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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
/ W\(f\Á I
ANO XI — N? 131 NOVEMBRO DE 1970
ÍNDICE

"Entre sombras, mas com fidelidade..." 465

I. ESCOLA EM FOCO

1) "Tem-se questionado a existencia de escolas e Universida


des Católicas. Ainda tém razio de ser ?
Vale a pena continuar a entreté-las ?" 469

II. VIVENCIA CRISTA

2) "Que sao os 'Cursilhos de Cristandade' ?


Enquanto uns Ihes dizem entusiástico Sim, outros Ihes fazem
reservas.

Que pensar ?" 480

III. QUEM NAO OUVIU FALAR ?

3) "Que pensar do caso de Zé Arigó, o famoso 'médium' de


Congonhas do Campo, a quem se atribuem curas maravilhosas ?

Sim ou Nio a ésses fenómenos ?" 489

IV. "ENFANT TERRIBLE" ?

4) "Cisma na Holanda ? Como vai evoluindo o Catolicismo


holandés ?" 498

V. MAIS UMA VEZ...

5) "Celibato do clero... Que mais se poderia dizer ?" 505

VI. AMIGA PESSOAL OU CEIFADEIRA ?

6) "O espectro da morte... Pode alguém considerá-lo com


paz e ategria ?" 508

Vil. "MASS-MEDIA"

7) "E as Religiosas indianas ?" 511

Correspondencia Miúda 512

Resenha de Livros 512

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


"ENTRE SOMBRAS,
MAS COM FIDELIDADE..."
(Const «Luz dos Povos» n9 8)

Um dos temas mais em foco no Brasil dos últimos tempos


é a Igreja.

Diante de campanhas e comentarios que se váo multipli


cando, nao nos interessa acirrar mais ainda os ánimos. Pen-
samos, antes, em muitos irmáos nossos que, ao observarem a
atual fase da historia, sofrem (e com razáo), pois amam a
Cristo e á sua Santa Esposa, e nao compreendem o que está
ocornendo. Outros se sentem perplexos e vacilantes na fé.
A uns e outros desejamos propor tres reflexóes, sugeridas
por urna visáo de eternidade.

1) O Cristo que nos fascina nos Evangelhos, é insepa-


rável da sua Igreja, a qual, conforme Sao Patrio, vem a ser
o Corpo de Cristo prolongado (cf. Col 1, 24; 1 Cor 12, 27).

A Igreja de Cristo, por sua vez, nao se distingue da reali-


dade de Igreja que atualmente temos no mundo e no Brasil.
A Esposa de Cristo nao consta de santos apenas, mas de santos
e pecadores, de trigo e de joio (cf. Mt 13, 37-43). Jesús Cristo
prometeu sua assisténcia infalível nao aos mais santos de
seus discípulos, mas simplesmente aos Apostólos e aos seus
sucessores legítimos até o fim dos sáculos: «Ide e pregai a
todas as nagóes,... ensinando-as a cumplir tudo quanto vos
tenho mandado. E eu estansi convosco até o fim do mundo
(Mt 28,19s). É, pois, na linhagem dos Apostólos e, em parti
cular, na de Pedro que o cristáo encontra a garantía de que
está com Cristo e Cristo está com ele. O Sanhor Jesús quis
que nao o encontrássemos «desencarnado», numa experien
cia meramente interior, mas, sim, na sua Igreja e, necessária-
mente, na sua Igreja visivelmente estruturada. Esta prolonga o
misterio da Encarnacáo, ou seja, do Deus ás vézes desfigurado
pela fraqueza das criaturas que Ele se digna de assumir como
colaboradores.

Cristo quer precisar dos homens para santificar os homens;


mas é Ele quem santifica em toda e qualquer hipótese, sejam
os instrumentos santos ou nao ! Por isto quem continua a ade-
rir á Igreja, é sempre atingido e purificado pop Cristo, que nela

— 465 —
vive. E quem abandona a Igreja, abandona o Corpo protraido
de Cristo, ficando entáo com um Cristo mutilado.

2) Diz a S. Escritura: «O homem vé na face; Deus,


porém, vé no coracjio» (1 Sam 16,7). O que, no caso presente,
significa: nao estamos sempre em condigóes de compreender e
avaliar as intengóes intimas daqueles que nos desconcertam por
seu comportamento. Podem ter zélo, amor á Boa Causa, mas
ser infelizes ñas suas expressóes e atitudes. Todo homem está
sujeito a tanto. Consciente disto, o cristáo se esforga por nao
julgar precipitadamente, como também evita generalizar o seu
julgamento. Alias, reconhecamo-lo, nao é fácil orientar-se de
maneira satisfatória diante da presente realidade histórica—
realidade complexa que pode ser encarada sob varios aspectos
nem sempre complementares entre si.

3) Vistos sob o olhar de Deus, os tempos presentes devem


sugerir ao cristáo nao a perplexidade (por qué? Ele é o Senhor
da historia!), mas, sim, um grande e especial amor á Santa
Máe Igreja. Amemo-la como Ela é; foi Deus quem dispós que
Ela se encontrasse assim nos dias presentes. Ao ouvir que nem
tudo vai a contento lá ou acola, guardaremos paz e serenidade.
Oraremos por aqueles que precisam de nossas oragóes, porque
estáo sendo tentados e vacilam... E procuraremos preencher
as lacunas deixadas por nossos irmáos, tornando-nos aínda
mais membros de Cristo e da S. Igreja. Por nosso comporta
mento fiel e generoso, podemos contribuir validamente para
que brilhe mais lucidamente a face humana da Igreja e Cristo
seja glorificado.
Possa estimular-nos na realizac.áo déste programa o pensa-
mento de G. Guitton :

«Oü les santa ont passé, Dieu demarcre.


Onde os santos passaram, Deus ai permanece».

Em outras palavras : Onde nos, que formamos a Igreja


de hoje, passamos ou vivemos, esforgar-nos-emos por criar um
ambienta no qual Deus se encontrará mais notoriamente pre
sente. Em conseqüénda, assim como nos tívemos a imensa
feüddade de conhecer a Deus através dos santos que nos ante-
cederam, criando um ambiente, assim a geracáo vindoura (a
quem somos devedores) poderá ter graca de reconhecer o
Cristo vivido e tradüzido em atos por nos hoje !
E.B.

466 —
"A tgreja encontra fórca

no poder do Senhor ressuscitado

para vencer na paciencia e na carídade

as suas afiicdes e dificuldades, tanto internas como externas,

e para revelar ao mundo COM FIDELIDADE,

EMBOBA ENTRE SOMBRAS,

o misterio de Cristo,

até que por fim Ele se manifesté

EM LUZ TOTAL"

(Const. "Luz dos Povos" n? 8)

— 467 —
IS"
K.

DÉLES É O REINO DOS CÉUS


ACREDITAM. . .
ACREDITAM NO PAI !

— 468 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XI — N' 131 — Novembro de 1970

I. ESCOLA EM FOCO

1) «Tem-se questionado a existencia de escolas e Univer


sidades Católicas. Aínda tém razao de ser ?
Vale a pena continuar a entroté-Ias ?»

«Or*«m 8Ínlese\.A esc,ola católica, multo focalizada nos últimos tempos.


nViifZ P Mum °Í mei25 Pelos quals a '9re'a eumprlrá a sua mlssáo evan-
SS2S2SSJ?UI7
f^ríStaSI?
ed"candór ° catóIico pode-se W™**™ urna cosmovisáo
Cw ' .lnf0.cand°rse os diversos problemas das ciencias
(principalmente os das ciencias humanas) á luz do Evangelho. Além disto,
na escola católica todo o ambiente dá testemunho da Boa-Nova (como ó
de esperar). Fechar os estabelecimentos católicos para enviar os respectivos
professóres ás escolas do Estado é risco pouco oportuno: a admlssao de
tais professóres {principalmente se sSo sacerdotes ou Religiosas) ó suielta
a recusas ideológicas; além disto, caso sejam aceitos. a sua acao pode ser
neutralizada ou mesmo anulada pela de mestres de filosofía ou cosmovisáo
nao crista. — Nao há dúvlda, porém, de que a escola católica lamáis poderé
constranger seus alunos á profissao ou á prátlca da fé.
O Concilio do Vaticano II estimulou vivamente os educandárlos católicos
a prossegulrem sua mlssSo; o setor do ensino é de Importancia capital
para a socledade e para o Evangelho, de tal sorte que todo govérno forte
ao assumir o poder, trata, sem demora, de monopolizar o ensino, fechando
as escolas católicas.

O fato de ser pago nao desabona o trabalho dos educandárlos católicos-


a remuneracao seja justa, evitando-se toda aparéncfa de mercantilismo.
Para atender ás familias menos dotadas de-recursos ifinanceiros, os esta
belecimentos católicos tém concedido bolsas de estudo e aberto cursos ora-
tuitos ou populares. v

Eesposta: Nos últimos tempos tém-se multiplicado deba


tes e publicagoes em tomo do sentido e do valor da escola cató
lica em seus diversos níveis de ensino. Em nome de melhor
aproveitamento de pessoas e energías, tém-se fechado alguns
estabelecimentos confessionais de educacáo. Abaixo procura
remos ponderar tanto os argumentos propostos contra a exis
tencia de escolas católicas como os que favorecen! a mesma

— 469 —
6 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 13V1970, qu. 1

1. «Nao» á escola católica

Podem-se catalogar sob quatro títulos as razóes aduzidas


em prol do fechamento dos estabelecimentos educacionais
católicos:

1.1. Servido unilateral

A escola confessional, sendo particular, tem de cobrar


mensalidades e taxas para se manter. Em conseqüéncia, só
pode servir a determinadas faixas da populagáo, deixando de
atingir as familias percuniáriamente menos favorecidas. Assim
as classes ricas é que se beneficiam com os educandários parti
culares, e o ensino torna-se seletivo.

1.2. Dependencia em relacáo aos poderes económicos

Aínda com o fim de subsistir, a escola católica" (diaam) tem


de recorrer a favores e doagóes. da parte do Govérno e de
benfeitores particulares. Ora tal situagáo tolhe a liberdade de
atuagáo de dirigentes e professóres da escola particular; esta
terá sempre de respeitar ou talvez seguir a oricntagáo das
autoridades governaméntais ou dos poderes económicos que a
auxiliam — o que pode desfigurar o ensino e a formacáo forne-
cidos pela escola.

1.3. Exiguos resultados

Tem-se dito que a escola católica nao atinge a sua fina-


lidade, pois nao consegue formar auténticos cristáos. Muitos
ex-alunos de educandários confessionais alegam ter sido satu
rados religiosamente nos anos de estudos, de sorte que conce-
bem indiferenga ou aversáo aos valores da fé. Por conseguinte,
os frutos do apostolado exercido pelos estabelecimentos cató
licos de ensino nao compensan! o dispendio de material e pessoas
que exigem.

1.4. Presenea nos educándonos leigos

Em vista dos dados anteriores, argumenta-se que melhor


seria fechar as escolas católicas e enviar os seus professóres
para as escolas do Estado, onde poderiam dar o testemunho
de sua prssenga e de sua palavra crista. A Igreja deveria, pois,
renunciar definitivamente a ter seus educandários confessio
nais, reconhecendo a secularizagáo da escola e do ensino.

— 470 —
ESCOLA CATÓLICA VALE?

Michel Schooyans, no seu livro «O desafío da secularizagáo»


(p. 246), admite que, em lugar das Universidades Católicas,
se criem Institutos destinados a estudar «a teología do desen-
volvimento e da cultura, duas coisas que nos faltam quase
totalmente hoje, pois o desenvolvimento é urna nogáo nova, e
a teología clássica, notadamente a moral e a eclesiologia, sao
profundamente marcadas pela cultura medieval».
Pergunta-se agora quais seriam as razóes

2. Em favor da escola católica

Eis o que, em síntese, se poderia rsponder :

2.1. NegaKvomente:

Nao se pode justificar a escola católica a partir de urna


visáo de Idade Media ou do sáculo passado.

a) Na Idade Media coube á Igreja a tarefa de fundar


escolas e Universidades, pois a Igreja, por designio de Deus,
teve de formar os povos germánicos que encheram o cenário
europeu a partir dos séc. IV/V; tendo salvo os tesouros da
cultura romana, a Igreja os transmitiu as novas populagdes
(godos, ateníanos, francos, lombardos...) e se manteve natu
ralmente á frente da cultura; os letrados e estudiosos medie-
vais eram, em boa parte, eclesiásticos, monges e frades, que
lecionavam ñas instituigóes fundadas pela Igreja. Hoje em dia
nao se pode mais dizer que incumbe á Igreja a tarefa de
liderar o ensino, pois o Estado moderno se organizou de tal
modo que tem seu Ministerio da Educacáo e seus órgáos pro-
prios destinados a fomentar a instrucáo e a educagáo em todos
os graus. É ao Estado que reconhecidamente toca a tarefa de
prover á formagáo humana de seus cidadáos — o que incluí
os servigos de educacáo e saúde •. — Verdade é que no Brasil

1 é neste sentido que se entende a apregoada secularizado do ensino.


Ela significa que a tarefa de fornecer Instrugáo é, antes do mais, própria
do Estado civil, pois é um servico prestado á coletividade pelos represen
tantes da coletividade. é para ter escolas, hospitals, transportes e prospe-
ridade temporal que o povo escolhe os seus governantes. A ac&o do Estado,
porém, há de ser tal que nao impega a ac&o dos particulares; os particu
lares conservan) o direlto de servir por si próprlos aos seus concidadSos.
O monopolio estatal em materia de ensino é indesejável, porque constrange
os súdltos e viola a liberdade de opcáo dos mesmos.

— 471 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 131/1970, qu. 1

a rede escolar do Estado nao basta para atender as necessi-


dades da populagáo crescente; conseqüentemente a escola par
ticular católica é necessária á causa do ensino em nossa patria.

b) No sécalo passado, a Igreja se viu obligada a reforcar


o papel de suas escolas próprias, porque o ensino estatal (ou
nao estatal) se tornou, em certos países, anticristáo; o mate
rialismo, a magonaria, o positivismo, o racionalismo penetra-
vam a fundo na instrugáo. Em conseqüéncia, podiam-se ver
ñas escolas católicas os redutos onde professóres e alunos cató
licos cultiyavam os valores da ciencia á luz da fé crista. A
escola católica podía entáo aparecer como urna réplica á escola
nao-católica, assumindo assim um caráter defensivo ou apolo
gético.— Também nao é esta a imagem que se propóe para
justificar a escola católica em nossos dias (ao menos na Amé
rica Latina).

