O Centauro deitou-se na clareira da floresta, adormeceu e teve um estranho sonho.
Sonhou que vagava em uma planície de parca vegetação que perdia-se, infinita, em todas as direções. Não havia ali a alternância entre dia e noite. Era sempre dia, embora no céu pudessem ser vistas duas luas embaçadas por uma opacidade translúcida e mormacenta. Luas imóveis e próximas no céu meridiano. Sob um silêncio absoluto vagava o centauro em seu sonho. Assustador vagar, pois suas patas decidiam direções e velocidades sem que sua vontade as pudessem controlar. Por vezes paravam e por longos minutos ficavam imóveis, a não ser por súbitos e inesperados tremores musculares, como que se indecisas sobre a direção a tomar. De quando em quando o centauro acreditava poder perceber uma certa aflição das patas. Embora, se por um lado estivesse assustado, por outro sentia uma estranha tranqüilidade há muito não sentida, se é que algum dia sentida. Nada havia de sua parte a decidir. Até mesmo porque a planura, até o longo infinito dos horizontes, nada mostrava de diferente do lugar no qual estivesse. Por fim, as patas cansadas ajoelharam-se e corpo do centauro deitou-se. O centauro entendeu que devia dormir. Quando acordou, recordou o sonho, mas, ao abrir os olhos, viu-se ainda na planície e seu corpo imóvel, como se ainda dormisse. As duas luas ainda no mesmo local celeste. Longas horas transcorreram sobre a aflição das patas quando por fim adormeceu novamente. Ao acordar estava na clareira da floresta. E o dia era de sol, com uma única e móvel lua. Ao entardecer foi ao alto da colina ver o crepúsculo e então novamente dormiu. Quando despertou estava ainda na planície interminável onde não anoitecia e onde as luas eram imóveis. Nunca mais sonhou com a floresta, alias não tinha sonhos. O infindável da planície tornou-se o infindável também de seu tempo sem tempo. Primeiramente desesperançou-se de crer que sonhava, mas depois acreditou na inexorabilidade de um cativeiro de sonho, o que de certa forma vinha a ser o mesmo O vagar interminável o fez aprender a não mais sentir a aflição das patas e quis acreditar-se uma mente absolutamente livre, para qual não mais importava o que era sonho ou realidade. O que importava unicamente era sua crença. Então sentiu-se grande e feliz. Mas o centauro estava velho e um dia seu corpo deitou-se. O centauro compreendeu que estava morrendo. E, então, urubus longínquos passaram a rondar o corpo quase morto na clareira da floresta.