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Cadernos de Estudos Lingliisticos turero 10, 1986 Paginas 5 - 15 ‘A SINTAYE NO ESPELHOL Claudia T.G. de Leros (UNICAP) "Ainda alén deve ir esse ale: trair-se e parir-se nur Unico rovirento: fazer do espelho 2 lémede" W.B. Yeats De vez er quando pode ser Util suspender a fariliaridade das palavras ‘ou expressoes irrerediaveltente presentes no cotidiano e deixar-se torar pela perple- xidade que essa suspensao instaura. No cotidiano da minha pesquisa e atividade acadée- mica, “aquisicao de lingueger’ é termo irrerediavel: diante dela, pois, é oe farei esse exercicio de suspensdo e perplexidade. A estrarheza brota imediata da palavra “aquisicao”. Por ela se configu- ra ure situacdo e un movirento: o de alguén que, privado de algo situado fora de si resto, dele se apropria caTo de um objeto que (he) € alheio. Ento, quando se fele en aquisicao de linguagem, 0 que se supoe € um sujeito ja constituido, capaz até de localizar esse objeto - a linguagen -, de reconhecé-lo coro tal e dele se apossar? Entao, quando se fala en aquisicao de linguagen, o que se supoe é que esse objeto - 2 Linguagen - existe assim fora desse sujeito e independente dele? Talvez seja por isso que se diga do afasico que ele a perdeu e da crianca que ela ainda nao a adquiriu. No interior dessa Testa zona Tetaforica do corercio cor sues perdas e& genhos, poder-se-ia ainda perguntar para que serve esse objeto - a lingueger -, ou que acessorio € ele dessa subjetividede er que nao é integrado, ner para constitui-la nem para ser por ela constituido. A essa altura, 2 fariliaridede com e expressao “aquisicao de linguager” € com ¢ literatura 2 que ela se refere, pode voltar 2 tona e afastar 2 perplexidade covo exercicio initil de digressdo, Afinal, nesses quase trinte anos de historia ofi- cial,essa literatura ten charado de desenvolvimento linguistic @ sealéncia de muden- Gas no comportarento linguistico da propria crianga, nada tendo a ver esse percurso con a etéfora que da nore @ area. No € dificil responder a essa cbjecao: basta letbrar as _conseaiiencias ce metafora, ou da concepcdo de linqueosr que a consegrou, na descricao cetegorial das Tudangas € no estabelecinento de estagios de desenvolvirento linglistico.2 Ep ar bos @ nogéo de mudanca qualitativa é obscurecida por ura categorizegao ove impede ¢ formulacao de questies coro: coro se operan essas mudancas? De que natureza séo @ crianca € a linguager? Coube-me coro tera desta exposigéo a relagao entre processos dialdgicos € @ evergencia de estruturas sintatices. Contenplar 2 possibilidade dessa relacao re- presenta, ser divida, ura tentative de responder as questies acim. Refletir sobre ela me permitira mostrar coro @ metafora "aquisicao dé linguager” exprine a postura di psicolinguistica vigente e quanto de perplexidade é necessario para escapar 8 li- teralidade que ela ecabou por inpor, 1, A SINTAXE iunca € derais repetir ue o eixo dos debates entre racionalistas e réo-racionalistes ave atuan na aree ter Sido a sintexe. Er nove dela é que se ter de- ferdido a especificidade do conheciento linguistico e, desse odo, deterrinado as relagies entre a psicologia e a linouistica, no interior da chareca psicolinguistica, or favor, muitas vezes, da segunda.3 Foi, cor efeito, ura particular formulacao da sintaxe coro componente gerativo da grenética, 0 evento desencadeador da pesquisa cientifice sobre o fendreno de aquisicao de lingueger. Concebida coro ur espaco abstrato onde se organizan as relagdes entre sor e sentido ou as forras possiveis ave assuver essas relacies, a sintaxe se tornou, por assim dizer, a solugéo de ura contrad Qu melhor: ura espécie de georetria qe perritiria conciliar a natureza discreta cor que se apresentar os objetos lin- quisticos e 6 netureza nao-discreta ou continua dos universos que poer er relacao: 0 som en sua reterialidade e os estados de coisa no mundo em que o proprio sor se ci er sua material idade, No é, portanto, surpreendente