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120 AN/BaL BRAGANCA E MARCIA ABREU (ORGS) ir de 1934, langou varios titulos escolares que uma das grandes Paulo nao s6 impulsionou a produgio didatica na capital, como também manteve forte o segmento voltado para as edigdes escolares. As empresas do setor, ainda que muito susc es de mercado ~ algumas chegaram até a ser penalizada ‘como ocorreu com as firmas dos irmaos Teixeira e de Monteiro Lobato —, conseguiram se rec erando dificuldades e restabelecendo logo a oferta de livros acabaria constituindo um mercado resistente e durad mrver, cada vez mais, demandas vindas de outros estados. Foi yerar ra pidamente, didiaticos, oq capaz de “ por causa dessa concentragao de editoras que tinham 0 livro didatico como wecida como a cidade dos livros Me wepnnae Na 6 Monteiro Logato: EDITOR REVOLUCIONARIO? Cilza Bignotto Entre 1918 ¢ 1925, Me caram registradas na his ino Lobato esteve a frente de editoras que fi- ia do livro nacional como revoluciondrias, em de- corréncia de inovagdes realizadas em setores como os de projeto grafico e de vendas. Neste capi , pretendemos rememorar um pouco da histéria des- jar em que medida elas teriam sido revolucionarias — s¢ que de fato 0 foram -, particularmente no aspecto da distribuigio na- cional de livros. sas empresas e an: Monteiro Lobato comegou a publicar livros em 1918, pela Secio de Obras d'O Estado de S. Paulo e pela Revista do Brasil, a qual compraraem maio do mesmo ano e vinha desde entao dirigindo, Em 1919 formou, com beiro. A so- Ivida no mesmo ano. Em 1920, Lobato esta agregoui novos sécios e teve o capital ampli p21). Ocrescimento cor que tinha oficinas tipogrificas proprias, vindas da Olegirio ciedade, entretanto, foi beleceu, com Octal inuo do negécio levou A criagao, em maio de 1924, da Sociedade andnima Cia, Graphico-Editora Monteiro Lobato. A abertura de capital permitiu a Lobato e Ferreira captar fundos para pagar dividas da Monteiro Lobato & Cia. ¢ financiar o projeto de expansio da empresa, que vinha ocorrendo pelo menos desde 1922. A editora jé figurava, entio, centre as maiores do pais e tinha grande prestigio no meio intele, da de modo sprofundado na tese de Bignoto, 2 122. ANIDAL BRAGANCA.E MARCIA ABREU (ORGS) modo que vale a pena nos debrugarmos mais demoradamente sobre alguns aspectos de sua constituigio e sua historia, A Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato reur ta sécios fundadores, a “nata da classe dirigente paul p-137).O capital da empresa era de 2,2 mil contos, ci agbes no valor de 500 mil réis cada.’ Sua sede ficava no elegante Palacete Sto Paulo, na praga da Sé, centro da capital paulista. A maior parte dos funcionérios batia ponto na fabrica, que ficava na rua Brigadeiro Machado, no Bras. No edificio de 5 mil metros quadrados, 197 operarios ~ entre eles, mulheres ~ di iam-se nas secdes de impressiio, pautacao, encadernacdo, ipia e monotipia, coordenados por um gerente e um subgerente. Em relatério de margo de 1925," 0s diretores da companhia afirmam ter " de ver funcionando “antes de findar o primeiro semestre” as ling 42 obras, totalizando “quase 258 mil” volumes. A companhia lo de 124 contos ¢ 434,162 mil réis nas vendas dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 1924. Os trés meses an- teriores ndo haviam sido levados em conta por causa dos seguintes fatores: Dos 7 mezes decorridos de 1" de Junhoa 31 de Dezembro de 1924, devemos descontar o primeito perturbado completamente pela mudanea dos escriptorios officinas, eos mezes de Julho e Agosto, perdidos em sencia dos lamen taveis acontecimentos que tiveram por theatro essa cidade, e que nos custaram, sm da perda de tempo, cerca de 70 contos de réi Os “lamentaveis acontecimentos” mencionados pelos diretores referem: -se aos bombardeios, tiroteios, incéndios e saques corridos durante a revo- IMPRESSO NO BRASH 123, sao dos tenentes, comandada pelo general Isidoro Dias Lopes, que tomou Paulo no dia 5dejulhoed ‘ocomércio eos servigos da capi 1 22 dias. O.conflito paralisouai incluindo os trabalhos da Cia. Graphico- -Editora Monteiro Lobato.