«Se a razáo 'defensiva1 fósse a única justificativa das Uni


versidades Católicas, deveríamos concluir que perderam a
razáo de ser; se aínda subsistissem, seriam meras reliquias de
um fantasma» (vsr o documento do Conselho Episcopal Latino-
-Americano elaborado em Seminario na cidade de Buga, Colom
bia, de 12 a 18 de fevereiro de 1967. Edigáo de Vozes, com o
titulo «Os cristáos na Universidade», p. 19).

2.2. Positivamente:

O que justifica urna escola católica (em todos os graus do


ensino), é o fato de que nao há educagáo nem instrugáo sem
cosmovisáo («Weltanschauung» dos alemáes) ou sem urna filo
sofía relativa ao mundo e seus valores, ao homem e seus valo
res. Há certas disciplinas que nao sao religiosas por si (a
antropología, a sociología, a biología, a historia, a deontologia,
a ética...), mas que se relacionam muito com determinada
visáo sapiencial ou filosófica; sao disciplinas que pedem defi-
nigáo ou aferigáo de valores.

Ora a escola católica visa a proporcionar de maneira clara


aos seus discípulos a visáo crista relativa ao homem e ao
mundo. Isto nao quer dizer que a ciencia ai saja ministrada
de maneira preconcebida, unilateral (o que seria anticientí
fico); as escolas católicas tém que brilhar pelo nivel estrita-
mente científico. Mas, sempre que a ciencia pedir urna comple-
mentagáo ou um enfoque de filosofía, a escola católica o for-
necerá em termos do Evangelho (ao passo que a escola

— 472 —
ESCOLA CATÓLICA VALE?

marxista o fará em termos de materialismo dialético* a escola


positivista e a escola liberal, em seus termos próprios).
É em vista dessa cosmovisáo crista que o Concilio do Va
ticano II justifica e incentiva a existencia de escolas católicas :
«A presenca da Igreja no setor escolar manifesta-se com
especial evidencia através da escola católica. Nao menos que
as demais escolas, visa ela aos fins culturáis e á formagáo
humana dos jovens. É, porém, característica sua criar um
ambiente de comunidade escolar animada pelo espirito evan
gélico da liberdade e da caridade, auxiliar os adolescentes a
que no desdobramento da personalidade também cresgam se
gundo a nova criatura que se tornaram pelo Batismo. Visa
aínda a orientar toda a cultura humana para a mensagem da
salvacáo, e iluminar pela fé o eonhecimento que os alunos váo
adquirindo do mundo, da vida e do homem» (Declaracáo «Gra-
vissimum Educationis» n» 8a).

A conceituagáo e a justificativa de «escola católica» assim


apresentadas sao válidas em todos os tempos. Para dissipar as
dúvidas que surgem a respeito, o Concilio do Vaticano H quis
redigir a sua Declaracáo sobre a Educacáo Crista, onde aínda
se le o seguinte trecho :

«Portanto, .ñas atuais conjunturas, guarda a escola cató


lica sua importancia capital, pois pode contribuir táo decisi
vamente para realizar-se a missáo do povo de Deus, ajudando
também o diálogo entre a Igreja e a comunidade dos homens»
(ib. n» 8b).

A titulo de complementacáo, merece ser citado aqui o tes-


temunho de Norbert Luyten, dominicano belga, Professor de
Filosofía na Universidade de Friburgo (Suica), que recente-
mente escrevia na revista «Concílium» :

«Queremos afirmar com a devida precisáo que a Univer


sidade Católica é e continua a ser, no mundo de hoje e de
amanhá, urna instituicáo nao só válida, mas necessária. Longe
de constituir urna entidade híbrida, condenada a desaparecer
da nossa socfedade moderna, é postulada pela própria natu-
reza da Universidade, tal como pela natureza da fé católica.
... Com efeito, por sua própria natureza, a Universidade
e a instituicáo onde, pelo ensino e a investigagáo, se cultiva
o saber humano sob todas as suas formas. Ora também a
Igreja Católica possui um ensino que lhe foi confiado por seu

— 473 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970. qu. 1

fundador; d'ÉIe recebeu ela a tarefa de ensinar essa verdade,


de levar tal mensagem a todos os povos.
Pelo que fácilmente nos apercebemos de como um lago
de conaturalidade liga a mensagem católica á Universidade.
É na própria linha da tarefa que Ihe é própria que a Universi
dade pode acolher a mensagem de Cristo como parte inte
grante — e integradora, ... — do saber humano. Uma Univer
sidade católica nao é, portanto, nem um contra-senso (como
o pretendía Bernard Shaw, que, conforme o espirito da época,
mais nao podia ver na Igreja Católica do que uma instituicáo
essencialmente anticientífica, porque ligada a uma verdade
'dogmática'), nem um anacronismo (como, por forma um pouco
simplista, pensa J. Leclercq), mas uma instituicáo que se justi
fica em sua própria concepcáo; o que significa, simultánea
mente, que, de por si, nao vai buscar sua justificacáo em uma
qualquer constelacáo histórica e se nao acha, portanto, essen
cialmente ligada a determinado período da historia. Querer
exclui-la do mundo de hoje ou de amanhá, qualificando-a de
instituicáo ultrapassada, consiste, por conseguinte, em despre-
zar o que mais essencial existe no problema.
.. .Afirmamos que no dia em que todas as Universidades
Católicas tiverem desaparecido da superficie da térra, o mundo
universitario teria psrdido uma de suas mais essenciais dimen-
sóes, e por forma grave teria a Igreja faltado a seu dever,
deixando de assegurar a presenca de sua mensagem onde, por
natureza, é da maior importancia que ela seja escutada» («Con-
cilium» tí» 5, maio de 1969, p. 26s).

Levem-se em conta agora

3. Ulteriores considerasóes

1. O setor da educacáo é de importancia capital no con


junto das atividades humanas. É déla que depende o futuro
das sociedades e das nagóes. Por isto qualquer Govérno forte
que assuma o poder, volta-se imediatamente para as escolas
e as monopoliza ou estatiza, fechando os educandários parti
culares. Pela escola os Governos pretendem instilar sua ideo-
logia ñas mentes desprevenidas da juventude. Por isto com-
preende-se que, desde remotos tempos, a Igreja se tenha
interessado pela instrucáo e a educacáo. Independentemente
de circunstancias contingentes da historia, a presenca da
Igreja no campo educacional decorre da própria missáo evan-

— 474 —
ESCOLA CATÓLICA VALE? U

gelizadora da Igreja; se Cristo a incumbiu de ensinar a todos


os povos a Palavra de Deus, nao era espontáneo que a Igreja
se voltasse para a escola ? E poderia hoje a Igreja abandonar
o setor escolar em nome de «maior fidelidade á sua missáo» ?

Mais: se o católico eré na veracidade de sua fé (e, se


nao eré, nao se diga católico), como nao há de ter o zélo de
difundir a mensagem de Cristo ? Como nao há de sofrer por
verificar que tantos homens labutam á procura de ura Bem
que, em última análise, se chama «Deus», mas que éles igno-
ram por completo ?

2. Talvez, porém, diga alguém :

«Mas nao é necessário que a Igreja funde escolas suas,


particulares. Basta-lhe enviar professóres para as escolas do
Govérno; nestas os católicos exerceráo sua missáo pelo seu
comportamento e pela sua palavra, sem ter que arcar com os
encargos da burocracia e da administracáo escolares !»
A esta objecáo podem-se fazer tres reflexóes :
a) É multo oportuno que se preparem equipes de pro
fessóres católicos que participem do magisterio e das ativida-
des das escolas do Estado. A Igreja assim dará sua presenga
e contribuicáo ao mundo «secularizado». Todavía nem por isto
se deve preconizar o fechamento dos educandários católicos
(urna coisa nao excluí a outra). Com efeito,

b) Nao é certo que os professóres católicos (destinados


a ensinar cultura religiosa ou outra disciplina) possam ter livre
acesso em todas as escolas do Estado; pode-se admitir que
rejam boicotados, nao por falta de competencia profesional,
mas por motivos ideológicos. Também pode acontecer que se
lhes oferegam os horarios menos propicios a urna frutuosa
didática.

c) Dado que nao haja entrave para o professor católico


em determinada escola, pode-se admitir que a mensagem désse
professor venha a 6er neutralizada ou contraditada pela de
outros professóres que, lecionando ñas mesmas turmas, pro-
fessem o marxismo, o materialismo, o positivismo... Désse
ecleticismo filosófico da escola redundam relativismo e confu-
sáo para os alunos — o que é doloroso nao sómente aos olhos
de um cristáo, mas também aos de um homem de brio.
A agáo evangelizadora da Igreja em escolas que nao lhe
pertencem, será sempre condicionada a varios fatóres, podendo,

— 475 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970. qu. 1

por isto, tornar-se precaria, incerta ou mesmo nula. É o que


leva a compreender que a Igreja deseje ter seus educandários
próprios, cujo ambiente seja homogéneamente disposto de
modo a oferecer aos discípulos de maneira lúcida a mensagem
do Evangelho. Hoje mais do que nunca se reconhece a impor
tancia do ambiente. É todo o ambiente que comunica a mensa
gem, atuando nao só sobre a inteligencia, mas também sobre
os demais valores (principalmente o aspecto emotivo e afetívo)
do ser humano. Já os antigos estimavam o ambiente, elogiando
o «tbois (em grego) ou o genius lod (em latim) característico
de certas instituicóes.

As familias católicas tem o direito de receber o servico


educacional por parte da Igreja. Tém também o direito de
que o Estado respeite ésse servico, permitindo o livre funcio-
namento das escolas particulares e ccnfessionais.

3. Está claro que ésses estabelecimentos háo de evitar


todo prurido de polémica ou sectarismo. Deveráo ser franquea
dos a alunos de qualquer filosofía ou religiáo, desde que respei-
tem a boa ordem da casa. Deveráo também evitar o constran-
gimento ou a violentacáo das consciéncias, pois a fé a ninguém
se impóe pela fórca.

Como se compreende, para o bom éxito da missáo de urna


escola católica, requer-se homogeneidade do corpo docente:
todos os mestres professem a mesma cosmovisao crista. Essa
cosmovisao transparecerá tanto através do comportamento dos
professóres e dirigentes da casa, como através das aulas que
ministrem, máxime as que se referem "a ciencias humanas.

O Conselho Episcopal Latino-Americano, no seu docu


mento elaborado em Buga (fevreiro de 1967), redigiu as se-
guLntes observacSes que, embora visem diretamente as Uni
versidades, se aplicam proporcionalmente as outras escolas
católicas :

«O 'católico' da Universidade Católica nao pode reduzir-se


a um mero adjetivo, a algo justaposto, a cursos de cultura
católica desarticulados da carreira do estudante; o 'católico'
da Universidade Católica deve ser a inspirabas, a alma da pró-
pria Universidade.

De nenhum modo se trata de 'catolicizar' a ciencia e a


técnica investigadas e ensinadas na Universidade. Isto seria
trair a autonomía do temporal e, por isso mesmo, desvirtuar
a esséncia da Universidad».

— 476 —
ESCOLA CATÓLICA VALE? 13

Se quiser ser auténticamente 'católica', deverá assegurar


o diálogo institucionalizado entre a ciencia, a técnica e as artes,
de um lado, e, de outro, a filosofía e a teologia» (cf. «Os cris-
táos na Universidade», p. 20).

4. Tem-se dito que o curso de teología (ou de doutrina


crista) nao deve constituir urna cadeira á parte na escola cató
lica, mas que a visáo de fé deve brotar do estudo das outras
materias; conseqüentemente abolir-se-iam os cursos de cultura
religiosa própriamente dita.

Em resposta, pode-se observar: é necessário, sem dúvida,


evitar que a Religiáo constitua um compartimento-estanque na
mente e na vida dos educandos. Isto, porém, nao quer dizer
que nao se deve ensinar explícita e sistemáticamente a dou
trina crista numa escola confessional católica. A fé apresenta
numerosas verdades a respeito de Deus, de Jesús Cristo, da
vida crista e de sua consumado final, que nao se podem expla
nar no decorrer de urna aula de biología, matemática, geo
grafía, etc. Omitir o ensino explícito da Religiáo seria, por-
tanto, frustrar o anuncio da Boa-Nova a que a escola católica
deve servir.

Verdade é que numerosos alunos freqüentam os institutos


católicos nao por serem católicos, mas por outros motivos;
nao tém, pois, interésse em aula de doutrína crista. — A res
peito observe-se que tais alunos poderáo fácilmente ser dispen
sados dessas aulas, desde que declarem nao abragar a Religiáo
católica (por professar outro Credo ou o ateísmo); nao seráo
constrangidos. Para os que nao fizerem tal declaracáo, haverá
curso de doutrina crista equiparado as demais materias do
currículo. Oferecendo-o, pode-se crer que a escola católica
estará atendendo as aspiracóes de alunos e familias que espe-
ram tal servico dos educandários católicos.

4. E os dúvidas levantadas ?

É preciso agora levar em conta as objecóes levantadas de


inicio, contra a escola católica.

4.1. Servido seletivo

E compreensivel que a escola confessional, como toda es


cola particular, viva, ao menos em boa parte, das mensali-
dades pagas por seus alunos. O que importa, é que a escola

— 477 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 1

particular «vite toda transagáo que lembre exploragáo, fuja do


que possa parecer mercantilizagáo do ensino. A fím de nao
atender somente a familias abastadas ou altamente colocadas,
os estabelecimentos católicos vém concedendo cresoente nú
mero de bolsas de estudo. Além disto, tém aberto cursos gra
tuitos ou populares, aos quais tém aoesso os estudantes menos
favorecidos.

Pode-se reoonhecer a necessidade de que a escola católica


atenda tanto a ricos como a pobres. Desinteressar-se pela for-
magáo dos filhos e filhas de familias da aristocracia seria anti-
cristáo. A «Igreja dos pobres» é de todos aqueles que preci-
sam de Deus e dos valores eternos; ora estes se encontram em
todos os niveis sociais. Zelar apenas pelos que sao material
mente pobres seria unilateralidade traidora.