que dessa concepcao da grardtica se te- the extraido coro consequencia 2 inpossibilidade l6gica da cringe ou do orgenisto hureno ter acesso @ objetos linguisticos ser dispor, para isso, de ure dotac&o biold- gica especifica. Aretéfora “aquisicao de linguager” se configura assim con maior coe- réncia: 0 objeto de que @ crianga deve torar posse ganha nitidez. Definidas suas pro- priedades forrais ou os principios qe governar a estruturacao de elerentos percebi- dos coro discretos er diferentes niveis, definer-se tarbér as propriedades do orae- nisto enquanto condigdes necessérias para essa tovada de posse. 0 esforgo por comreender o desenvolvimento da linguaget fica desse To- do restrito @ descrigao dos gestos da crianca en direcao @ lingua de sua comunidade enquanto objeto particular que ela é, de anterao, capaz de localizar e reconhecer co- mo tal. -6- Na literature sobre aquisigéo de lingueger, 2 recus@ dessa posicao co- nhecida coro inatista nfo ter passado pela refutacéio de seu araurento principal: 0 da impossibilidade Idgica de acesso ao input (a olho nu ou “a owico nu’), Isso, de far to, exigiria a formulacao de ura proposta efetivarente alternative 3 posicao gerati- vista no que se refere a natureza da linguager, colocando er questo seu proprio es~ tatuto de objeto, Qu, torando o ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, in- verter a direco da argurentagao, isto é, definir @ linguager a partir das condigdes que a natureza do organisTo aprendiz inpoe 2 ela." As tentativas dessa refutacao da inpossibilidade logica na verda- de, origar nas questdes empiricas levantadas 8 partir de fendrenos do cesenvolvirento linguistico. Dentre esses fendrenos, tan sido privileaiados coro dados os que apre- sentam 0 processo de aquisicao de linguagen coro ura sucesséo de toredas de posse parciais da linguagen enquanto objeto ja constituico ¢ externo ao sujeito j@ consti- tuido. E essa_torada de posse através de gestas sucessivos de aproxirecéo apreensdo, en oposi¢ao @ posse instanténea ou imediata inplicada aparenterente pela Proposta de ura dotacao bioldgica especifica, que tem funcionado coro fonte de con- tre-argurentacao empirica. Erbora nunca tenha sido explicitarente formulada, € essa a questéo empirica de qual erenar hipdteses sobre outras possibilidades de acesso a0 objeto. 4 que a sucesséo tetporal de toradas de posse parcicis € interpretavel como ure ordenagae, néo foi dificil assirilar a essa terporalidade 2 ordenagao dos cbjetos parciais adquiridos, segundo graus de complexidade crescente. 0s critérios de conplexidade adotados é que distinguer investigadores € tendéncias. Dos ais ingénuos aos ais sofisticados, esses critérios visen a ure des- cricao do desenvolvitento que assegure vias de acesso a sintaxe dentro dos limites dé teoria de aprendizager. Parte-se de ur fato considerado enpiricarente indiscutivel: @ crianca inicia sua producéo Linguistica so por volta de ur ano e cor enunciedos de ur vocébu- lo, passando cepois a enunciarns de dois e trés elerentos. Ao sucessivatente meior nurero de elerentos vao correspondendo graus rais altos de corplexidade estrutural ¢ categorial. Assim, as cadeias cescritas coro sequéncias de nore e verbo, por exerplo, ‘suceder as que apresentariar coro constituintes frases norinais complexes, freses verbais de tipo diverso, e assim por diante. Aur critério de comlexidade rerarente quantitetivo se substituer ou associan critérios qualitativos, isto é, que dizer resneito as categorias er que se enquandram os vocébulos e as estruturas sintaticas que os enunciados parecer exibir. E evidente a dificuldade que acarreta a descricéo dos primeiros enunciados covo rreni- festagéo de estruturas sintaticas. Alén de ser irpossivel utilizar critérios tradi- cioneis de distribuicgao 2 ur peoueno corpus de enunciedos de extensao reduzida, quer se arriscasse a faze-lo estaria oferecendo evidencia empirica de aquisicéo instanta- nea, implicagao da posicao inatista.