Professional Documents
Culture Documents
OGOS DE LINGUAGEM
nsaio em torno de conceitos de
Searle e Wittgenstein
1. Introdução...................................................................................................3
4. Considerações finais...................................................................................9
5. Bibliografia................................................................................................11
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Partilha nos
termos da mesma Licença 2.5 Portugal. Para ver uma cópia desta licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/pt/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street,
Suite 300, San Francisco, California 94105, USA.
2
1. INTRODUÇÃO
para uma filosofia da linguagem, bem como para uma filosofia da comunicação.
Sobre ele assentam, aliás, uma série de concepções centrais para toda o conjunto de formu-
lações elaboradas em torno das perspectivas pragmáticas da comunicação. Linguistas deve-
dores de Wittgenstein, como Austin, Searle e Grice, situam-se nesta linha - cada um deles
construindo uma formulação própria do conceito de jogo de linguagem - apresentam uma
interpretação desta noção exposta por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas. Assim, esta
ideia está presente no conceito de acto de linguagem, ou speech act.
O pano de fundo destas ideias é constituído pela ideia que a linguagem é um acto, uma
acção, em que estão envolvidas dimensões comportamentais, psicológicas e mentais, tanto
conscientes como inconscientes. Assim, afirmar o jogo de linguagem é negar a deficiência de
teorias como a de Russel e Quine (e também, embora de modo diferente, do Wittgenstein
do Tractatus Logico-Philosophicus), baseadas em concepções semânticas, em que a lingua-
gem é tomada como reflexo do valor de verdade do mundo e, assim, privilegiam a função
descritiva da imagem. A alternativa é reflectir sobre o valor performativo da linguagem, i.e.,
sobre a dimensão ilocutória que subjaz a grande parte da comunicação linguística. A função
constativa da linguagem tem, assim, pouco interesse para uma teoria comunicacional, face à
relevância da interacção e transacção de sentido intencionais presentes nos actos de lingua-
gem.
Neste curto ensaio, serão desenvolvidas duas questões. A primeira diz respeito à defini-
ção e delimitação do conceito de jogo de linguagem, na concepção de Ludwig Wittgenstein
exposta ao longo das Investigações Filosóficas. Aqui, é de particular importância a noção de
regra ou norma de uso, como “indicadores” que instituem o uso e aprendizagem da lingua-
gem.
A segunda parte será dedicada à exploração das noções de forma de vida e background,
nas formulações do filósofo austríaco e de John Searle, sendo particularmente relevante para
tal estudo a abordagem das interdependências e interacção na construção de uma comuni-
dade linguística.
3
2. DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO CONCEITO
mamente interessante. O seu famoso exemplo de uma linguagem usada por dois
pedreiros (A e B) constituída apenas por nomes (simultaneamente usados como ordens), é
usado em toda a primeira parte das Investigações Filosóficas. Prosseguir no estudo da lingua-
gem através de exemplos é, aliás, tido como um dos métodos didácticos preferenciais. As-
sim, desde o início do livro, Ludwig Wittgenstein toma de Santo Agostinho a ideia de que a
linguagem se aprende ao longo da vida, embora não exclusivamente de modo ostensivo. Há,
contudo, certos aspectos da citação da §1 das Investigações1 que são de extrema importância
para a definição dos jogos de linguagem, ainda que se possam relacionar também com uma
teoria da aprendizagem linguística e comunicacional.