° Derrotados os tenentes € reiniciados os negé- cios na cidade, a empresa procurou recuiperar o tempo ¢ os contos perdidos Era com otimismo que seus diretores viam 0 ano de 1925 eos seguintes, ‘Como se depreende do nossa balango, est os negocios vao em franco e const fe progresso, a nossa casa, cida eas nossas produgées sao de primeira ordem e muito procuradas. Por isso testamos convencidos de que poderemos encarar 0 futuro com todo desassom- bro. (apud Bignotto, 2007) Assim termina o relatério, Quatro meses depois, Lobato pediria a auto. faléncia da editora. O requerimento de faléncia, assinado pelo editor e pe fa Walde- ‘mat Ferreira, deu entrada na 5+ Vara Civel e Comercial da capital paulista em 24 de julho de 1925. Waldemar Ferreira fora sécio de Lobato na Edi- tora Olegirio Ribeiro, Lobato & Cia, Era autor de varias obras publicadas Por Lobato, entre elas 0 Manual da comerciante, © requerimento sintetiza a historia da empresa, definida como “a maior casa editora do Brasil, para cujo desenvolvimento intelectual contribuiu sobremod elenca as razdes do pedido de faléncia: Surge-lhe o primeiro imprevisto: a irrupgao do movimento revolucioniio do anno pasado, que Ihe impoz uma completa paralysia. Reiniciado o trabalho em setembro, tudo correu bem. As vendas mensaes apresentavam um movimento de alta muito accentuado, que, em dex spassou de quatrocentos contos de réis. Com a inauguragao de novas sec ‘es este ano, € com a montagem das novas machinas, que vinha ampliar as seogdes antigas, era natural quecada para o que contribuia © apuroda escolha 124. ANIBAL BRAGANGA E MARCIA ABREU (ORGS,) los da crise deener Sobrevem o facto absurdo forade todos, ia de Sio Paulo. A princi aque tanto mal fez a0 comm que perdura até he e que nto se fe subito golpe na produegio das officinas, deu como so do anno, fortes pagamentos de machi 40, ficou a companh kém das despezas forgadas de financeira, que a levou aco 2 das dfficuldades da epoca, quando, air um emprestimo, por meio de infelizmente, jf se desenhava a aguda crise actual ‘A persistencia da baixa das vendas, occasio sagio que © movimento revolucionario trouxe para o comercio patl lade de augmental-as emquanto nao dispuzer da forca , sobretudo, pela paraly- do paiz, ¢ necessa abalho continuo de todas as machinas, tornou impossiv' resistencia e improficuosos esforcos de seus direc de nio poder effectuar 0 pagamento de suas ob la, pois, escle homtem, seus paga certas, no seu vencimento. Suspend tos. (Bignotto, 2007, p.261) A longa transcrigao parece necesséria, pois permite conhecer a versio de Monteiro Lobato para as razes da faléncia de sua editora, que tinha em es- los editados, totalizando 412.466 volumes, mil réis.‘ Outros textos foram produzidos no io dos sindicos da massa falida, por exem- e reconhecendo a importancia toque mais de quatrocentos com valorde 868 contos, 321 energia elétrica que levaram a sua paralisagao. Cone! Principais, alsm das secundaias” da faléncia foram a nistra de crédito”. Noentanto, nao exis foe comercial de seus como outros documentos do proceso 268 IMPRESSO NO Beas 125 reto e Anténio Mendonga, contratado por um dos Anénima O Estado de Sio Paulo, os peritos inviavel”. Eles apontam, entre as causas da a crise no setor elétrico, a falta de numeraio na praga, 0 congestiona- mento do porto de Santos ¢ os prejuizos causados pela Revolugao de 1924, “desde a qual a falida perdeu as