> -7- A saide ais simples parece ter sido descrever 0 periodo inicial coro o de darinio de categorias serénticas ou, er outres palevras, com o morento de torade de posse da face sevintica do objeto. Essa solugao favorecice pela sua conpatibilidade com as varias propos- tas tedricas da linguistica que defendiar 0 corponente seréntico coro gerativo, pro- voca nao s0 0 abandon de critérios quentitativos quanto @ interpretecio dos graus de conplexidade coro correspondentes @ graus de naturalidade. A seber: jd que 2 crianga esté no Tum e estando no mundo enquanto sujeito constituide ter acesso direto a ele,a seus obletos € eventos, nada vais simples que definir a corplexidade do objeto Linguistico a partir do grau de transparéncia com que o mundo esta eles _refletido, Exetplos disso s4o as varias propnsts sobre @ naturalidade des sequéncias Agente-A- cx bieto. consideradas coro vias de acesso @ estrutura NW, isto é, @ ura estrutura ce base. Ura seréntica mais a mé0 e, portant, Tenos conplexa caro via de acesso @ sintaxe nao representa alteracao substancial 2 versdo inatista da metéfora: @ supo- sicéo ce um tal conhecimento prévio sobre o Tundo implica a percencéo categorial de- le, isto é, de dbjetos e eventos, entre os queis néo se pode deixer de incluir os sons da féla, enquanto objeto e evento. Coro explicar esse nivel de percepgao catego- Mal sem atribui-lo aos estados iniciais do organisto? Coro justificar anélises par- ciais do objeto por ur organisto assim definido? Ner Testo a introducao de hipotese piagetiana de desenvolvirento para explicar a construcao dessa capacidade de categorizagao ¢ suficiente para responder 2 essas questies. Entre outras razdes que nao cabe discutir aqui, dela @ linquagen esté exclude quer covo objeto quer coTo atividede. 2. 0 DIALOGO Nesta reflexao sobre 2 Tetéfora que percorre toda ure area de investi- gacéo sobre a linguager, tenho charado a atencao para 0 que essa metafora supde sobre a netureza dos atos da crianca er direcao a0 ob jeto-linguager. Assim, 20 referir-re a eles, covecei por estencer os liites da retafo- ra, designando-os coro gesto de apreensao do objeto. Recuei, er sequida, incluindo-os entre os atos de percepcao categorial inplicados, etbore néo explicacos, pels pro- postas alternativas & inatista. Avango € recuo serviran a0 Teu objetivo de apontar para 0 especo que separa @ criance dos dbjetos linguisticos nessas propostas. Enfir, pare a exteriori- cede desses cb jetos, concebidos pera a conterplaczo, observecao, percepcao @ anélise. Tal exterioridade é confirreda pelo papel crucial que @ nocéo de input linguistico ten nes teories de aquisicao de linguager. Definido como fale a qe a crianga é exposta, o terro input, enprestado da ciéncia da corputacao imprire ura di- reco & relagao entre @ crianca e 0 objeto contraria (cu complerentar?) a que Ihe é -~8- vonferida pelo temo aquisiczo. Ao inves de gestos/atos da erianga en diregao a0 ob- Jeto, terse 0 objeto, concebido coro dados linguisticos primérios fornecidos a crianga-processador. Esta segunda wetéfora introdwzida pelo termo input no fica restrita aos modelos cognitivistas - gerativistas ou nao - en que teve origen e com os quais & coerente. Sua adoco por outras linhas de investigacao parece relacionada as questdes empiricas que levanta. Conver lerbrar aqui ue, 20 argurento da inpossibi Lidade ldgica, deri- vado da natureza abstrata dos principios que governan a fore des estruturas possi- veis, 0 proprio Chorsky (1965) acrescenta ure espécie de corolério emirico. As estruturas efetiverente realizadas que se oferecer @ criange coro input, alér de representarer necessariarente apenas un sub-conjunto do possivel, se apresentan de forma precaria. Sua precariedade é reretida a falhas de atengao de me- mri que explican truncarentos, refortulagies, falsos corecos. E assim que o input passa a ser questéo empirica € Totive uva discussa0 sobre @ qualidade dos ob jetos linalisticos oferecidos @ crianga para andlise. Apesar da distancia que existe entre 2 nocdo