4.2. Dependencia financeina

Inegávelmente é necessário que a escola católica se torne


económicamente livre, a fim de nao dever favores, as vézes
pouco apostólicos, aos poderes déste mundo. Diz o já mencio
nado documento de Buga:

«Cuide a Universidade de que as fontes de recursos finan-


ceiros nao comprometam a autonomía universitaria. Tenham
um mínimo de regularidade que permita elevar o nivel univer
sitario» (ed. citada, p. 24).

4.3. E os resultados?

É certo que nao poucos ex-alunos de estabelecimentos


católicos se tém mostrado indiferentes ou talvez mesmo alfosios
á Religiáo; alguns fatores acidentais e corrigíveis o explicam.
Nao se devem, porém, esquecer os outros, também ém número
respeitável, que se tém beneficiado do contato com os valores
da fé obtidos através da escola católica. Muitos cristáos bene
méritos na vida profissional, assim como na vida de familia,
tém saido dos educandários católicos. Mesmo dentre os que se
tornam ateus após freqüentar um estabelecimento confessional,
há os que em determinada fase de sua vida se lembram dos
anos passados em contato com a Igreja e váo procurar os seus
antigos mestres para ouvir de novo a Palavra de Deus...;
os ensinamentos cristáos que receberam em idade juvenil, nao
foram inúteis, mas medraram quando o Senhor Deus houve
por bem. A Palavra de Deus tem eficacia que seus próprios
arautos muitas vézes ignoram.

— 478 —
ESCOLA CATÓLICA VALE? 15

Note-se tambán que urna escola católica atinge nao so-


mente os alunos, mas também os familiares désfces, podendo
ter ampia irradiagáo (por vézes, mais ampia do que urna igreja
paroquial). A solicitude dos Religiosos e das Religiosas por tor
nar cristámente agradável e simpática a escola, pode ter con-
seqüéndas apostólicas de extraordinario alcance.
No plano técnico do ensino, parece licito afirmar que as
escolas católicas no Brasil ministram fielmente a instrugáo que
délas se espera. Geralmente gozam de conceito positivo, pres
tando apreciável servico á nossa populagáo. Sao numerosos os
grandes homens e mulheres que os estabelecimentos católicos
prepararam para a sociedade, a ciencia, a política...

Em soma» devem-se reconhecer lealmente as possiveis defi


ciencias da escola católica em nossos dias. Tais fainas nao háo
de ser motivo para que se fechem tais educandários, mas, sim,
para que se melhore o respectivo nivel; corrijam-se os erros;
apsrfeigoe-se o sistema, mas nao sé extinga a presenca explí
cita e direta da Igreja nos ambientes do ensino de todo e qual-
quer grau. Tal é, pode-se dizer, o ensinamento que o Concilio
do Vaticano n quís transmitir através de sua Declaracáo sobre
a Educagáo Crista.

Bibliografía:

Cóndilo do Vaticano II, Declaracáo "Qravlssimum Educatlonis" (sobre


a Educacáo Crista).
Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), "Os crlstaos na Univer-
sidade".. Vozes de Petrópolls 1968.
ídem, "Os católicos e a educacáo na América Latina". Vozes de Petró-
polis 1970.
Norbert Luyten, "A Universidade Católica ao servico da sociedade de
amanhS", em "Concilium" n? S (malo 1969). pp. 23-39.
M. Schooyans, "O desafio da secufarizacao". Sao Paulo 1968.
Mons. Guyon, "O Concilio e a EducacSo Crista". Edlefies Paulinas
Caxias do Sul 1968.
L. de Almelda Prado, "A escola confesslonal católica e sua funcSo na
Pastoral da Igreja", em "Servir. Boietlm da AEC", Rio de Janeiro 1965.
K. Rahner, "Missáo e Qraca". Petrópolis.
"L'École Chrétlenne. Pourquoi ? Dialogue entre E. vandermeersch et
D. Piveteau". Colecáo "Verse et Controverse" n? 9. Paris 1969.
Cardeal Garrone, "La mission de l'Université Catholique auiourd'hui"
em "La Documentaron Catholique" n? 1527, 3/XI/1968, cois. 1898-1900.
H. Brossard, "Le prétre éducateur dans l'enseignement chrétien". Pa
rís 1963.

— 479 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970. qu. 2

II. VIVENCIA CRISTA

8) «Que sao os 'Cursilbos de Crístandade' ?


Eoquanto uns Ihes dizem entusiástico SIM, antros Ihes
fazem reservas.

Que pensar ?»

Em sintese: Os "Cursllhos de Crlstandade" ou "Breves cursos da


vivencia crista" lém felto enorme bem tanto no Brasil como no estrangelro.
O roteiro adotado pelos Cursilhos justiflca-se pelo fato de que o homem
nao apreende a verdade únicamente em funefio de sua Inteligencia; fatores
emocionáis, que constltuem o "coragfio" e integram a personalidade, de-
sempenham Importante papel no caso. A verdade mais lúcida nSo penetra
na mente de quem esteja bloqueado por certos estados afetivos. O próprlo
Cristo multas vezes produzlu impacto em seus ouvintes, abrasandq-lhes o
coracSo ou despertando-lhes a admlracSo mediante o calor de suas palavras
e o testemunho de seus milagros. Ésses impactos nSo visam a extorqulr um
SIM inconsciente ou cegó, mas apenas concorrem para quebrar o gélo, as
barreiras ou as estruturas nSo auténticas que alguém possa opor ¿ pene-
tracSo da verdade.

A Igreja tem o direlto de pregar o Evangelho levando em considerado


a importancia da afetlvidade dos ouvintes. Recorrendo a melos psicológicos
adequados, Ela nño pretende violentar a liberdade dos ouvintes nem pra-
ticar "lavagem de cránlo" (o que serla contrario á sS doutrfna e ao Concilio
do Vaticano II), mas apenas desobstruir, quando necessárlo, o caminho para
a Palavra de Deus.

Estas reflexoes explicam e abonam o roteiro adotado pelos Cursllhos,


aos quais, de resto, o S. Padre Paulo VI tem proferido notáveis elogios. Para
se avallar exatamente o CursHho, é necessário fazé-lo.

Resposta: A expressáo «Cursilhos de Cristandade» pro-


vém do espanhol «Cursillos de Cristiandad»; traduzir-se-ia
adequadamente por «Breves Cursos de vivencia crista». Éstas
duram tres dias plenos, geralmente de quinta-feira á noite até
domingo á noite, e oferecem nao sómente palestras, mas tam-
bém um profundo ambiente de fraternidade sinceramente vivi
da. O movimento de Cursilhos é dirigido por fiéis leigos; os
sacerdotes néles participam para exercer fungóes própriamente
sacerdotais.

Os Cursilhos, procedendo da Espanha, tém-se alastrado


pelo mundo inteiro, beneficiando numerosas pessoas, que por
esta via se encontram de novo consigo mesmas, recuperando

— 480 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 17

alegría e entusiasmo. No Brasil, os Cursilhos tém-se realizado


com resultados notorios, que levam a crer na ac.áo do Espirito
Santo. Se é pelos frutos que se conhece a árvore, pode-se dizer
que a árvore dos Cursilhos está sendo comprovada pelos frutos
altamente positivos que vem dando.
Todavia há quem pergunte se é válido o roteiro adotado
pelos Cursilhos. Estes nao sómente falam á inteligencia dos ou-
vintes mediante palestras, mas também procuram mover a
sensibilidade e o afeto dos mesmos, levando-os a vibrar com
toda a sua personalidade. Seria isto recomendável ou mesmo
licito ?

A esta pergunta responderemos abaixo, propondo algumas


consideragóes psicológicas e religiosas sugeridas pelo tema.

1. Aderir á verdode

1. O homem é feito para a verdade, á qual ele tem direi-


to. Mediante a inteligencia é que o ser humano reconhece a
verdade e a assimila. Por eonseguinte, a comunicacSo e a apre-
ensáo da verdade se fazem ¡mediatamente no plano intelectual.

Mas — e isto é hoje em día cada vez mais reconhecido—


o homem nao é apenas um animal racional. A razáo ou a inte
ligencia de um individuo pertence á personalidade inteira désse
individuo e nao funciona independentemente desta. Ora na
personalidade encontram-se sensibilidade, afetos, capacidade
emotiva, ou seja, o setor do «coracáo», que é de enorme impor
tancia. Nao se pode conceber urna pessoa humana que seja
meramente intelectual ou que reaja á verdade mediante a inte
ligencia apenas; no ser humano, a alegría e a dor, o prazer e
o desprazer, o entusiasmo e o abatimento desempenham papel
ponderoso frente 'á verdade e a conquista de idéias. Barreiras
emocionáis podem bloquear a mais brilhante inteligencia. Assim
um estudarite bem preparado e culto pode emudecer e fracassar
diante de urna banca examinadora, desde que esteja emocional-
mente tenso. Um rapaz que, por motivos emocionáis, julgue
ser seu pai um tirano, levará urna conduta de médo ou de
revolta para com o genitor, ainda que se lhe diga que, na ver
dade, seu pai pode ser tudo menos um carrasco.

Se no setor emocional de alguém há barreiras, a palavra


mais lúcida e verídica pode esbarrar e resvalar nessa psrsona-
lidade, sem conseguir penetrar; tornam-se entáo mais ou menos

— 481 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 2

esteréis os arrazoados e as demonstracdes lógicas. Dizia muito


bem Pascal que «o coragáo tem suas razóes que a razáo ignora».

2. As vézes, as barreiras emocionáis nao supóem culpa


alguma do respectivo sujeito; devem-se a experiencias infelizes,
á falta de afeto na infancia ou a outros fatóres que destorcem
o desenvolvimento normal da personalidade. A benevolencia,
o estimulo, o exemplo, o elogio, a seguranga e a confianza sao
necessários para que alguém possa desenvolver suas potencia
lidades e funcionar mais lucidamente no plano intelectual.

Outros bloqueios afetivos se devem a disposigóes volunta


riamente nutridas pelo sujeito.

Frente á verdade religiosa em particular, toca ao coragáo


papel relevante. A mensagem religiosa jamáis é puramente
especulativa. Ela interpela toda, a personalidade do ouvinte,
pedindo-lhe urna resposta prática ou existencial; religiáo é sem-
pre vida, comportamento. Por isto é que de modo especial a
verdade religiosa pode encontrar obstáculos por parte da afeti-
vidade ou do coragáo do homem. A Escritura Sagrada alude
mais de urna vez a essas barreiras afetivas e vivenciais. Assim
diz Jesús: ~~
«O coragáo déste povo se endureceu: taparam os ouvidos
e fecharam os olhos para que seus olhos nao vejam e seus
ouvidos nao ougam nem seu coragáo compreenda, para que nao
se convertam e eu os cure» (Mt 13,15).

No Antigo Testamento, o endurecimento do coragáo é com


parado a urna carnada gordurosa que se sobrepóe a personali
dade de alguém, tornando-a impermeável ou impenetrável a
Palavra de Deus; o bem-estar material e o comodismo produ-
zem tais efeitos. Tenham-se em vista, por exemplo, as palavras
de Moisés:

«O Senhor alimentou Israel com o fruto dos campos,...


com a nata das vacas e o leite das ovelhas, com os cordeiros
gordos... Mas o meu amado engordou e revoltou-se. Estava
muito gordo, muito cheio, muito bem alimentado. E abandonou
o Deus que o criou, desprezou a rocha de sua salvagáo» (Dt 32,
13-15).

O coraeáo sufocado pela gordura do prazer e da auto-sufi-


ciéncia torna-se insensivel para a Palavra de Deus. Estando
o coragáo endurecido, gorduroso, envolvido em mil atrativos
transitorios, o anuncio da salvagáo desliza por ele sem o pene-

— 482 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 19

trar, por mais lógico que seja o conteúdo dessa mensagem.


Entáo nao há entendimento, e nao se verifica a conversáo para
Deus. Nessas circunstancias, a Palavra do Ssnhor, para ser
eficiente, precisa de um instrumental que consiga abalar a
falsa seguranga do coracáo e abri-lo para a mensagem; tal ins
trumental sao sinais, exemplos da experiencia alheia, palavras
carregadas de afeto ou de autoridade, calor humano, por vézes
comoQóes dolorosas, etc.

Justamente Cristo usou désses instrumentos, como se verá


no parágrafo abaixo.

2. O exemplo do Senhor

Por excelencia, a fé crista está associada á vida e á perso-


nalidade do ouvinte. Sao Paulo desejava aos fiéis que «Cristo
habitasse pela fé nos seus coragóes» (cf. Ef 3,17).

Compreende-se entáo que Cristo, ao pregar, tenha feito


prodigios e milagres; estes eram sinais (assim sao designados
no Evangelho de Sao Joáo), que deviam falar a toda a perso-
nalidade dos ouvintes, constituindo urna prova talvez mais deci
siva do que os raciocinios. Os Evangelistas neferem os efeitos
emocionáis désses sinais de Cristo: as multidóes, ao vé-los,
eram tomadas de profunda admiracáo (Mt 8,27; 12,23; Me 1,
27; 2,12; 7,37); ficavam pasmadas (Le 5,26; 9,43), assombra-
das (Me 5,42; Le 5,9), atemorizadas e apavoradas (Mt 14,26;
Me 5,15; 9,6; Le 4,36; 5,26; 7,16; Jo 6,19).

Em todas essas reacóes emotivas há um elemento comum :


a segúranca anterior dos ouvintes é abalada e, em conseqüén-
cia, abrem-se novas posibilidades de que a Palavra penetre
no núcleo das personalidades. O impacto emocional era assim
colocado por Jesús a servico da evangelizacáo, nao para pro
vocar adesáo sentimental, mas para derrubar bloqueios afetivos
que impediam a livre aceitacáo da Palavra.

