabetizado’ (N. T.) 2 SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL fo isoleda transformaria a inteligencia visual em algo semethante a luma érvore tombando silenciosamente numa floresta vazia. A expres so visual significa mulias coisas, em muitas cireunstancias e para muitas pessoas. E produto de uta inteligéncia humana de enorme complexi- dade, da qual temos, infelizmente, uma compreensio muito rudimen- tar. Para tornar acessivel um cophecimento mais amplo de algumas das caracteristicas esxnciais dessa inteligéncia, o presente livro propoe- se a examinar os elementos visuais bdsicos, as estratégias € opcdes das téenicas visuals, as implicagdes paicolégieas ¢ fisioldgicas da compo: ao criativa e @ gama de meios e formatos que podem ser adequads- mente classificados sob a designacfo aries ¢ offcios visuais. Esse processo ¢ 0 comeco de uma investigaso racional ¢ de uma anilise ue se destinam & ampliar a compreensio ¢ 0 uso da expressiio visual. Embora este livro no pretenda afirmar a exisiéncia de solucSes simples ou absolutas para o controte de uma linguager visual, fica claro {gue a razio principal de sua exploragio ¢ sugerir uma variedade de mé- todos de composisio e design que levem em conta a diversidade da es- trutura do modo visual. Teoria e processo, definiglio-e exereicio, esta- lo lado a lado ao longo-de todo o livro. Desvinculados um do outro, esses aspectos nio podem levar ao desenvolvimento de metodologias que possibilitem um novo canal de comunicagao, em dltima instincia suscetivel de expandir, como faz a escrita, os meios favordveis & ago humana. ‘A linguagem é simplesmente um recurso de comuniecagdo préprio do homem, que evoluiu desde sua forma auditiva, pura e primitiva, até a capacidade de ler eescrever. A mesma evolugie deve ocorrer com todas as capacidades humanas envolvidas na pré-visualizasio, no pla- nejamenta, no-desenho ¢ na crlasio de objetos visuais, da simples fa- bricaco de ferramentas ¢ dos oficios até a criacéo de simboles, e, finalmente, & crineao de imagens, no passado uma prerrogativa exclu- siva do artista talentoso e instruido, mas hoje, gracas as incriveis pos- sibilidades da cAmera, uma opedo para qualquer pessoa interessadia em aprender um reduzido nidmero de regras meciinicas. Mas.o que dizer do alfabetismo visual? Por si s6, a reprodugio mecfinica do meio am biente nfo constitui uma boa. expressdo visual. Para controlar 0 as- sombrosa potencial da fotografia, se faz necesséria uma sintaxe visual, ‘© advento da clmera é um acontecimento comparavel aodo livro, que PREFAGIO 3 ‘originalmente beneficiou o alfabetismo. “Entre os séeulos XIII ¢ XVI, @.ordenacdo das palavras substituiu a inflexio das palavras come prin- sipio da sintaxe gramatical. A mesma tendéncia se deu com a forma- ‘slo das palavras, Com o surgimento da imprensa, ambas as tendéncias passaram por um processo de aceleraco, ¢ houve um desiocamento dos meios auditivos para os meios visuais da sintaxe.”"* Para que nos considerem verbalmente alfabetizadas é preciso que aprendamos os componentes basicos da linguagem escrita: as letras, as palavras, a of- Tografia, a gramatica ¢ a sintaxe. Dominando a leitura e a eserita, 0 que se pode expressar com esses poucos elementos ¢ principios é real- mente infinito. Uma vee senhor da téenica, qualquer individue écapaz de produzir ndo apenas uma infinita variedade de solucdes criativas para.os problemas da.comunicagio verbal, mas também um estilo pes- soal. A.disciplina estrutural esté na estrutura verbal basica. O alfabe- tismo significa que um grupo compartitha o significado atribuido a um corpe comum de informagdes. O alfabetismo visual deve operar, de alguma maneira, dentro desses limites. Nao se pode controli-lo mais idamente que a comunicaglo verbal; nem mais nem menos. (Scja como for, quem descjaria controlé-lo-rigidamente?) Seus objetivos so 8 mesmios qué Motivaram o desenvolvimento da linguagem escrita: construir um sistema bisico para a aprendizagem, a identificacko, criago ¢ a compreensSo de mensagens visuais que sejam acessiveis a todas as pessoas, ¢ no apenas Aquelas que foram especialmente tre nadas, como o projetista, o artista, o artesdo ¢ 0 esteta, Tendo em vi ta csse objetivo, esta obra pretende ser um manual bisico de todas as somunicagtes ¢ expresses visuais, um estudo de todos os componen- tes visuals e um corpo comum de recursos visuals, com a consciéncia © 0 desejo de identificar as areas de significado compartilhado. ‘© mado visual constitul todo um corpo dedados que, como a lin- -guagem, podem ser usados para compor e compreender mensagensem cdiversos nfveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais -slevades dominios da expressdo artistica. E um corpo de dados consti- tuide de partes, um grupo-de unidades determinadas por outras unida- arsball MeLakan, “The Effect of the Printed fook ou Language in the 16 ‘Century, in Exploravons in Commanications, Edmond Carpenter © Marshall MeL hun, editeres (Boston, Massachasers, Beacon Pres, 180 4. SINTAXE DA LINGUAGEN VISUAL des, cujo significado, em conjunto, é uma funco do significado das pattes, Como podemos definir as unidades e o conjunto? Através de provas, definigbes, exerefcios, observagSes e, finalmente, linhas mes- tras, que possam estabelecer relagBes entre todos os niveis da expres- so visual ¢ todas as caracteristicas das artes visuais ¢ de seu significado". De tanto busear 0 significado de “‘arte", as investiga- cs acabam por centralizarse na delimitagio do papel do conteido na forma, Neste livre, toda a esfera do conteudo na forma sera inves- tigada em seu nivel mais simples: a importincia dos elementos indivi- duais, como a cor, o tom, a linha, a textura e a propersdo; o poder expressivo das tenicas individuais, como a ousadia, a simetria, a rei- teragio ea énfase; e 0 contexto dos meios, que atua como cenirio-vi- sual para as decisdes relativas a0 design, como a pintura, a fotografia, a arquitetura, a televistio easartes grificas. E inevitavel que. preacu- acto iilima do alfabetismo visual seja a forma intcira, 0 efeito cu- mulative da combinago de elementos selecionados, a manipulagao das unidades basicas através de téenicas e sua relagio formal c composi +a com o significado pretendido. A forca cultural ¢ universal do cinema, da fotografia e da televi- so, na configuracio da auto-imagem do homem, da a medida da ur- géncia do ensino de alfabetisme visual, tanto para os comunicadores ‘quanto para aqueles aos quais a comunicagGo se dirige. Em 1935, Moholy-Nagy, 0 brilhante professor da Bauhaus, disse: “Os iletradas do futuro vio ignorar tanto 0 uso da caneta quanto o da camera.”” © futuro ¢ agora, © fantastico potencial da comunicacfo universal, implicito no alfabetismo visual, estd & espera de um amplo ¢ articula- do desenvolvimento, Com o presente livro, damos um modesto pri- meiro passo. 