de input € a nocao de dia- logo, € 0 problere levantado pela primeira que dirige a atencao que se passa a dar a segunda. A seqiéncia de objetos lingllisticos produzidos pela crianga se acrescentar ou se associar os dados linguisticos apresentados crianca. Entra en cena seu prove- dor, isto é, 0 adulto e, particulamrente, a mae, coro interlocutora privilegiade. Em que sentido se altera a metafora inicial car esse novo recorte erpi- rico? Ainda que 0s dados obtidos sobre a fale adulta dirigida a crianga auto- rizen ura descri¢ao do input que se opde, en varios sentidos, ao adendo erpirico do ‘argurento de Chorsky, nada se altera na metéfora e das condigoes que ela inpoe 2 ex- plicacao sobre 0 acesso a0 objeto. 0 fato do adulto apresentar a crianga objetos sit plificados e de, aparenterente, inibir sua estrutura ou a fronteira de seus consti- tuintes, favorecendo aproxiracdes parciais, néo elimine a exterioridede do objeto ner a exigéncia de ura capacidade prévia de analise. Nar mesto @ adogéo de posigées tedricas mais corpativeis com 0 didlogo enauanto unidade de andlise Todifica essa situacao7 A assuncao de perspectivas aver pragréticas quer funcionalistas serviran apenas para acrescentar um degrau no percur- so de acess a0 objeto. Tanto a depreensao da estutura cotunicativa de didlogo quanto da fungéo / force ilocucional dos enunciados nele produzidos sao apresentados coro via de acesso @ seréntica e @ sintaxe. Quanto ao adulto, sua funcdo se rediz a0 de apresentacor do objeto, cu de devonstrador de sua utilidade. A essa altura, talvez caiba observar que a adocéo de perspectivas tedri- cas da linglistica, por mais Util que isso possa ter sido, representa 4 projegeo, pe- lo psicolinguista, da atividade do linguista - de seu diélogo cor 0 objeto - sobre o dialogo da crianga cor 0 outro e sobre sua atividade linguistica nesse didlogo. Por essas © por outras coisas é que se pode dizer que a atividade metalinguistica coro -a- condigéo para @ atividade Linguistica (ou para 2 possibilidade dela) esta no cerne da netafora. 3. 0 ESPELHO Para escepar a metéfora e as suas consequéncias representadas pelo ar- gurento da impossibi Lidade logics, Ge Chorsky, 10 basta, portanto, recorrer 20 didlo- 90 enquanto recorte empirico nen a comunicacao enquanto: proceso, que nele se dé. Er vez disso, seria recessdrio recuperé-1o enquanto interacéo e ne sua oral idade. 0 que enttendo por recuperar a oralidade do diélogo ter a ver cor 0 pa- pel da escrita na concepcae 68 Linguagen enquanto bjeto que pode se dar @ percepg2o por si s0, ou isolado da atividade que 0 produz. Coro jd ter sido dito, essa concep ao transborda da escrita para a oralidade, deterrinando a percepgéo das formas que ela assure na atividade dalogica. Recuperar o oralidade seria, entdo, para o investi- gador, atender aos aspectos dessa oral idace ocultados pela dowinancia do objeto-es- crita na reflexao sobre 2 linguager. A saber, atender ao proprio ato de dar forma 20 sor en sua materialidade e tensdo entre o ‘contiruun’ e o discreto que existe nese materializacao. Se recuperar a oralidade ros poe diante de formes cujos contornos nao sao tao definidos coro da palavra-ob jeto da escrita, algo serelhente no que diz _res~ peito a estrutura sintatica ver @ tone quando se tenta recuperar @ cidlogo enquanto inter-acao ou atividade con jugade. No didlogo adulto-crianca é apenas mais transperente essa etividade in- ter-subjectiva (ou trens-subjectiva?) pele qual € requlada a producao de signi ficagéo ou as fortas sob as quais ela se dé enquanto tensdo entre linguagen e Tundo. Os turnos de cade participente exiber relagdes de interdependéncia que cescrevi er trebalhes anteriares, atribuindo-Ihes 0 estatuto de processos constitutivos do diélogo enquanto watriz ce significacao. A eles chavei de especularidade, comple- mentariedade e reciprocidade, por razdes que poder ser expostas a partir do exenplo que se segue: (1) A criange esté brincando no chao e a mae,er adiantado estado de