Observa muito a propósito o teólogo A. M. Henry, ao falar


de evangelizacáo e missáo :

"No estágío do primeiro anuncio da mensagem, a tarefa do mensageiro


nSo é adaptar-se ao genero de vida daqueles a quem ele se dirige, mas,
ao contrario, é criar urna especie de ruptura na vida dos homens, Isto é,
provocar urna comocSo espiritual que rompa o apego dos Individuos as suas
crencas e costumes pagaos, ao seu pecado ou á sua Incredulldade. O
milagro cria normalmente essa especie de choque satutar. Dlante de um

— 483 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, gu. 2

fato táo insólito, o espirito do incrédulo perde, ao menos se é reto, a sua


seguranca... O espirito se interroga, e a palavra, juntamente com a grasa,
pode neste momento abrir um caminho para o coracáo, que até entSo parecia
impraticável" ("Bosquejo de urna teologia de la misión". Barcelona 1961,
p. 75).
A própria palavra de Jesús era proferida com calor e
énfase de modo a falar profundamente ao íntimo dos ouvintes.
Foi o que experimentaram os discípulos de Emaús, quando o
Senhor os abordou na estrada: estavam tristes, «sem com-
preensáo» e «tardos de coragáo»; Cristo, porém, soube romper
p sbu estado obtuso e provocar néles o degélo, mediante o
seu modo de falar; em conseqüéncia, disseram os discípulos:
«Nao se nos abrasava o coracáo quando ele nos falava no ca
minho ?» (Le 24,32).
Alias, após referir um dos sermóes do Senhor, nota o
Evangelista: «A multidáo ficou impressionada com a doutrina
de Jesús. Com efeito; ele ensinava como quem tinha autori-
dade, e nao como os seus escribas» (Mt 7,28).
Note-se bem que o abalo provocado por Jesús mediante o
calor de suas palavras, como também através dos milagres (ou
sinais), nao deve ser ¿ido como a extorsáo de um Sim volun
tario ou inconsciente. Era apenas um preparo do caminho
para que a verdade chegasse até o coragáo dos ouvintes. Sa-
be-se, alias, que, mesmo depois dos impactos emocionáis, nem
todos davam sua adesáo a Jesús. É D. Valfredo Tepe quem
observa:
"Os impactos que Jesús causava, mereceram-lhe o epiteto de 'sedutor
do povo' (cf. Jo 7,12; Mt 27,63), 'demagogo', diriamos hoje. Mas a finalidade
de um Impacto nao é levar a urna adesáo sentimental, cega, fanática: é,
antes, abalar a armacSo emocional de preconceitos e ideologías para que
a luz da verdade possa atingir o núcleo da personalidade e ai provocar
urna conversSo auténtica, consciente, iluminada pela própria verdade. Pots
só a verdade liberta realmente" ("Impactos emocionáis e Evangelizado",
em "REB" 28 [1968] p. 13).

De resto, observa-se que em todos os tempos o Senhor


Deus quis falar aos homens mediante impactos, que abalam
a criatura e preparam os caminhos do Senhor. Sim; muitas e
multas das grandes conversóes da historia se deram nao por
via meramente intelectual, mas porque Deus houve por bem
falar ao «coragáo» de pessoas endurecidas. Urna doenca pode
ser um tratamento de dieta para reduzir a obesidade do cora
cáo (!). A morte de um ente querido, um fracasso na carreira,
urna dor moral vém a ser, nao raro, a ocasiáo para que alguém
desperté para nova visáo da realidade, descobrindo valores
onde nao os via.

— 484 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 21

3. Imitar o Cristo?

Urna vez admitido que o Senhor se tenha servido de im


pactos emocionáis para fazer o homem chegar á verdade, per-
gunta-se: será lícito a um mensageiro do Evangelho proceder
de maneira semelhante ? Pode-se admitir que os portadores da
Boa-Nova falem á afetividade dos ouvintes mediante recursos
psicológicos previamente estiídados ?

A resposta abrangerá duas partes : Sim e Observagóes


complementares.

3.1. Sim

1. O homem de hoje, com plena razáo, quer ser respei-


tado em sua liberdade de opgáo em todos os setores, nao ex
cluido o religioso. Alias, a ígreja reconhece plenamente tal
direito e o incute, como se depreende dos seguintes dizeres do
Concilio do Vaticano II:

«A pessoa humana tem direito á liberdade religiosa. Con


siste tal liberdade no seguinte : todos os homens devem ser
imunes de coacáo... de tal sorte que em assuntos religiosos
.ninguém seja obrigado contra a própria consciéncia» (Decla-
ragáo sobre a Liberdade Religiosa n* 2a) l.

«Em materia religiosa exclua-se qualquer género de coa-


Cáo da parte dos homens» (ib. ir> 10).

«A ígreja proibe severamente que alguém seja coagido a


abracar a fé e seja induzido ou aliciado por meios importunos»
(Decreto sobre as Missóes n* 13b).

«A verdade nao se impóe senáo por fórca da própria ver


dade, que penetra de modo suave e, ao mesmo tempo, forte
ñas mentes» (Declaracáo DH n» le).

2. Note-se agora: a liberdade religiosa assim insisten


temente apregoada nao excluí o trabalho apostólico e missio-
nário da ígreja. É o que afirma o mesmo Concilio :

iA Declaracáo será citada, a seguir, pela sigla DH, das suas palavras
iniciáis "Dignitatis Humanae".
t

— 485 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 2

«A Igreja Católica, no intuito de obedecer ao mandato


divino: 'Ensinai a todos os povos' (Mt 28,19), há de labutar
denodadamente para que a palavra de Deus cumpra seu per-
curso e seja glorificada» (Declaragáo DH n« 14a).

«A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária»


(Decreto sobre as Missóes n» 2a).

«Cabe á Igreja o dever, e também o direito sagrado, de


evangelizar» (ib. n' 7a).

Se á Igreja cabe a obrigagáo de aprsgoar a Boa-Nova,


compete-lhe outrossim empregar os meios oportunos ou neces-
sários para que ésse anuncio seja eficaz. Ela nao se pode con
tentar com um anuncio frío e formal da verdade. O mundo de
hoje é o mundo da eficiencia; estuda os meios que mais rápi
damente o possam levar á consecugáo de seus objetivos. O uso
consciente dos recursos mais aptos está longe de contradizer
á dignidade humana; ao contrario, corresponde 'á natureza
racional.

Ora sabemos que a adesáo consciente e livre do homem


a Cristo é, nao raro, entravada por obstáculos emocionáis. A
simples pregagáo da Palavra, embora conté com o fulgor da
verdade, pode ficar estéril por motivos psicológicos. Com-
preende-se entáo que o anuncio do Evangelho recorra a meios
que visem a desobstruir o caminho de penetragáo da Palavra
no núcleo da personalidade.

Estas consideragóes justificam que os pregadores do Evan


gelho nao recusem a provocagáo de impactos_emocionais nos
seus'ouvintes. Assim procedendo," nao fazem senáo seguir o
exemplo de Cristo, que «apoiou e confirmou sua pregagáo com
milagres, para despertar a fé dos ouvintes e robustece-la, nao,
porém, para exerosr sobre éles coagáo» (Declaragáo DH
n» lia). É licito, pois, preparar um ambiente despreparado
para receber a Palavra de Deus, utilizar recursos para conse
guir melhor condicionamento dos ouvintes, langar mao de meios
aptos para colocar os ouvintes em contato fecundo com a
Palavra de Deus. A manipulagáo de meios psicológicos nada
mais é do que a remogáo dos antolhos ou óculos escuros de
um condicionamento emocional que impega o individuo de ver
a luz.

— 486 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 23

3.2. Observares complementares

1. O recurso a meios psicológicos jamáis deve ser tal que


equivalha á extorsáo de um Sim coagido ou cegó. Toda lava-
gem de cerebro, todo menticídio sao condenáveis, porque des-
respeitam a pessoa humana.

Note-se, porém, que as lavagens de cerebro geralmente


empregam drogas, brutalidades, pressóes físicas e moráis —
coisas estas que jamáis ocorrem numa pregasáo ou num curso
de vida crista. O que na Igreja se emprega para provocar o
impacto, sao cantos, desenhos, filmes, métodos áudio-visuais,
o calor humano, o testemunho da genuina fraternidade...
Sabemos que as seitas protestantes modernas recorrem fre-
qüentemente ao calor humano e á linguagem do coracáo; é o
que, em grande parte, explica o seu poder de atracáo sobra as
massas (embora tais seitas sejam geralmente muito pobres no
plano filosófico-teológico).

2. Será preciso lembrar que um poderoso meio de im


pacto no apostolado é e sempre será o testemunho pessoal;
éste é o impacto mais humano e, por vézes, o mais violento.
O exemplo de urna vida auténticamente crista choca, impor
tuna, inquieta salutarmente a quem vive de maneira banal,
envolvido em falsa seguranca. Diz o Senhor no Evangelho :
«Brilhe vossa luz diante dos homens para que vejam vossas
boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus» (Mt 5,16).
Muitas vézes na historia de urna conversáo se acha o exemplo
de urna pessoa (irmáo, irmá, amigo, sacerdote, Religiosa...)
que vivia intensamente a sua vida crista, dando genuino teste
munho; essa pessoa imprsssionou.... Deus fatou por ela. Sendo
assim, nos cursos de Cristianismo nada se opóe a que o men-
sageiro narre aos ouvintes algo de sua experiencia íntima ou
de sua conversáo cotidiana ao Deus de amor. O exemplo e
o depoimento alheios arrastam.

3. É necessário que as pessoas bruscamente convertidas


sob a poderosa acáo da graga de Deus ssjam acompanhadas, a
fim de consolidaren! sua fé e se corifirmarem numa genuina
conduta crista. Sem ésse acompanhamento, a adesáo inicial
dada a Cristo poderá ser estéril, redundando em desdouro para
o próprio nome de cristáo.

— 487 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 2

Conclusao

As reflexóes até aqui propostas justifícam sobejamente


os chamados «Cursilhos de Cristandade». A grande maioria
das pessoas que os fazem, dáo-se por muito felizes e gratas por
ter vivido tal experiencia; confessam muitas vézes ter encon
trado de novo o eixo de sua vida. Essas declaragóes nao devem
ser equiparadas a «fervorino» ou «fogo de palha», pois sao
numerosos aqueles que, após o Cursilho, se tornam auténticas
testemunhas de Cristo por seu comportamento, sua palavra e
sua agáo apostólica.

Consciente déstes fatos, o S. Padre Paulo VI, em mais


de urna ocasiáo, elogiou calorosamente o movimento dos Cur
silhos de Cristandade, considrando-o urna das grandes fórcas
do apostolado leigo e da Igreja nos dias presentes (día? em
que a «Agáo Católica», táo acalentada por Pió XI e Pió XII, se
vé privada de seu antigo vigor). Eis, por exemplo, o que dizia
S. Santidade aos Cursilhistas do mundo inteiro reunidos na
Cidade do México aos 23 de maio de 1970 :

«Coragem, Cursistas f Andai em peregrinagáo pelos cami-


nhos do mundo para levardes no vosso rosto, com firmeza e
serenidade, o sinal divino da graga. Que a vossa amizade a
Cristo floresga em todo o mundo com milhares de cores ! Que
Nossa Senhora de Guadalupe e Sao Paulo Apostólo, que Nos
próprios declaramos vosso padroeiro celeste, vos ajudem a
vivar sempre estes ideáis cristáos í Com estes desejos e em
penhor de abundantes gragas do céu, recebeií... caros sacer
dotes e Cursistas participantes da H Assembléia Mundial, urna
particular Béngáo Apostólica que, de todo o coragáo, fazemos
extensiva aos vossos familiares e colagas!» (transcrito de
«SEDOC» n* 27, agosto 1970, col. 147).

Na reda?io destas páginas muito nos valemos do artigo de D. Valfredo


Tepe, "Impactos Emocionáis e Evangelfzacáo", em "REB" n9 28, margo 1968,
pp. 3-21. Veja-se a propósito também Fr. Boaventura Kloppenburg, "O Cris-
tao Secularizado". Petrópolis 1970, pp. 80-87.

488 —
ZÉ ARIGÓ: SIM OU NAO? 25

III. QUEM NAO OUVIU FALAR ?

3) «Que pensar do caso de Zé Arigó, o famoso médium


de Oongonhas do Campo, a quem se atribuem cunas maravi-
lbosas?
Sim ou Nao a ésses fenomcn'os ?»

Resposta;: Até o presente momento, «P.R.» foi varias


vézes solicitado a respeito do médium José Pedro de Freitas
(Arigó). Nao foi possível dar resposta minuciosa, visto que
esta suporia exames precisos tanto dos pacientes como do mé
dium de Congonhas do Campo. Tais exames até hoje nao foram
empreendidos de maneira científica e objetiva. Verdade é que
urna comissáo de médicos norte-americanos estéve em Con
gonhas acompanhando atentamente Arigó; após o que pronun-
dou laudo altamente favorável ao médium. Donde se concluiría
que Arigó está realmente fazendo curas extraordinarias sob a
guia de um «médico do espago» chamado «Dr. Fritz». A im
prensa divulgou amplamente tal resultado. Mas pouco depois
propalou-se também a noticia de que tais médicos norte-ame
ricanos eram espiritas — o que, aos olhos da ciencia, tornava
um tanto suspeito o seu parecer.
Em conseqüéncia, há quem muito valorize as curas á¿
Arigó, como há também quem nao lhes dé crédito. O médium
ja raspondeu em julgamento por exercer ilegalmente a medi
cina, mas os depoimentos contra ele nao foram suficientemente
precisos para fundamentar alguma sentenca da justiga. Assim
o caso Arigó vai correndo como um fenómeno aberto a opinióes
divergentes.
Eis, porém, que recentemente a revista «O Médico Mo
derno» (agosto de 1970, pp. 42-48) publicou um artigo sobre
o assunto, que pode contribuir para se formar um juízo mais
esclarecido sobre o caso. Transcrevemo-lo com objetividade,
visando a fornecer material informativo aos leitores; cada quaí
podsrá avaliar o seu conteúdo. l

1 A revista "O Médico Moderno" tem por Diretor médico o Dr. Frledrich
T. Simón e Redator-Chefe o Dr. Alipio do Amaral Ferrelra.
Sua sede principal está em Sao Paulo (SP): Rúa Brlgadelro Tobías, 356,
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— 489 —
26 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 3

Logo no inicio do caderno, á p. 7, á guisa de apresentacáo


do artigo, lé-se o seguinte :

MEMORANDO AO LEITOR

— «Senhores e senhoras, encostem na parede para nao


'quebrar a corrente'! — As dezenas de pessoas que se acoto-
velavam na sala de espera do curandeiro Zé Arigó, em Con-
gonhas do Campo, estáo aguardando um contato com um fan
tasma que ainda nao descansa em paz: o TOr. Fritz'. Na Tea-
lidade, os auxiliares do curandeiro estavam irritados com a
balbúrdia e queriam um pouco mais de ordem. A solucáo foi
apelar para a mística da corrente. É apenas um pequeño exem-
plo, pois, em Congonhas do Campo, a crenga nos efluvios e
benesses do além é utilizada de muitas formas e construiu um
complexo de interésses económicos.
Imagine-se por um momento que Arigó perdesse a intimi-
dade com os ectoplasmas. Isto levaría Congonhas do Campo
á débácle económica. Hoteis e pensóes já nao teriam a quem
hospedar, pois a arquitetura colonial e a escultura do Aleija-
dinho nao possuem o mesmo citarme turístico. Farmacias,
bares e restaurantes já nao teriam a quem atender. Seria a
falencia das companhias de transportes que operam o roteiro
dos milagres. A quem vender garrafas com agua miraculosa ?
Urna cidade fantasma, porque os fantasmas a teriam aban
donado.
Já se pode percebsr, portante, a origem da fórga política
e económica déste curandeiro. Atacá-lo é desafiar urna máquina
poderosa que envolve o visitante logo que ele desembarca na
cidade. Nosso redator sentiu éste envolvimento, e conta na
reportagem da página 42 e seguintes como funcionam as engre-
nagens da máquina montada por Zé Arigó e seus parentes».
A página 42 encontra-se:

A BEM MONTADA MAQUINA DO CURANDEIRO


ZÉ ARIGÓ

Dez anos de curandeirismo deram a Arigó o controle


económico e político de Congonhas do Campo, ci
dade onde todos lucram com sua ..clínica do além"

«Um jornal, urna revista, duas farmacias, urna loja de


souvenirs, um hotel, urna rede de pensóes : éste é o imperio de

— 490 —
Zfi ARIG6: SIM OU NAO? 27

Zé Arigó, o curandeiro sem o qual a cidade mineira de Con-


gonhas do Campo nao existe.