encomendas do governo, que era 0 sea melhor cliente" (Bignotto, 2007, p.262). Segundo Azevedo, Camargos e Sacchetta (1998), o gaverno de Artur Bernardes teria cancelado as compras, de livros diditicos da editora em virtude da oposicio feita por Monteiro Lobato durantea revolus (Azevedo, 2008, p.t O processo de faléncia, que se arrastau por dois anos, custou a Montei- 10 Lobato a perda de bens pessoais e de algo menos palpavel, mas prova- velmente mais dificil de recuperar. Para Enio Passia significou para Lobato sua ruina financeira e,talve danga vertical, de cima para baixo, de parte de seu status literério’ siani, 2003, p.227) ~ status que a editora ajudara a construir. Embora ele tenha fundado com o sécio Octalles, ainda em 1926, a Cia. Editora Nacio- nal, permaneceria na empresa apenas até 1929.7 Nos anos seguintes, iria se envolver em outros empreendimentos, dos quais a exploragao de petréleo costuma ser 0 mais lembrado. Também teratura infanti i sua influéncia no mei Apesar da faléncia de sua maior companhia, Monteiro Lobato entrou para a histéria do carta aberta ao ento presidente “a perda da editora iro como editor revolucionario, A trajetori de suas empresas jd foi contada em linhas gerais por seus pi srafos ¢ aparece em estudos fundamentais da histé no Brasil. Em todos esses trabalhos, 0 adjetivo 126 ANIBALORAGANGA € MARCIA ABREU (ORGS) frequentemente utilizado para expressar o que essas firmas fizeram de im- portante para o desenvolvimento do mercado editorial bra: de editor revolucionario foi reivindicado pelo proprio Monteiro {stas que deu a jornais e revistas nos anos finais de sua 1m revolucionario Bsses métodlos, segundo wuigao de livros, a vida, Em depoimento a revista Leitura, ele afirma: nos métodos empregados” (Lobato, 1943, p.25 Lobato, seriam a eriagio de uma rede nacional de di icagdo de novos autores, o pagamento de direitos autorais €a renovasio rafica dos impressos. Desde entao, essas inovagdes so mencionadas nos textos que tratam da editora de Monteiro Lobato e que a qualificam, quase sempre, como revolucionaria. No entanto 0 editor Lobato é irio de praticas relativas & producao. de livros desenvolvidas no Br X. Quando ele co- megou a publicar livros seus ¢ de tereeiros, encontrou um sistem: consolidado e uma industria livreira ainda em formagio, mas com algumas priticas ja estabelecidas. Assim, para saber quanto Lobato teria sido real- € preciso analisar I ao longo do século mente inovador em alguns os métodos que ele teria criado em comparagiio a atividades exercidas nos mesmos setores por profissionais anteriores e contemporineos a ele. icio de diferentes escritores e edito- res para a renovacao do projeto editorial brasileiro no periodo entre a Pri- meira Guerra e a Revolugao de 1930 que levou Rafael Cardoso a propor nova visio sobre as inovacdes grificas geralmente atribuidas a Lobato: Foi justamente 0 estudo da contri ada Jiro Lobato foi decisiva, sim, na adogao da capa €, por conseguinte, na sofisticagao da progra: leitos. Porém, no obstante sua grande importan. io editorial no Brasil, & um ignorar 0 que foi feito erro admitir tais mudangas apenas a sua iniciat ‘a mesma época por outras editoras. (Cardoso, 2005, p. inicio de século XX que costu- ‘culares de Monteiro Lobato tam- Outras mudangas no meio editor ‘mam ser consideradas conquistas ps IMPRESSO NO BRASIL 127 bém ganham outra dimenso quando analisadas em contexto maior, que abrigue nao somente a atuacio do editor, mas também o sol co (para usar expressio da historiadora Marisa Deaecto) em que elas ocorre: idades de profissionais coeténeos. £0 caso da ctiagdo de uma rede nacional de distribuigao de livros que, segundo alguns historiadores do mercado livreiro nacional e bi6grafos lobatianos, teria ocorrido