1 CARATER E CONTEUDO DO ALFABETISMO VISUAL Quantos de nés véem? Que ample espectro de prosessos, atividades, fungdes, atitudes, essa simples pergunta abrange! A lista ¢ longa: perceber, compreender, con- templar, observar, deseobrir, reconhecer, visualizar, examinar, ler, ‘olhar. As conotagdes so mubtilaterais: da idemtificagio de objetos sim- ples ao uso de simbolos ¢ da linguagem para conceituar, do pensamen- ‘to indutivo ao dedutivo, Q miimero de questtes levantadas por esta tinica ergunta: “Quantos de nés véer?"", nos dé a chave da complexidade do cardter ¢ do contetido da inteligéncia visual. Essa complexidade se reflete nas iniimeras maneiras através das quais este livro vai pesquisar 4 natureza da experincia visual mediante exploragdes, andlises ¢ defi- nigdes, que Ihe permitatn desenvolver uma metodologia capaz de ins- truir todas as pessoas, aperfeipoando ao maximo sua capacidade, nao 36 de criadores, mas também de receptores de mensagens visuais; em ‘outras palavras, capaz de transform4-las em individuos visualmente al- fabetizados. A primeira experiéneia por que passa uma crianga em seu proces so de aprendizagem ovorre através da conscigncia tatil. Além desse co shecimento “manual”, o reconbecimento inclui o alfato, a audicao ‘© 0 paladar, nu intenso e fecunda contato com e meio ambiente. Es ses sentidos sto rapidamente intensificados ¢ superados pelo plano icé- nico — a capacidade de ver, reconhecer ¢ compreender, em termos visuals, a5 forcas ambientais e emocionais. Praticamente desde nossa G SINTAXE DAL primeira experiéncia no mundo, passamos a organizar mossas necessi= dades e nossos prazercs, nossas preferéneias e nossos temores, com base naquilo que vemos. Qu naquile que queremos ver. Essa descrisio, po- rém, € apenas a ponta do iceberg, ¢ nfio da de forma alguma a exata medida do poder ¢ da importancia que o sentido visual exeree sobre nossa vida, Nés o aceitamos sem nos darmos conta de que ele pode ser aperfeigoado no processo basico de observago, ou ampliado até converter-se num incompardvel instrumento de comunicagia humans. Aceitamos a capacidade de ver da mesma maneira como a vivencia- mos — sem esforgo. Para os que véem, © processo requer poura energia; os mecanis- mos fisiolégiens so. automaiticos no sistema nervoso do homem. No causa assombro 0 fato de-que.a partir esse output minim recebamos uma enorme quantidade de informagies, de todas as maneiras © em ruitos niveis. Tudo parece muito natural e simples, sugerindo que niio hha necessidade de desenvolver nossa capacidade de ver e de visualiza ce que basta aceitd-la como uma fungio natural, Em seu livro Towards a Visuat Culture, Caleb Gattegno comenta, referindo-se & natureza do sentido visual: ““Embora usada por nos com tanta naturatidade, a vi- slo ainda nfo produziu sua civilizagio. A visio & velor, de grande al- cance, simultaneamente analitica¢ sintétice. Requer to pouca energia para funcionar, como funciona, 4 velocidade da luz, que nos permite reeeber e conservar um mimera infinito de unidades de informagao nu- rma fracda de segundos.” A observacio de Gattegno é um testemunko «da riqueza assombrosa de-nossa capacidade visual, ¢ que nos torna pro- pensos @ concordar entusiasticamente com suas conclusées: “Com a visio, o infinite nos ¢-dado de uma s6 ver; a riqueza & sua deseriglo." Nio é dificil de detectar a tendéncia a informagéo visual no core portamento humana, Buseamos um reforco visual de nosso conheei- mento por muitas razées; a mais importante delas é0 cariter direto da informagio, a proximidade da experiéncia real. Quand a nave és pacial norte-americanta Apolo XI alunissou, ¢ quando os primeiros e vacilantes pastos dos astronautas tocaram a superficie da tua, quan tos, dentre os telespectadores do mundo inteiro que acompanhavam a transmissio de acontecimento ao vivo, momento a momento, teriam preferido acompanhé-to através de uma reportagem escrita ou falada, por mais detalhada ou elogtente que ela fosse? Essa ocasito histériea (CARATER E CONTEDDO DO ALFAMETISMO VISUAL 7 ¢ apenas um exemplo da peefet@acia do homem pela informago vis sual. H4 muitos outros; o instantneo que acompanha & carte de um amigo querido que se acha distante, o modo tridimensional de um novo edificio. Por que procaramos esse reforco visual? Ver € uma ex- pevitncia dirca, ¢ a utilzasto de dados visuals para transmit infor- mapies representa a méxima aproximacio que podemos obter com relagdo a verdadeira natureza da realidade. As redes de televisdo de- monstraram sua escolha. Quando ficou impossivel ocontato visual di- rete com 95 astronautas da Apolo XI, elas colocaram no ar uma simulaeo visual do que extava send simultaneamente descrito atra- ‘és de palavras. Havendo opsdes, a escolha ¢ muito clara. Nio s6 os astronautas, mas também o turista, as participantes de um piquenique ‘ou o cientista, voltam-se, todos, para. o mode icénico, seja para pre- servar uma lembranga visual scja para ter em méios uma prova técnica. ‘esse aspecto, paresemos todos ser do Missouri; dizemos todos: ““Mostre-me.’ A falsa dicotomia: belas-artes e artes aplicadas A onperigncia visual humana é fundamental no aprendizado para ‘que possamos compreender 0 mei ambiente reagir a ele; a informa- do visual ¢o mais antigo registro da histéria humana. As pinturas das cavernas representam 6 relate mais antigo que se preservou sobre © ‘mundo tal como ele podia ser visto ha cerca de trinta mil anos. Ambos 65 fatos demonstram 2 necessidade de um nove enfoque da fungio niio somente do pracessa, como tambérn daquele que visualiza a socieda- de. O maior dos obsticulos com que se depara esse esforco £4 classifi- cago das artes visuais nas polaridades belas-artes ¢ artes aplicadas, Em qualquer momento da histéria, a definigdo se destoca modifica, emibora os mais constantes fatores de diferenciaglo costumem ser a uti Hdade a estética. A utilidade designe o design ¢ a fabricagdo de objetos, materiais € demonstracSes que respondam a necessidades basicas. Das culturas primitivas & tecnologia de fabricacko extremamente avanada de nos- sos dias, passande pelas culturas antigas ¢ contemporineas, as neces- sidades basicas do homem sofreram poucas modificagécs. © homem 8 SINTASE DA LINGUAGEM MISUAL precisa comer; para fa7é-lo, precisa de instrumentos para cagar € ma. iar, lavrar e cortar; precisa de recipientes para corinhar € de utensilios nos quais possa comer. Precisa proteger seu corpo vulnerdvel das mu. dangas climéticas edo meio ambiente traigaeiro, ¢ para isso necessita de ferramentas para costurar, cortar ¢ tecer. Precisa manter-se.quenite ‘seoa e proteger-se dos predadores, © para tanto ¢ preciso que cons truaalgum tipo de habitat, As sutilezas da preferénei cultural ou da locatizagao geografica exercem pouca influéncia sobre essas necessida des; somente a interpretagao e a variagao distinguem o produto em ter mos da expressio criadora, como representante de um tempo ou lugar especifices, Na drea do design e da fabricardo das necessidades vitais boisicas, supde-se que todo membro da comunidade seja capaz no ape nas de aprender a produzir, mas também de dar uma expressio indivi dual ¢ tinica a seu trabalho através do designe da decoragdo. Mas a expresso das préprias iddias ¢ resid, primeira, pelo pracesso de apren- dizagem do ofieio e, em segundo lugar, pelas exigéncias de funcionali- dade, O importante € que 0 aprendizade seja essencial ¢ accito. A perspectiva de que um membro da comunidade contribua em diversos niveis da expressio visual revela um tipo de envotvimento ¢ participa- do que gradualmente deixou de existir no mundo moderno, num pro- cesso.que se tem acelerado-por iniimeras razdes, entre as quais sobressai © conceito contempordneo de “*belas-artes", ‘A diferenga mais citada entre o utlitéria e o puramente artistico €o grande motivagdo que leva & producdo do belo. Esse ¢ 0 dominio da estética, da indagasio sobre a natureza da pereeprdo sensorial, da experiéncia do belo e, talvez, da mera beleza artistica. Mas sio muitas as finalidades das artes Visuals. Sderates levanta a questo de ‘tas ex- perigncins estéticas terem valor intrinseeo, ou de ser necessirio valorizd- las ou condené-las por seu estimulo av que € proveitoso e bom". “A cexperigncia do belo no comporta nenhum tipo de conhecimento, seja ele histérico, cientifico ou filos6fico”, diz Immanuel Kant. “Dela 3¢ pode dizer que € verdadeira por tornar-nos mais conscientes de nossa atividadle mental.” Seja qual for sua abordagem do problema, os filé- sofos concordam em que a arte inelui um tema, emogies, paixdes € sentimentos. No vasto dmbito das diversas artes visuais, religiosas, 50- ciais ou domésticas, o tema se modifien com a intene&o, tendo em co- mum apenas a capacidade de comunicar alga de specifica ou dé CARATER & CONTECDO DO ALFABETISMO VISUAL 9 abstrato, Como diz Henri Bergson: “‘A arte é apenas uma visdo mais direta da realidade." Em outras palavras, mesmo nesse nivel elevado de avaliagdo, as artes visuais tém alguma funcio ou utilidade, E fcll ‘agar um diagrama que situe diversos formatos visuaisem alguma re- lag&o com essas polaridades. A figura 1.1 apresenta uma maneira de ‘expressar as tendéncias atuais em termos de avaliagio: 2 2 de e¢ 8 gf £29 ¢ geg & 5 a3 Bs = = é a HS 2235 3 meas TARTES APLICABAS FIGURA Ll Esse diagrama ficaria muito diferente se representasse outra ci tura, como, par exemplo, a pré-renascentista (Fig. 1.2), $ ARQUITETURA # ESCULTURA, BELAS-ARTES FIGURA 1.2 APLICADAS. ow 0 ponto de vista da Bauhaus, que agruparia todas as artes, aplica- das ou belas, num ponto central de continuum (fig. 1.3). BELAS-ARTES ARTES APLICADAS FIGURA 1.3 10. SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL Muito antes da Bauhaus, William Morris e os pré-rafnetitas jé se inclinavam na mesma direclo. “A arte”, dizia Ruskin, porta-vor do grupo, “é una, ¢ qualquer separacdo entre belas-artes c artes aplicadas € destrutiva e artificial."* Os pré-rafaelitas acrescentavam a essa tese uma distingo que 03 afastava totalmente da filosafia pasterior da Baii- ‘haus — rejeitavam todo trabalho mecanizado. © que é feito pela mio € belo, acreditavam, ¢ ainds que abracassem a causa de compartilhar arte com tudo, o fato de voltarem as costas &s possibilidades da pro- ugio em masea consticuis uma negagdo Gtvia dos abjetivos que afir- mavam seguir. Em sua volta ao passado para renovar 9 interesse por um artesa- rato orgulhoso-e esmerado, o que 0 grupo do movimento liderado por Morris, “Artes ¢ Oficios”, na verdade afirmava era a impassibilidade de produzir arte desvinculada do artesanato — um fato facilmente es- quesido na esnobe dicocomia entre-as belas-artes e as artes aplicadas. Duranteo Renascimento, o artista aprendia seu offeio a partir de tare fas simples, ¢, apesar de sua elevada posirdo social, compartilhava sua guilda ou sua agremiaclo com o verdadeiro artesio. Isso gerava um sistema de aprendizagem mais sélida, e, © que era mais importante, menor especializagiio. Havin livre interago entre artista © artesto, os dois podiam participar de todas as etapas do trabalho; a tinica bar- reira a separé-los era o respective grau de habilidade. Com o passar do tempo, porém, modificam-se os procedimentos. O que se classifica como “arte” pode mudar com tanta rapidez quanto as pessoas que criam esse rétulo, “Um coro de aleluias””, diz Carl Sandburg em sew poema ‘The People, Yes", “eternamente trocando de solista.”” A concepeo contemporanea das artes visuais avangou para além da mera polaridade entre as artes ‘*belas" eas ‘aplicadas", e passou ‘a abordar questdes relativas & expresso subjetiva ¢ & fungaio objetiva, tendendo, mais uma vez, & associacdo da interpretagio individual com 2 expressto criadora como pertencente iis “belasartes", €& resposte 8 finalidade e ao uso como pertencente ao amnbito das “artes aplica das". Um pintor de cavalete gue trabalhe para si mesmo, sem a preo- cupaco de vender, esté basicamente exercendo uma atividade que The 4 prazer endo o leva a preocupar-se com 0 mercado, sendo, assim, quase que inteiramente subjetiva. Um artesio que modela um recipiente de cerdmica pode parecer-nos também subjetive, pois dé a sua obra CARATER £ CONTEUDO DO ALFARETISWO VISUAL 11 forma ¢ @ tamanho qué correspondem a seu gosto pessoal. Em scu caso, porém, hd umd preocuparde de ordem pritica: essa forma que the agrada poderd ser também um bom recipiente para a dgua? Essa modificasdo da utilidade impeao designer um certo grau de objetivi- dade que no é t4o imediatamente nevesséria, nem tie aparentena obra do pintor de cavalete. O aforismo do arquiteto norte-americano Sulli- van, ““A forma acompanha a funcéo", encontra sua ilustragdo maxi- ma no designer de avides, que tem suas preferéncias limitadas pela indagardo de quais formas a serem montadas, quais proporgScs ¢ max teriais so realmente eapazes de voar. A forma do produto final de- ppende daquilo para que ele serve. Mas no que diz respeito aos problemas mais sutis do design hé muitos produtos que podem refletir as prefe- Féncias subjetivas do designer, ainda assim, funcionar perfeitamente bein. O designer nao & 0 Unico a enfrentar a questi de se chegar a lum meio-terme quande 0 que estd em pauta € 6 gosto pessoal, E co- ‘mum que um artista ow um excultor tenha de madifiear uma obra pelo fato de ter recebido a encomenda de um cliente que sabe exatamente o.que deseja. As intermindveis brigas de Michelangelo, por causa das encomendas que Ihe foram feitas por dois papas, constitwem os exem- plos mais vivas ¢ ilustratives do problema com que se depara um artis- ta ao ter de manter suas idgias pessoais sob controle para agradar 4 seus clientes. Mesmo assim, ninguém sc atreveria a dizer que “0 juizo final” ou o “Davi” slo obras comerciais. ‘Osafrescos de Michelangelo para o teto da Capela Sistina demons tram claramente a fragilidade dessa alsa dicotomia. Como represen. tante das necessidades da Igreja, © papa influenciou as idéias de Michelangelo, as quais também foram, por sua vez, modificadas pelas finalidades especificas do mural. Trata-se de uma explicacio viswal da “Criago" para um publico em sua maior parte analfabeta e, portan- 10, ineapae de ler a histéria biblica. Mesmo que soubesse ler, esse pi blico nao conseguiria apreender de mada tao palpével toda a