Sua clínica gerou urna rede de interésses que se estende


por toda a cidade e tem ramificagóes no resto do país. Con-
gonhas do Campo pode ser tomada como objeto de análise
para demonstragáo dos fatóres que geram e sustentam o curan-
deirismo no Brasil.

Arigó : riqueza e poder

José Pedro de Freitas, conhecido por Zé Arigó, se diz um


homem pobre qus vive apenas do ordenado, como funcionario
do INPS e da corretagem de imóveis, a que se dedica Jias pou-
cas horas que lhe sobram da atividade como médium. Mas em
Congonhas todos sabem que ele é um homem multo rico. Sua
casa, sobrado que ocupa toda urna esquina, os varios automó-
veis que ele troca todos os anos, evidenciam urna prosperidade
que os modestos rendimentos de funcionario e corretor nao
justificam.

Multas de suas propriedades estáo em nome de seus pa-


rentes. O maior hotel da cidadet Hotel Freitas, pertence ao seu
irmáo Paulo Pedro de Freitas. É de sua irmá a farmacia Sao
José, localizada em frente ao Centro Espirita Jesús Nazareno,
onde Arigó recebe os fiéis; a farmacia Brasilia, situada um
pouco mais adiante, pertence também a seus parentes. O único
jornal da cidade, «O Profeta», é de seu irmáo Paulo. Outra
de suas irmás é proprietária de urna bem montada loja de
souvenirs.

Comenta-se ainda que Arigó possui varias fazendas e sua


fortuna é calculada em mais de um milháo de cruzeiros.
Arigó é considerado um homem caridoso. Entre seus atos
de beneficencia estáo os avais que concede aos amigos e cujas
dividas resgata sem a menor relutáncia. Trata-se geralmente
de pessoas com certa posicáo na cidade e que desta maneira
ficam a ele obrigadas. Um advogado de Congonhas conta que
Arigó foi ao seu escritorio para saldar urna divida de 10 mil
cruzeiros, da qual era avalista, e, numa evidente ostentacáo de
riqueza, tirou de sua pasta; espalhando sobre a mesa, mais
de trinta mil cruzeiros.

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28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 3

Rede bem montada

— Vai ver Arigó ?

Esta é a primeira frase que o forasteiro ouve ao chegar


em Congonhas do Campo. Se sua resposta ó afirmativa ele é
conduzido ao Hotel Freitas, localizado próximo á agencia de
onibus.

j yj^J161 Freitas é ° ma¡s caro da cidade, cobrando diarias


de Cr$ 25,00, e um verdadeiro atentado as normas sanitarias.
Sempre lotado, néle se hospedam doentes da toda especie alo
jados em qyartos pequeños e mal ventilados, com quatro ou
cinco camas cada um. Utilizam-se de banheiros comuns, loca
lizados nos corredores, e os poucos apartamentos sao reser
vados para os clientes especiáis de Arigó, pessoas de melhor
condicáo económica.
Quando nao há vagas no hotel, os clientes sao encaminha-
dos para as pensóes espalhadas na cidade e pertencentes ao
mesmo irmáo de Arigó. Se também estas ficam lotadas o que
e comum ocorrer, as sobras váo para os outros 'hoteis de Con
gonhas.

Num mes de grande movimento, o Hotel Freitas chegou a


hospedar 600 pessoas por dia, dando o lucro líquido de Cr$
220.000,00. Isso é possivel porque grande parte dos hospedes
permanece apenas algumas horas em Congonhas, utilizando-se
do hotel sómente para trocar de roupa e tomar refeicóes.

"Clínica" ao lado do hotel

Arigó realiza duas sessóes diarias de consultas — das 8 as


12 e das 15 as 19 horas — atendendo em media 200 pessoas em
cada turno. Sua clínica, o Centro Espirita Jesús Nazareno loca-
liza-se estratégicamente ao lado do Hotel Freitas, tendo liga-
Cáo direta com o mesmo atraves do patio de estacionamento.
Os consulentes que pernoitam em Congonhas, assistem, á
noite, a urna prelecáo religiosa no Centro Espirita. A reuniáo
é conduzida por Altamir Gomes, colaborador de Arigó, que
entre as preces e mensagens prepara veladamente os fiéis para
a consulta com o curandeiro. Afirma, por exemplo, que muitas
doangas tém origem espiritual, causadas que sao pela influen
cia de maus espirites ou conseqüéncia dos erros cometidos pelos
doentes em outras encarnacóes. Dessa forma, elas nao podem
ser curadas apenas com o tratamento terreno. E acrescenta :

— 492 —
ZÉ ARIGÓ: SIM OU NAO? 29

— A pessoa gasta milhóes com os médicos e nada obtém.


Aqui, com urna receita de 200 ou 300 cruzeiros consegue
curar-se. Por qué ? Porque os espirites que guiam Arigó dáo
também o remedio para a alma.

Dr. Fritz e sua equipe

Arigó afirma que nao faz nenhuma cura. As operagóes


e as consultas realizadas no centro espirita sao obra de um
médico alemáo já falecido. Segundo a lenda que o próprio
Arigó e ssus companheiros divulgam reiteradamente, o Dr. Fritz
teria sido um cirurgiáo de Munique que, em 1918, morreu na
prisáo, vítima de torturas. Por razóes nao explicadas, Dr. Fritz
escolheu Arigó como instrumento para continuar, do além, sua
atividade médica. E nao trabalha sózinho; urna equipe com
pleta de médicos, também falecidos, participa de suas interven-
cóes. Entre éles, as publicagóes referentes a Arigó destacam o
ginecologista francés Gübert, um oftalmologista, também fran
cés, de nome Paúl, um clínico geral brasileiro, Dr. Laureano, e
o cirurgiáo japonés Karagassa...
E muitos outros de menor importancia.

Um paciente por minuto

Os fiéis dirigem-se ao centro espirita bem antes da che-


gada de Arigó. Enquanto esperam, ajudantes de ordem do mé
dium registram num livro os nomes e enderegos dos consu-
lentes.
Arigó instala-se numa pequeña sala. Em sua mesa, há
varios tinteiros, blocos de papel e um cañivete grande, aberto.
Num armario, vidros com algodáo, álcool e desinfetantes.
Os clientes formam longa fila que se estende por varios
cómodos. Advertidos de que nao devem cortar a corrente, éles
se mantém em ordem, encostados á parede.
Após incorporar o espirito do Dr. Fritz, Arigó atende, em
media, urna pessoa por minuto. O consulente aproxima-se da
mesa e diz rápidamente sua idade e os síntomas que senté.
Enquanto ouve, Arigó traga no papel urna serie de rabiscos
ininteligíveis, intercalados com um ou outro algarismo.
O consulente apanha a receita e, na sala ao lado, entrega-a
a um dos decifradores da letra do Dr. Fritz, que a datilografa.
A principio, a tradugáo dos rabiscos de Arigó era feita sómente

— 493 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 3

por Altamir Gomes, que diziam ser o único capaz de entender


a letra do espirito do Dr. Fritz. Mas como o número de con
sultas cresceu demais, surgiram outros com essa capacidade
sobrenatural. Hoje, além de Altamir, duas mogas e um rapaz
traduzem as receitas do Dr. Fritz.

Receltas de mil cruzeiros

Dr. Fritz demonstra grande confianga nos medicamentos


terrenos. Ele receita doses macigas de remedios, dividindo o
tratamento em duas ou tres fases. As receitas oscilam, em me
dia, entre duzentos e quinhentos cruzeiros, havendo, porém,
muitas ácima de mil cruzeiros.

Na farmacia ou pelo reembolso

A maioria dos crentes sempre leva algum dinheiro a Con-


gonhas e adquire os remedios numa das farmacias da familia
de Arigó. Ninguém é obrigado a comprar os medicamentos em
Congonhas, mas durante as consultas nota-se a presenca de
elementos que instruem os pacientes sobre o tratamento e se
dispóem a acompanhá-los a urna drogaría para o cálculo do
custo da receita.

Quando o dinheiro nao é suficiente para a compra de todos


os medicamentos, o restante é enviado pelo reembolso postal.
O mesmo ocorre quando a consulta é solicitada por carta. Um
parante de Arigó trabalha na agencia do correio.

Lucros para muita gente

Instalada entre o Hotel Freitas e o centro espirita, a loji-


nha do Sandoval vende bilhetes de lotería e lembrangas de
Congonhas. Aproveitando essa localizagáo, Sandoval passou a
vender outras mercadorias, cuja saída supera em muito os
ítens normáis do seu estoque: livros sobre a vida de Arigó,
jomáis que relatam suas curas milagrosas, flámulas e decal
ques com a efigie do médium. Entre os produtos especiáis do
seu comercio, incluem-se as garrafas vazias que os fiéis com-
pram para encher com agua milagrosa das torneiras do centro
espirita.

Sandoval é apenas um dos beneficiados com o afluxo de


crentes a Congonhas. Restaurantes, bares, lojas, psnsóes, notéis

— 494 —
ZÉ ARIG6: SIM OU NAO? 31

e empresas de transporte, enfim, todos os ramos de comercio,


lucram com a atividade do curandeiro.

No que se refere aos transportes, os interésses ramifi-


cam-se por todo o país. Na Guanabara, um empresario formou
urna frota de Kombis exclusivamente para conduzir pessoas á
clínica de Arigó.

Atra?áo maior que o Aleijadinho

Congonhas, cidade histórica, tem tres tipos de turismo.


O cultural, nao muito intenso, formado pelos que váo conhecer
a arquitetura colonial e as obras do Aleijadinho, que ali deixou
seus principáis trabamos.

Em segundo lugar, estáo as romarias católicas, como a


feirá do Jubileu, em junho, que dura urna semana e congrega
milhares de pessoas.

Mas o turismo perene e realmente numeroso é promovido


por Arigó. O jornal «O Profeta», órgáo oficial do médium,
afirma que na semana de Sj a 14 de fevereiro déste ano o
curandeiro atendeu a 4.000 pessoas, sendo ésse seu recordé
absoluto. Segundo o mesmo jornal, 15.000 pessoas visitaram
Arigó no periodo de 12 de fevereiro a 20 de marco.
Sao dados que explicam o grande interésse dos habitantes
de Congonhas em defender a atividade do médium. Ésse inte
résse é patente até nos meninos que se oferecem como cice
rones aos forasteiros. Se alguém lhes pergunta : 'É verdade que
essa farmacia é de Arigó ?' éles logo respondem : 'Arigó nao
tem farmacia. Ele é um homem pobre'.

Manda-chuva político

Arigó já foi político militante e a sua influencia é muito


grande na regiáo. Hoje, seus parentes desfrutam da situagáo,
alegando-se com facilidade para quaisquer postos a que se can»
didatam. Basta dizer 'com apoio de Arigó' que estáo prática-
mente com a eleicüo assegurada.

Na crise que envolve o prefeito José Teodoro da Cunha,


de Congonhas, cujo mandato estava ameagado de cassagáo pela
Cámara Municipal, é notoria a participacáo de Arigó, embora
éste a negué, afirmando que só cuida das coisas espirituais.

— 495 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 3

O pai de Arigó é presidente da Cámara e o prefeito, «Zezete»,


caiu em desgraga junto ao curandeiro desde que seu irmáo,
Joáo Teodoro, depós contra Arigó em processo por exercício
ilegal da Medicina.
Além do controle da cidade, que vé no curandeiro segura
fonte de turismo e renda, a influencia política de Arigó ultra-
passa as fronteiras do seu municipio. Gente importante em
todo o país acredita em seus poderes mediúnicos e nao faltam
políticos interessados em contar com seu apoio ñas disputas
eleitorais.

Santo de casa nao faz milagres

Embora interessados na atividade de Arigó, os habitantes


de Congonhas nao recorrem aos seus poderes para resolver
problemas de saúde. Procuram, isto sim, os hospitais e médicos
da térra.
Noventa e cinco por cento da populagáo do municipio, cal
culada em 20.000 habitantes, é beneficiaría do INPS, utili-
zando-se intensivamente da assisténcia médica.
Além do ambulatorio, o Instituto conta em Congonhas
com dois hospitais credenciados e oito médicos, tres déles com
residencia fixa na cidade.
A razáo de os moradores de Congonhas nao confiarem
no tratamento oferecido pelo curandeiro pode ser resumida
na resposta que costumam dar as perguntas sobre os poderes
do médium:
'Nao conhego ninguém que tenha sido curado por Arigó'.