gravidez, esta sentada no sofa, : iyanta (choraringendo) evanta do sofa? livanta do sofé E 0 que & qe eu vou fazer? O que é que eu vou fazer? tr: Ai! M: 0 que é que eu vou fazer? Fala pra mim o auc que eu vou fazer que ai eu le- vanto, Fala pra mim o que € que € pra fazer. -10- Cr: Epa fazé Jevanta !: E ora fazer levanta? (F ~ 1;9.28) ‘A construcao pela crianga da expressao "é pra fazé levanta’, epesar de ser apenas un rorento de ura historia que coreca antes de seu nascirento, ilustra o papel dos trés processos. Os contomnos da forma ivanta/livant/levanta erergen de ur processo de “imitegdo reciproca” através do qual a née oferece sua atividede coro espelho para a crianga e para si propria enquanto intérprete e interlocutora. E esse mesto processo de especularidade que esta inbricado na complerentariedade prosidica e imedieta de liyanta_do_sofa e no processo nao imediato e talvez Tais complexo de acoplarento que resulta noenunciadn € pra fazé_levanta, tarbér espelhado pela mae. Quanto @ reciprocidade, € ele 0 processo que responde pele prépria ins- ‘tanciacao do didlogo, papel que a crianga assure, colocando a me na posicao que an- tes Ihe era exclusiva: a de produzir algo interpretavel coTo resposta seguido ura perspective instaurada pelo Outro. A descrigdo acima aperias aponta para alguns aspectos do que se passa entre née e crianga er ur fragrento de didlogo. Muitos outros, er que estao envolvi- cas as varias fases da atividade € dos objetos linglisticos, mereceriar discussao. Contudo, sero a erergencia de estruturas sintéticas ur dos polos da relacéo sobre a qual me coube discorrer, é er alguns de seus aspectos que Te deterei. Acoplarrento coro 0 exerplificado no didlogo acima poder ser vistos coo @ origen de arcebougos ou esqueTas sintaticos, a partir da segrentagdo de elerentos das partes (turnos? vozes?) acopladas, antes utilizadas coro procedimentos néo-anali- sados. Arcaboucos coro, suponharos, "E pra fazé X", nao so comparecer desde as pri- meiras instanciagoes de complerentariedade intra-turnos coro perriter a incorporacao ou extracéo, via especularidade, de fragrentos mais extensos da fela adulta. Ao processo de andlise que transforma esses fragrentos en esquevas sin- taticos de mais de ura variavel, coro seria "E pra + y + x”, € solidario ur processo ce sintese ou de procura de coesao entre constituintes através de recursos que va0 sé soar a force coesiva da prosédia. 9 Enunciados er que ria ou aliteragao funcionar coro mecanisTo coesivo ‘u de concordéncia cujo escopo é todo 0 enunciado ou parte dele séo encontracos er dedos decriangas de comunidades liguisticas diversas, por volta de dois anos e Teio. Exerpius coro: (2) Tinka horinho no jardinho. (N. 2;7) atestar esse fendreno. € tarben nesse periodo que se pode falar sobre a presenca de esqueras -n- abstratos, cujas posigies 30 preenchidas, por assir dizer, com indicias da experién- cie de tensdo entre linguager e estados de coisas no Tundo. De que outra maneira sé poderia interpretar 0 enunciado: (3) A Cuca fez a Ana Renata. (M. 236) Produzido por Michel aos dois anos e meio? Para que se posse vislurbrar a complexidade dessa tentativa da crianca de dar forte a ura situacao vivida e a ura possivel alteragdo de seu sistera de ex- pectativas sobre as pessoas e suas relacdes, & preciso que eu relate os episddios su- cessivos que estao encapsulados er (3). Michel vé entrar er cesa ur rapazinho que nao conhece. Pergunta a ‘rim, sua nadrinha, a quem chara de Cuca: “Quer é?” Respondo, levando er conta 0 seu conhe- citento das pessoas arigas da familia: "E 0 irméo da Renata’. Sua reacdo inediata é dizer 20 inrao da Renata: “A Titita run ta”. Sendo a Renate ure ariga da Titita, as expectativas de Michel sobre es- sa relacdo se estender ao rapaz, fazenco-o supor que a visita sO poderia ser para a Titita. Conhecenco 0 motive que trouxe 0 rapaz a minha casa, digo para Michel: "Ele nao veio para ver @ Titite: Ele veio para ter aula com a Ana”. Ber ais tar¢z, * ondo a Titita chega er casa, Michel corre para ela, ansioso por contar a grande survresa do die: “A Cuca fez a Ara Renata”. 