gracas. iva de Monteiro Lobato de enviar a comerciantes de todo o Brasil uma ‘cular em que oferecia a mercadoria livro. A rede dos Quixotes ‘Quando defendia para si titulo de editor revolucionario “nos métodos empregados”, como fez na entrevista a revista Leitura, em 1943, Monteiro Lobato costumava narrar 0 modo como teria inovado a distribuigao de li- ou um agou- sguciro... qualquer pessoa honesta, estabelecida, que possua no minimo uma porta onde expor a mercadoria que possamos oferecer-Ihe. Vi 60s. Aestes, nova circular propo io. O senhor, escrevemos ao interessado, cencalhar, de a porcentagem qui tera que pagar-nos. Se -nos o din! Iva; se for vendida, remet toca |. Newécio da China! Recebemos iniimeras pro postas, fomos fazendo nosso fichario. Criamos novas possibilidades antes nem vador em todas as biografias de Lobato toria do livro no Bras issobre ahis- apedra ida nao foi No entanto, a 2; Hallewell, 1995, 92 128 ANIBAL BRAGANCA E MARCIA ABREU (ORGS, mmentava nao haver guardado ente diversa a cada localizada. © proprio Lobato (1964, p.253) cépia dela, Essa circular, que ele resume de forma lev dep todas as obras que aborc ter sido visto pelos autores dessas obras. A criacao de uma pioneira rede nacional de distri mento, é caso curioso de documento mencionado em pr mencionada em depoimentos de pessoas que trabalharam nas editoras lo- batianas entre 1918 e 1925, caso de Léo Vaz, Para o escritor e antigo auxi loo primeiro a vender “livros a vatejo”. A liar de Lobato, o editor teri jon. ins volumes dos java em consignacao que ia editando” (Vaz, 1957, p.84). Essa rede de correspondentes comegara arias e editoras que haviam contatado a Revista do Brasil, em 1918, 7, p.73), primeiro livro impulsionado as atividades edit com riais do autor. No entanto é preciso lembrar que a revista, quando Lobato ;punha de uma rede de agentes distribuidores, provave ‘mente compartilhada com 0 jornal O Estado de S. Paulo, a cujo grupo ori- ginalmente pertencera (Bignotto, 2007, p.280). Alem dos depoimentos de Lobato e de Léo Vaz, ha documentos liga- dos diretamente & histéria dessa rede que ajudam a entender como ela foi constituida e como funcionava. Consistem em cartas inéditas dos acervos do Centro de Documentagio Alexandre Eulilio (Cedae)"' e da Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato, no processo de faléncia da Cia. Graphi- co-Editora Monteiro Lobato™ e em amincios feitos na Revista do Brasil e 10s livros editados pelas casas editoras comandadas por Lobato. Esses do- cumentos mostram que o editor realmente distribuia livros para pontos dis- tantes do pais empregando o método da consignagio."® Sugerem, também, qu ateia deagentes que possibilitou vez agougueiros nao foram os tinicos a formar ada de esquina da nossa cultura”. ivreiros, vendeiros ¢ BMPRESSO NO BRAS 129 Parte sigificativa dos dstribuidores de Lobato parece ter sido compos {@ por homens de letras. Ao que indicam varias cartas que permaneciam, inéditas, o sistema nervoso da rede era formado por letrados, e nao por co- merciantes, No inicio de 1919, a Revista do Brasil contava com oito “diretares re- sionais”, cuja principal atribuigao consistia em administrar assinaturas do periédico, Eram eles: José Maria Bello, no Rio de Jan; Nogueira, em Minas Gerais; Mario Sette, em Pernambuco; J. de As Costa Pinto, na Bahia; Anténio Sales, no Ceard; Jogo Pinto da Silva, no Rio Grande do Sul; Seraphim Franga, no Parana; e Joao Baptista de Faria ¢ Souza, no Amazonas. Todos esses diretores regionais eram intelectuais. Parte deles teve artigos publicados pela Revista do Brasil e alguns, como Seraphim Franga, Jodo Pinto da Si ‘a, José Antonio Nogueira e Mario Set- te, tiveram livros publicados por Lobato nos anos seguintes. O fato de os