Médicos, um mundo á parte

'As atividades de Arigó nao interferem em nosso traba-


Iho. O povo de Congonhas e das cidades vizinhas .nao o procura
para se tratar. Seus clientes sao todos de fora, principalmente
de Sao Paulo e da Guanabara'.
Esta opiniáo do Dr. Wenoeslau de Souza Coimbra, que há
30 anos reside em Congonhas, resume o pensamento dos demais
médicos que trabalham na cidade.
No último processo movido contra Arigó no Conselho Re
gional de Medicina de Minas Gerais, o dr. Sebastiáo Mauricio

— 496 —
_____ __
ZÉ ARIGÓ: SIM OU NAO?
_
33

de Carvalho depós contra o curandeiro, apresentando provas


de exercicio ilegal da Medicina, mas os outros médicos chama
dos a depor limitaram-se a acusacóes vagas, fundadas apenas
em ouvir dizer.

Arígó, que já fóra indultado de urna condenagáo em pro-


cesso anterior, foi desta vez absolvido. Voltando a Congonhas,
reabriu sua clínica, pos novamente em funcionamento sua
rede de interésses e, gracas á fórca política de que desfruta,
passou a perseguir os que o denunciaram. O médico Sebastiáo
Mauricio de Carvalho e sua esposa foram envolvidos numa
intriga política e o prefeito Zezete paga agora, com a ameaea
da perda do seu mandato, a partícipacáo de seu irmáo no pro-
cesso contra Arigó.

A impunidade do curandeiro fez com que os médicos optas-


sem por urna atitude de reserva, evitando qualquer contato
com sua pessoa e desconhecendo o que ocorre no osntro espi
rita. Todavía isso nem sempre é possivel. Muitos doentes em
estado grave procuram Arigó. Vez por outra, um déles é aco
metido de urna crise aguda ou vem a falecer no hotel ou ñas
pensóes de Arigó. Para atender a ésses casos, o curandeiro
recorre aos médicos da cidade».

ESs o que de fonte autorizada pudemos recentemente


colhér a respeito do «caso Arigó». O material fica submetido á
apreciagáo dos leitores.

Nao pretendemos julgar a consciéncia de Zé Arigó e de


seus colaboradores. Todavía importa frisar a distingáo entre
auténtica Religiáo e falsa religiosidade. O que no caso de Zé
Arigó ocorre nao deve nem pode ser identificado com Religiáo
própriamente dita. Trata-se, antes, de expressóes do senso
religioso humano (valor profundo e indelével) mal esclarecido
— o que redunda em caricatura da Religiáo. Esta, bem enten
dida, vem a ser o relacionamento do homem com seu Criador,
Alfa e ómega, relacionamento que a razáo humana lógicamente
desenvolvida exige e que a Palavra de Deus, transmitida por
via auténtica, ilumina.

A distincáo ácima é de importancia capital em nossa épo


ca, quando os homens, principalmente a juventude, se apresen-
tam cada vez mais críticos e desejosos de autenticidade, parti
cularmente no setor religioso.

— 497 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 13171970, qu. 4

IV. "ENFANT TERRIBLE"?

4) «Cisma na Hofarofla ? Gomo vai eVoloindo o, Catoli


cismo holandés ?»

Já é do conhecimento público que certos grupos católicos


holandeses nos últimos anos vém emitindo opinióes que nao
fazem eco fiel ao ensinamento geral da Igreja: o «Novo Cate
cismo Holandés», o celibato do clero e outros pontos tém sido
ocasiáo de serio confronto entne a Holanda Católica e Roma.

A fim de estudar certos temas de disciplina religiosa, rea-


lizou-se o famoso Concilio Pastoral Holandés (cf. «P.R.>
102/1968, pp. 29-35 [253-259]). Iniciado aos 3 de Janeiro de
1968, éste desenvolveu-se através de sessóes periódicas até 7
de abril de 1970, reunindo Bispos, presbíteros e fiéis de todo
o país. Em Janeiro do corrente ano, o Concilio abordou a ques
táo do celibato do clero, dando a 19 de Janeiro voto favorável
a que éste venerável costume se tornasse meramente faculta
tivo; a situacáo entre a Holanda católica e Roma tornou-se
entáo assaz tesa; a imprensa internacional falou de possivel
ou iminente cisma. Eis, porém, que vém agora a público docu
mentos que revelam o senso de uniáo do episcopado e dos
fiéis da Holanda com o S. Padre o Papa, os demais bispos
e todo o restante da S. Igreja. Torna-se claro que os católicos
holandeses, por voz de seus pastores, rejeitam a ruptura com
Roma e a Igreja universal.

É, pois, com júbilo que se léem os documentos abaixo


transcritos.

1. Cardeal Bernard Alfrink (5/IV/1970)

Por ocasiáo da abertura da última sessáo do Concilio Pas


toral Holandés em Noordwijkerhout, aos 5 de abril de 1970, o
Cardeal Bernard Alfrink, arcebispo de Utrecht e Primaz da
Holanda, proferiu um discurso, do qual váo extraídos os seguin-
tes tópicos.

Referindo-se k controvertida questáo do celibato do clero,


declarou S. Eminencia:

— 498 —
CISMA NA HOLANDA? 35

«Os bispos holandeses añrmaram claramente... que


assunto de tal importancia nao pode ser abordado e resolvido
senáo em comum acordó com o Santo Padre e a Igreja univer
sal. Medidas e decisóes tomadas unilateralmente e por nossa
própria autoridade nos levariam ao isolamento e constituiriam
grave atentado á comunháo na Igreja.

Tal nao pode ser a intengáo de urna Igreja local ou parti


cular. * A declaragáo dos bispos holandeses, a 19 de Janeiro pp.,
mostra, como já haviam mostrado as recomendagóes da últi
ma sessáo déste Concilio pastoral, que a provincia eclesiás
tica neerlandesa nao tem e nao tinha, de modo algum, a inten-
cáo de ferir a unidade da Igreja. Nao estou certo de que isto
tenha sido bem compreendido no mundo inteiro.
Pensó aqui no que nos é ensinado a respeito da Igreja
nascente no capítulo 15 dos Atos dos Apostólos : a Igreja local
de Antioquia, encontrando-se em difículdades por causa de um
problema que concernía a Igreja intaira, submeteu suas preo-
cupagóes pastarais aos apostólos e aos andaos em Jerusalém,
respectando e reconhecendo a autoridade que o Senhor outor-
gou aqueles que governam sua Igreja.
Os Bispos holandeses nao tinham outra intengáo ao publi-
carem sua declaragáo de 19 de Janeiro pp.
Por isto está-lhes a peito exprimir urna vez mais e de todo
o coragáo os seus sentirmantos de uniáo profunda com todo o
colegio episcopal e, milito particularmente, com o Santo Padre,
Cabega désse colegio, sobre quem pesam ao máximo as preo-
cupagóes da Igreja no mundo inteiro.

^ Nao queremos tornar mais pesados ésses fardos, mas, sim,


fazé-los nossos, da mesma forma que nossos fardos e nossas
preocupacóes sao também os do Santo Padre. Nossa uniáo
com o Papa está fundamentada sobre a nossa fé e nossos sen-
timentos sinceros de reverencia, de fidelidade e de adesáo.
Nesta situagáo delicada, precisamos, mais do que nunca,
de serenidade, de grande confianga reciproca e de oragáo ins
tante que implore as luzs do Espirito Santo.
Quando aqui falo de oragáo, nao procuro urna escapatoria
fácil. Quero exprimir minha convicgáo de fé no fato de que o
Espirito de Deus guia a Igreja, e minha confianca na promessa

1 Isto é, de urna por?So territorial da Igreja.

— 499 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 13V1970, qu. 4

do Senhor; o Espirito de verdade nos levará para a plenitude


da verdade (Jo 16,13).
Sejamos, pois, suficientemente abertos á verdade de Deus
para nao pedir em primeiro lugar a realizacáo de nossos dese-
jos próprios, mas, sim, aquilo de que a Igreja de hoje precisa
e aquilo que será para ela fonte de paz e de salvagáo segundo
a intengáo do Espirito do Senhor».

2. Mons. Bluyssen, Bispo de 's-Hertogenbosch

Em resposta ¡á numerosa correspondencia suscitada pela


sessáo do Concilio Pastoral Holandés de Janeiro de 1970, Mons.
Bluyssen, Bispo de 's-Hertogenbosch, houve por bem escrever
a seguinte carta pública, datada de 27/02/1970:

«Nestes dois últimos meses, recebi numerosas cartas, car-


toes postais, telegramas e mensagens de outros tipos a propó
sito da última sessáo do Concilio Pastoral e da declaragáo dos
bispos de 19 de Janeiro do corrente ano...
A maioria dessas mensagens exprime profunda inquieta-
Cáo diante da evolugáo da Igreja dos Países-Baixos. Os pontos
nos quais mais insistem, sao o ministerio sacerdotal, o celibato
dos padres e principalmente a conservagáo da uniáo com a
Santa Sé e a Igreja universal. Outras mensagens — que reco-
nhecidamente constituem a minoría dessas reagóes — testemu-
rdiam seu acordó com a orientagáo tomada pelo episcopado.
Através de toda a correspondencia, aparece o desejo de manter
intata e salvaguardar a unidade com o Papa e a Igreja uni
versal.
A onda de cartas e cartóes foi táo copiosa que, com grande
pesar para mim, me é absolutamente impossivel responder
pessoalmente a cada um. Tenho que recorrer a esta carta um
tanto genérica. Lamento que déste modo os meus correspon
dentes nao recebam resposta pessoal para os seus quesitos...
Sinto-o vivamente, mas nao me é possível proceder de outra
forma.
Todavía, na medida em que esteja ao meu aléanos, desejo
responder ao menos por esta missiva, Tentarei dar alguns
esclarecimentos sobre questóes colocadas por grande número
de correspondentes. Desta forma espero poder dissipar de
algum modo a grande inquietagáo, o profundo mal-estar e
mesmo a grande afligáo que se exprimem em numerosas men-

— 500 —
CISMA NA HOLANDA? 37

sagens. Por mais que estivesse a par da divisáo que reina


entre os católicos neerlandeses, essa correspondencia provocou
em mim um choque. Nao por me ter dado a conhecer muitas
coisas novas. Mas o confronto direto, e em tal escala, com o
que preocupa os homens, nao pode deixar de causar impressáo.

... A propósito do celibato sacerdotal, ñas discussóes e


deliberacóes relativas a éste assunto, partimos expressamente
do principio (estabelecido de antemáo e tomado como base
antes dos debates) de que nao vinha ao caso romper com
Roma e a Igreja universal.

... Os Bispos mostraram claramente que nao qusrem


ruptura na Igreja; nao é preciso insistir em que nao a querem;
nao a querem absolutamente. Os Bispos estáo sempre colo
cados como guardas da Igreja para construir o único Corpo de
Cristo.
... Um confuto estourou — e isto já é grave; mas um
cisma é inconcebível.
Afinal de contas, nesse setor trata-se apenas do seguinte :
como a Igreja seria mais bem servida ? É por esta preocupa-
gáo, e esta só, que os Bispos holandeses querem deixar-se guiar.

... Por último, desejo dar a conhecer a inquietagáo que


pessoalmente experimento...

Lamento que as questdes fundamentáis da fá crista, os


problemas de nossa cooperagáo pessoal na salvacáo do mundo
e de nossa reflexáo sobre a mensagem evangélica corram o
risco de ficar em plano secundario. Verifico que se perdeu
bastante a consciéncia de que Deus está prssente em nossa
vida, de que Deus vem realmente ao encontró de nossa insu
ficiencia humana, de que Deus vem realmente a nos em Jesús
Cristo, de que Deus nos chama radicalmente a recoríhecermos
humildemente a nossa incapacidade e nos convida a urna con-
versáo passoal. Verifico também que nao se sabe mais o que
significa comprometer-se em favor do Reino de Deus e em prol
de um mundo melhor para os homens; nao se sabe mais o que
é dar-se inteiramente a esta tarefa. Creio que esta falta de
dinamismo é um fenómeno inquietante. Como muitos de meus
correspondentes, tenho a impressáo de que, com as nossas dis
cussóes sobre assuntos que na realidade sao de menor impor
tancia, e com nossas sutilezas intelectuais sobre toda especie
de questóes secundarias, tornamos obscura uns para os outros
a visáo do Evangelho auténtico. Assim procediendo, deixamos
os jovens na fome. É mais do que tempo para abrirmos ao

— 501 —
13V1970, qu. 4

Cristo vivo mais oportunidades, a fím de que realize de fato a


sua obra de salvagáo em nos e por nos.

Urna compreensáo cheia de amor de uns pelos outros, urna


colaborado auténtica com a missáo da Igreja, tais sao as exi
gencias para que o Espirito de Deus trabalhe como Ele
mesmo quer.

Com minha mais elevada consideracáo e mirillas sauda-


cóes mais amigas,
J. Bluyssen
bispo de 's-Hertogenbosch»

3. Carta Pastoral do Episcopado Holandés

Por ocasiáo do 50" aniversario da ordenacáo sacerdotal do


S. Padre Paulo VI, os Bispos da Holanda publicaram urna
Carta Pastoral, que foi lida em todas as igrejas no domingo 28
de junho de 1970. Tem por título «Jesús Cristo, fundamento
da fé». Eis as passagens que mais vém ao caso :

«O Papa Paulo VI procede como o seu homónimo, o Apos


tólo Paulo, que escrevia : 'Irmáos, permanecei fortes e guardai
firmemente as tradigoes que de nos aprendestes, ou de viva
voz ou por escrito. Que o proprio Nosso Senhor Jesús Cristo...
consolé vossos coragóes e vos fortalega em toda especia de
boas obras e boas palavras !» (2 Tes 2^15-17).

Com efeito, a sxpressáo 'guardai firmemente as tradigoes'


volta a todo momento aos labios do Papa. Mas os católicos
devem compreender que isto faz parte da tarefa de Paulo VI.
Como o ministerio de Pedro nos poderia confirmar na fé e
nos chamar á esperanga, se, ao mesmo tempo, nao continuasse
a nos pregar o Cristo como Éste nos foi revelado e trans
mitido ?... O magisterio do Papa pertence á vida da Igreja.
Assim como o magisterio nao se pode erguer fora da Igreja,
assim também a comunídade eclesial nao se pode separar do
magisterio próprio á fungió de Pedro.
A infalibilidade de que o Senhor dotou sua Igreja, dá a
esta a garantía de que se mantém no caminho do Senhor...
A Igreja é urna comunháo de amor, na qual o Papa ocupa
o primeiro lugar. Nenhuma das tensóes, nenhuma das dolo-
rosas divergencias de opiniáo que existem na Igreja, poderá

— 502 —
CISMA NA HOLANDA? 39

jamáis romper nossa permanente adesáo á comunháo no Cristo.