Na concepção de Santo Agostinho, tal como para o Wittgenstein do Tractatus Logico-
Philosophicus, a linguagem tem um valor maioritariamente denotativo, ou proposicional,
repousando sobretudo nessa relação entre as palavras e os objectos designados, que permite
o uso de uma didáctica ostensiva. Ou seja, apenas por existir tal relação é possível apontar
para algo e dar-lhe um nome - «Isto (em frente à ponta do meu dedo) é (aquilo que se designa
como) um copo». Pode dizer-se que este é um modo simultaneamente verbal e não-verbal
de aprendizagem de uma língua. Contudo, nada nos diz acerca da construção do significado:
apenas nos indica um uso possível para uma palavra. Afinal de contas, o que é o significado,
senão o uso? É o próprio W. quem o afirma, na §43: «Para uma grande classe de casos - em-
bora não para todos - do emprego da palavra “sentido” pode dar-se a seguinte explicação: o
sentido de uma palavra é o seu uso na linguagem»2. Ou seja, não é necessário procurar uma
explicação para o significado das palavras que não passe pela sua aplicação pragmática numa
determinada forma de vida.
Mas voltemos ao exemplo de ostensão; este é já, por si mesmo, um jogo de linguagem,
cujo sucesso pedagógico depende da compreensão de um conjunto de mecanismos, i.e., de
regras. São regras que definem o uso - passível de compreensão, ou seja, o uso correcto - de
uma palavra, conjunto de palavras, ou de uma língua natural completa, cada qual com seu
grau de complexidade. O que significa que, de algum modo, o jogo de linguagem de ostensão
ou nomeação é apenas um jogo de correspondências, e não explica como é possível com-
preender a própria ostensão (o apontar e designar). De facto, tal perspectiva parece assumir
uma espécie de gramática prévia, imanente, à maneira de N. Chomsky.
1
Wittgenstein, 2002:171-173.
2
Op. cit., pg. 189.
4
Compreender o significado de uma palavra e aprender uma linguagem parece, assim,
depender de mais do que uma relação de correspondência. A função das palavras não é so-
mente designar. Tudo o que elas são, tudo aquilo para que elas servem está contido nos usos
que são convencionados, que são atribuídos pelos falantes de uma linguagem: a linguagem é
um instrumento com funções extremamente diversificadas. O uso é também aprendizagem.
Dizer que a palavra “copo” designa este objecto à minha frente não descreve o uso. Este
pode ser melhor apreendido com uma exploração gramatical (expressão também usada por
Wittgenstein), uma enumeração dos usos possíveis da palavra, ou das situações em que tal
palavra pode, hipoteticamente, ser usada. Como refere o autor, o facto de uma palavra poder
ser usada com tantos sentidos, em tão diversas situações, confunde-nos quanto ao significado
e aplicação que podem ter. É importante ter em conta que as palavras que parecem possuir
apenas um sentido complexo podem ter mais do que um uso possível. Saber quais são esses
usos é conhecer o sentido das palavras.
Portanto, possuir melhor “treino” no uso das palavras, maior conhecimento dos jogos de
linguagem, é ter um melhor conhecimento da linguagem. A aquisição destes conhecimentos
pode ocorrer das mais diversas formas - desde a ostensão, o exemplo, a repetição, até as len-
galengas e melopeias, ditados e canções da infância e das culturas orais. O conceito de jogo
de linguagem pode referir-se a todos eles, a linguagens primitivas, ou mesmo até a linguagens
completas.
A pura memorização parece ter um papel extremamente importante: é a partir dela que
a criança vai aprendendo os sons, olhando para os objectos presentes e ausentes, até que,
por fim, poderá compreender o conteúdo, o uso de cada uma das palavras. De certo modo,
a repetição é uma forma de compreensão: o uso mecânico é um prenúncio de um uso com-
preensivo, com sentido. Para Wittgenstein, toda a linguagem é constituída e aprendida atra-
vés deste tipo de jogos de linguagem; ou melhor: o uso da linguagem e a sua aprendizagem
quotidiana dependem do desenrolar contínuo das capacidades de uso. Se a competência de
uso da linguagem é comum ao género humano, a performance é construída pelo indivíduo,
ao longo da vida. Esta é, aliás, uma problemática bem explorada pela Linguística e filosofia
da comunicação, mas que não pode ser, para bem da necessária brevidade, abordada neste
curto ensaio.
