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Trabalho, Suor e Lágrimas

Estou farta de pensar que pertenço a uma classe sui generis. Paciente, pacífica, empenhada,
trabalhadora, que gosta daquilo que faz apesar de mal paga, que resiste a mudanças e mais
mudanças nas regras e nos costumes, a mais das vezes para pior, que é quantas vezes
amesquinhada pela tutela, e que permanece na profissão, num exercício próximo do masoquismo.
Sim, eu sei, alguns de nós são uma balda. Não tenho estatísticas sobre o assunto, mas serão
seguramente poucos, uma minoria muito minoritária. E sim, mesmo minoritários são demasiados.
Não tenho estatísticas sobre o que afirmo, mas tenho a experiência de ter assistido todos estes
anos que já levo de profissão, e que são já muitos, a muitas práticas e a muitas conversas entre
professores de facto preocupados com a aprendizagem dos seus alunos, com o bem-estar dos seus
alunos, com o apoio que dão aos seus alunos e quantas vezes aos pais dos seus alunos, e que se
estende muito para além da sala de aula, agora também através do sms, desfazendo dúvidas antes
dos testes ou durante a realização de um qualquer trabalho, "ouvindo-os" em desabafos, dando-lhes
atenção, carinho e força para permanecerem na escola, para permanecerem por cá, aconselhando-
os quando eles precisam, enfim, desempenhando um papel muitas vezes confessional e assistencial
que nos leva a suspender o nosso trabalho de casa, seja ele de que tipo for, até para a escola,
elaborando testes, fichas diversas, planificações, actas de reuniões, relatórios, justificações de
negativas, na minha escola uma por cada negativa atribuída, etc, etc, etc, suspendendo até por
vezes a própria família.
É neste grupo que eu me incluo e deve ser por isso que a minha filha desde pequenina, à
costumeira pergunta "Que queres ser quando fores grande?" respondeu sempre "Professora
nunca!" Também deve ser por pertencer a esta categoria de professores que por várias vezes ouvi a
minha filha dizer-me em tom de desagrado "Não sei porque não levas o colchão para a escola!" tal a
carga de reuniões que já tive de suportar.
Mas tudo isto se fez, de sorriso pronto para os nossos alunos. Até agora, em que não está a ser
mais possível aguentar a revolta e o desagrado de me saber no topo da carreira aos 46 anos já que,
por opção, nunca me candidatarei à carreira de Professor Titular. Não sou burocrata. Se fosse ter-
me-ia filiado há muito num qualquer partido político e teria feito carreira à custa de um qualquer
cartão, rosa ou laranja, ou mesmo de uma outra cor qualquer. Escolhi ser professora pelos meus
alunos e não abdico deles. É por eles que trabalho e entro todos os dias na minha escola, no meu
espaço sagrado que é a sala de aula. Foi por isso que, bem antes de toda esta macacada que me
está a prejudicar o trabalho, iniciei um projecto pessoal, com o apoio da minha família e dos amigos
que me aturam, e que pode ser visitado em

http://anabelapmatias.googlepages.com/home

Orgulho-me deste trabalho, feito com muito esforço e dedicação, à custa de horas e mais horas, e
mais horas e mais horas, do meu tempo. Partilho-o. Porque ser professor também é isto. Sou uma
entre muitos. Exausta. Exaustos.

Hoje não seria capaz de o iniciar e de o fazer. Não teria tempo.


E isso faz de mim uma professora indignada que participará, pela primeira vez, numa manifestação
de rua, no próximo dia 8 de Março, em Lisboa.

Basta.

Anabela Magalhães

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