Numa época como a nossa, em que a humanidade tanto sofre
de desuniáo, e em que mais do que nunca ela precisa de uni-
dade, a Igreja pode precisamente tornar-se um sinal que leve
a esperanga ao mundo. Ela será ésse sinal se os seus mem-
bros,... apesar das tensóes, permanecerem unidos uns aos
outros em virtude da sua comunháo em Cristo, único Pastor
do único rebanho.

^ ... Oramos pelo Papa e por nos mesmos, a fim de que


mutuamente nos encorajemos e nos fortalecamos na fé. E eis
o voto que de bom grado formulamos : o Papa e nos nao cesse-
mos de ssr um sinal, a fim de que possamos continuar a cum-
prir nossa missáo essencial, que é a de anunciar a Boa-Nova
da libertacáo em Jesús Cristo.

Utrecht, aos 9 de junho de 1970


Os Bispos dos Países-Baixos»

4. Cardeal Bernard Alfrink (28/VI/1970)

Aos 28 de junho de 1970, em Missa solenemente celebrada


na cidade de Haia, a fim de comemorar o «Dia do Papa», o
Cardeal-Primaz da Holanda proferiu em francés urna alocucáo,
parcialmente aquí reproduzida:

«Como todos os anos, celebramos hoje o aniversario da


eleigáo de Paulo VI como Bispo de Roma e sucsssor de Pedro,
o primeiro dos Apostólos, como Cabeca do Colegio Episcopal
da Igreja e como Vigário de Cristo para a Igreja universal.
Ao mesmo tempo, comemoranros os 50 anos de vida sa
cerdotal de Paulo VI, consagrados por zélo incessante ao ser-
vico da Igreja em numerosas fungSes pastorais de índole
diversa, desde 29 de maio de 1920, quando ele foi ordenado
presbítero pela imposicáo das máos do Bispo, até o dia de
hoje, em que nos é dado exprimip-lhe a nossa gratidáo pro
funda e os nossos memores votos...»
O corpo do discurso que assim se inicia, discorre sobre o
primado de Pedro. O Cardeal Alfrink cita e analisa textos de
S. Evangelho que fundamentam a chefia de Psdro no colegio
dos Apostólos. A seguir, o orador menciona o Concilio do Vati
cano I e urna de suas grandes tarefas, que foi definir o pri
mado do sucessor de Pedro na Igreja universal. Lembra tam-

— 503 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 4

bém que o Vaticano I (1870) ficou inacabado, de modo que


nao pode ser considerado independentemente do Concilio do
Vaticano II; éste lhe deu a devida complementacáo, realzando
as funcóes colegiáis do episcopado. Por último, o Cardeal Alfrink
se volta para a realidade contemporánea :

«Segundo o designio de Deus, Paulo VI governa a Igreja


de hoje em meio as tensóes que a perturbam. Ele colaborou de
todo o coragáo, como Cardeal e como Papa, no segundo Con
cilio do Vaticano. Depois do Concilio, internacionalizando a
Curia Romana e instituindo o Sintído dos Bispos,... ele mos-
trou que tem a intencjio de governar a Igreja segundo o espi
rito dos dois Concilios do Vaticano.

A incansável preocupado de Paulo VI em favor da paz


no mundo e a atengáo do Papa a todas as formas de miseria
humana, em particular á injustica clamorosa na reparticáo
das riquezas entre países pobres e países ricos, provam que
ele compreende os sinais dos tempos. Ele nao deixa de os inter
pretar á luz do Evangelho, como fez ainda recentemente num
discurso dirigido aos Cardeais.
Paulo VI se empenha também, sem jamáis se cansar, em
prol da unidade dos cristáos, que lhe está particularmente a
peito.

Ninguém tem o direito de impor ao Papa decisóes que,


em consciéncia, ele julgue nao poder tomar. Ninguém há de
querer tentar a imposigáo. Os problemas que se colocam na
Igreja, nao podem ser resolvidos senáo através de um diálogo
confiante e caridoso. Espero que toda a comunidade católica
dos Países-Babeos se unirá a mim para exprimir nesta ocasiáo
os nossos sentimentos de caridade e de confianza ao Santo
Padre.

Na presenta celebragáo eucarística, rogamos ao Senhor


queira abengoar profusamente aquéle que Ele chamou a ser o
servo dos servos de Deus e o pai que proporciona socorro a
seus filhos em todas as necessidades».

Os textos ácima, que dispensam comentarios, foram trans


critos de «La Documentation Catholique» n» 1567, de 19 de
julho de 1970, pp. 665-684.

— 504 —
CELIBATO DO CLERO E BUDISTAS 41

V. MAIS UMA VEZ...

5) «Celibato do clero... Que mañs se poderia dizer?»

Itesposta: A respeito do celibato do clero parece que já


se disse dentro da Igreja Católica tudo o que poderia ser pon
derado sobre o assunto-

De vez em quando, ouve-se alguma voz que, fora da Igreja


Católica, fala sobre a questáo. Há meses, por exemplo, foi dado
a lume o depoimento de um budista da Birmánia (Karen)
sobre o delicado tema. A revista «Le Christ au monde» (1970,
vol. XV, n' 4, pp. 331s) publicou-o, tendo-o recebido do Padre
P. Mora, missionário da India. A redagáo da revista, ao apre-
sentar o documento, observa que ele bem corresponde ao que
pensam certos ambientes budistas.

Transcreveremos abaixo o texto désse depoimento, ao qual


seráo acrescentadas algumas reflexóes sugeridas pela leitura
do documento (o qual, do ponto de vista cristáo, é ambiguo).

«No Ocidsnte tém-se levantado ruidosas reivindicagóes a


pedir para os sacerdotes católicos a faculdade ás se casarem.
Os que movem tal reivindicagáo, fariam algo de acertado se
parassem por um momento e langassem um ofliar para o vasto
mundo budista do Extremo-Oriente, a fim de ver se, entre os
sacerdotes budistas, se encontré quem reivindique a licenga
de se casar. — Nao; nao enoontraráo nem um sacerdote nem
um leigo budista que adote essa atitude. Os sacerdotes budis
tas vivem em paz consigo mesmos e estáo muito satisfeitos com
a sua disciplina de celibato. Tonsuram a cabega e renunciam
completamente ao mundo. Trazem suas vestes amarelas e con-
sagram-se a urna vida de oracáo, msditagáo e mortificagáo
da carne, segundo o exemplo de Buda. Assim procedendo,
sabem que 6áo pessoas consagradas, obligadas á santidade e
que, por éste motivo, nao se devem casar. O celibato é consi
derado como auténtica marca de santidade. Por isto um homem
casado nao se pode tornar sacerdote budista. O budismo nao
admite sacerdote casado. Quando um sacerdote budista quer
casar-se, é laicizado e volta ao mundo. Urna vez laicizado, ele
nao pode retornar ao seu estado anterior. E, enquanto per
manece sacerdote, nenhum sacerdote budista pode casar-se-

— 505 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 13V1970, qu. 5

No Cristianismo, a Igreja Católica é a única a suportar,


neste terreno, o confronto com o budismo... É em virtude da
disciplina do celibato que a Igreja Católica é tida em alta
estima pelos budistas da Birmánia e seus sacerdotes gozam do
respeito déstes.

Há cinqüenta anos, um professor da Escola Normal bu


dista de Toungoo dizia aos seus alunos católicos : 'Se voces
colocassem num crivo todas as religióes do mundo e sacu-
dissem o crivo, todas seriam eliminadas, com excecáo da reli-
giáo budista e da religiáo católica*. Defendendo o celibato
sacerdotal, a Igreja Católica defende, ao mesmo tempo, a honra
do Cristianismo. Se Ela tivesse que renunciar alguma vez a
essa disciplina, o Cristianismo em seu conjunto babearía con-
siderávelmente na opiniáo do mundo pagáo; ele aparecería
menos puro do que o budismo, seus padres casados menos
dignos de respeito do que os sacerdotes budistas nao casados,
e o Cristo mesmo lhes parecería inferior a Buda.
O celibato dos sacerdotes budistas langa um serio desafío
ao Cristianismo. A partir do mundo cristáo, sómente a Igreja
Católica pode sustentar ésse desafio. Será que os cristáos teráo
para com o celibato sacerdotal üma estima inferior á dos
budistas ?

Há quem sustente que um padre católico casado estaría


mais em condigóes de salvar as almas, pelo fato mesmo de
que se mesclaria livremente aos outros homens e viveria como
um déles. Nisto há um sofisma. Urna agua menos clara nao
pode lavar melhor a roupa do que urna agua clara e pura;
urna lámpada menos luminosa nao ilumina melhor os objetos
sombríos do que urna outra milito brilhante. A vida dos santos
mostra que o contrario é que é verdade. Aqueles que se fazem
os advogados de um clero católico casado, eu diría como Jesús
a Pedro : 'Vai-te de mim, Satanás; tu és para mim um escán
dalo, pois nao tens os pensamentos de Deus, e, sim, os dos
homens' (Mt 16,23)».

A éste testemunho podem-se fazer tres observacóes :


1) É inspirado por visáo dualista, que menospreza o corpo
e, conseqüentemente, o matrimonio. O budista julga que a
perfeicáo do homem está em insensibilizar-se e, por último,
dessnearnar-se; por isto, nao pode conceber plena estima pelo
casamento. O cristáo nao pode dizer que o matrimonio, fiel
mente vivido, tenha algo de impuro; ao contrario, ele sabe
que o casamento é via que leva nao á mediocridade, mas b, san-

— 506 —
CELIBATO DO CLERO E BUDISTAS 43

tidade, todos aqueles a quem Deus chama. A fé crista ensina


que nao ha vocagáo para a imperfeicáo, mas que todo cha
mado de Deus tende <a plenitude da vida. Todavia fica de pé
a afirmacáo de Sao Paulo segundo a qual a virgindade ou a
vida una, considerada em si, constituí um estado de vida aínda
mais nobre do que o matrimonio (cf. 1 Cor 7).

2) Para o budismo, nao há sacerdotes destinados a ofe-


recer sacrificios rituais. O sacerdocio budista (se é que assim
pode ser chamado) consta apenas de aoonselhamentoi espiritual;
é exercido palos monges. Por isto admitir sacerdotes casados,
para o budismo, seria o mesmo que admitir monges casados,
ou seja, destruir o monaquisino. — Ora na Igreja Católica pode-
-se conceber um clero casado sem que, por isto, deixe de haver
a vida dos monges e Religiosos (frades, frefras, clérigos regu
lares. ..) consagrada a Deus no celibato e na virgindade. O ce
libato e a virgindade foram, desde os primordios da Igreja, cul
tivados por ascetas e virgens independentemente do ideal
sacerdotal. Na verdade, quem compreende o Evaiígelho, com-
preendis o valor da vida una ou indivisa (cf. 1 Cor 7,25-35) e
por ela é atraído. Virgindade e celibato sao frutos normáis e
espontáneos da mensagem crista; decorrem lógicamente da
consciéncia de que já chegaram os bens definitivos ou os bens
do Reino de Deus. Por isto, pode-se crer que jamáis se extin-
guiráo na Igreja Católica o celibato e a virgindade consagra
dos a Deus, mesmo que os presbíteros verfham a ser dispensa
dos do celibato.

3) Como quer que seja, o testemunho de nosso irmáo


budista é digno de consideraeáo. Ajuda-nos a ver como a Igreja
Católica pode ser sinal mais e mais lúcido para o mundo náo-
-católico : o celibato abracado nao por horror á materia* mas
por amor a Cristo e aos homens (em vista de urna doagáo
maior a todos) será sempre um autentico testemunho do Reino
de Deus. Tudo que contribua a empalidecer ou rarefazer éste
testemunho, poderá resultar em detrimento da Igreja, da sua
missáo no mundo, e em detrimento do próprio mundo. Éste,
com razáo e direito, espera encontrar entre os fiéis católicos
o sinal do amor total e indiviso. Tal sinal, auténtica e entu
siásticamente vivido, faz bem : ele edifica, dissperta, estimula...;
o mundo precisa de vé-lo e revé-lo para néle meditar e délo se
beneficiar. Estejam conscientes disto os Religiosos e as Reli
giosas da S. Igreja e vivam com alegría a sua grande vocacáo !

— 507 —
44 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 6

VI. AMIGA PESSOAL OU CEIFADEIRA ?

6) «O espectro da nrorte... Pode algném considerarlo


com paz e alegría ?»

Rcsposta.: «Em «P.R.» 129/1970, pp. 371-382, foi publi


cado um artigo sobre a morte e o homem moderno, levando-se
em conta especial o cristáo.

O presente número difunde o depoimento de alguém que


viveu o seu transe final em atitude genuinamente crista, justi
ficando devidamente a sua tranqüilidade. Trata-se do P. Afonso
de Parvulez, que foi um grande apostólo, dedicado principal
mente á imprensa e aos escritores cristáos. Era um crítico
literario muito apreciado na Franca; até os seus últimos dias
colaborava com a revista «Le Christ au monde». Aos 5 de
dezembro de 1969, escrevia aos redatores désse periódico :
«As fórcas váo baixarido considerávelmente. Já nao irei longe.
Rezarei por voces no céu. É tempo de me procuraren! um su-
cessor para o cargo».

Finalmente, aos 30 de abril de 1970, o P. A. de Parvulez


foi chamado a Deus. Deixou, porcm, escritas as reflexóes que
a perspectiva da morte próxima lhe sugería — reflexóes inspi
radas por fé muito viva e profundamente reconfortadoras para
os leitores. Eis por que abaixo as transcrevemos da revista
«Le Christ au monde» (1970, vol. XV, n' 4, p. 353) :

«Vou morrer em breve, eu o sei, e, sem querer fazer-me


de esperto nem brincar com o que é serio, devo confessar que
nao tenho médo.

Agradeco a Deus por me dar um intervalo entre a vida


e a morte, um momento em que já nao teriho trabalhos nem
responsabilidade,... em que tenho tempo para refletir na mi-
nha situacáo e julgar o que tenho de fazer.
Dois pensamentos entáo se impóem a mim : desprendi-
mento e juízo.
Desprendimento. Vou deixar bom número de pessoas e
coisas. Mas já vi partir quase todos os meus contemporáneos,
isto é, as pessoas de minha idade; amigos de infancia e de
juventude estáo do outro lado (no Além), onde se recons-
tituiu meu ambiente natural, com parentes e amigos. Tenho

— 508 —
O SENTIDO DA MORTE 45

pela frente muito menos urna partida do que urna chegada,


com mais encontros do que separagóes.