O facto de a linguagem poder ser usada sem o domínio dos conceitos envolvidos torna
os jogos de linguagem bastante semelhantes aos jogos clássicos: é necessário seguir regras de
comportamento bem definidas, para que o uso seja reconhecido como legítimo e adequado.
Quando se aprende xadrez, por exemplo, as regras vão sendo aprendidas com o uso das pri-
meiras partidas. Ao longo do tempo, todavia, o jogo torna-se mais fácil e fluido, deixando de
ser necessário prestar atenção às regras individuais - passa a haver mais “uso” espontâneo e
5
menos cumprimento auto-consciente das regras. E assim, é possível um conjunto virtualmente
infinito de movimentos, de variações e de partidas, reunidas, como é dito por Wittgenstein,
numa «actividade ou forma de vida»3.
As regras, por seu lado, são convencionais. Têm de ser apreendidas, por assim dizer, tal
como são, sem discussão. Nos jogos de linguagem, as regras de uso são expostas e “embebi-
das” na própria cultura - cada fragmento de linguagem responde a um propósito específico.
Talvez isso explique a dificuldade em entender o processo de aquisição de uma linguagem e
a possibilidade de criação e manutenção de uma forma de vida.
3
Idem, pg. 204.
6
3. SEARLE, WITTGENSTEIN E O BACKGROUND
7
ao conjunto de pessoas. É, para Wittgenstein (que usa a designação de “forma de vida”) o
fundo sobre o qual os jogos de linguagem são executados, partilhados e compreendidos. O
seu dinamismo subjaz ao dinamismo dos próprios jogos e respectivos usos. Se assim não
fosse, a comunicação intersubjectiva numa dada forma de vida teria uma função puramente
fática, em que os usos são estáticos.
A própria existência do background atesta de uma relação mais ou menos específica
com o Mundo, com a realidade. É, de certo ponto de vista, a própria condição da possibili-
dade do realismo: «Parece que eu nunca poderia mostrar ou provar que há um mundo real
independente das representações que tenho dele. Mas claro que nunca poderia mostrar
ou provar isso, dado que qualquer acto de mostrar ou provar isso, dado que qualquer acto
de mostrar ou provar pressupõe o Background, e o Background é a concretização do meu
comprometimento com o realismo»�. Perante a inacessibilidade do Mundo, são estes estados
não-intencionais que permitem falar da realidade, afirmando a necessidade de uma ade-
quação da linguagem com o Mundo. São também a pré-condição de estados intencionais,
essenciais para a comunicação.
A dificuldade de definição deve-se, como Searle nos recorda, ao uso de uma «linguagem
intencionalista» desadequada para falar de questões da ordem da pré-intencionalidade. Esta
limitação é, evidentemente, determinante: os jogos de linguagem que usamos são insuficien-
tes quando passamos para além da sua própria fronteira. Assim , a pragmática de Searle e
Wittgenstein depara-se com aquilo que, sendo essencial para a construção e partilha de uma
linguagem e experiência em comunidade, só muito dificilmente pode ser abordado.
Uma situação prática em que as diferenças de background poderia surgir em toda a sua
dimensão convencional e contingente seria a de interpretação ou tradução radical. Quine,
analisando o problema, chega à tese da indeterminação da tradução radical, afirma que a
ostensão não é suficiente para dar uma tradução exacta. Mas, mais do que isso, devemos
deixar de pensar numa correspondência um-para-um entre palavras de linguagens diferentes.
A verdade é que as Weltanschauungen e os mundos da vida das duas formas de vida são in-
comensuráveis, e o sentido imediato não é apreensível a partir de uma perspectiva exógena.
Assim, a interpretação e tradução - dir-se-ia que também a comunicação - dependem da par-
tilha pelos interlocutores de um conjunto de estados pré-comunicacionais. Até eles estarem
estabelecidos, a correcção do sentido de uma dada tradução é indeterminável.
8
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
9
5. BIBLIOGRAFIA
10