Gramaticidade do relato. O mural é um equilibrio entre a abordagem subjetiva e a abordagem objetiva do artista, ¢ um equilibrio compari: vel entre a pura expressio artistica e 0 cardter utiltério de suas final dades. Esse delicado equilibrio ¢ exiraordinariamente raro nas artes visuais, mas, sempre que ¢ alcancado, tem 4 precisio de um tiro certei- ro. Ninguém questionaria esse mural como um produto auténtico das 12. SINTAXE DA LINGUAGEN VISUAL elas-artes™ e, no-entanto, ele tem um propésito e uma uiilidade que contradizem a definic&o da suposta diferenga entre belas-aries ¢ artes aplicadas: as “aplicadas" devem ser funcionais, ¢ as “elas! deve prescindir de utilidade. Essa atitude esnobe influencia muitos artistas de ambas as esferas, criando um clima de alienagio e confusio. Por mais estranho-que parega, trata-se de um fendmeno bastante recenie. A nogao de “obra de arte”’ é moderna, sendo reforgada pelo conceito de museu como repositGrio definitive do belo. Um certo puiblico, en tusiasticamente interessado em prostrar-se cm atitude de reveréncia dian- tedoaltarda beleza, dela se aproxima sem se dar conta de um ambiente inacreditavetmente feio, Tal atitude afasta a arte do essencial, confere- Ihe uma aura de algo especial inconsegitente a ser reservado apenas a uma clitc emega o fate inquestionavel de quo cla ¢ influenctada por nossa vida ¢ nosso mundo, Se aceitarmos esse ponto de vista, estare- ‘mos renunciando a uma parte valiosa de nosso poiencial human. Nao s6 nos transformamos em consumidores desprovidos de critérios bem definides, como também negamos a importincia fundamental da co- ‘municagio visual, tanto historicamente quanto em termos de nossa pr6- pria vida. impacto da fotografia ‘0 ultimo baluarte da exclusividade do “artista” € aquele talento es- pecial que 0 earscteriza: a capacidade de desenhar e reproduzir o am- biente tal como este the aparece. Em todas as suas formas, a cimera acabou com isso. Ela constitu o tiltimo elo de ligacdo entre & capacidade inata de ver ¢ a capacidade estrinseca de relatar, interpretar e expressar ‘o que vemos, prescindindo de um talento especial ou de um longo apren- dizado que nos predisponha a efetuar © processo. Ha paucas ciividas de ue o estilo de-vida contempordneo tenha sido crucialmente influenciado plas iransTormagdes que nefe foram instauradas pelo advento da foto- grafia, Em textos impressos, a palavra € 0 elemento fundamental, enquan- to 06 fatores visuals, come o cenério fisieo, 0 formatore a Mustraglo, sfio sesundirios ou necessirios apenas como apoio. Nos modernos meios de comunicagio acontoce exatamente o contrério. Q visual predomina, 0 ver- bal tem a fungao de acréseimo, A impressio ainda ndo morrev, € comm CARATER ECONTECDO no ALFAMETESMO VISUAL 19 certeza niio morrerd mais; nde obstante, nossa culture dominada pela linguagem jé se deslocou sensivelmente para 0 nivel icdnico. Quase tudo em que acreditamos, ¢ & maior parte das coisas que sabemos, aprende- mos e compramos, reconhecemos ¢ descjamos, vem determinado pelo ominio quea fotografia cxcrce sobre nossa psigue, E esse fenBmiend tende a intensificar-se. © grau de influtnecia da fotografia em todas as suas iniimeras va- tiantes ¢ permutacdes consttui um retorno 4 importénicia des olhos em nossa vida. Em seu lira The Act of Creation, Archur Koester observa: “*O pensamento através de imagens domina as manifestages do incons- siente, © somho, o semi-sonho hipnagésico, as alucinacdes paiedticas e a visio do anista. (O profeta vsionério parece ter sido um visualizador, € no um verbalizador; 0 maior dos elogios que podemos fazer aos que se sobressaem em fluéncia verbal & chamé-los de ‘pensadores visioné- tios'.)" Ao ver, fazemos um grande mimero de coisas: vivenciamos.o ue ests acontecendo de maneira dita, descobrimos algo que nunca ha- viamos pereebido, talvez nem mesmo visio, conscientieamo-nos, através dde-uma série de experiénsias visuals, de algo que acabamos por reconhe- cere saber, ¢ percebemos o desenvolvimento de transformacbes através da observardo paciente. Tanio a palavra quanto 0 provesso da visdo pas- saram a terimplicagbes muito mais amples. Ver pastou a significar com- preender. O homem de Missouri, a quem st mostra alguma coisa, teré, [provavelmente, uma comprecnséo muito mais profunda dessa mesma coisa do que se apenas tivesse ouvide falar dela. Existem, aqui, implicagSes da minima importéncia para o alfabetis- mo visual. Expandir nossa capacidade de ver significa expandir nossa ca pecidade de entender uma mensagem visual, ¢, 0 que ¢ ainda mais importante, de criar uma mensagem visual. A visio envolve algo mais do que © mera fato de ver ou de que algo nos seja mostrado. E parte integrante do processo de comunicaco, que abrange todas as considera- ies relativas is belas-artes, as artes aplicadas, & expressio subjetiva e A resposta @ um objetive funcional. M4 stvTANE pa LiNGuAGEN VISUAL Conhecimento visual ¢ linguagem verbal ‘Visualizar € ser capaz de formar imagens mentais. Lerabramo-nos de um ‘camino que, nas ruas de uma cidade, nos leva 2 um determinacto dest no, ¢ seguimos mentalmente uma rota que vai de um lugar a outto, ver fieando as pistes visuals, recusando 0 que niio nos parece certo, voltando atrés, ¢ fazemos tudo isso antes mesmo de iniciar 0 caminho. Tudo men- talmente. Porém, de um modo ainda mais misterioso e mégico, eriamos fa visio de uma coisa que nunea vimos antes, Ess visd0, ou pré- ‘Visualizapd0, encontra-se estretamente vinculada 20 salto criativo € & sin- drome de heureca, enquanto meios fundamentals para a solugdo de pro- blemas. E ¢ exatamente esse processo de dat voltas através de imagens rentais em nossa imaginacSo que muitas vezes nos leva & solupdes ¢ des ‘cobertas inesperadas. Em The Act of Creation, Koestler formula assim 0 pracesso: "O penstmento por conceitos surgiu do pensamente por ima- gens através do lento desenvolvimento dos poderes de abstrago € de sim: bollzago, assim como a excritura fonética surgi, por processos similares, dos simbolos pictdricos ¢ dos hierdglifos."” Nessa progress estd contido um grande ensinamento de comunicarfo. A evolusao da linguagem 6o- rmegou com imagens, avangou fimo 80s pictogramas, cartuns auto- explicativse unidades fonéticas, e chegow finalmente a0 alfabcto, a0 qual, em The intelligent Eye, R. L. Gregory se refere tio acertadamente como “a: matematica do significado! Cada nove passo representou, sem divi- dda, um avango rumo a uma comunicagio mais eficiente. Mas br inime- 108 indicios de que est em curso uma reversio desse [EOCESSO, QUE 5¢ volta mais uma vez para a imagem, de novo inspirado-pela busca de maior eficitncia. A questo mais importante ¢ 0 alfabetismo eo que ele repre- senta no comtexco da linguagem, bem como quais analogies dela podem ser extraidas ¢ aplicadas a informarao visual. AA linguagem ccupou uma posigo nica no aprendizado humano. ‘Tem Funcionado como meio de armazenar ¢ transmitirinformacbes, vel- culo para o intere&mbia de idias e meio para que a mente humana seja capaz de conceituar. Logas, a