representantes regionais da editora serem escritores é significativo. Afinal, cram eles que administravam o funcionamento da rede de distribuigao em seus estados. Documentos sobre a relagio entre Lobato e seus representan- tes regionais podem ajudar a compreender melhor como homens de letras foram fundamentais para a organizacao da rede de distribuigio de livros que viria a mudar o mercado editorial brasileiro, ; José Antonio ‘Tomemos como exemplo o pernambucano Mario Sette, que teve varios artigos publicados na Revista do Brasil etrés romances editados por Loba. to: Rosas e espinhos (1919), Senhora de engenho (1920)"*e O palanquim dow- rado (1922), Senhora de engenho, alii, é con: lerado precursor do romance regionalista, que ganharia forga, como género, na década de 1930. O eseri- {or recordou, em artigo publicado no Diario da Noite, como obteve o cargo de diretor regional em Pernambuco, Mandou-me [0 liveo Urupés| 0 autor em 1918, mal famos atando nossas relagoes epistolares: ele ji em comepo de glia literdria; nds, em comego de nossa ensombracla fa Lobato tomava conta, ent, da REVISTA DO BRASIL, emeese n de seus "Diretores” nos esta que tambsm pu de erent, em 1921. Essa informacoes foram extras 130. ANIBAL BRAGANGAE MARCIA ABREU (ORGS) dos. Coubera-me a representacio em Pernambuc ‘de apés Primeira Guerra Mundial me falam algumas cartas erecados de Lobato ‘com aquela sua letra inconfundivel num desalinho ce quem a projeta no papel com uma assinatura de maitiscula quase sempre esparrama- os proprios volumes de suas obras, ao lado dos oferecimen: sem mais revé-I da, tos? Em uma delas, ele me pedia “cutucar” det ‘obras e revistas em consignagio."* nado fara reiroa quem: © depoimento de Mario Sette permite reflexao sobre 0 modo comoa fi gura do autor Monteiro Lobato estava profundamente ligada @ do editor. Em pagina de uma de suas obras enviadas a Sette, o autor faz dedicat a0 passo que o editor pede “cutucio” em livreito, E possivel que as obras literarias de Lobato servissem a ele de ponto de partida para fazer contato com outros intelectuais, para obter favores, para manter aliancas no interior srario. Da mesma forma, a chancela da Revista do Brasil ser- de “moeda de troca” entre Lobato e escritores: por um lado, autores sinaturas, para manter a revista em que poderiam ter ajudariam a vender seus trabalhos publicados; por outro, Lobato favoreceria com a publicagao de artigos aqueles eseritores que o ajudassem a vender a revista, Ascartas que Lobato enviou ao romancista Anténio Sales, diretor regio. nal do Cearé, sio exemplos de como o editor paulistano pedia acontribuigao de homens de letras para aumentar a rede de distribuidores da Revista do Brasil edos livros por ela editados. Em carta datada de 9 de outubro de 1918, Lobato — que havia pouco comprara a Revista do Brasil - escreveu a Sales: irectores estaduaes. Lembrei-me A Revista esta organisando um corpo d lar no Ceara ao padeiro mér; mas informado de que el ‘de “excoadouro” da obrado escrito. IMPRESSONO BRAS 131 ', Ede velha data que sou seu amigo ~ somos todos na imigos, embora nunca avistados |...]. Precisamos nos approximar, pois, sobretudo agora que a Rev. do Brasil, nas minhas maos, se tornou um centro proy ‘Trabalho por tornal-a de facto a re tem sido, e them p*. congregar em torno: bons escriptores que tenham idéas | ’o apenas sulista como toclos os espititos largas, todos os Preliminar. trato de divulgal-a 0 mais possivel, porque a prosperidade iro selecionamento ¢ 0 apuro da collaboracéo, Va tudo m": bem. Em quatro mezes apenas de trabalho jé houve um augmen: to de assi is de perto de 800, o que me faz adh victoria completa ‘commercial da empreza per a hypothese de uma Posta a mira nesse objective e fazendo a di ago da Revista uma