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Capitulo IV ESTAMENTOS E CLASSES 1. Conceitos § 1. Chamamos “situagio de classe” a oportunidade tipica de ' 1) abastecimento de bens, ee Ocak wig Se ge me 2) posigio de vida externa, nig ” 3) destino pessoal, ‘ i que resulta, dentro de determinada ordem econdmica, da extensdo e narureza do poder de disposigdo (ou da falta deste) sobre bens ou qualificagdo de servico e da natureza de sua aplicabilidade para a obtengao de rendas ou outras receitas. \ Chamamos “classe” todo grupo de pessoas que se encontra em igual situagao de classe. @) Classe de classe proprietiria & aquela em que as diferencas de propriedade determinam primariamente a situagao de classe. 5) classe aquisitiva & a que apresenta oportunidades de valorizagdo de bens ou servigos que lhe determinam primariamente a situagao de classe. ©) classe social é a totalidade daquelas situacées de classe entre as quais uma mudanca @) pessoal, B) na sucessio das geragdes é facilmente possivel e costuma ocorrer tipicamente. Sobre o fundamento de todas as trés categorias de classe podem surgir associacées dos interessados classistas (associagées de classe) Mas isto nao ocorre necessariamente: situagao de classe e classe nada mais indicam do que a existéncia de situacdes de inte- Tesses tipicas iguais (ou semelhantes)em que um individuo se encontra junto com muitos outros. Em principio, o poder de disposigio sobre os diversos tipos de bens de consumo, meios de producdo, patriménio, meios de aquisicao € qualificagao de Servico consti- tuem, em cada caso, uma situacdo de classe especial, e somente a falta total de “qualifi- cac4o” de pessoas sem propriedade, obrigadas a ganhar a vida por seu trabalho com Ocupagoes inconstantes, representa uma situacdo de classe homogénea. As transicdes de uma classe para outra podem ser ou nio faceis e fluentes, em grau muito diverso; Por isso, difere também, no mesmo grau, a unidade das classes sociais a) A importancia primdria de uma classe Proprietéria positivamente Privilegiada est «) na monopolizacio do abastecimento com bens de. consumo de pregos elevados (onerosos), na compra, 200 ‘MAX WEBER B) na situagéo de monopélio e na possibilidade de uma politica monopolista plane- jada, na venda, 'y) na monopolizacao da oportunidade de formagio de patriménio por mcio de excedentes néo-consumidos, 5) na monopolizacio das oportunidades de formagio de capital por meio de pou- panga; portanto, da possibilidade de investimentos de patriménio como capital de em- préstimo ¢, com isso, de disposicéo sobre as posigdes de dirigentes (de empresas), €) nos privilégios estamentais (de educacdo), desde que sejam onerosos. 1. Classes proprietdrias positivamente privilegiadas sdo tipicamente os rentistas. Estes podem ser: 4) rentistas de seres humanas (proprietdrios de escravos); b) rentistas de terras; cc) rentistas de minas; ) rentistas de instalacGes (proprietarios de instalacées de trabalho e aparelhos); e) rentistas de navios; f) credores e, neste caso: a) credores de gado; B) credores de cereais; y) credores de dinheiro; &) rentistas de valores. Il. Classes proprietarias negativamente privilegiadas sao upicamente: , 4) objetos de propriedade (dependentes — veja no par4grafo sobre o “estamen- to” b) desclassificados (proletarii, no sentido da Antiguidade), ¢) endividados; d) “pobres”. Entre elas estdo as ‘classes médias”, que abrangem as camadas, de todas as espé- cies, que dispdem de propriedade ou qualidades de educacdo e dai obtém sua renca. Algumas delas podem ser “classes aquisitivas’’ (empresarios — em grande parte positiva- mente privilegiados —, proletarios — negativamente privilegiadas), mas nem todas (camponeses, artesios, funciondrios). A articulacao das classes proprietarias puras nao é “dindmica”, isto ¢, ndo leva necessariamente a Jutas e revolugdes de classe. A classe proprietaria dos rentistas de seres humanos, positivamente privilegiada em alto grau, por exemplo, encontra-se mui- tas vezes ao lado da muito menos positivamente privilegiada dos camponeses, ou até dos desclassificados, sem que haja antagonismo