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VERENA STOLCKE ——$— MULHERES E TRABALHO * * Gostaria de agradecer especialmente a Martha Ackelsberg pela leitura cuidadosa_e diversas sugestées feitas a este trabalho, Agradego também a Rossana Silveira ela traducio. “Paressons en toutes choses, hormis en aimant et en buvant, hormis en paressant”. G. E. Lessing, citado por P, Lafargue. “O defeito do pobre é trabalhar sempre”. Dona Jandira, trabalhadora agricola em Séo Paulo. No debate sobre as raizes da subordinacio das mulheres, a relacéo entre a condigéo feminina e o assim chamado tra- palho produtivo aparece invariavelmente como um dos temas centrais. Creio que isto nfo se d& por acaso, O casamento e a familia, como arranjos institucionais de reproducio social, e suas conseqiiéncias sobre o papel da mulher, sao fatores geralmente tidos como dados e, por isso, deixados de lado, ou, entéo: relegados a um segundo plano. & dbvio que o desenvolvimento capitalista afeta diretamente a divisdio so- cial e sexual do trabalho tradicional; e é importante identi- ficar as formas especificas deste processo e suas conseqiién- cias para a condicio da mulher. Também é de consenso geral que as mulheres estio em relativa desvantagem com relacaio aos homens no mercado de trabalho, e, também, percebe-se que isto esté de certa forma relacionado & responsabilidade basica atribuida As mulheres pelo nascimento e criacio dos filhos. Mas por que a responsabilidade das mulheres pelas tarefas relativas & procriacéo deveria implicar inferioridade social é algo que fica menos claro, Acredito que, adotando a perspectiva produtivista, nasci- da do conceito de progresso do século XIX, que considera socialmente valorizadas apenas aquelas atividades relaciona- das com a produgio material, os estudiosos da subordinacio das mulheres tém ignorado 0 papel fundamental ocupado por elas na reprodug&io da sociedade de classes. No compreen- dem, assim, a natureza especifica da subordinacio das mu- Theres, nascida precisamente do papel socialmente essencial que desempenham. De fato, as feministas — tanto radicais como liberais — e os cientistas sociais marxistas tém tido dificuldades consideraveis para perceber a conexdo complexa existente entre as relagdes sociais de produ¢So e reprodugio, e os efeitos deste inter-relacionamento para os papéis se- xuais.1 Os marxistas, centrando atencio fundamentalmente Na «produg&o», deixaram de considerar esta interdependén- cia como essencial 4 reprodugo da sociedade de classes, AS feministas, tendendo a atribuir a situacio de subordinagao 83 das mulheres ao cerceamento, aparentemente universal, exer- cido sobre suas atividades em nome de sua responsabilidade pela procriagio, fogem da questao; 0 mesmo se dando no que se refere as ditas definicdes culturais dos papéis dos sexos e & organizacio especifica da reproducio social em diferentes contextos histéricos. Embora sob Angulos diferen- tes, ambos convergem ao atribuir a subordinacio das mulhe- res, em tltima instancia, pelo menos na sociedade de classes, a carga desigual da maternidade e da paternidade, e 4 sub- seqiiente divisio sexual do trabalho, que impede que as mu- lheres participem nos mesmos termos que os homens do assim chamado trabalho produtivo. As mulheres sfo tidas como subordinadas porque as fungédes executadas por elas sao subordinadas. Para os marxistas, isto se deve ao fato de que o trabalho doméstico é privado e, portanto,

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