idéa {xa — prego mettido na cabega — peso a todos os amigos a cooperagio preciosa dma sympacthia activa. A Revista é nossa; que todos, pois, ajudem-n'a o se bocado— todos que tem nas veias umas gotas de D. Quixote. Como? Preconisando-a aos amigos, influindo-os a assignarem-n’a, remet- tendooque encontrar digno de publicidade, gravuras antigas, documentos pre iosos, notas pitorescas — ou suggesties, conselhos... Tudo é contribuicio e o total de pequenas parcelas avulta. Ahi nessa poetica terra do Ceara temos,.. seis assignantes! Menos do teem qualquer lugarejo de, Paulo ou Minas. Menos (onde alias temos 24!) cidade com oito annos de vide idade nos 08 nomes mais convenientes ara o lugar de director nos Estados visinhos? Lobato recorre a imagens poderosas para convencer “o padeiro-mor" Sa lesa atuar como divulgador ¢ colaborador da revista. Afirma seu empenho x icagio, definida, com grifo enfatico, como “nos- sa" A mencio a personagem de Cervantes sugere que 0 empreendimento 132 _ANIBAL ERAGANGA E MARCIA ABREU (ORGS) poderia ser visto como “Iouco”, tal qual D. Quixote, mas, como ele, teria as qualidades do ideal, do sonho, da honestidade. Lobato também recorreu ao outros intelectuais, como metafora para tras que colaborassem com a Revista do Brasil, Vejamos, como exemplo, trecho de carta a Edgard Roquete-Pinto, de 23 de setembro de 1918, na qual Lobato s ro andante em cartas para -smo ¢ para os homens de le- icita ajuda para a revista m grande necessidade de que todes os seus amigos a apoiem com andar quixotesco. E, de si, uma quixotada. Revista seria e grave, expoente de cultura, n’um paiz de incultura ede analphabetismo intransigente, seo: 300 de ‘n’aapoiam de maneira Gededo que salvam os creditosintellectuaes da terra positiva a pobresinha nao vinga crescer. Porisso eu, como 0 Quixote-mér da empreza venho te pedi cireulo das tuas relagies. ‘Manda-me o nome ¢ o enderego desses abnegados para os remet agente ahi, Dr. Eloy Ribeiro (Jornal do Commercio, sala 14, 3 andar) caso nto Neste aauxilio pratico: arranjar uns tantos assignantes no tra-a aos teus amigos e obriga-os a assignarem. 10880 ra e nol-o enviar, queiras tu proprio arrecadar o producto da assignat caso terd (que minal) 20% de commissio, Se todos nos ajudam assim, com um. pouco de cada lado, ella ira para.a frente e vencerd. Adeus, meu caro, ed o teu que bem o merece."* empurrio na nossa revi ‘Como na carta para Sales, Lobato pede a Roquete-Pinto que arranje as- sinantes, sugerindo até que “obrigue” amigos a tomar assinaturas. Men- ciona comissio de 20% caso Roquete-Pinto queira “arrecadar o produto da assinatura”, oferecimento que ridiculariza ~ “que minal”, Também chama a revista de “nossa’, grifando o possessivo. No final da carta a Sales, Lobato pede ao cearense que ajude a revista fluenciando-os a assinaré remetendo icidade”.* Informa que “na postica terra do ha apenas seis ass rosso. Finalmen “preconizando-a aos amig © que encontrar digno de pul Ceara” —¢ 0 adjetivo nao parece event nos do que na novissima Trés Lagoas, no Mato indicagao de nomes “convenientes para o lugar de diretor nos Estados vi 1918, Acervo da Acaden RESSONOBRASL 133, zinhos", 0 que insinua propensao a continuar a ter homens de letras em posigao de administragao das vendas da revista, Lobato chama de “fora de moda”, em outra carta a Sales,” as tentativas de distribuigao feitas no passado, sugerindo novos métodos, pautados “na organizagao", para alcangar maior namerd de assinantes em outras partes do pais. A descrigao dos étodos é reforgada por termos referentes as novas tecnologias que transformavam a vida cotidiana daqueles anos. Ao ssos que vinha conseguindo com a difusio d ilgo ter nas maos uma espécie de rede telefé todos os homens de letras ¢ os ponha