0 que se depreende desse enunciado? Sou eu 0 responsdvel por ura rele cao entre a Ana e @ Renata que ele nao supunha existir? E a vinha fala que instaura novas relagdes entre pessoas, violando suas expectativas, e, levando-o assim a fazer saber imediatarente & pessoa excluida sobre essa nova relacéo? Qualquer que seja a interpretacao desse enunciado-relato (deniincia?), 0 que ele parece mostrar € 0 uso de um esquera causativo para encapsular a experién- cia de episodios dialdgicos que corresponder a diferentes recortes de situagdes. Co- 170, ento, isolar desse esquere apenas sua fase sintatica, deixando de lado 2 comple xidade pragrética e serantica que detenrinan sua insdlita instanciacdo? 0 percurso breverente apresentado acima, que vai dos processos dialdgi- cos aos de andlise e sintese de dbjetos linguisticos, culminando nia forragdo de es- quotas ais abstratos, fala por si proprio a favor da substitui¢ao da retéfora da aquisicao pele Tetdfora da construcao. Contudo, quase nada do que foi descrito au apenas rencionado est isento de ser torado covo araunento er favor de numa hipotese associacionista, 2 quel supde ur sujeite constituido, capaz de incorporar e associar os comportatentos linguisticos adulto @ seu proprio corportarento. E ainda 0 processo de especularidade e seu estatuto enquento funderer™ to dos outros dois processos que coloca chstaculos a ura tal interpretacéo. -2- tuito antes do morento er que a crianca participa efetivarente do did- logo car 0 adulto, esse € 0 processo pelo qual a me recorta segrentos do Tluxo cor portarental do bebe. E a esse recorte que ganha visibilidade no espelho que sua ati- vVidade constitui que a rae atribui sentido, ur sentido de que ela propria necessita para fazer sentido enquanto Tae. Para estabelecer o vinculo que perrite compreender a funcéo desse pro- ‘cesso na constituicao da crianca enquanto sujeito capaz de espelhar, recortar e der sentido 20 comportarento do Qutro e, portanto, de si proprio, é preciso voltar neis atras no que diz respeito a crianga enquanto orgenisTo que se Tenifesta er ur fluxo corportarental . Para isso néo se pode deixar de recorrer aos psicdlogos que, por volte d inicio do século, se preocuparan con a génese do sujeito epistérico a partir de ur orgenisto ep estado de fusao ou indiferenciacao, isto é, incapaz de perceber-se esi proprio e a0 Tundo, de que participa enquanto organisto, coro entidades isolaveis. Refiro-te principalrente a Baldwin (1895), cujas idéias forar retoradas por Piaget (1945) e vor outros autores que defenderan ura visdo construtivista, er varios senti- dbs oposta a dele. E nesse periodo da historia da psicologia do desenvolvirento que a no- 80 de fusdo/indiferenciacéo se explicita en termos ca atividade motora e da ativida- de perceptiva da crianga enquanto polos” interno e externo de seu estar no Tundo. Assim, pelo Tecanisto charedo de reagdo circular, concebe-se 0 bebé co- TO encerrado na circularidade er que se suceder seu Tovirrento e a percepcao que dele decorre e que, por sua vez, desencadeia autro Tovirento que a conserva ou reinstaura. Nas possibilidades de romper esse circuito € que, portanto, residen as possibilidades de sub jetivacdo e dbjetivacéo, ou de fazer erergir do continuum expe- riencial entidades concebidas coro cbjetos discretos.Nesse sentido, romper 0 circuito equivaleria a fazer da atividade sensorial ura via de acesso 20 que esté fora de si cu 20 produto do ToviTento do organismo concebido coro fora de si. A atividade oto- Ta, que passe a ser concebivel cova isolads da atividade sensorial, corresponderia ura fase interna, ou Telhor, a via de acesso a si Testo coro fonte do rovirrento. Nao € absurdo pensar que a ruptura desse circulo e os privérdios da di- ferenciagao de si e do mundo se déer através do Outro, que, espelhando 0 corportaren- to da crianga, a ponhe diante de ura outra fonte de atividade Totora e de alimento para sua atividade sensorial. No espelho co Outro, conviver dialeticarente 2 fusao e a diferenciacéo, coro Wallon (1942) fez muita questo de ressaltar. Nele € possivel, através do que € percebido coo serelhante dar conta do que é, na origer do movirento, diferente. 