de classe, ¢ 4s vezes existe até solidarie- dade entre elas (por exemplo, em relagao aos dependentes) Somente o antagonismo de classes proprietdrias entre 4) rentistas de terras e desclassificados, ou 2) credores € devedores (muitas vezes: patricios urbanos € camponeses ou arte- sdos urbanos) pode levar a lutas revoluciondrias, as quais, no entanto, ado necessariamente tém o fim de mudar a constituico econémica, mas primariamente apenas 0 de obter acesso 4 propriedade ou a distribuigao desta (revolugdes de classes proprietirias). Um exemplo cléssico do antagonismo de classe é a situacao do poor white trash (brancos sem escravos)em relacao aos proprietarios de plantations, nos estados sulistas dos Estados Unidos. © poor white wash era muito mais hostil aos negros do que os proprietarios de plantations, ECONOMIA E SOCIEDADE 201 dominados freqtientemente, em sua situagdo, por sentimentos patriarcais. Os exemplos principais da luta dos desclassificados contra os proprietdrios esto na Antiguidade, do mesmo modo que dos antagonismos: credor x devedor e rentista de terras x desclassificado. §2. b) Aimportancia primaria de uma classe aquisitiva positivamente privilegiada esta @) na monopolizagio da diregio da producio de bens, no interesse dos fins hucra- tivos dos membros de sua classe, 8) no asseguramento de suas possibilidades aquisitivas pela influéncia sobre a politica econdmica das associagdes politicas e de outras. 1. Classes aquisitivas positivamente privilegiadas so tipicamente empresdrios: a) comerciantes; 6) armadores; c) empresdrios industriais; d) empresdrios agrarios; ¢) banqueiros e empresdrios financeiros e, em certas circunstancias: ) “profissionais liberais” com capacidade ou formacdo especial (advogados, mé- dicos, artistas), 8) trabalhadores com qualidades monopélicas (préprias ou adquiridas). IL. Classes aquisitivas negativamente privilegiadas sao tipicamente trabalhadores, em suas diversas categorias qualitativamente diferenciadas: a) qualificados, b) treinados para determinado servico; ¢) nao-qualificados. Entre eles encontram-se também aqui, como “classes médias’, os camponeses € artesZos auténomos. Além disso, freqiientemente: a) funciondrios (publicos e privados), b) a categoria mencionada em [fe os trabalhadores com qualidades monopélicas excepcionais (préprias ou adquiridas — Ig); c) Classes sociais si0 @) os trabalhadores em seu conjunto, ¢ isto tanto mais quanto mais automatizado se torna o processo de trabalho, B) a pequena burguesia, ‘y) 0s intelectuais sem propriedade e os especialistas profissionais (técnicos, “em- pregados” comerciais e outros, funciondrios publicos, eventualmente com separagao social muito rigorosa entre eles, segundo o custo da educacio) 8) as classes dos proprietarios e privilegiados por educagao. © final interrompido de O capital, de Karl Marx, pretendia evidentemente ocupar-se do problema da unidade de classe do proletariado, apesar de sua diferenciagio qualitativa, Para tanto € decisiva a importincia crescente do trabalho “tceinado” na propria maquina, dentro de prazos relativamente curtos, a custa do “qualificado” € as vezes também do '‘nao-qualificado’’. Sem divida, capacidades treinadas so freqiientemente monopélicas (tecel6es aleancam as vezes ‘© rendimento 6timo depois de cinco anos!) © transito para uma vida de pequeno-burgués “aut6- nomo” era antigamenté o objetivo de todo trabalhador, mas a possibilidade da realizacdo torna-se ‘ada vez menor. Na sucesso das geracdes, tanto para a quanto para f, 0 “‘ascenso” 4 classe social y (técnicos, empregados comerciais) é relativamente o mais facil. Dentro da classe 8, © dinheiro compra progressivamente — pelo menos na sucessdo das geracdes —- tudo. A classe yy tem (particularmente] nos bancos e nas empresas de sociedades por agdes oportunidades de ascenso a 8, assim como os funciondrios piiblicos [quando ocupam posigdes superiores]. 