em contato com a sua mela diizia de pessoas que em cada cidade se preocupa de ouvi léecomprallivro”. livros, Lo- A imagem da “rede telefénica” condensa modernidade, praticidade, contato dos homens de letras entre si ¢ com sui merca letras e entre escritores € Zilberman, 2001 Escritores brasileiros, desde pelo menos o inicio do Novecentos, conta- ram com seus pares para distribui riddicos e anunciar novas produgdes a itores de existéncia muito mais antiga (Lajolo; 8, obter criticas favoraveis em pe- itores em potencial. Basta lembrar 2" propaganda maciga”, como a chamou Ubiratan Machado, feita por ami- Gos intelectuais de Gongalves de Magalhies em jomnais cariocas quando da Produgao e da publicasio do livro de poemas A confederagdo dos Tamoios, em 1846 (Machado, 2001, p.71). Bem antes de a obra vir a luz, pela tipo- gratia Dous de Dezembro, de Paula Brito, jé era enaltecida em periédicos como a revista Guanabara, ditigida por Joaquim Norberto de Souza Silva, Aratjo Porto-Alegre, Gongalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo — to- dos amigos de Magalhaes Pelo que se depreende do estudo das biografias ¢ correspondéncias de ‘autores brasileiros, redes de sociabilictace entre homens de letras perpassa~ fonteico Lobato a se Literatura Bra APs 134. ANIBAL BRAGANGA E WARCIA ABREU (ORGS) vam 0 pais havia muito. Por meio dessas redes, escritores enviavam obras a pontos 1s do Bre comentavam trabalhos proy diam assinaturas de revistas ou subscrigdes de livros, apresentavam colegas uns aos outros, pediam emprego ou publicidade de livros para amigos bem colocados em jornais, discutiam novidades literérias nacionaise estrangeiras ictavam e prestavam favores, Editores, ealheios, ven. faziam uso dessas redes para contratar negocios, de determinada impressio, enviar langamentos a! tanto, aparentemente essa malha funcionava ao sabor de uma sociabilidade ‘que pouco tinha de organizada. tribuigao de Monteiro Lobato para uma reviravolta na vez se deva mais ao reconhecimento da \portncia dessa rede e aos esforgos para org: de modo profissio: nal do que ao envio de uma circular para comerciantes. Nao ha como negar dessa circular, que realmente teria ajudado a aumentar ea manter os nés da rede de distribuigdo, mas parece um erro atribuir somente a esse documento 0 sucesso do editor Lobato em enviar livros ¢ revistas para lugares distantes da capital paulista. A lugares como Assit ¢ Caicé, no interior do Rio Grande do Norte, os 10s das editoras de Monteiro Lobato chegavam gragas.ao trabalho de um jovem intelectual, Luis da Camara Cascudo. Os dois trocaram cartas a par- tirde 1918," quando Cascudo, vivendo no Rio Grande do Norte, ainda era autor inédito em livro, Segundo Marisa Lajolo: a até hoje vigente, remunera-se a indicaglo de novos assinantes com a gratuidade de assinatura. (Lajolo, 2006) ta, em carta nao datada: “Cascudo: Pegue jatro assinantes e mande os cabras: ficas assim com a tua assina- IMPRESSO NO RAS 135 tura de graca” (apud Lajolo, 2006). Ainda conforme Lajolo, “ha também ", Em cartade 26 de 120, Lobato indica que publicara artigo de Cascudo na Re- Em 1924, a Cia, Graphico-Editora Monteiro Lobato langa Alma recompensas simbdlicas, eventualmente de valor mait setembro dk vista do Bri As historias que o vento leva, segundo livto de Cascudo. O prim. patricia, saira em 1921 pelo bem menos prestigioso Atelier Typ. V Entrementes, o editor paulista pede varios favores a Cascudo, indicagao de comerciantes em Assti e Caicé, em carta de 5 de maio de 1922. Em carta sem data, pede auxilio para conseguir a adogiio de livros didaticos no Rio Grande do Norte: “pode informar-me do processo para apresen- tagio de livros didéticos que pretendem a adogio na escola desse estado? A quem se requer? Quer o