palavra grega que designa linguager, in- clui também os significados paralelos de “pensamento” « “razsi0" na pa lavra inglesa que dela deriva, fogie. As implicagbes sio bastante Obviass a linguagem verbal ¢ vista como tum meio de chegar a uma forma de pen- samento superior ao modo visual ¢ ao tétil Essa hinétese, porém, preci- CARATER E CONTEDDO DO ALFABETISME VISUAL 15) sa ser submetida a alguns questionamentos e indagagdes. Para comesar, Jinguagem e alfabetismo verbal nio so a mesma coisa. Ser capa de fa. lar uma lingua é muitissimo diferente de alcangat o alfabetismo através da Ieitura ¢ da escrita, ainda que possamos aprender a entender ¢ a usar 2 linguagem em ambos os niveis operatives. Mas s6 a linguager falada ‘volui naturalmente. Os trabalhos lingilsticos de Noam Chomsky indi ‘cam que a estrutura profunda da capacidade lingistiea 6 biologicamente inata. O alfabetismo verbal, o ler ¢o escrever, deve poréan ser aprendido 30 longo de um processo dividido em etapa, Primsiro aprendemos um sistema de simbolas, formas abstrains que eprescntam determinados sons Esses simbolos sio 0 nosso &-bé-c8, 0 alfa ¢ 0 beta da lingua grega que deram nome a todo © grupo de simbolos senoros ou letras, © alfbeto. Aprenddemos nosso alfabeto letra por letra, para depois aprendermos as ‘combinagSes das letras e de seus sons, que chamarios de palavras e cons tituem os representantes ou substitutas das coisas, dias © agBes, Conhe- cer o significado das palavras equivale a conhecer as definigdes comuns Que compartihham. O ikimo passo para a aquisigio do alfebetismo-ver- bal envolve a aprendizagem da sintaxe comum, o que nos possiilita es- tabelecer os limites construtivas em consondiicia com os usos aceite, So ‘esses os mudimentos, os elementos iredutivelmente bisicos da linguagem verbal. Quando sic dominados, tornamo-nos eapazes de ler ¢ eserever, ‘expressar e compreeniler a informagdo escrita. Esta.é uma descrigio ex- tremamente superficial. Fica caro, porém, que mesmo ein sua forma mais simplificads o alfabetismo verbal representa uma estrutura dotada de pla nos téenicos ¢ definigées consensus que, comparativamente, caracter: 24m a comunicaio visual como quase que inteiramente carente de organizagio, Nao é bem isso 0 que scontece. Alfabetismo visual ‘0 maior perigo que pode ameacar o desenvolvimento de uma abor- dagem do alfabetismo visual & tentar envolvélo num excessa de defini- es. A existincia da linguagem, um modo de comunicagio que conta com uma estrutura relativamente bem organizada, sem diivida exerce uma forte pressdo sabre todos 08 gute se ocupam da idéia mesma do alfabeti ‘mo visual. ‘Se um meio de comunisacaa € to fécil de decompor em par- 16) SIXTAXE DA LINGUAGEM VISUAL tes componenies ¢ estrutura, por que nao 0 outro? Qualquer sistema de simbolos € uma invengto do homem. Os sistemas de simbolos que cha rmamos de linguagem s80 invengdes ou refinamentos do que foram, em outros tempos, percepedes do objeto dentro de uma mentalidade despo- jada de imagens, Dai a existéncia de tantos sistemas de simbolos ¢ tantas linguas, algumas ligadas entre si por derivagdo de uma mesma rat. €-Ou- tras desprovidas de quaisquer relagbes desse tipa. Os niimeros, por exem- plo, sSe substitutes de um sistema Gnico de recuperaco de infarmagbes, ‘o mesmo acontecendo eam as notas musicals. Nos dois casos, a failida- de de aprender a informacio codificad baseia-se na sintese original do sistema, Qs significados so atribuidos, ese dota cada sistema de regras siméticas bisicas. Existem mais de trés mil linguas em uso corrente no mundo, todas elas independentes ¢ Gnicas. Em termos comparativos, a linguagem visual é tio mais universal que sua complexidade niio deve set considcrada impossivel de superar. As linguagens so conjuntos iigicns, mas nenhuma simplicidade desse tipo: pode ser atribuida & inteligéncia vi- sual, © todos aqueles, dentre nds, que tém tentado esiabelecer uma arte logia com a linguagem estéo empenhados num exercicio imiti Existe, porém, uma enorme importdncia no uso da palavra “‘alfabe- tismo™ em conjuneo com a palavra “visual”. A visio & natural; eriar ce compreender mensagens visuais # natural até certo ponto, mas a eficé cia, em ambos of niveis, sé pode ser alcancada através do estudo. Na busca do alfabetismo visual, tm problema deve ser claramente identifi cado ¢ evitada, No alfabetismo: verbal se espera, das pessoas educadas, ue cejam capazes de ler e escrever muito antes que palavras como “cri tivo” possam ser aplicadas como juizo de valor. A escrita no precisa ser necessariamente brilhante; é suficiente que se produza uma prosa cla- rac compreensivel, de grafia correta e sintaxe bem articulada. 0 alfabe: tismo verbal pode ser alcangado num nivel muito simples de realizagao ce compreensio de mensagens escritas. Podemos caracterizéela como um instrument. Saber ler € excrever, pela prépria natureza de sua funtdo, nao implica a necessidade de expressar-se em linguagem mais elevada, ou seja, a produgio de romances ¢ poemas. Aceitamos a iia de que 0 alfa betismo verbal ¢ eperativo em muitos niveis, desde as mensagens mais simples até as formas artisticas cada vex mais complexat. Em parte devido & separagio, na esfera do visual, entre arte € off- cio, e-em parte devido as limitacdes de talento para o desenbo, grande CARATER ECONTECDO DO ALFABETISMO VISUAL 17 parte da comunicasio Visual foi deixada ao sabor da incuiglo ¢ do-acaso, Como nio se fez nenhuma tentativa de analisé-la ou definisla em termos 4a estrutura do modo visual, nenhum méodo de aplieagiio pode ser ob. tido. Na verdade, essa € uma esfera em que o sistema educacional se mo- ve com lentdio monolitic, persstindo ainda uma énfase no modo verbal, ue excli o restante da sensibifidade humana, e pouee ou nada se preo ‘cupando com o carder esmagadoramente visual da experitncia de apren sdizagem da. crianga. Até mesmo a urilzagio de uma abordagem visual do ensino carece de rigor ¢ abjelivas bem definidos, Em muitos ©2508, ‘08 alunos sio bombardeados com recursos visuals — diapositivos, filmes, “les, projeges audiovisuais —, mas trata-se de apresentagSes que efor. ‘gam sua experiéncia passiva de consumidores de televisio. Os recursos de comunieazio que vém sendo produzidos e usadas com fias pedap6gi 05 so apresentados com critéios muito deficientes para a avalingao-< 2 compresnsio dos efeitos que produzem. O consurmidor da maior parte da producio dos meios de comunicagao edusacionais ndo seria caper de identiticar (para recorrermios a uma analogia com o alfabetisme verbal) um erro de grafia, uma frase incorretamente éstruturada ox um tema mal formulado, © mesmo se pode quase sempre afirmar no que diz rexpito 8 experiéneia dos meios “mannipulaveis™ As vnicas instrugbes para o1us0 integridade do modo visual em si. Uma das tragédias do avassalador potencial do alfatetismo visual ern todos os niveis da educagio é a funelo irracional, de depositério da re- ‘sreagio, que as artes visuais descmpenham nos curriculos escolares, € & situaco parecida que se verifica no uso dos meios de