Mas... e as belas coisas que eu estimei ? —Vou encon


trar outras muito mais belas. Deixo um deserto para entrar
num paraíso. A amizade, a verdade, a ciencia, a arte, á solu-
gáo de todos os enigmas, a posse de todos os tesouros me
aguardam do outro lado (no Além); nao há comparagáo possí-
vel. Sinto-me como que invadido pela luz. Nao estou vivendo
o ocaso, a beleza melancólica do por do sol, mas, sim, a grande
iluminagáo do pleno meio-dia, a plenitude e a iluminagáo defi
nitivas, numa gloria divina que tudo ultrapassa. Nao sómente
o desapego é fácil, mas ele se impóe, táo espontaneo, táo natu
ral quanto a queda de um fruto amadurecido. Nao pensó em
desprezar nem depreciar os valores humanos; é preciso, ao
contrario, dar-lhes a devida estima. Ésses valores foram feitos
para servir a Deus, para ajudar a nossa salvacáo, para desem-
penhar o seu papel /no trabalho sobrenatural que realizamos
sobre a térra. Nos os estimaremos e exaltaremos eternamente
no céu por terem embelezado a térra e nos íiaverem levado
para Deus. Tais valores teráo seu lugar na nossa eternidade.
Lá, nos agradeceremos aos inventores, aos genios, aos descu
bridores, a todos os guias que nos tiverem levado através das
belezas da criagáo.

Enquanto aprendo a deixar a térra, aprendo a julgá-la.


Vejo a que servem as coisas presentes : elas preparam as coisas
futuras. Prazeres e emogóes que tantas vézes me guiaram os
passos, nao tinham significacáo alguma; nao sao éles que pesam
na balanga, pois déles nada fica, apenas vento e poeira. O que
vale é o pouco que fiz por Deus, sao os atos de vontade, sao
os sacrificios. Em suma, tudo o que fiz para mim mesmo, é
culpado ou inútil; por conseguinte, hoje é como que inexistente
e estéril. Apenas o que dei a Deus, é real e pesa. Perdi tudo
o que tomei para mim, e guardei tudo o que dei. Todo egoísmo
é estúpido; toda generosidade é sabia e fecunda. O que per
dura, existe; o que passa, nada é.

Sim : eu vejo claramente o que deveria ter feito. Eu nao


posso recomecar, mas posso fácilmente reparar, e voltar-me
para Jesús com a mais total, a mais filial confianga. Enquanto
vivemos, é sempre tempo oportuno. Até o meu último quarto
de hora, eu o passarei nos bragos de Deus e morrerei sorrindo.

Esta mensagem dispensa longos comentarios. É valiosa


principalmente por apresentar a morte como algo de positivo,

— 509 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 131/1970, qu. 6

ou seja, como urna chegada, urna consumacáo, a posse de bens


maiores do que aqueles que deixamos na vida presente. A morte
significa o reencontró dos irmáos na patria definitiva. Estas
idéias se compreendem bem, caso se tenha em vista que o
cristáo é portador de um germen de vida eterna desde o dia
do seu Batismo; com efeito, «a graga (santificante) é a se-
mente da gloria», diz S. Tomás de Aquino. "Éste germen vai
desabrochando paulatinamente, de sorte que, «enquanto o
nosso homem exterior (carnal) vai definhando, o nosso homem
interior se vai renovando diariamente» (2 Cor 4,16). Nao há
ocaso própriamiente dito para o cristáo, mas, ao contrario,
com o passar dos anos, a sementé de etemidade néle vai to
mando vulto, tornando-se cada vez mais vigorosa, cada vez
mais juvenil. Para experimentar a certeza desta verdade, há
um segrédo: viver em íntima uniáo com Cristo. Quem se
esforga por nao se afastar do Senhor em seu comportamento
cotidiano, chegará ao fim desta peregrinagáo nao envolvido
pela penumbra do ocaso, mas banhado pela plena luz do
meio-dia!

«£ bom para, mim morrer a fim de me unir ao Cristo


Jesns... Aproxima-se o tóomento em que serei dado á luz...
Escrevo a vos, possuido flo amor da morte; ... HA EM
MIM UMA AGUA VIVA1 QUE FALA E DENTRO DE MIM
DIZ: VEM PARA O PAI!»

(S. litado de Antioqnia, f 110)

i Agua viva = símbolo do Espirito Santo (cf. Jo 7,37-39).

— 510 —
RELIGIOSAS INDIANAS EM FOCO 47

VIL "MASS-MEDIA"

7) «E as Religiosas indianas ?»

Nos meses de agosto e setembro de 1970, a imprensa divul-


gou noticias pouco Iisonjeiras a respeito de Congregagóes Reli
giosas e sacerdotes. Teriam trazido jovens indianas para a
Europa a título de fazé-las estudar e torná-las Religiosas ou
Irmas professas. Revistas e jomáis deram a entender que deso-
nestidade e outros males moráis teriam ocorrido nesse pro-
cesso.

A respeito, o jornal «L'Osservatore Romano» do Vaticano


publicou em sua edigáo francesa de 4 de setembro de 1970
(n« 36 [1081]) a seguinte nota :

A PROPÓSITO DE UMA CAMPANHA SOBRE PRETENSO


v «TRÁFICO» DE IRMAS INDIANAS

«A imprensa de certos países europeus fez grande alarde, ñas


últimas semanas, de algo que logo foi chamado, com evidente gdsto
de sensacionalismo, se nao de escándalo, 'o comercio de Religiosas
indianas'.

De tanto manejar o superlativo e usar hipérboles, muitos ¡orna-


listas esquecem o verdadeiro sentido das palavras .que éles empre-
gam e caem fácilmente em odiosa calúnia.

Parece que éste é o caso aquí.

Pois há grande distancia entre certos erros condenáveis ou certos


abusos repreensíveis — um serio inquérito dirá se houve algo déste
género — e a acusac&o global contra a Igreja ou contra sociedades
religiosas que a imprensa quer qualificar de 'singulares traficantes*.

Mas, além do tema que assim é posto em foco, vem colocado


mais vma vez o problema da ética da informacáo justa. A liberdade
nao é licenciosidade; o direito á informagáo nao deve fazer es-
queccr éste outro direito que é o respeito devido ao próximo, respeito
que nao pode ser colocado em xeque sem provas seriamente esto-
belecidas».

Sem comentarios.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 511 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 131/1970

CORRESPONDENCIA MIÜDA

Floriano (Belo Horizonte) : Por desconhecer o seu enderezo, nao


Ihe enviamos resposta individual. É o que explica o atraso destas linhas.
Possam ainda ser-lhe úteis!
A Ordem Beneditína, em alguns de seus mosteiros, é contem
plativa; os monges entáo dedicam-se á oracáo comum e particular,
ao estudo e ao trabalho manual; exercem restrita cura de almas. Tal
é o caso de mosteiros franceses ou de fundacáo francesa (Solesmes,
La-Pierre-Qui-Vire...). Outras abadias (sem dúvida, a maioria) tém
a seu cargo obras apostólicas, como colegios. Universidades, paróquias,
missóes... No Brasil os monges beneditinos dedicam-se ao magisterio
(tém colegios) e á cura de almas em retiros, cursos de espiritualidade
e poucas paróquias. — Se desejar ulteriores indicagóes, escreva-nos
(enviando-nos o seu enderezo) ou consulte as obras de D. Joaquina
de Luna: «A Ordem Baneditina» e «Os monges beneditinos no Brasil>;
ed. «Lumen Christi», C.P. 2666, GB.

José L. A. (Salvador) : A referida Sociedade nao se recomenda,


visto ser demasiado radicalizada em seus pontos de vista. Defenda
mos denodadamente a nossa fé e os valores de nossa patria, evitando,
porém, os extremismos e a polémica obcecada, principalmente a polé
mica que chega a criticar a autoridade suprema da Igreja.

Salvir S. (Belo Horizonte) : Recebemos sua missiva, todavía sem


indicacáo de enderdco do mitente. — Atualmente a Missa de cada do
mingo prop5e, em consonancia muito harmoniosa, textos do Antigo e
do Novo Testamento; geralmente a primeira leitura constituí o fundo
de cena da terceira (Evangelho); profecía e realizacao, tipo e antitipo
assim se complementan! de maneira a fazer-nos penetrar genulna-
mente na mensagem das Escrituras. Tentaremos elaborar o artigo
que o amigo nos sugere.
E. B.

RESENHA DE LIVROS

Mlssao e RenovaeSo da Igreja. OrientacOes teológlco-pastorais do


Episcopado paranaense. — Regional Sul II da Conferencia Nacional
dos Bispos do Brasil, Caixa postal 1371, Curitiba 1970, 35 pp., 120 x
180 mm.
Recebemos do Episcopado paranaense o livrinho ácima referido,
portador das linhas doutrinárias que devem iluminar o segundo Plano
de Pastoral da Regiao Sul H. — O estudo compreende tres capítulos:
«1. O mundo em que vivemos. 2. Ministerio da Palavra. 3. Minis
terio litúrgico-sacramental>. Leva asslm em conta urna serie de pro
blemas doutrinários e pastarais que perturbam pastores e fiéis em
nossos dias: fé e sentimento, fé e religiSo, secularidade, secularismo e
secularizacao, magisterio e teólogos, autoridade papal, progressismo e
conservantivismo, carismas e hierarquia, pluralismo e unidade, hori-
zontalismo e verticalismo... A maneira de abordar os temas é sucinta
e clara; lembra oportunamente os grandes principios e pontos cardeais
que nao de orientar todo o povo de Deus neste pós-concílio. É notável

— 512 —
o equilibrio que inspira tais páginas: «A Igreja é, simultánea e índis-
solüvelmente, humana e divina, visivel e invisivel, ativa e contempla
tiva, presente e peregrina. Esposa de Cristo, portadora da Graca e da
Salvacáo — senté Ela o dever de se manter transcendente e distinta,
sem confundir-se com a cidade terrena. Luz dos Povos, sal da térra —
deve Ela estar inserida no tempo e no espaco, a servigo dos homens,
atenta aos sinais dos tempos. Nao se pode escolher. Os dois aspectos
— de transcendencia e de encarnacáo — sao igualmente verdadeiros e
essenciais. Há, portar.to, duas atitudes a evitar: a primeira é a daque-
les para os quais o que importa é a insercáo no tempo e a adaptacao
ao mundo a todo custo, mesmo sacrificando o Depósito da fé, se pre
ciso fór. A segunda é a dos adeptos da intransigencia e da ruptura.
Para éles so há um caminho a seguir: fugir do mundo e darlhe com
bate, organizando urna cruzada contra os inimigos de Cristo» (p. t>).
A leitura do documento — que deve ser agregado á bibliografía
teológica do Brasil — fará grande bem a numerosos sacerdotes e leigos
de todo o Brasil.

Do Evangelho do coracuo ao coracáo do Evangelho, por Francisco


Zbik. — Editora Laudes, Rio de Janeiro 1970, pp. 143 x 210 mm.
O autor déste livro é um sacerdote polonés, que muito se reco-
menda por seu passado sofrido e heroico. Professor do Seminario
Arquidiocesano do Rio de Janeiro, entrega agora ao público o fruto de
profundas meditacBes sobre o Decálogo, o Sermáo da montanha e
outros textos biblicos. Ora escreve em ritmo de prece, dialogando; ora
monologa, usando sempre de linguagem calorosa e penetrante. O tema
dominante dessas meditacóes é a retidáo de vida ou a coerencia do
cristáo com o Evangelho. O autor sabe ser original em seu estilo,
recorrendo a imagens muito ousadas e construgdes ás vézes poéticas.
Tenham-se em vista, por exemplo, as seguintes passagens:
«Eu estive no cerebro do dentista e ele se esforcava para arrasar
as provas da existencia de Deus. Com isso, ele abusava da luz do Altis-
simo atribuindo-se indevidamente a fórca de gerarse a si mesmo e
de ser gerador de sua luz intelectual. E Eu, o Verbo de Deus encarnado,
lhe assistia como se segurasse um quebra-luz destinado á inteligencia
humana... E ele nem sequer me disse 'Deus lhe pague pela minha
vontade de Me revelar a ele...
Eu me agarrei ao peito do ladráo, quando ele se preparava para
roubar alguém mais pobre do que ele mesmo. O infeliz nao sabia que
com um tal ato ia violar o seu próprio coracao e expulsar do recanto
táo benquisto o Inquilino divino que sou Eu» <pp. 58s).
O livro se recomenda vivamente a todo leitor que deseje encon
trarse copsigo mesmo e com o Divino Amigo.

Recebemos de Frei Fidélis Dalcin Barbosa dois livros de sua auto


ría- «O Anjo Branco» e «Urna Estréla no Céu». Éste último vem a ser
a biografia da jovem Maria Elizabeth de Olíveira, que, falecida em
Passo Fundo na véspera de seus quinze anos (28-XI-1965), goza de
fama de santidade. Atribuem-se-lhe numerosas grapas. — Editora Sao
Miguel, C. P. 233, Caxias do Sul (RS).
E. B.
NO PRÓXIMO NÚMERO :

«Clero e Govérno nafalistas !»

Documentos de Medellín

Pedro, pedra fundamental

«Terá sido ligado» oo «será ligado» ?

«Sao Carlos Magno»

«Oracao aos Macons»

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

, porte comum Cr$ 20,00


Assinatura anual y
1970 porte aéreo Cr$ 25,00

Número avulso de qualquer mes e ano Cr$ 2,00


Número especial de abril de 1968 Cr$ 3,00
Volumes encadernados: 1957 a 1969 (prego unitario) .. CrS 20,00

Índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00


índice de qualquer ano Cr$ 2-00
Encíclica «Populorum Progressio» Cr$ 1,00
Encíclica «Humanae Vitae* (Regulacáo da Natalidade). CrS 1,00

EDITORA BETTENCOURT LTDA.

BEDAQAO ADMINISTRAgAO
Calxa postal 2.G66 Búa Senador Dantas, 117, sala 1134
Tel. : 221-9178

Rio de Janeiro (GB) Rio de Janeiro (GB) -ZC-06

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