202 MAX WEBER ‘Uma agio de classe com carter de relagio associativa cria-se com maior facilidade 4) contra os portadores imediatos de interesses opostos (trabalhadores contra empresdrios, € nao [contra] acionistas, os quais de fato cbtém renda sem trabalhar: tampouco: camponeses contra proprietdrios de terras); 5) somente em situacGes de classe tipicamente semelhantes para massas de pes- soas; ¢) em caso de possibilidade técnica de f4cil reunido, especialmente nas comuni- dades de trabalho localmente concentradas (comunidade de oficina), d) somente em caso de condugio para fins evidentes, os quais regularmente sao. impostos ¢ interpretados por pessoas nao pertencentes a classe (os intelectuais). § 3. Denominamos situagdo estamental um privilegiamento tipico positivo ou ne- gativo quanto a consideragdo social, eficazmente reivindicado. Baseia-se a) no modo de vida e, por isso, 5) no modo formal de educacdo e, nesse caso, @) em aprendizagem empirica ou 8) racional, e nas formas de vida correspondentes; ©) no prestigio derivado de descendéncia ou profissdo. Na prdtica, a situagao estamental manifesta-se, sobretudo, @) no connubium, B) na comensalidade e, eventualmente, Y) com freqiténcia, na apropriagéo monopélica de oportunidades de aquisicio privilegiadas ou na estigmatizacao de determinados modos de aquisicao, 8) em convencGes estamentais (“‘tradicdes”) de outra espécie. A situacdo estamental pode basear-se numa situacio de classe de natureza univoca ou ambigua. Mas ndo se determina somente por ela: a posse de dinheiro e a Posiga0 de empresario nao sao, por si, qualificacdes estamentais — ainda que possam levar a estas; nem a falta de patriménio constitui, por si, uma desqualificacdo estamental, ainda que também possa levar a esta. A situacdo estamental, por outro lado, pode condicionar em parte ou totalmente uma situacao de classe, sem ser-lhe idéntica. A situagao de classe de um oficial, funciondrio ou estudante, determinada por seu patrimd- nio, pode ser muito diversa sem que difira a situacdo estamental, porque o modo de vida criado pela educacio € o mesmo, nos pontos estamentalmente decisivos. Denominamos “estamento” uma pluralidade de pessoas que, dentro de uma asso- ciagao, gozam efetivamente a) de uma consideracio estamental especial e eventualmente, também, portanto, b) de monopélios estamentais especiais. Os estamentos podem originar-se 4) primariamente, de um modo de vida estamental proprio e, dentro deste, parti- cularmente, da natureza da profissao (estamentos Por modo de vida e por profissio), 5) secundariamente, de modo carismético-hereditario, com base em pretensdes eficazes de prestigio, em virtude de descendéncia estamental (estamentos por nasci- mento), ¢) da apropriacao estamental de poderes de mando politicos ou hierocrdticos, como monopdlios (estamentos politicos ou hierocraticos). O desenvolvimento dos estamentos por nascimento 6, em regra, uma forma da apropriacdo (hereditaria) de privilégios por uma associagio ou por individuos qualifi- cados. Toda apropriagio fixa de determinadas possibilidades, especialmente a de mando ou a de aquisicao, tende a levar 4 formacao de estamentos. E toda formacio de estamen- ECONOMIA E SOCIEDADE 203 tos tende a levar & apropriagio monopélica de poderes de mando e oportunidades aquisitivas. Enquanto que as classes aquisitivas crescem com base na economia orientada pelo mercado, os estamentos nascem e existem preferencialmente com base na provisao de necessidades de tipo monopolico-liturgico, feudal ou estamental-patrimonial de asso- ciagdes. Chamamos uma sociedade “estamental” quando a estruturacao social orienta-se preferencialmente pelos estamentos, e “‘classista” quando esta orienta-se preferencial- mente pelas classes. Entre as classes, a mais préxima ao “estamento”’ éa classe “social”, ea mais distante, a “classe aquisitiva”. Com freqiiéncia, estamentos so constituidos basicamente por classes proprietdrias. Toda sociedade estamental € convencional, regulada por normas de modo de vida, criando, por isso, condicdes de consumo economicamente irracionais ¢ impe- dindo, deste modo, por apropriagdes monopélicas € eliminagao da disposicao livre sobre a propria capacidade aquisitiva, a formagao livre do mercado. Ainda trataremos disso em particular.

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