comunicagio, cle metas, cinema, (clevisao. Por que herdamos, nas artes visuais, uma de- vorio tisita ae nda-intelectualismo? O exame dos sistemas de educacao Fevela que o desenvolvimento de métodos construtivos de aprendizagem visual so ignorados, a ndo ser no case de alunos especialmente interes- saddos ¢ ralentosos. Os juiaos relatives a0. que é factivel, adequada ¢ efi az na comunicacio visual foram deixados ao sabor das fantasias ¢ de amorfas definigBes de gosto, quando no da avaliacio subjetiva e suto- ‘eflexiva do emissor ou do receptor, sem que se tele ae menos compreen= der alguns dos niveis recomendadlos que esperamos encontrar naguilo que chamamos de alfabetismo no mado verbal. Isso talvez nfo se deva tanto ‘@ um proconceito como a firme convicdo de que ¢ impossivel chegar a 1B SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL ‘qualquer metodologia € 8 quaisquer meios que_nos permitam aleancar © alfabetismo visual. Contudo, a exigéncia de estudo dos meios de co- rmunicasio jf ultrapassom a capacidade de nossas escalas ¢ faculdades. Diante do desafio do alfabetismo visual, nfo poderemos contiauar man- tendo por muito mais tempo uma postura de fgnoriincia do assunto. ‘Como foi que chegamas a esse beco sem saida? Destre todos os meios de comunicacao humana, o visual ¢ o nico que niio dispOe-de um con- junco de normas e preceitas, de metadologia ¢ de nem ir (nico sistema com critérias definidos, tanto para a expresso quanto para o entendi- mento dos métodos visuals. Por que, exatamente quando o descjamos dele tanto precisamos, o alfabetismo visual s¢ tormia to esquivo? NEo resta divida de que se torna imperativa uma nova-abordagem que possa solucionar esse dilema, Uma abordagem do alfabetismo visual ‘Temos um grande conhaciment dos sentiéos humanos, especialmente da visio, Nio sabemos tudo, mas conhecemos bastante. Também dispo- mos de muitos sistemas de trabalho para o xtudo ea anise dos compo- nentes das mensagens visuais. Infelizmente, tudo isso ainda ni se integrou ‘em uma forma vidvel. A classificasdo e a andlise podem ser de fato reve- Iadoras do que sempre ali esteve, a8 origens de uma abordagem visvel do alfabetismo visual universal. 2 Devers buscar ¢ alfabetismo visal em muitos lugares ¢ de muitas maneiras, nos métodos de treinamette de artistas, na formagio téeniea de artesios, na tearia psicobégica, na navureza e no funcionamento fisio- légico do proprio organismo humano. i [ 'A sintaxe visual existe. Ha linhas gers para a criagio de composi es. Ha clementas bisicos que podem ser aprendides ¢ compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicacdo visual, sejam eles ar- tistas ou ni, e que podem ser usados, em canjunto com técnicas mani- pulativas, pard a criaglo de mensagens visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma tielhor compreensio das mensa- gens visuals “Apreendemos a informagfo visual de muitas maneiras. A percep- SARATER E CONTECDO nO ALFARETISMO VISUAL 19 fio e as foreas cinestésieas, de natureza psicoldgiea, so de importin- cia fundamental para © procesco visual. © modo some nos mantemos em pé, nas movimentamos, martemos o equilfbrio e nos protegemos, reagimos & luz ou ao eseuro, ou ainda a um movimento sibito, so fatores que tm uma rela¢ioimportantecom nossa maneira de receber ¢ interpretar as mensagens visuals. Todas essas reagdes sic naturais atuam sem esforgo; ndo precisamos estudd-tas nem aprender coma efetué-las, Mas elas so influenciadas, e possivelmente modificadas, or estados psicoldgicos ¢ condicionamentos culturais, e, por iltimo, pelas expectativas ambientais. © mode como enaramas 0 mundo quase sempre afeta aquilo que vemos. O processo €, afinal, muito individual para cada um de nds, © controle da psique é frequentemente progra~ mado pelos costumes sociais. Assim como alguns grupos culturais co- mem coisas que deixariam outros enojados, temos preferéncias visuals arraigadas. © individue que cresce no moderne munde ocidental -condiciona.se-s téenicas de perspectiva que apresentam um mundo sin. tético e tridimensional através da pintura e da fotografia, mcios que, na verdade, sio planos e bidimensionais. Um aborigine precisa aprec ‘der a decodificar a representacao sintética da dimenséo que, numa fo- ‘ografia, se dé através da perspectiva. Tem de aprender a convencio: ¢ imcapaz de vé-a naturalmente. ©! ambiente também exerce um pro- fundo controle sobre nossa maneira de ver. © habitante das monta- has, por exemplo, tem de dar uma nova orientagio a seu modo de vyer quando sé encontra numa grande planicie, Em nenhum outro exem. plo isso se torna mais evidente do que na arte dos esquimés. Tendo uma experiéneia to intensa do branco indiferenciado da neve edo cfu Juminoso em seu meio ambiente, que resulta num obscurecimento do horizonte enquanto refertncla, a arte das esquimés toma liberdades cam os elementos verticals ascendentes e descendentes Apesar dessas modificagdes, hd um sistema visual, perceptivo € bisico, queé comum a todos os seres humanos; o sistema, porém, esta Sujeito a variacdes nos temas estruturais bisicos. A. sintaxe visual exis- te, ¢ sua caracteristica dominante € a complexidade, A complexidade, porém, nao se opte 4 definigio. Uma coisa é certa. 0 alfabetismo visual jamais poderd ser um sis tema to I6gico e preciso quanto linguagem. As linguagens sdo siste mas inventados pelo homem para codificar, armazenar e decodificar 20. SINTAXE DA LINGUAGEM VISUAL informagdes, Sua estrutura, portanto, tem uma logica que o alfabetis- mo visual & incapaz de aleancar. ‘Algumas caracteristicas das mensagens visuais Atendénciaa associar a estrutura verbal ¢ a visual ¢ perfeitamen- te compreensivel, Uma das razdes € natural, Os dados visuais t8m tres niveis distintos e individuais: o input visual, que consiste de miriades de sistemas de simbolos; © material visual representacional, que iden- tifieamos no meio ambiente e podemos reproduzir através do desenho, da pintura, da escultura e do cinema; ¢.a estrutura abstrata, a forma de tudo aquilo que vemos, seja natural ou resultado de uma composi- cdo para efeitos intencionais. Existe um vasto universo de simbofos qué Hlentificam acées ou organizagbes, estados de espirito, direrées — simbolos que vio desde (os mais prédigos em detalhes representacionais até os completamente abstratos, eto desvinculados da informacdo identificével que ¢ preci- so aprendé-los da maneira como se aprende uma lingua, Ao longo de seu desenvolvimento, o homem deu os passos lentos ¢ penosos que Ihe permitem colocar numa forma preservavel 05 acontecimentos ¢ os ges tos familiares de sua experiéacia, ¢ partir desse processo desenvolveu- se a linguagem escrita. No inicio, as palavras s4o representadas por ‘imagens, ¢ quando isso nfo € possivel inventa-se um simbelo. Final- ‘mente, numa linguagem escrita altamente desenvolvida, as imagens si0 abandonadas e as sons passam a ser representades por simbolos. Ao ‘contririo das imagens, a reproduce dos simbolos exige muito pouco ‘em termos de uma habilidade especial, © alfabetismo ¢ infinitamente mais acessivel & maioria que disponha de uma linguagem de simbolos sonoras, por ser muito mais simples. A Wngua inglesa utiliza apenas vinte e seis simboles em seu alfabeto, Contude, as linguas que nunca foram além da fase pictogrfica, como-o chines, onde os simbolos da palavra-imagem, ou idcogramas, contam-se a0s milhares, apresentam sgrandes problemas para a alfabetizagdo em massa, Em chinés, a escri- tae 0 desenho de imagens so designados pela mesma palavra, caligra- _fia. \sso implica a exigncia de algumas habilidades visuals especificas para se escrever em ehings. Os ideogramas, porém, no so imagens. CARATER £ CONTEUDO MO ALFABETISMO VISUAL 21 Em The Jntelligent Eve, R. L.. Gregory refere-se a eles como “cartoons of cartoons". Porém, mesmo quando existem como componente principal do made visual, os simbalos atuam diferentemente da linguagem, ¢, de fato, por mais compreensivel e tentadora que possa ser, a tentativa de encontrar eritérios para o alfabetismo visual na estrutura da lingua- gem simplesmente nfo funcionard, Mas 9s simbolos, enquante fora no Smbito do alfabetismo visual, s¥0 de importdncia © viabilidade enormes. ‘A mesma utilidade para compor materiais ¢ mensagens visuais encontra-sc nos outros dois nivels da inteligéncia visual. Saber como funcionam no processo da visio, ede que made slo entendidos, pode contribuir enormemente para a compreensdo de como podem ser apli- cados & comunicacao. O nivel represenracionat da inteligencia visual é fortemente gover- nado pela experiéncia direta que ultrapassa a percepeda. Aprendemas sobre coisas das quais nfo podemos ter experincia direta através dos meios visuais, de demonstracdes ¢ de exemplos em forma de modelo. Alda que uma descrigiio verbal possa ser uma explisagéio extremamente ficaz, 0 cariter dos meios visuais é muito diferente do da linguagem, sobretude no que diz respeito a sua natureza direta. Nao sc far neces- sdria a intervengo de nenhum sistema de eédigos para facilitar a com- preensio, ¢ de nenhuma decodificago que retarde o entendimento. As vezes basta ver um processo para compreender como ele funciona. Em outras situagdes, ver um objeto ja nos proporciona um conhecimenta Suficiente para que possamos avalié-lo e compreendé.lo. Essa experién- ‘sia da observagdo serve ndo apenas como um recurse que nos permite aprender, mas também atua como nossa mais esireita ligagdio com a realidadé dé nosso meio ambiente. Conflamos em nossos olhos, ¢ de- les dependemos. © iihtimo nivel de imeetighncia visual ¢ talvez o mais dificil de des- crrever, e pode vir a tormar-se-a mais importante para o desenvolvimen- ta do alfabetismo visual. Trata-se da subestrutura, da composigao slementar abstra‘a,.e, portanto, da mensagem visual pura. Anton Eh- Fenzwelg desenvolven uma teoria da arte com base num processopri- mario de desenvolvimento e visio, ou sea, 6 nivel consciente, e, num nivel secundirio, o pré-consciente, Elabora essa classificagdo dos ni- 22. SINTAXE DA LINGUAGEM ¥SUAL veisestruturais do modo visual associando o termo de Piaget, ‘sincré- tico”, para a visio infantil do mundo através da arte, com o eanceito de inio-diferenciagao. Ehrenzweig desereve a crianga como sendo ca- paz de ver (odo 0 conjunto numa visio “global”. Esse taleato, acredi taele, nunca vem a ser destruido no adulta, ¢ pode ser utilizado como “um pederoso instrumento’’, Outra mancira de analisar esse sistema sdiplice de visto € reconhecer que tudo 0 que vemos criamos compse-s¢ dos elementos visuais hésicos que renresentam a forga visual estrutu- ral, de enorme importancia para o significado e poderosa no- que diz rrespeito & resposta, E uma parte inextriedvel de tudo aquilo que ve- ‘mos, seja qual for sua natureza, realista ow abstrata, B energia visual pura, despojada : “Vérias disciplinas tm abordado a questo da procedéncia do sig- nificado nas artes visuals, Artistas, historiadores da arte, filésofos ‘especialistas de varios campos das cincias humanas € sociais ja vem hd muito tempo explorande como € 0 que as artes visuais “comuni- cam"”, Creio que alguns dos trabalhos mais significativos nesse campo foram realizades pelos psicdlogos da Gestalt, cujo principal interesse tém sido os principios da organizagio perceptiva, o processo da confi- guragéo de um todo a partir das partes. O: ponte de vista subjacente da Gestalt, conforme definiciio de Ehrenfels, afirma que ‘se cada um de doze obscrvadores ouvisse um dos doze tons de uma melodia, a s0- ima de suas experiéncias no corresponderia ao que seria percebido por aleuém que ouvisse a melodia toda”. Rudolf Arnheim ¢ oautor de uma cobra brilhante na qual aplicou grande parte da teoria da Gestaif desen- volvida por Wertheimer, Kohler e Koffka & interpretagto das artes vie suais. Arnheim explora no apenas funcionamento da percepe8o, mas também a qualidade das unidades visuais individuals ¢ as estratégias de sua unificago em um todo final ¢ completo. Em todos os estimu- fos visuais e em todos os niveis da inteligtncia visual, o significado po- deencontrar-se no apenas nos dados representacionais, na informayio Ambiental eno: simbolos, inclusive a linguagem, mas também nas for- ‘gas compositivas que existem ou coexistem com a expressfo factual ¢ ‘visual. Qualquer acontecimento visual ¢ uma forma com contetide, mas o-contetide ¢ extremamente influenciado pela importncia das partes constitutivas, como a cor, 0 tom, a textura, a dimensdo, a proporro e suas relacSes compositivas com a significado. Em Symbols and Civi- CARATER E-CONTECDO Do ALFARETISNO VISUAL 23 ‘Neation, Ralph Ross 96 fala de “arte"* quando observa que esta “pro- -coNTEDDO- ARTISTA POBLICO See Qs simbolos e a informago representacional giram em torno do conteddo como transmissores caracteristicos de informacao. O design abstrato, a disposi¢io- dos elementos bisicos, tendo em vista o efelto pretendido em uma manifestagdo visual, € a forma reveilada. Os carte Ponentes da forma, isto ¢, a composiclo, so aspectos convergentes ou paralelas de cada imagem, seja a estrutura aparente, como numa formulago visual abstrata, seja cla substituida por detalhes represen tacionais, como no caso da informacdo visual realista, ou, ainda, in- formacionalmente dominads por palavras ¢ simbolos. Seja qual for a substincia visual bésica, a composicgo é de importancia fundamental em termos informacionais. Esse ponte de vista ¢ defendido por Susan- ne Langer em Problems of Art: 'Faz-se um quadro distribuindo-se pig- ments sobre um pedago de tela, mas a imagem criada nda a somatéria do pigmento e da estrutura datela, A imagem que emerge do processo é uma estrutura de espago, ¢ © préprio espaco é um todo emergente de formas, de volumes coloridos ¢ visiveis.”” A mensagem ¢ © signifi- cado ndo se encontram na substncia fisica, mas sim na composicio. ‘A forma expressa o conteiido. ‘Artisticamente bom é tudo aquilo que articula € apresenta um sentimento a nossa compreensto.” FIGURA 6.1 TECNICAS VISUAIS FSTRATEOIAS BE-COMUNIEAGAD 133 A mensagem e 0 método ‘A mensagem ¢ 0 método de expressd-la