0u, en outras palevras, subjetiver-se, objetivendo-se no Outro. Armeu ver, 0 proprio al- Garento do que Mead (1934) charou de gestos vocals e suas transforragoes qualitatives na direcdo da linguager se dé nesse proceso de espelharento. Solidério a ele portanto, a possibilidade de isolar os sons da fala da materialidade que os reverte- ria a0 mundo fisico de que participa para alcd-lo a objeto discretizavel e sinboli- -B- co. Se € verdade que as transformagdes qualitatives do organisto sao conce- biveis coro graus sucessivos de possibilidades de categorizacdo do “continu” expe- rimental, entre os objetos que se constituem nessa atividade esto tanto a linguagen quanto @ sua georetria. E’ isso que me leva ao atrevirento de tentar ver a sintaxe no espelho. ROTAS: . Este texto é uma versa pouco alterada do que foi preparado para a aula que dei, é 1 de abril de 1986, covo prova didatica do concurso publico de provimento do cargo do Professor Titular, na Area de Aquisico de Linguagar do Deoartarento de Lin- guistica, IEL, UNICAYP. Dai 0 ton db texto e a adverténcia ao leitor para que, 20 1é-lo, 0 aga, 2. Para ura discusséo sobre relativos a esse tipo de descrigo, ver de Leros (1982). w . Em Maia (1985) so apresentadas e discutidas as origens e as consequéncias dessas relagoes entre as duas disciplinas er ure area considerada interdiscipliner. |. Er Wallon (1942), encontrar-se, a meu ver, hipdteses sobre a linguager construi- cas a partir dessa direcao argurentativa. 5. Poucos autores ou estudiosos da aquisigéo de linquager perceberar esse risco e Tui- tos enbarcarar ep empreenditentos dessa natureza ser se dar conta ce seu custo tedrico. Ver, por exerplo, Bloom (1970). 6. Para ura critica dessas propostas, ver Borges Neto (1985). 7. Para ura discusséo mais detalhada dessa questao, ver de Levos (no prelo). ~ . Er Maia (1986), essa perspective € defendida € explorada de forra a assegurar no- vas possibilidades de entendirento de coro o sor tora forma e faz sentido. 9. Para melhor corpreensao das relagies entre pragrética, serantica e sintaxe na cons- ‘trucdo de esqueras causativos pela crianga, ver Figueira (1985). 10. Para 0 entendirento da nogao de polo, no sentido de dorinancia de direcao da ati- vidade episterica, ver de Castro Carpos (1985). - 1b - BIBLIOGRAFIA BALDWIN, J.M, (1889) Interpretation sociale et morale des principes de_developperent mental. Paris: Alcan. BLOOM, L. (1970) Geveloprent: Form and function _in_ererging grarrers. Cabridge, Mass., The MIT Press. BORGES NETO, J. (1985) Schlesinger e a hipdtese da assimilacéo seréntica. In Serie Estudos, 11 (19-31) CHOMSKY, NW. (1965) Aspects of the Theory of Syntax. Catbridge, Mass.: The MIT Press. de CASTRO CAMPOS, M.F, (1985) Processos dial6gicos e construcéo de inferéncias e jus- tificativas na aquisicao de linguager. Tese de coutorarento inédita, UNI- CAP. de LEMOS, C.T.G. (1982) Sobre Aquisicao de linguagen e seu diltra (pecao) original. Boletir da ABRALIN, 3 ___. , (no prelo) Interecionisro e aquisi¢éo de linguager. A sair in DELTA. FIGUEIRA, R.A. (1985) Causatividade: un estuco longitudinal de suas renifestagdes no processo de equisicgo do portugues por ura crianca. Tese de coutorarento inédita, UNICAMP, NAIA, E.A.M, (1985) A dialética da génese e do empréstiro na constituicao da psico- Linguistica. DELTA, 1 (1-2) (95-106) , (1986) Fazendo sentido do son, Trabelho a ser apresentado no II Encontro Na cional de Fonética e Fonologia, Brasilia, seterbro de 1986. MEAD, G.H. (1934) Mind, self ans society. Chicago: Chicago University Press. PIAGET, J. (1945) La formation du syrbole chez enfant. Paris: Relachaux et Nistlé, WALLOW, H. 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