amigo requerer por mim, como procurador Entre os livros didaticos editados pela Monteiro Lobato & Cia. estava rizinho arrebitado (1921), versio escolar do éllbum A menina do narizinho arrebitado (1920), de autoria do proprio Lobato. Para obter a adogao de Narizinho nas escolas cearenses, LLobato contou com a ajuda de Lourengo 10, antigo colega da Revista do Brasil e entao diretor da Instrugao no Estado, Em carta de junho de 1922, o educador escreve ao editor: V. niio tem razio. A esta hora jé tera recebido o jornal com a nota official da aprovagao e adog2o dos seus livros, bem como do Dr. Doria. E veja como V. é ingrato: 0 Unico embaraco na minha a¢do, aqui, foi exata- mente o resultado da aprovagio de rizinho arrebitado. © clero me maveu tremenda guerra, sob o pretexto de que a adogio do livro visava ridicularizar a sagrada rl Foi preciso, para manter aaprovagio, que eu inventas- shaver uma 2edigio, sem os inconvenientes da primeira Lembra-se V. de que mentosete. Esse falei sobre aquele topico dos freis com os sacra ico, ai mesmo, ofendeu a muitos professores. V.s6 teri van. lo, quando reeditaro livro.”* tagens em supri Homens de letras como Camara Ca: ‘mo ocupando, e Lourengo Filho — este tlti- posto que era importante para a realizagao do pedido de Lobato ~ parecem ter sido fundamentais, portanto, para a distribuigdo ea 0 Lobato. 136. ANIBAL BRAGANGA.E MARCIA ABREU (ORGS) venda dos livros da editora. Anténio Sales teria dado “parecer favordvel” & adogio de Narizinko no Cearé,*' 0 que confere vigor a importancia da rede de letrados para a venda ea difusdo de livros, Lourengo conseguiu a adogio, no Ceara, de Narizino e de uma obra assinada por Sampaio Doria. ** A pas- sagem de Narizinko em que um frei e um padre sio retratados como inse- tos, no reino das Aguas Claras, foi suprimida nas edicdes posteriores. Apés dar conta da aprovagio dos livros, Lourengo Filho comentou, em carta, 0 sucesso da reforma educacional que empreendia no Estado ¢ informou a Lobato que mandaria habilidades na Revista’ ‘Ainda faltam pesquisas que aprofundem 0 modo como ocorreu a ado- iticos das editoras de Lobato em varios estados bra: Mas ja possivel supor que integrantes da rede de soci pelo editor tiveram papel fundamental na negociacio de livros das empre- sas lobatianas com governos estaduais e talvez mesmo com 0 governo fe- deral, que, afinal, contribuiria para a faléncia ocorrida em 1925. Também podemos especular que parte significativa da rede de distribuigio de livros criada por Lobato ja existia antes dele, mas seus membros nao dispunham. de “método”. Monteiro Lobato, usando da influéncia que ja comegava a exercer naquele periodo entre 1918 ¢ 1925 como autor e, posteriormente, como editor de sucesso, teria aproveitado os beneficios dessa matha para inovar a distribuigdo de livros no pai revoluciondrio por criar uma rede de distribuigio nacional, mas por em- pregar novos métodos ~ como bem disse naquela entrevista de 1943 ~ para tornar sistematica e organizada uma antiga pritica da atividade comercial ais com noticias, para que voce fale das minhas lade mantida © modo como ele empregou homens de letras em postos-chave de suas ceditoras ¢ utilizou discursos de eseritores consagrados para promovera Re IMPRESSO NO BRASH 137 vista do Brasil, assim como os procedimentos que utilizou para pagar tos autorais elangar autores inéditos em livro, merecem ser mais bem estu- dados, Esses temas, se analisados em contexto que leve em conta a tradicio editorial brasileira e as atividades de outros editores atuantes nas décadas de 1910 1920, prometem trazer novidades para a historia das mandadas por Monteiro Lobato.* 6 sses temas do parcialmenteestuados em Bignotto, 2007

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