dependem grandemente da compreensoe da capacidade de usar as técnicas visuais, os instru- mentos da composicao visual. Em Elements of Design, Donald An- dersom observa; “A téeniea €-4s vezes a forga Fundamental da abstragio, a redugo ¢ a simplificarto de detalhes complexos e cambiéveis 2 rela- cies graficas que podem ser apreendidas — a forma da arte.” Domi. nadas pelo contraste, as téenicas de expressio visual sfio os meios essenciais de que dispde 0 desigmer para testar as opgies disponiveis para a expressie de uma idéia em termos compasitives, Trata-se de um processo de experimentasio opsao seletiva que tem por objetivo encontrar a melhor soluco possivel para expressar 0 conteddo. Em seu ensaio:‘*The Eye is Part of the Mind”*, Leo Steinberg descreve assim 0 que acontece: “Para levar & plenitude seu poder de organiza. <0, © pintor tem de buscar suas percepgdes no fimba em que clas se ‘encontram, ¢ fazer com que elas participem do projeto que tem em men: te."" N&o s6 na pintura, mas em qualquer nivel de expresso visual, © problema sera sempre o mesmo. Basicamente, o pictérico ou visual é determinado pela informacdo visual observada, pela interpretagdo e percepeio de dados e pistas visuais, pela totalidade da manifestacio visual. O contende e a forma detertninados pelo designer representam apenas trés dos quatro fatores presentes no modelo do processo de co- municago visual (fig. 6.1): artista, comteido, forma. Que dizerdo quar- to, © pablico? A percepsio, a capacidade de organizar a informaso visual que se pereebe, depende de processos naturais, das necessidades, © propensdes do sistema nervaso humano, Embora tado 0 corpo da psicologia da Gestatt seja chamado pelos ftanceses de Ja psycholoxie de la forme, seria errado nao atribuir a mesma importancia a psicolo- sia da percepcio ao-examinarmos a maneira como extraimos informa- es visuais daquilo que vemos. 0 contetide ¢ a forma constituem a manifestacdo; o mecanismo perceptive é 0 meio para sua interpreta- do. © input visual ¢ fortemente afetado pelo tipo de necessidade que mhotiva a investigacdo visual, e também pelo estado mental ou humor do sujeita, Yemos aquilo que precisamos ver. A visto est ligads & s0- * Em Reflections on Art, Susanne K, Langer (68) 154 SINTAXE DA LINGUAGEN VISUAL brevivéncia como sua mais importante funca, Mas vemos 0 que pre- sisamos ver em outro sentido, ou seja, através da influéncia da sdisposigzo mental, das preferéncias e do estado de explrito em que ever twalmente nos encontramos. Sela para compor, seja para ver, a infor- rmagio contida nos dados visuais deve emergir da rede de imterpretagies subjetivas, ou ser por ela filtrada. “As palavras de um homem morto sto modificadas nas entranhas dos vives", reflete W. H. Auden, em seu poema “In Memory of W, B, Yeats". Para realmente exercer 0 maximo de controle possivel, 0 compositor visual deve compreender ‘95 complexos procedimentos através dos quais o erganismo humano ‘vé, €, gragas a esse conheclmento, aprender a influenciar as respostas através de téenicas visuals, A inteligdneia no atua soainha nas abstragSes verbais. Pensar, observar, entender, ¢ tantas outras qualidades da inteligéncia esto as- sociadas A compreensi visual. Mas 0 pensamento visual nfo é um sis- tema retardado; a informario é transmitida diretamente. A forca maior dda linguagem visual esté em seu cardter imediato, em sua evidéncia es- pontinea. Em termos visuais, nossa percepde do contetide ¢ da for- ma é simultnea. E preciso lidar com ambos come uma forca iinica ‘que transmite informarda da mesma maneira, Escuro ¢ escuro; alto 4 alto; o significad é abservavel. Quando adequadamente desenvolvi- da c composta, uma mensagem visual vai diretamente a nosso cérebro, para ser compreendida sem decodificacdo, tradurio ou atraso cons- cients, “Voo8 v8 aquilo que consegue ver" & 0 comentiiio que se tor- nou marca registrada de humorista Flip Wilson. E quo acertade é esse seu dito espirituoso, em termos de andlise da comunicagao visual. Na verdade, no entra absolutamente em conflite com & abservacio da sarande fildsofa da estética que 6 Susanne Langer: “... como escreveu ‘um psiclogo que também ¢ misico, “A miisica soa como os sentime tos sentem. E.@ mesmo acontece com & pintura, a escultura ¢ a arqui- terura de alto nivel, onde as formas © as cores equilibradas, as linhas fe as massas se assemelham, na imagem que nos transmitem, a0 que experimentam as emogées, tensbes vitais e resolusdes que delas pro- vém’"*. O que voot v8, voce vé. Na imediatez se encontra ¢ incompa- vel poder da inteligéncia visual. O reconhecimenta desse fato e desse Bim Reflections om Art, Susanne K. Langer (ed) ‘TECNICAS VISUAES: ESTRATEGIAS DE CoMUNICAGAO 135 potencial revela a importdncia fundamental, em termos de controle, dessa imediatez de expresso muita especial, que ¢ especifica da comu- nicagae visual e se manifesta através do-uso de técnicas que nos permi- tem controlar 0 significado dentro da estrutura. O design, a manipulagdo de elementos visuais, € uma coisa fluida, mas método de pré-visualizagio ¢ de planejamento ilustra © cariter da mensagem sintetizada. E um tipo especial de inteligéncia ndio-verbal, € sua natu- rezu estd ligada & emissiio de contetido em uma forma, através do con- trole exercido pela técnica. Para citarmos Susanne Langer mais uma vex, cis como, em Prelems of Art, ela descreve cam muita perspicd- cia © fato da expresso visual: “A forma, no sentido em que os artis- tas falam de “forma significante’ ou ‘expressiva’, nfo € uma estrutura abstrata, mas uma aparigGo; € os processos vitais da sensugo e da emo- 20 que uma boa obra dearte expressa dito ao observador a impressio deestarem diretamente contidos nela, ndo simbolizados, mas realmente representados, A congruéneia ¢ 10 assombrosa que simbolo e signifi- cado parecem constituir uma 58 realidade.” Inteligéncia visual aplicada A pré-visualizagio é um processo flexivel. Idealmente, € a etapa do design em que 0 artista-compositor manipula o elemento visual per ‘inente com téenicas apropriadas ao contetido e & mensagem, ao longo de uma série de livres tentativas. Por serem consideradas desnecessi- rios, nessa fase do desenvolvimento de uma idéia visual so abandona- dos os detalhes, ¢ talvez até mesmo as associardes ja identificdveis com © resultado final. Cada artista desenvalve uma grafia pessoal. Talvez devido & flenibilidade © & casualidade desse passo, na busca de uma solugo compositiva que agrade ao designer, ajuste-se a sua funciio € expresseas idéias ou o cardter pretendidos, a elaboracao de manifesta bes visuais costuma ser associada a atividades nfto-cerebrais, Uma s4- rie de esbooos répidos ¢ ostensivamente indisciplinadas certamente nao sugere nenhum tipo de rigor intelectual, Afinal, 0 artista ¢ visto como se estivesse num estado hipnético, ‘tno mundo da Lua” enquanto to~ ‘ma suas decisées. O qué é que realmente acontece? Na verdade, o ar tista, designer, artesio ou comunicador visual esta envolvide num ponto

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